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Do reexame necessário à luz da Constituição Federal:

tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública

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19/12/2013 às 14:15
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6.    Hipóteses de cabimento do reexame necessário no CPC

Conforme o inciso I do artigo 475 do CPC, já transcrito alhures, estão sujeitas ao duplo grau obrigatório, não produzindo efeito enquanto não houver a confirmação do Tribunal, as sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público.

Deve-se observar que, até a edição da Lei 9.469, de 10.07.1997, doutrina e jurisprudência discutiam acerca da possibilidade de extensão da apelação ex officio às autarquias e fundações públicas. Na época, o STF chegou a editar a Súmula 620 referindo que a sentença proferida contra as autarquias não estava sujeita ao reexame necessário, exceto quando sucumbente em execução de dívida ativa. Na mesma esteira seguiu o TFR ao editar o Enunciado 34, assim como as decisões do STJ.

O entendimento somente mudou quando foi editada a MP 1.561/1997, posteriormente confirmada pela Lei 9.469/1997, que assim dispôs: “Aplica-se às autarquias e fundações públicas o disposto nos arts. 188 e 475, caput, e no seu inciso II do Código de Processo Civil”.[9]

Com a reforma do CPC, trazida pela Lei 10.352, de 26.12.2001, as autarquias e fundações públicas foram expressamente incluídas no inciso I do citado artigo.

Para Welsch (2010, p. 59), “sobre tal acréscimo produzido pela reforma é importante observar que, na verdade, apenas procurou-se positivar a matéria, uma vez que a prática forense há muito já admitia a inclusão das autarquias e fundações públicas no rol dos entes protegidos pelo reexame necessário”.

Da análise do dispositivo, pode-se concluir também que não se submetem ao reexame necessário as sentenças proferidas contra empresas públicas e sociedades de economia mista, uma vez que possuem personalidade jurídica de direito privado. O fundamento para tal exclusão está no inciso II do § 1° e no § 2° do artigo 173 da Constituição Federal, que dispõem, respectivamente, que elas se sujeitarão a regime jurídico próprio das empresas privadas e não poderão gozar de tratamento diferenciado nem de privilégios não extensivos às empresas do setor privado.

Também se pode deduzir que apenas se submetem ao duplo grau de jurisdição sentenças que resolvem o mérito. Estão excluídas as sentenças terminativas, conforme entendimento do STJ[10], as decisões interlocutórias e os despachos.

“Os acórdãos, mesmo nos casos de competência originária de tribunal, por serem decisões colegiadas não estão sujeitos ao reexame obrigatório” (NERY JUNIOR; NERY, 2003, P. 813).

Jorge Tosta (2005, p. 236) ressalta que não são todas as sentenças terminativas que estão excluídas da reapreciação pelo Tribunal ad quem. Refere o jurista que se deve observar o momento em que é proferida a sentença e se ela traz prejuízo ao Erário. Se a sentença que extingue o processo, sem resolução de mérito, em que a Fazenda é autora, é proferida ab initio, ou seja, antes de o réu integrar a relação jurídica processual, não está sujeita ao reexame necessário, pois não traz prejuízo ao Erário. A contrario sensu, se pronunciada a extinção do processo após o réu integrar a relação jurídica processual, havendo, assim, imposição dos ônus da sucumbência ao ente público autor, cujo valor da condenação ultrapassa 60 (sessenta) salários mínimos, deve a sentença ser submetida ao reexame necessário[11], já que nesse caso ocorreu prejuízo ao patrimônio público.

De forma a subsidiar seu posicionamento, Tosta traz a lume entendimento do STJ[12] que considera reformatio in pejus a decisão do tribunal local que, em reexame necessário, impõe a Fazenda Pública a condenação em honorários advocatícios quando a sentença de primeiro grau não o fez. Ressalta que, em sede de reexame necessário, não pode o Tribunal impor à Fazenda condenação em verba honorária quando a sentença não a tenha fixado[13], de igual modo a sentença que condenou o ente público autor nos ônus de sucumbência, mesmo sem julgar o mérito, deve submeter-se ao reexame necessário . Em ambos os casos, o objetivo é evitar que, do ponto de vista prático, o erário sofra prejuízo indevido (TOSTA, 2005, p. 236-237).

