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A hierarquia entre princípios e a colisão de normas constitucionais

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01/02/2002 às 01:00
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3. PARA FINALIZAR

Em conclusão:

a) não há, do ponto de vista estritamente jurídico (epistemológico), hierarquia entre os princípios;

b) pode-se, não obstante, cogitar a hipótese de existência de hierarquia axiológica (ou deontológica) entre as normas constitucionais, incluindo-se aí, obviamente, os princípios;

c) no caso de duas regras em conflito (antinomia), aplica-se um dos três critérios apontados pela doutrina (cronológico, hierárquico ou da especialidade), na forma do tudo ou nada (no all or nothing): "se se dão os fatos por ela estabelecidos, então ou a regra é válida e, em tal caso, deve-se aceitar a conseqüência que ela fornece; ou a regra é inválida e, em tal caso, não influi sobre a decisão".

d) no caso de colisão de princípios constitucionais, porém, não se trata de antinomia, vez que não se pode simplesmente afastar a aplicação de um deles;

e) duas soluções foram desenvolvidas pela doutrina estrangeira e vêm sendo comumente utilizada pelos Tribunais para solucionar casos em que dois princípios entram em rota de colisão. A primeira é a da concordância prática (Hesse); a segunda, a da dimensão de peso ou importância (Dworkin);

f) a concordância prática pode ser enunciada da seguinte maneira: havendo colisão entre valores constitucionais (normas jurídicas de hierarquia constitucional), o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo, no estabelecimento de uma harmonização, que deve resultar numa ordenação proporcional dos direitos fundamentais e/ou valores fundamentais em colisão, ou seja, busca-se o ‘melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes’;

g) na dimensão de peso e importância, quando se entrecruzam vários princípios, quem há de resolver o conflito deve levar em conta o peso relativo de cada um deles, não se aplicando, tal como ocorre com as regras, o critério do tudo ou nada;

h) em todo caso, o princípio da proporcionalidade deve ser utilizado pelo operador do direito como meta-princípio, ou seja, como "princípio dos princípios", visando, da melhor forma, preservar os princípios constitucionais em jogo.


NOTAS

1.VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 3ª ed. Malheiros, São Paulo, 1993, p. 12.

2.KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 248.

3.Lembra-se que Kelsen negava o caráter de norma jurídica aos princípios de direito, apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 27. No entanto, "a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema" (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2ª ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p. 141).

4.apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 165.

5.Cf. FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. Sérgio Antônio Fabris Editor, Brasília, 1996. Defende este autor que "os direitos fundamentais podem ser entendidos como a concreção histórica do princípio da dignidade humana".

6.apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 165.

7.Em função disso, CARLOS AYRES BRITTO distingue o que chama de princípios fundamentais e princípios "protofundamentais" (mais fundamentais que os demais, nominados na Constituição de 1988), para concluir que existem princípios fundamentais eternos e estáveis, sendo os protofundamentais eternos, e, portanto, insubmissos a disposição reformadora do legislador constituído (apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 155).

8.Nesse sentido, BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Almedina, Coimbra, 1994. Muitas das implicações que se tem atribuído a este autor, acerca da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais, é equívoca. Foge, porém, ao objeto desse trabalho analisar mais profundamente a teoria deste alemão. Para uma visão bastante clara do assunto, remetemos o leitor à obra de LUÍS ROBERTO BARROSO (Interpretação..., p. 188/198).

9.A doutrina costuma dividir os conceitos de colisão e conflito, sendo que o primeiro (colisão) ocorreria entre os princípios; já o segundo (conflito), entre regras. Para os fins deste trabalho, utiliza-se indistintamente os termos conflitos e colisão.

10.Apud BONAVIDES, Paulo. Curso...p. 460.

11.Para um estudo aprofundado do tema: FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos: a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Sérgio Antônio Fabris Editor, Brasília, 1996

12.O termo é de DWORKIN, apud SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Celso Bastos Editor, São Paulo, 1999, p. 44.

