Com o intuito de contribuir para a solução da superlotação dos presídios brasileiros, o Ministro Ricardo Lewandowski apresentou ao Ministro da Justiça uma proposta de reforma do Código de Processo Penal. A mudança na lei obriga os juízes a se manifestarem sobre a possibilidade de aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do Código, antes de ser determinada a prisão em flagrante ou preventiva. A proposta foi consolidada a partir de uma reunião, que teve a participação do Ministro Lewandowski como presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal, com o Ministro da Justiça e o Procurador-Geral da República, além da presença de membros do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça. O texto altera o artigo 310, prevendo que o juiz, ao se deparar com um auto de prisão em flagrante ou com um pedido de prisão preventiva, deverá primeiramente fundamentar o porquê de não aplicar ao caso as medidas cautelares previstas no artigo 319, como o uso de tornozeleira eletrônica, a prisão domiciliar, a suspensão de direitos ou a restrição de locomoção, dentre outras. Lewandowski disse que a proposta tem como objetivo mudar o que ele chamou de “cultura do encarceramento” que existe no País. Segundo ele, qualquer pessoa detida, nos dias de hoje, fica presa por meses ou anos, sem maiores indagações, e sem que haja um exame mais apurado da sua situação concreta, explicou. Cerca de 40% dos mais de 500 mil presos, no Brasil, são presos provisórios. “Isso, obviamente, contribui para a superlotação dos presídios”, disse o Ministro do STF, que lembrou que existem outras propostas, não só legislativas como também administrativas, que deverão ser encaminhadas por um grupo de trabalho criado “para, a médio prazo, podermos enfrentar com eficácia esse problema gritante que é o problema da superpopulação carcerária”, concluiu Lewandowski. O Ministro da Justiça disse que, inicialmente, concorda com o “espírito” do projeto apresentado pelo chefe em exercício do Poder Judiciário. Embora o Congresso Nacional tenha aprovado uma lei dando alternativas ao magistrado (a alteração no artigo 319) de aplicar medidas cautelares, "deixando a prisão como uma medida mais extrema – que deve ser aplicada, quando se configura necessária –, a prática judicial tem feito com que o caminho da prisão seja feito sem uma análise da possiblidade da aplicação de outras medidas cautelares”, afirmou, lembrando que a criação de um grupo de trabalho para tratar da questão de superpopulação carcerária é algo que nunca se fez no Brasil, e que permitirá, pela primeira vez, enfrentar o tema como uma questão de Estado (Conferir: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=259198).
Inicialmente duas observações: o Ministro Joaquim Barbosa jamais teria tal iniciativa, pois, ideologicamente, é a favor do cárcere, desde quando Procurador da República. A segunda observação é que tal proposta parece-nos um tanto quanto despicienda, à luz da alteração do Código de Processo Penal com a promulgação da Lei nº. 12.403/201, que alterou substancialmente o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal que passou a ter a seguinte epígrafe: “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”. No Capítulo I – Das Disposições Gerais – foram modificados os artigos a seguir comentados:
Com efeito, o novo art. 282 estabelece que as medidas cautelares previstas em todo o Título IX deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).
Além destes requisitos (cuja presença não precisa ser cumulativa, mas alternativamente), a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar, a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.1
Procura-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito às prisões provisórias, incluindo-se a prisão temporária2, “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.”3 Ademais, a prisão temporária encontra-se prevista neste Título IX do Código de Processo Penal (art. 283).
Assim, quaisquer das medidas cautelares estabelecidas neste Título (repetimos: inclusive as prisões provisórias codificadas ou não) só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.
Dispõe a lei que as medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente4 e serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
Observa-se que as medidas cautelares só poderão ser decretadas de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia. Ainda que tenha sido louvável esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é sempre inoportuno deferir ao Juiz a iniciativa de medidas persecutórias, mesmo durante a instrução criminal. É absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (restritiva de direitos, privativa de liberdade, etc.), pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo5.
É evidente que o dispositivo é perigoso, pois não se pode admitir que uma mesma pessoa (o Juiz), ainda que ungido pelos deuses, possa avaliar como “necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente incompatíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração de justiça. (...) Em definitivo, não é suscetível de ser pensado que uma mesma pessoa se transforme em um investigador eficiente e, ao mesmo tempo, em um guardião zeloso da segurança individual. É inegável que ‘o bom inquisidor mata o bom juiz ou, ao contrário, o bom juiz desterra o inquisidor’”.6
Claro que há efetivamente certo distanciamento dos postulados do sistema acusatório, mitigando-se a imparcialidade7 que deve nortear a atuação de um Juiz criminal, que não se coaduna com a determinação pessoal e direta de medidas cautelares. “Este sistema se va imponiendo en la mayoría de los sistemas procesales. En la práctica, ha demonstrado ser mucho más eficaz, tanto para profundizar la investigación como para preservar las garantías procesales”, como bem acentua Alberto Binder.8
Dentro desta perspectiva, o sistema acusatório é o que melhor encontra respaldo em uma democracia, pois distingue perfeitamente as três funções precípuas em uma ação penal, a saber: o julgador, o acusador e a defesa. Tais sujeitos processuais devem estar absolutamente separados (no que diz respeito às respectivas atribuições e competência), de forma que o julgador não acuse, nem defenda (preservando a sua necessária imparcialidade), o acusador não julgue e o defensor cumpra a sua missão constitucional de exercer a chamada defesa técnica9.