Nelson Nery Junior (2003, p. 814) advoga em sentido contrário ressaltando que a sentença extintiva de mérito não é sentença proferida contra a Fazenda Pública ou a autarquia, pois haveria somente o reconhecimento judicial de que não se poderia examinar a questão de fundo, motivo pelo qual essa sentença não é passível de remessa obrigatória.

Ainda a respeito do inciso I do artigo 475 do CPC, pode-se questionar se incide ou não o reexame necessário em ações promovidas por um ente da Fazenda Pública contra outro. A resposta é afirmativa. Incide, sim, o reexame necessário seja quem for o sucumbente, pois o citado dispositivo não faz distinção no sentido de exigir o reexame apenas se a parte adversa da Fazenda Pública for pessoa natural ou pessoa jurídica privada ou, ainda, entidade sem personalidade jurídica, conforme bem destaca Pedro Roberto Decomain (2012, p. 110).

Outra questão que pode ser levantada da análise do inciso I do artigo 475 do CPC diz respeito à sentença proferida em processo no qual a Fazenda Pública figure como assistente simples do réu e ele restar sucumbente. A dúvida é se essa sentença estaria sujeita ou não ao reexame necessário.

A resposta, conforme Leonardo José Carneiro da Cunha, é pela não incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório quando a Fazenda Pública figurar como assistente simples do réu no caso de ele vir a ser derrotado. Alega o jurista que o assistente simples não adquire a condição de parte, figurando como mero auxiliar de uma delas (2007, p.188).

O certo é que o assistente não adquire a condição de parte, nem se sujeita à coisa julgada material. Ora, já se viu que o reexame necessário constitui condição de eficácia da sentença, de forma que não se produz coisa julgada enquanto a sentença não for revista pelo tribunal. No caso de a Fazenda Pública ser assistente simples, não haverá sentença contra ela proferida, não sendo hipótese, portanto, de reexame necessário (DA CUNHA, 2007, p. 188).

No mesmo sentido é o ensinamento de Athos Gusmão Carneiro (2003, p. 151).

O terceiro, ao intervir no processo na qualidade de assistente, não formula pedido algum em prol de direito seu. Torna-se sujeito do processo, mas não se torna parte. O assistente insere-se na relação processual com a finalidade ostensiva de coadjuvar a uma das partes, de ajudar ao assistido, pois o assistente tem interesse em que a sentença venha a ser favorável ao litigante a quem assiste.

Prosseguindo a análise, vê-se que o inciso II do artigo 475 do CPC também foi alterado pela Lei 10.352. A reforma foi responsável por corrigir o defeito do anterior inciso III do citado artigo. A redação, que antes se referia ao duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos de improcedência da execução de dívida ativa, passou a prever o reexame necessário nos casos de procedência, total ou parcial, dos embargos à execução de dívida ativa, “situação que impõe a desconstituição total ou parcial do título que apoiou a ação executiva proposta pelo ente público” (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 22). A impropriedade terminológica advinha do fato de que na execução não se deve falar em improcedência do pedido satisfativo, pois não há propriamente uma apreciação cognitiva. Todavia, é possível, em certas situações, falar-se em improcedência dos embargos à execução, pois nesse é que há uma efetiva atividade cognitiva, conforme resume Gisele Welsch (2010, p. 64).

Ao se analisar a redação do inciso II do artigo 475, pode-se observar que não está tratando da sentença do artigo 795 do CPC. Esta encerra o processo (extintiva). Aquele, trata da incidência do duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos de procedência, total ou parcial, dos embargos à execução fiscal. Assim, conforme Welsch, não se deve aplicar o dispositivo quando se tratar de execução diferente da oriunda de dívida ativa (2010, p. 63).

Para Jorge Tosta (2005, p. 189), o citado inciso II tornou-se totalmente dispensável ante o que agora dispõe o inciso I, pois este já se refere à sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, o que também abrange os casos de procedência dos embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

Quando o juiz profere sentença julgando procedentes embargos à execução de dívida ativa está, sem dúvida alguma, julgando contra a Fazenda Pública, pois além de inviabilizar a cobrança do débito fiscal naquele feito, impõe a ela a condenação nas verbas de sucumbência (TOSTA, 2005, p. 189).

