7. Tutela antecipada genérica (artigo 273) e tutela antecipada específica (artigos 461 e 461-A) em face da Fazenda Pública e o reexame necessário
Em 1994, o Código de Processo Civil (Lei 5.869) sofreu sua primeira minirreforma. Com a edição da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, foram inseridos no sistema processual civil pátrio os institutos da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273) e da tutela específica das obrigações de fazer ou não fazer (art. 461).
Conforme se depreende da leitura do artigo 273 do CPC, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista verossimilhança da alegação fundada em prova inequívoca, risco de lesão ou manifesto propósito protelatório do réu, além da ausência de irreversibilidade do provimento antecipatório.
Inserido o instituto no ordenamento jurídico processual, muito se questionou acerca da possibilidade ou não de ser concedida tutela antecipada em face da Fazenda Pública. A resposta não foi unânime. Inicialmente, a doutrina bipartiu-se.
Os que defendiam a inadmissibilidade da antecipação de tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública sustentavam-se no artigo 475 do CPC – a sentença somente produz efeito depois de sujeita ao reexame necessário. Questionavam como poderia ser concedida a tutela antecipada se é necessário o reexame da sentença pelo Tribunal para que a decisão produza seus efeitos.
Para Welsch (2010, p. 106), não faria sentido se impedir a antecipação de tutela em ações ordinárias com base na necessidade do reexame necessário, até porque este é apenas condição para a confirmação da sentença, e não da decisão interlocutória que concede a antecipação de tutela.
No mesmo sentido é o dizer de Leonardo José Carneiro da Cunha ao escrever que “(...) a simples existência do reexame necessário não é fator necessário e suficiente para impedir a concessão de provimentos antecipatórios contra a Fazenda Pública” (2007, p. 221).
Após muito debate a respeito, concluíram a doutrina e a jurisprudência que é possível, sim, a concessão de tutelas antecipadas em face da Fazenda Pública, exceto nos casos previstos na Lei 9.494/1997.
Entretanto, restou em aberto o questionamento acerca de incidir ou não o reexame necessário nas decisões interlocutórias, que antecipam os efeitos da tutela, proferidas contra a Fazenda Pública.
Em 1993, a Medida Provisória 375 chegou a prever instituto semelhante ao reexame necessário para as decisões interlocutórias. Dispunha em seu artigo 5° que a decisão concessiva de medida cautelar ou de liminar, devidamente fundamentada, deveria conter recurso de ofício para o Presidente do Tribunal competente para os recursos na causa. Entretanto, foi considerada inconstitucional pela ADI 975-3 (Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 15.12.1993, p. 27-691).
Rita Gianesini sustenta ser necessária a remessa obrigatória quando proferida decisão interlocutória que antecipa os efeitos da tutela contra a Fazenda Pública. Refere que
“(...) apesar de ser uma decisão interlocutória, há necessidade de a concessão da tutela antecipada ser reexaminada pelo tribunal. Se não for assim, esta tão propugnada celeridade criaria empecilhos ao próprio interesse público, o que não tem sentido algum” (GIANESINI, 2000, p. 173).
Entretanto, a jurisprudência atual do STJ não aceita a incidência do instituto da remessa em relação às interlocutórias que antecipam os efeitos da tutela, ainda que adentrem o mérito. Observe-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA PELA CORTE ESTADUAL. ENUNCIADOS NºS 282 E 356 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ANÁLISE DE SEUS PRESSUPOSTOS. REEXAME DE PROVAS. ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REEXAME NECESSÁRIO. ARTIGO 475 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
1. Em sendo a questão relativa à impossibilidade de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública (artigo 1º da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001), deduzida nas razões do recurso especial, estranha à decisão do Tribunal a quo, ressente-se, conseqüentemente, do indispensável prequestionamento, cuja falta inviabiliza o conhecimento da insurgência especial, a teor do que dispõem as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.
2. A verificação do atendimento aos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada (comprovação da verossimilhança e do receio de dano irreparável) envolve reexame de matéria fático-probatória, inapreciável em sede de recurso especial.