13.Idem. Ob. Cit. p. 44.

14.Eros Roberto Grau chama a colisão de princípios de antinomia jurídica imprópria

15.apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 242.

16.CANOTILHO, em seus estudos, tende a preferir a concordância prática à dimensão de peso e importância.

17.FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão...p. 98

18.O termo é de Konrad Hess.

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19.Valor de Alçada e Limitação do Acesso ao Duplo Grau de Jurisdição. Revista da Ajuris 66, 1996, p. 121.

20.apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 65

21.apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, p. 66.

22.Até KELSEN, no auge da neutralidade ultra-ideológica contida na sua Teoria Pura do Direito, reconhece que o direito positivo oferece apenas um moldura na qual encontram-se inseridas várias possibilidades de aplicação: "a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igual valor, se bem que apenas uma dela se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito - no ato do tribunal, especialmente. (...) Configura o processo desta interpretação como se se tratasse tão-somente de um ato intelectual de clarificação e de compreensão, como se o órgão aplicador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o seu entendimento (razão), mas não a sua vontade, e como se, através de uma pura atividade de intelecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades que se apresentam, uma escolha que correspondesse ao Direito positivo, uma escolha correta (justa) no sentido do Direito positivo" (Teoria Pura do Direito. Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 390).

23.Nesse sentido, BARROSO: "A impossibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas no direito como em outros domínios, jamais será uma atividade inteiramente discricionária ou puramente mecânica. Ela será sempre o produto de uma interação entre o intérprete e o texto, e seu produto final conterá elementos objetivos e subjetivos. E é bom que seja assim. A objetividade traçará os parâmetros de atuação do intérprete e permitirá aferir o acerto de sua decisão à luz das possibilidades exegéticas do teto, das regras de interpretação (que o confinam a um espaço que, normalmente, não vai além da literalidade, da história, do sistema e da finalidade da norma) e do conteúdo dos princípios e conceitos de que não se pode afastar. A subjetividade traduzir-se-á na sensibilidade do intérprete, que humanizará a norma para afeiçoá-la à realidade, e permitirá que ele busque a solução justa, dentre as alternativas que o ordenamento lhe abriu. A objetividade máxima que se pode perseguir na interpretação jurídica e constitucional é a de estabelecer os balizamentos dentro dos quais o aplicador da lei exercitará sua criatividade, seu senso do razoável e sua capacidade de fazer a justiça do caso concreto" (BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2ª ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p. 256).

24.GRAU, Eros Roberto. Licitação e Contrato Administrativo. Malheiros, São Paulo, 1995, p. 17.

25.Pela teoria da substanciação, adotada por nosso Código de Processo Civil, a causa de pedir se divide em próxima (direito, ou seja, as razões jurídicas do pedido) e remota (os fatos que embasam o pedido).


BIBLIOGRAFIA

BACHOF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais? Almedina, Coimbra, 1994

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2ª ed. Saraiva, São Paulo, 1998

BOBBIO, Norbeto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 7ª ed. Unb, Brasília, 1996

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. Malheiros, São Paulo, 1998

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999

FARIAS, Edilson Pereira de. Colisão de Direitos. Sérgio Antônio Fabris Editor, Brasília, 1996

GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 4ª ed. Malheiros, São Paulo, 1998

________________________. Licitação e Contrato Administrativo. Malheiros, São Paulo, 1995

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 4ª ed. Martins Fontes, São Paulo, 1995, p. 248.

SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Celso Bastos Editor, São Paulo, 1999

SARLET, Ingo Wolfgang. Valor de Alçada e Limitação do Acesso ao Duplo Grau de Jurisdição. Revista da Ajuris 66, 1996

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 3ª ed. Malheiros, São Paulo, 1993

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Sobre o autor
George Marmelstein Lima

Juiz Federal em Fortaleza (CE). Professor de Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. A hierarquia entre princípios e a colisão de normas constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2625. Acesso em: 2 nov. 2024.

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