Por outro lado, a 2ª Turma do STJ[14], suplantando o decidido no Recurso Especial 228.691/RJ[15], entendeu que, da análise sistemática dos incisos I e II do artigo 475 do CPC, pode-se concluir que o inciso I se aplica somente ao processo de conhecimento e que o inciso II se aplica apenas aos embargos à execução de dívida ativa. Observe-se:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. REEXAME NECESSÁRIO. ART. 475, II, DO CPC. SENTENÇA DE MÉRITO. ART. 269, IV, DO CPC.

1. O reexame necessário, com base nos incisos I e II do art. 475 do CPC, limita-se ao processo de conhecimento e aos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública, afastando a obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição em caso de sentença que julga extinta execução fiscal sem exame de mérito, como na presente hipótese.

2. Havendo sentença de mérito, como é o caso, há obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, já que a execução fiscal foi julgada extinta nos termos do artigo 269, inciso IV, do Código de Processo Civil.

3. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Agravo regimental provido. (sem grifo no original)

“Significa que o reexame necessário previsto no inciso I do art. 475 do CPC refere-se, apenas, ao processo de conhecimento, não se estendendo para embargos do devedor opostos em execução movida contra ou pela Fazenda Pública, salvo se a execução for fundada em dívida ativa” (CUNHA, 2007, p. 186).

(...) para que se garanta a incidência do recurso de ofício, é necessário que o julgamento seja proferido em embargos opostos por pessoa executada pela Fazenda Pública, apoiando-se a execução na constituição da dívida ativa (art. 2º da Lei 6.830/80). Se a sentença dos embargos for proferida em qualquer outra situação, mesmo que desfavorável à Fazenda Pública, o reexame necessário não se confirma, como, por exemplo, com a sentença proferida em embargos à execução opostos pela Fazenda Pública na tentativa de desconstituir o título que apoiou execução contra ela proposta nos termos do RESP 425.052-SC, 12.11.2002. (MONTENEGRO FILHO, 2009, p. 22).

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Para melhor compreensão, podem-se utilizar excertos do voto condutor nos Embargos de Divergência 251.841/SP, da relatoria do Min. Edson Vidigal (Corte Especial, DJU de 03.05.04):

Estou entre aqueles que entendem que o legislador, ao tratar do exame necessário no processo de conhecimento, determinou a sua aplicação sempre que a sentença for desfavorável à União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público (art. 475, I), mas que, no tocante ao processo de execução, limitou seu cabimento somente aos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública (CPC, art. 475, II).

Partindo de uma interpretação sistemática, é de se concluir que se a intenção do legislador fosse determinar o reexame necessário para todas as sentenças contrárias à Fazenda Pública, tanto no processo de conhecimento quanto no de execução, bastaria o comando inserto no art. 475, I, para que todos os casos fossem abrangidos.

Todavia, mediante outro inciso (art. 475, II), fez questão de impor expressamente a remessa necessária para apenas uma determinada situação jurídica no processo de execução: nos casos de procedência, no todo ou em parte, de embargos opostos em execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

Portanto, ante a necessidade de inserir essa específica determinação legal relativa ao processo de execução, é de se concluir que o comando inserto no inciso anterior (art. 475, I) diz respeito tão-somente ao processo de conhecimento.[16] (sem grifo no original)

Todavia, desse entendimento não compartilha Jorge Tosta. Para ele (2005, p. 209), o art. 475, I, do CPC não restringe a incidência do reexame necessário apenas à sentença proferida no processo de conhecimento, e aplica-se ao processo de execução. Alega que se o objetivo do reexame necessário é evitar que eventuais erros da sentença possam causar prejuízos ao Erário, é decorrência lógica que tal situação também pode ocorrer no julgamento dos embargos à execução fundada em título executivo judicial (artigos 604 c/c 730 do CPC). Como exemplo, cita a hipótese de o juiz rejeitar os embargos à execução nos quais a Fazenda demonstra de maneira inequívoca que o demonstrativo do débito apresentado com a execução é exorbitante.