3. A decisão que antecipa os efeitos da tutela proferida no curso do processo tem natureza interlocutória, não lhe cabendo aplicar o artigo 475 do Código de Processo Civil, o qual se dirige a dar condição de eficácia às sentenças proferidas contra a Fazenda Pública, quando terminativas com apreciação do mérito.
4. Agravo regimental improvido. (sem grifo no original).[23]
Corroborando tal entendimento, tem-se a lição de Rui Portanova (2003, p. 268), ao referir que “não se pode perder de vista que o duplo grau obrigatório é princípio somente nas hipóteses expressamente previstas em lei. Logo, é impensável interpretação extensiva”.
Na mesma esteira segue Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 221):
(...) muito se discutiu sobre a submissão da decisão concessiva da tutela antecipada ao reexame necessário, quando contrária à Fazenda Pública, eis que satisfativa e antecipatória de mérito. A melhor solução é a que aponta para a não sujeição de tal decisão ao duplo grau obrigatório, porquanto não se trata de sentença. Haverá, isto sim, proibição de concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses elencadas na Lei 9.494/97, de que é exemplo a concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. Nesse caso, não se admite a antecipação de tutela, em razão de vedação legal que toma como premissa regras financeiras e orçamentárias. Em se tratando, no entanto, de caso em que seja permitida a tutela antecipada contra a Fazenda Pública, não há razão legal para submeter a correspondente decisão ao reexame necessário.
Misael Montenegro Filho também corrobora a tese da impossibilidade de incidir o artigo 475 do CPC nos casos de antecipações de tutela proferidas contra o Poder Público, o que faz nos seguintes termos:
Questão elegante diz respeito à eventual incidência do art. 475 à hipótese que envolve a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública. Esse pronunciamento judicial, como regra, é de natureza interlocutória, o que afastaria da previsão da norma processual, já que o reexame necessário ocorre quando o pronunciamento judicial for sentença, de mérito ou terminativa, desfavorável à pessoa jurídica de direito público. Contudo, não se pode negar que a antecipação de tutela confere à parte uma fração ou a totalidade do que a ela seria conferido através da sentença. Assim, a antecipação de tutela é uma espécie de sentença proferida em momento atípico, diferentemente das liminares ou cautelares, que não são satisfativas, apenas protegendo o bem ou o direito a ser disputado na ação principal.
(...)
A antecipação de tutela é típica decisão interlocutória, que não pode ser qualificada como sentença pelo só fato de atribuir à parte uma fração ou a totalidade do que se busca obter por meio da sentença, pela razão de ser satisfativa.
Preferimos interpretar a norma do art. 475 de modo gramatical, reservando o reexame necessário apenas para as situações que envolvem a prolação de sentença contra a Fazenda Pública. (2009, p. 23).
Frente ao exposto, pode-se referir que cabe a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, com exceção das hipóteses elencadas na Lei 9.494/97, e que tais decisões, ainda que adentrem o mérito, não se sujeitam ao reexame necessário, uma vez que o artigo 475 do CPC disciplina que as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública somente produzirão efeitos depois de confirmadas pelo Tribunal, não fazendo referência às decisões que antecipam os efeitos da tutela.
As normas do reexame necessário, pela sua afinidade com o autoritarismo, são de direito estrito e devem ser interpretadas restritivamente, em obséquio dos direitos fundamentais, constitucionalmente assegurados, até porque, ao menor desaviso, submeter-se-á o processo a tempos sociais prescritivos ou a aprofundamentos intoleráveis de privilégios, denegatórios do direito à tutela jurisdicional.[24]
Desse modo, tratando-se de norma que concede prerrogativa à Fazenda Pública, não há como interpretá-la extensivamente para incluir ao abrigo da lei as antecipações de tutela proferidas contra o Poder Público.
8. Manutenção ou extinção do reexame necessário do ordenamento jurídico nacional frente ao princípio da isonomia
Dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso I, que todos são iguais perante a lei. Consagra aí o que se denomina de princípio da igualdade.
