Grande parcela dos usuários que utilizam as redes sociais adora participar dos de concursos culturais divulgados na rede por jornais, revistas, empresas do segmento digital e organizações criadas especificamente para tal fim, onde os concursos oferecem, não raras vezes, uma premiação para o candidato vencedor. Pois bem, talvez os concursos culturais e artísticos com distribuição gratuita de prêmios, um verdadeiro “frisson” em novas redes sociais como o instagram, comecem a desaparecer do cotidiano dessas mídias, isto porque, há alguns dias o Ministério da Fazenda editou a Portaria n.º 422 /2013 que ampliou a necessidade de autorização para a distribuição gratuita de prêmios quando realizada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou modalidade assemelhada, restringindo a utilização desmedida de concursos culturais, artísticos e desportivos.
A partir da publicação da portaria em 22 de julho de 2013, todo tipo de concurso nas mídias sociais que veicular a propaganda de um produto ou marca dependerá de autorização na Caixa Econômica Federal para ser realizado, ficando sujeito às normas contidas pela antiga lei n.º 5.768 de 1971, dentre elas o pagamento de taxa de fiscalização.
O inciso X do artigo 2º da Portaria 422 determina que “fica descaracterizado como exclusivamente artístico, cultural , desportivo ou recreativo” a “realização de concurso em rede social, permitida apenas sua divulgação no referido meio”.
Interpretando o dispositivo conclui-se que qualquer concurso realizado em uma rede social não poderá mais receber a nomenclatura de “cultural” ou “artístico”, permitindo-se, entretanto a divulgação de algum outro concurso artístico e cultural pelas mídias sociais, desde que realizado em outro veículo ou forma.
O que a primeira vista pode parecer um completo absurdo possui algumas razões de ser quando observamos friamente as finalidades de certos “concursos culturais”. Muitas empresas utilizavam-se da forma concurso cultural para realização de verdadeira promoção comercial, tendo como intuito primeiro a divulgação de marca ou produto. Agindo dessa maneira evitavam a necessidade de autorização na CEF ou na Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, camuflando uma ação promocional e tornando-a mais célere. Fica evidente que certos concursos realizados o intuito comercial se sobressai ao cultural, como por exemplo, aqueles com o objetivo da resposta mais criativa do consumidor na troca de um par de produtos da empresa, uma vez que patente a elevada intenção de propaganda da marca em face da produção de arte ou cultura dos participantes.
A intenção da Portaria n.º 422 do MF ao excluir as redes sociais como meio de realização de concursos culturais, artísticos ou recreativos foi uma forma, diga-se de passagem, infeliz, de coibir a disseminação de spams intitulados de concursos.
A Lei Federal n.º 5.768 de 1971, no inciso II do seu artigo 3º, exclui da necessidade de autorização e regime específico a “distribuição gratuita de prêmios em razão do resultado de concurso exclusivamente cultural artístico, desportivo ou recreativo, não subordinado a qualquer modalidade de sorte ou pagamento pelos concorrentes, nem vinculação destes ou dos contemplados à aquisição ou uso de qualquer bem, direito ou serviço”. Salvo melhor juízo, penso que os concursos de fotografia realizados em mídias sociais se incluem exatamente nessa hipótese exclusiva da lei federal, não está em pauta nesse caso uma estratégia de marketing visando alavancar a venda de produtos, marcas ou imagens.
Cabe mencionar que a referida lei foi regulamentada pelo Decreto n.º 70.951 de 09 de agosto de 1972, onde foi reiterada, em seu artigo 30, a exclusão dos concursos cultural, artístico, desportivo ou recreativo da necessidade de autorização.
Todavia, ao interpretar os dispositivos e observar as próprias diretrizes da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE)1 denota-se que há uma clara intenção do legislador em desburocratizar e estimular os concursos destinados a premiar talentos artísticos ou, simplesmente, oferecer lazer, sem conotações de mercado, salvo, naturalmente, a promoção da marca, sem quaisquer outras implicações. A ausência de sorte (álea) é determinante para a caracterização de evento cultural, pois a consequente premiação é consequência de algum mérito do concorrente.
Como já exposto, os concursos que premiam frases que contenham o nome da empresa patrocinadora não poderão ser classificado como cultural, como também concursos que exigem o preenchimento de cadastros cujo propósito é a venda de seus dados a outros empreendedores.
Surge então a questão jurídica: a portaria publicada no último dia 22 de julho de 2013 poderia restringir as hipóteses permitidas pelo Decreto n.º 70.951? Entendo que não. Houve uma incompetência formal na edição da Portaria, o que poderia levar a uma discussão judicial por empresas lesadas. Ao analisar sumariamente o CTN (Código Tributário Nacional) nota-se que os atos normativos expedidos pelas autoridades (portarias, resoluções, instruções normativas, ordens de serviços, etc.) são hierarquicamente inferiores às leis e aos decretos e servem, sobretudo, de orientação para os contribuintes e para os agentes do fisco2. Desse modo, as portarias competem o ato interpretativo de leis e decretos, de tal sorte, se essa interpretação discrepa da lei ou do regulamento estamos diante de uma ilegalidade do ato3.
Portanto, a Portaria n.º 422 do MF ao incluir a exigência de autorização e pagamento de taxa de fiscalização (Portaria n.º 215/06) a qualquer concurso realizado em redes sociais, mesmo nos casos em que o decreto (70.951) e a lei instituidora (5.768/71) o exclui dessa exigência, considerando o caráter cultural e de mérito do concurso, acaba por criar norma nova, não se limitando a interpretação dos outros atos hierarquicamente superiores (decreto e lei), extrapolando o seu exercício interpretativo, suscetível de declaração de ilegalidade aos contribuintes lesados e autuados nos moldes da malfadada Portaria que, inclui nas penas de descumprimento, multa de 100% dos prêmios prometidos e/ou a proibição de realizar promoções durante o prazo de 2 (dois) anos.
Por outro lado, se não bastasse à ilegalidade, a Portaria foi infeliz ao excluir todos os concursos realizados em redes sociais, demonstrando total desconhecimento de causa e de direito, tendo em vista que existem sim concursos culturais, artísticos ou recreativos nas mídias sociais, como por exemplo, os concursos fotográficos, mesmo que patrocinados por alguma empresa de atividade industrial ou comercial, que visam premiar e incentivar alguma qualidade artística do vencedor, sendo que a divulgação da foto vencedora se sobressai a eventual marca patrocinadora do concurso, além da existência de claro oferecimento de lazer, sem conotações de mercado, o que é permitido pelo Decreto Federal e observado nas instruções da Secretaria de Acompanhamento Econômico.
Notas
1 https://www.seae.fazenda.gov.br/servicos_main/promocoes/faq#p1 extraído em 29.07.2013
2 Art. 100. do CTN.
3 MACEDO OLIVEIRA, José, in Código Tributário Nacional, Ed. Saraiva, 1998, p. 100