Em relação ao citado inciso II do artigo 475 do CPC, deve-se deixar registrado que, ainda que a sentença seja de procedência apenas parcial dos embargos à execução, o reexame necessário incidirá desde que o valor do crédito excluído da execução fiscal seja superior a sessenta salários mínimos ou se a decisão não tiver sido fundamentada em jurisprudência do Plenário do STF ou em súmula deste ou de outro Tribunal Superior competente.

Questão interessante que emerge da análise do dispositivo ora em questão diz respeito à hipótese da sentença que extingue execução fiscal acolhendo exceção de pré-executividade. Estaria ela sujeita ao reexame necessário?

Pedro Roberto Decomain defende que sim sob o seguinte argumento:

Embora não haja sido prolatada em embargos à execução fiscal, é forçoso reconhecer que a situação de reexame necessário mencionada no inciso II do art. 475 (procedência dos embargos à execução) na verdade já está de todo modo compreendida no inciso I (sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, autarquia ou fundação pública de qualquer deles). Se a sentença que extingue a execução pela procedência de embargos fica sujeita a reexame necessário, também o deve ficar aquela que extingue a execução acolhendo exceção de pré-executividade. (2012, p. 112).

Todavia, ressalta o jurista que, se a exceção de pré-executividade for acolhida apenas parcialmente, então, formalmente, o reexame necessário não seria cabível, uma vez que não se estaria em face de sentença como requer o artigo 475 do CPC, mas de decisão interlocutória. Por outro lado, do ponto de vista substancial, ele alerta que a situação não difere daquela do acolhimento parcial dos embargos (DECOMAIN, 2012, p. 112).

Formalmente, a decisão que lhes dá provimento parcial extingue o processo de embargos à execução resolvendo o mérito, e por isso pode ser considerada sentença. Ocorre que, do ponto de vista da essência, nada se altera, eis que no provimento parcial dos embargos à execução, esta prossegue pelo saldo, exatamente como acontece com o acolhimento apenas parcial da exceção de pré-executividade. Por isso mesmo, pessoalmente, se crê ficar sujeita a reexame necessário também está última decisão, embora, como dito, formalmente não deva ser havida como sentença (DECOMAIN, 2012, p. 112).

O STJ, por sua vez, trata da questão sob a ótica do conteúdo da decisão, ratificando seu entendimento de que, em decisões de mérito, é obrigatório o duplo grau de jurisdição. Tal orientação é possível de ser extraída da interpretação a contrario sensu do julgado transcrito a seguir.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO.

1. O reexame necessário, previsto no artigo 475, do Código de Processo Civil, somente se aplica às sentenças de mérito (Precedentes do STJ: REsp 781.345/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 29.06.2006, DJ 26.10.2006; REsp 815360/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 04.04.2006, DJ 17.04.2006; REsp 640.651/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18.10.2005, DJ 07.11.2005; REsp 688.931/PB, Rel. Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, julgado em 14.12.2004, DJ 25.04.2005; e AgRg no REsp 510.811/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 19.08.2004, DJ 27.09.2004).

2. In casu, a extinção do executivo fiscal se deu em virtude do acolhimento de exceção de pré-executividade, uma vez configurada carência da ação por ausência de interesse de agir.

3. Recurso especial provido.

(REsp 927.624/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2008, DJe 20/10/2008). (sem grifo no original).

Dando-se prosseguimento à análise do artigo 475 do CPC, passa-se ao seu § 1°, o qual dispõe que, nos casos previstos neste artigo (incisos I e II), o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. Todavia, não impõe prazo para o juiz remetê-los. O ideal é que os autos sejam remetidos à instância superior apenas após o encerramento do prazo para que a Fazenda Pública beneficiária ou o Ministério Público interponham recurso. Ou seja, “somente depois que este prazo se houver escoado sem a interposição de apelação por qualquer deles, ou depois que este recurso já houver sido interposto, é que os autos haverão que ser remetidos ao Tribunal” (DECOMAIN, 2012, p. 117).

Da nova redação do dispositivo, verifica-se que o § 1°, antigo parágrafo único, teve suprimida de seu texto a palavra “voluntária”, donde se conclui que apelação sempre se refere àquela feita voluntariamente. Assim, apresentado ou não recurso de apelação, seja pela Fazenda Pública ou pelo particular, os autos subirão obrigatoriamente para segunda análise. Se assim não for feito pelo magistrado a quo, o presidente do tribunal deverá avocá-los. Conforme lembrado por Leonardo José Carneiro da Cunha, a omissão poderá ser corrigida pelo juiz a qualquer tempo por iniciativa própria ou por provocação das partes, uma vez que não há preclusão quanto à matéria (2007, p. 189).