Embora a Constituição não enuncie expressamente um “princípio processual da isonomia entre as partes”, é evidente que o processo justo depende do tratamento isonômico entre os litigantes, o que se impõe a partir da cláusula aberta do devido processo legal (art. 5°, LIV), da igualdade de todos perante a lei (art. 5°, caput) e da própria noção de República (CAMPOS E SILVA, 2012, p. 246).
No âmbito processual civil, o princípio vem insculpido no inciso I do artigo 125 do CPC, o qual teve recepção integral pela nova ordem constitucional e consagra que o juiz deve dar aos litigantes tratamento idêntico. Isto é, deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.
No Projeto do novo CPC, o princípio da igualdade vem previsto dentre os princípios e garantias fundamentais do Processo Civil. Em seu artigo 7° traz o seguinte regramento: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório”.
O princípio da isonomia é composto de duas faces: a igualdade formal e a material e não se realiza se ambas não estiverem presentes. Aquela é a igualdade na lei enquanto que esta é a igualdade perante a lei. Conforme ensina José Afonso da Silva, aquela exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição, e esta corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação (2002, p. 214).
Interpretando-se sistematicamente a Constituição Federal, verifica-se que ela preocupa-se tanto com a igualdade formal quanto com a material na medida em que prevê a igualdade perante a lei em seu artigo 5° e a igualdade na lei em seu artigo 7°, por exemplo, uma vez que traz um amplo rol de direitos sociais criando ao Estado o dever de minimizar as desigualdades.
Nessa esteira, emerge o tratamento processual diferenciado conferido à Fazenda Pública em relação aos particulares, justificado pela perseguição da igualdade substancial, e não apenas formal, uma vez que os direitos defendidos pela Fazenda são direitos públicos, ou seja, de toda a coletividade, sendo, portanto, metaindividuais (NERY JUNIOR, 2004, p. 79).
A Fazenda Pública possui várias prerrogativas em juízo: prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar (artigo 188 do CPC); dispensa do pagamento antecipado das despesas processuais e do depósito na ação rescisória (artigo 20 e 488, parágrafo único do CPC); duplo grau de jurisdição obrigatório (artigo 475 do CPC); inocorrência dos efeitos da revelia (inciso II do artigo 320 do CPC); pagamento por precatório por precatório de débitos pecuniários resultantes de sentença quando condenada em quantia superior a sessenta salários mínimos (artigo 100 da CF); impenhorabilidade de seus bens (artigo 67 do CC e 648 do CPC).
Todavia, a doutrina divide-se em relação às prerrogativas conferidas à Fazenda Pública frente aos particulares, questionando-se se são compatíveis com o princípio da isonomia. Ou seja, não chega num consenso se existe diversidade de fato entre as situações ou os sujeitos a justificar o tratamento normativo diferenciado atribuído a cada uma delas, conforme ressalta Jorge Tosta (2005, p. 133).
No que tange ao reexame necessário, já nos idos dos anos 60 (sessenta), José Frederico Marques referia que o obrigatório duplo grau de jurisdição tratava-se de “instrumento eficaz para evitar conluios pouco decentes entre juízes fracos e indignos desse nome e funcionários relapsos da administração pública” (1969, p. 282), o que justificava sua manutenção no ordenamento jurídico nacional.
Atualmente, a corrente pela manutenção do reexame necessário no ordenamento jurídico nacional é capitaneada por José Carlos Barbosa Moreira. Em capítulo intitulado de “Em defesa da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública” (2007, p. 208-210), o doutrinador destaca que, in verbis:
(...) Causa especial perplexidade, na crítica ao art. 475, a referência aos "visíveis moldes fascistas", a propósito da revisão obrigatória das sentenças contrárias à Fazenda Pública — instituto de que, entretanto, nenhum antecedente se aponta, como cumpria, na legislação imposta à Itália pelo fascismo. Tais "moldes" seriam fascistas porque "obsessivamente voltados à tutela do Estado". Mais correto, parece-nos, é ver no dispositivo em foco instrumento de tutela do patrimônio público. Não quer a lei, à evidência, que a Fazenda Pública saia sempre vitoriosa quando litiga contra particular: essa, sem dúvida, seria ideia absurda - fascista ou não. Quer a lei, porém, que a Fazenda Pública só fique vencida depois que o pleito se submeta a dois exames, em primeiro e em segundo graus de jurisdição; quer dizer: quando haja maior certeza de que é tal o resultado justo.