A ausência de reexame necessário, quando obrigatório, impede o trânsito em julgado nos termos da Súmula 423 do STF – “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex lege”.

Convém lembrar que, como o reexame necessário não tem natureza recursal, não está sujeito a preparo, não admite a apresentação de contrarrazões pela parte vencedora, nem recurso adesivo (CUNHA, 2007, p. 189).

Determinada, pelo juiz a quo, a remessa dos autos ou sendo eles avocados pelo Tribunal, o procedimento que se adotará é aquele previsto no Regimento Interno do respectivo Tribunal. “O que se percebe, em verdade, é que o procedimento para o processamento e julgamento do reexame necessário é idêntico ao da apelação” (CUNHA, 2007, p. 190). Assim, aplica-se ao reexame necessário o disposto no artigo 552 do CPC, que exige a inclusão do seu julgamento em pauta com, no mínimo, 48 horas entre a publicação da pauta e o julgamento, sob pena de nulidade como também se aplica o artigo 557 do CPC e seu § 1°-A nos termos da Súmula 253 do STJ – “O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário”.

O tribunal a que se refere o caput do art. 475 do CPC não se restringe ao órgão colegiado. Hoje, com a nova sistemática implantada pelo art. 557 do CPC, é forçoso reconhecer que todo e qualquer recurso ou procedimento a ele assemelhado quanto ao processamento (como é o caso do reexame necessário) pode ser decidido pelo relator nas hipóteses mencionadas no citado dispositivo legal.

(...)

Certamente a circunstância de a lei referir-se apenas a recurso e não à remessa obrigatória não é óbice à aplicação do art. 557 do CPC ao reexame necessário. Mesmo porque, sendo o processamento do reexame necessário em tudo e por tudo igual à apelação, não há razão alguma para se negar àquele a incidência da norma prevista no citado artigo. (TOSTA, 2005, p. 241 e 243).

No mesmo sentido leciona Misael Montenegro Filho:

O fato de a questão ser reapreciada por um só magistrado não desnatura o instituto, considerando que a exigência repousa na preocupação de que a causa seja revista, não necessariamente por um Colegiado, bastando que uma segunda opinião seja manifestada nos autos, esperada em virtude da preocupação com a segurança jurídica das relações que envolvem a Fazenda Pública (2009, p. 24).

Convém advertir, aqui, que o artigo 557 do CPC deverá ser aplicado com nuances. No caso, o relator não poderá negar seguimento a recurso contrário à jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou de Tribunal Superior, mas deverá aplicar o disposto no § 3° do artigo 475 do CPC – que será analisado logo adiante, o qual determina que não haverá reexame necessário quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente.

A melhor exegese indica que a aplicação do art. 557 do CPC, em se tratando de reexame necessário, só deve ocorrer quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou do Tribunal Superior competente. Isso para evitar contradição entre as decisões monocráticas regionais, em prejuízo da segurança jurídica e da uniformidade de interpretação da legislação federal e da Constituição da República. (TOSTA, 2005, p. 244).

Assim, após a análise do § 1° do artigo 475 do CPC, que dispõe acerca do procedimento do duplo grau de jurisdição obrigatório, passa-se à análise dos § § 2° e 3°, os quais contemplam os temperamentos do instituto, impedindo a remessa nas causas de pequeno valor, ou seja, as que não ultrapassarem sessenta salários mínimos e quando houver jurisprudência do plenário do STF ou súmula deste ou de outro tribunal superior (GATTO, 2011, p. 242).

O § 2° disciplina que não haverá reexame quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

Para Francisco Glauber Pessoa Alves (2002, p. 31), da leitura do § 2°, pode-se concluir que, além das causas envolvendo a condenação da Fazenda Pública em valor inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, ele exclui, também, da incidência do reexame necessário as causas meramente declaratórias ou constitutivas.

Ao analisar o § 2° do artigo 475 do CPC, Araken de Assis (2007, p. 856) destaca dois problemas que atravancam sua correta interpretação e aplicação prática. O primeiro diz respeito ao valor do crédito da Fazenda Pública. O segundo refere-se à exigência de “valor certo” não superior a 60 (sessenta) salários mínimos.

Em relação ao valor do crédito da Fazenda Pública, observa Araken (2007, p. 856) que o artigo 87 do ADCT da Constituição Federal de 1988, alterado pela EC 37/2002, estipula limites diferentes e menores para a Fazenda Pública dos Estados-membros (40 salários mínimos) e dos Municípios (30 salários mínimos). Nesse caso, poder-se-ia cogitar de uma revogação parcial do § 2° do artigo 475 do CPC na seara das Fazendas estadual, distrital e municipal em virtude da emenda constitucional superveniente. Para o jurista, no mínimo, faz-se necessário realizar uma interpretação consentânea com os incisos I e II do artigo 87 do ADCT da CF/1988, subordinando-se ao reexame todas as sentenças cuja repercussão exceda os referidos limites.

No que tange ao segundo entrave apontado por Araken (2007, p. 856) – “valor certo” – que significa valor quantificado economicamente, valor líquido, o doutrinador ressalta que a previsão normativa é inócua, pois são raros os pronunciamentos que atingem tal nível de perfeição e que a exigência de que o “valor certo” seja indicado expressamente no provimento torna impraticável a disposição.

Convém seja observado que o STJ posicionou-se no sentido de que a expressão “valor certo” deve ser aferida quando da prolação da sentença e, se não for líquida a obrigação, deve-se utilizar o valor da causa, devidamente atualizado, para que seja feito o cotejo com o parâmetro limitador do reexame necessário.[17]

Neste contexto, decidiu-se que é incabível a remessa oficial quando o valor controvertido, assim entendidas as parcelas vencidas antes do ajuizamento da ação, somadas a 12 (doze) posteriores, conforme artigo 260 do Código de Processo Civil, ficam abaixo de 60 (sessenta) salários mínimos, consoante se vê à fl. 121:

"No caso dos autos o valor do direito controvertido, assim entendidas as parcelas vencidas antes do ajuizamento da ação somadas a 12 posteriores (art. 260 do CPC), como se pode constatar de uma simples consulta aos elementos que estão nos autos, fica abaixo de sessenta salários mínimos, razão pela qual não conheço da remessa oficial." grifo nosso.

Portanto, impõe-se considerar o espírito do legislador que, com a intenção de agilizar a prestação jurisdicional, implementou diversas alterações recentes no Código de Processo Civil, como a do caso vertente com relação ao parágrafo 2º do artigo 475 do Estatuto Processual.

Desta forma, não é razoável obrigar-se à parte vencedora aguardar a confirmação pelo Tribunal de sentença condenatória cujo valor não exceda a 60 (sessenta) salários mínimos.

Em sendo assim, a melhor interpretação à expressão "valor certo" é de que o valor limite a ser considerado seja o correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos na data da prolação da sentença, porque o reexame necessário é uma condição de eficácia desta.

Assim, será na data da prolação da sentença a ocasião adequada para aferir-se a necessidade de reexame necessário ou não de acordo com o "quantum" apurado no momento.

Neste sentido, quanto ao "valor certo", deve-se considerar os seguintes critérios e hipóteses orientadores: a) havendo sentença condenatória líquida: valor a que foi condenado o Poder Público, constante da sentença; b) não havendo sentença condenatória (quando a lei utiliza a terminologia direito controvertido - sem natureza condenatória) ou sendo esta ilíquida: valor da causa atualizado até a data da sentença, que é o momento em que deverá se verificar a incidência ou não da hipótese legal.[18] (sem grifo no original).

Todavia, insta seja destacado que há julgado, mais remoto, no próprio STJ apontando que não deveria ser utilizado o valor da causa como parâmetro. Dever-se-ia buscar o valor da condenação ou do direito controvertido. O fundamento da decisão é de que o critério do valor da causa é de natureza essencialmente econômica, não suscetível de ser aplicado às causas fundadas em direito de outra natureza.[19]

Outra questão levantada em relação ao § 2° do artigo 475 do CPC diz respeito à cumulação subjetiva em litisconsórcio ativo quando as pretensões consideradas individualmente não atingem o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. A dúvida que emerge é se deve ser considerado o valor global da condenação ou o valor per capita.