(...) A proteção ao patrimônio público, frise-se, é objetivo a ser perseguido sob regime político democrático não menos sob qualquer outro regime.
(...) A obrigatoriedade do reexame em segundo grau das sentenças contrárias à Fazenda Pública não ofende o princípio da isonomia, corretamente entendido. A Fazenda não é um litigante qualquer. Não pode ser tratada como tal; nem assim a tratam outros ordenamentos jurídicos, mesmo no chamado Primeiro Mundo. O interesse público, justamente por ser público — ou seja, da coletividade como um todo — é merecedor de proteção especial, num Estado democrático não menos que alhures. Nada tem de desprimorosamente "autoritária" a consagração de mecanismos processuais ordenados a essa proteção. (sem grifo no original)
Marcus Vinícius Lima Franco destaca que
Justifica-se o tratamento diferenciado, porque a Fazenda Pública, como corporificação da Administração em juízo, nada mais é do que o conjunto formado pela soma interesses de todas as pessoas, da coletividade. A res publica a todos pertence e disso resulta a indisponibilidade dos seus interesses. A Fazenda, ao ser demandada em juízo, deverá perseguir o interesse público. Por isso, as normas processuais que a outorgam prazos dilatados e outras prerrogativas compatibilizam-se com os preceitos constitucionais. A Carta Magna, a começar pela exigência do precatório para pagamento de dívidas pecuniárias, deixou expresso a premência em tutelar o interesse público discutido no âmbito processual. O resultado da lide, a negligência daqueles que representam a Fazenda em juízo afetam a todos. É prejuízo de toda a sociedade. (2006, p. 6).
Contrariamente, Nelson Nery Junior entende que a previsão da remessa necessária no ordenamento jurídico nacional é inconstitucional (2004, p. 95-96), o que faz sob os seguintes argumentos:
Da forma como tem sido interpretado o instituto da remessa obrigatória do CPC, art. 475, pelos nossos tribunais, notadamente pelo STJ, sua inconstitucionalidade é flagrante porque ofende o dogma constitucional da isonomia.
(...) “O escopo final da remessa obrigatória é atingir a segurança de que a sentença desfavorável à Fazenda Pública haja sido escorreitamente proferida. Não se trata, portanto, de atribuir-se ao Judiciário uma espécie de tutela à Fazenda Pública, a todos os títulos impertinente e intolerável. Conferir-se à remessa necessária efeito translativo ‘pleno’ porém secundum eventus afigura-se-nos contraditório e inconstitucional. Contraditório porque, se há translação ‘ampla’, não pode ser restringida à reforma em favor da fazenda; inconstitucional porque, se secundum eventum, fere a isonomia das partes no processo. (sem grifo no original)
Oreste Nestor de Souza Laspro compartilha desse mesmo entendimento. Em sua obra “Duplo grau de jurisdição no direito processual civil” (1995, p. 170-171), o monografista defende a inconstitucionalidade do reexame necessário secundum eventum litis, por considerá-lo ofensivo ao princípio da igualdade, previsto no inciso I do artigo 5° da CF. Refere que o artigo 475 do CPC adota critério unilateral para incidência da remessa necessária, pois determina sua aplicação apenas se o resultado da lide for num determinado sentido – secundum eventum litis – o que, afronta o princípio constitucional da isonomia entre as partes. Sugere que a incidência do reexame necessário deveria considerar a matéria, e não o resultado da lide para não afrontar o princípio da igualdade.