 Flávio Jorge Cheim, Fredie Didier Jr. e Marcelo Abelha Rodrigues compartilham o entendimento de que, mesmo havendo relações jurídicas distintas, o processo deve ganhar outra dimensão econômica em sua estrutura, devendo a condenação ser vista como um todo, apesar de cada um dos litigantes receber sua cota parte individualmente (2003, p.128-129).

Porém, o STJ possui entendimento diverso. No Recurso Especial 314.130/DF, em que foi relator o Min. Jorge Scartezzini, julgado em 25.05.2004[20], restou assentado que na cumulação subjetiva, o litisconsórcio se forma não em razão de um só fato, mas em razão de um fundamento de fato. O que há, na realidade, é identidade fática na situação de todos os recorrentes. Daí a existência de um só processo, em que há tantas relações jurídicas processuais quanto são os litisconsortes. Desse modo, no litisconsórcio ativo voluntário, o valor da causa é determinado pela divisão do valor global pelo número de litisconsortes, aplicando-se a Súmula 261 do extinto TFR[21].

Por fim, deve-se destacar que o valor do salário mínimo a ser levado em conta é aquele em vigor na data da publicação da sentença e que deve ser levado em consideração não apenas o valor do principal a cujo pagamento a Fazenda Pública haja sido condenada, mas também o valor dos consectários legais correspondentes – correção monetária e juros moratórios – até a data da publicação da sentença, acrescido esse valor dos honorários advocatícios. Se essa soma for superior a sessenta vezes o salário mínimo em vigor na data da publicação da sentença, o reexame necessário incidirá (DECOMAIN, 2012, p. 110).

No que tange ao temperamento contido no § 3° do artigo 475 do CPC, vê-se que ele dispensa de reexame a sentença contrária ao Poder Público que estiver fundada em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou do tribunal superior competente mesmo que condenada a Fazenda Pública em quantia superior a 60 (sessenta) salários mínimos. O objetivo da exceção é a “uniformização da posição das altas cortes, afastando o reexame de demandas decididas sob o pálio dos tribunais que já estabeleceram a interpretação a ser dada para as normas do caso” (GATTO, 2011, p. 244).

Deve-se observar que o citado dispositivo não exige que a sentença esteja “fundamentada”, mas sim “fundada” em jurisprudência do plenário do STF ou em súmula deste ou de outro tribunal superior competente. Conclui-se, portanto, na esteira de Jorge Tosta (2005, p. 246), que não importa tenha o juiz de primeiro grau deixado de mencionar expressamente na fundamentação de sua sentença a jurisprudência do STF ou a súmula deste ou do respectivo Tribunal superior na qual se baseou, bastando que a sentença esteja em consonância com tal entendimento.

Em relação ao parágrafo ora analisado, importante destacar-se que a jurisprudência ou a súmula do tribunal superior que, invocada na sentença, dispensa o reexame necessário, há de ser entendida como aquela que diga respeito aos aspectos principais da lide, às questões centrais decididas, e não, necessariamente, aos seus aspectos secundários e acessórios. É o privilégio da força normativa da jurisprudência, no dizer de Welsch (2010, p. 71). Nesse sentido tem-se o entendimento do STJ, traduzido no voto do Rel. Min. Teori Albino Zavascky, no julgamento do Recurso Especial 572.890/SC.[22]

Ainda, é preciso atentar quando há vários capítulos no dispositivo da sentença. Refere Pedro Decomain que, quando há várias condenações, por exemplo – por se tratar de processo com cumulação de pedidos, sendo apenas um deles fundamentado em decisão plenária do STF ou em súmula dele ou de outro Tribunal Superior, apenas em relação a este capítulo da decisão é que deixará de incidir o reexame necessário. Será cabível em face dos demais aspectos do dispositivo (2012, p. 111).

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Sobre a autora
Marianna Martini Motta

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Marianna Martini. Do reexame necessário à luz da Constituição Federal:: tratamento desigual (i)legítimo da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3823, 19 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26194. Acesso em: 19 abr. 2024.

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