(...) De fato, a necessidade de reexame, sempre que se tratar de um critério bilateral, ou seja, qualquer resultado de primeira instância obriga o rejulgamento em segunda instância, não pode ser considerado ofensivo à igualdade das partes. Ocorre que essa bilateralidade é absolutamente excepcional, sendo que a regra geral é do reexame necessário ser aplicado não em razão da matéria, mas sim do resultado da demanda. Esse casuísmo se mostra incompatível com o princípio da igualdade exposto no inc. I do art. 5° da CF, que deve ser entendido como identidade de situações jurídicas. Não se pode admitir, evidentemente, que as partes no processo tenham tratamento desigual, sem que sua finalidade seja a equiparação de forças (...). (LASPRO, 1995, p. 170-171). (sem grifo no original)
No mesmo sentido manifesta-se Rui Portanova, para quem “parece induvidoso, nos dias atuais, que o duplo grau obrigatório é demais. Na medida em que privilegia uma parte, afronta o princípio informativo jurídico da igualdade” (2003, p. 269).
Luiz Guilherme Marinoni ressalta que as vantagens que costumam ser apontadas pela doutrina não permitem a conclusão de que o duplo grau deva ser preservado. Refere o doutrinador que não se deve esquecer que a finalidade do duplo grau não é a de permitir o controle da atividade do juiz, mas sim a de propiciar ao vencido a revisão do julgado.
Esse aspecto – revisão do julgado – é utilizado por Cristiane Flôres Soares Rollin como argumento contrário à manutenção da remessa necessária no ordenamento jurídico. Destaca ela que fundamentar o reexame necessário na possibilidade de revisão do julgado quando tão somente desfavorável à Fazenda Pública, e não estender aos particulares, é criar distinção desarrazoada, pois se presumiria que a decisão do juiz seria certa e confiável quando vencido o particular e não confiável nem apta a gerar efeitos quando vencida a Fazenda Pública (2003, p. 74).
Entretanto, a primeira corrente parece ser a que melhor reflete os ditames do ordenamento jurídico nacional. Inclusive, pode-se defendê-la com base no próprio princípio da igualdade material, e não apenas formal.
Se antes o intuito da previsão do recurso ex officio no sistema processual civil nacional era evitar a perpetuação de decisões proferidas por juízes imparciais ou não recorridas por procuradores desidiosos, hoje, o que fundamenta o instituto é o fato de que a Fazenda Pública tutela o patrimônio público, que é direito indisponível, enquanto que, do outro lado da relação jurídica processual, tem-se apenas interesses exclusivamente privados.
Aliado ao argumento da supremacia e indisponibilidade do interesse público, pode-se referir que o reexame necessário e as outras prerrogativas dos entes públicos emergiram em virtude das dificuldades enfrentadas em juízo para defender os direitos e interesses da Fazenda Pública, o que a posicionava em situação de desvantagem processual frente aos particulares, fato que impedia a isonomia processual, no dizer de Wesley Corrêa Carvalho (2013, p.159).
Para Jorge Tosta (2005, p.137), significa que, por meio da reapreciação da causa por outro órgão judicial hierarquicamente superior, tenta-se afastar ou reduzir eventuais riscos ao patrimônio público.
“Dessa forma, verifica-se com clareza a absoluta diversidade de fato entre os sujeitos da relação jurídica processual” (TOSTA, 2005, p. 134) a corroborar o tratamento normativo desigual previsto no artigo 475 do CPC.
Parece-nos que a solução mais adequada para conciliar tais aspectos seria extinguir o reexame necessário em face da Fazenda Pública e restaurar, em certa medida, a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público nos casos em que a Fazenda ficasse vencida e decorresse o prazo para o Procurador ou o advogado apelar da sentença. Assim, se o representante do Ministério Público verificasse a existência de algum error in judicando ou in procedendo que pudesse prejudicar o patrimônio público, interporia o respectivo recurso de apelação para que a questão fosse reexaminada pelo Tribunal.
Tal intervenção somente ocorreria, portanto, quando presentes dois requisitos de ordem objetiva: a existência de sentença desfavorável à Fazenda Pública e o decurso do prazo sem que o Procurador ou advogado da Fazenda recorresse (TOSTA, 2005, p. 145).