Observa-se que no sistema acusatório estão perfeitamente definidas as funções de acusar, de defender e a de julgar, sendo vedado ao Juiz proceder como órgão persecutório. É conhecido o princípio do ne procedat judex ex officio, verdadeiro dogma do sistema acusatório. Nele, segundo o professor da Universidade de Santiago de Compostela, Juan-Luís Gómez Colomer, “hay necesidad de una acusación, formulada e mantenida por persona distinta a quien tiene que juzgar, para que se pueda abrir y celebrar el juicio e, consecuentemente, se pueda condenar”10, proibindo-se “al órgano decisor realizar las funciones de la parte acusadora”11, “que aqui surge com autonomia e sem qualquer relacionamento com a autoridade encarregue do julgamento”12.
Dos doutrinadores pátrios, talvez o que melhor traduziu o conceito do sistema acusatório tenha sido José Frederico Marques: “A titularidade da pretensão punitiva pertence ao Estado, representado pelo Ministério Público, e não ao juiz, órgão estatal, tão-somente, da aplicação imparcial da lei para dirimir os conflitos entre o jus puniendi e a liberdade do réu. Não há, em nosso processo penal, a figura do juiz inquisitivo. Separadas estão, no Direito pátrio, a função de acusar e a função jurisdicional. (...) O juiz exerce o poder de julgar e as funções inerentes à atividade jurisdicional: atribuições persecutórias, ele as tem muito restritas, e assim mesmo confinadas ao campo da notitia criminis. No que tange com a ação penal e à função de acusar, sua atividade é praticamente nula, visto que ambas foram adjudicadas ao Ministério Público.”13
Ainda como corolário dos princípios atinentes ao sistema acusatório, aduzimos a necessidade de se afastar o Juiz, o mais possível, de atividades persecutórias14. Um dos argumentos mais utilizados para contrariar esta afirmação é a decantada busca da verdade real, verdadeiro dogma do processo penal15. Ocorre que este dogma está em franca decadência, pois hoje se sabe que a verdade a ser buscada é aquela processualmente possível, dentro dos limites impostos pelo sistema e pelo ordenamento jurídico.
Como ensina Muñoz Conde, “el proceso penal de un Estado de Derecho no solamente debe lograr el equilibrio entre la búsqueda de la verdad y la dignidad de los acusados, sino que debe entender la verdad misma no como una verdad absoluta, sino como el deber de apoyar una condena sólo sobre aquello que indubitada e intersubjetivamente puede darse como probado. Lo demás es puro fascismo y la vuelta a los tiempos de la Inquisición, de los que se supone hemos ya felizmente salido.”16
Com efeito, não se pode, por conta de uma busca de algo muitas vezes inatingível (a verdade...)17 permitir que o Juiz saia de sua posição de supra partes, a fim de auxiliar, por exemplo, o Ministério Público a provar a imputação posta na peça acusatória. Sobre a verdade material ou substancial, ensina Ferrajoli, ser aquela “carente de limites y de confines legales, alcanzable con cualquier medio más allá de rígidas reglas procedimentales. Es evidente que esta pretendida ´verdad sustancial´, al ser perseguida fuera de reglas y controles y, sobre todo, de una exacta predeterminación empírica de las hipótesis de indagación, degenera en juicio de valor, ampliamente arbitrario de hecho, así como que el cognoscitivismo ético sobre el que se basea el sustancialismo penal resulta inevitablemente solidario con una concepción autoritaria e irracionalista del proceso penal”. Para o mestre italiano, contrariamente, a verdade formal ou processual é alcançada “mediante el respeto a reglas precisas y relativa a los solos hechos y circunstancias perfilados como penalmente relevantes. Esta verdad no pretende ser la verdad; no es obtenible mediante indagaciones inquisitivas ajenas al objeto procesal; está condicionada en sí misma por el respeto a los procedimientos y las garantías de la defensa. Es, en suma, una verdad más controlada en cuanto al método de adquisición pero más reducida en cuanto al contenido informativo de cualquier hipotética ´verdad sustancial´18”.
Vê-se, portanto, que se permitiu um desaconselhável “agir de ofício” pelo Juiz. Não é possível tal disposição em um sistema jurídico acusatório, pois que lembra o sistema inquisitivo caracterizado, como diz Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”, ou seja, este sistema “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.19
Parece-nos claro que há, efetivamente, uma mácula séria aos postulados do sistema acusatório, precipuamente à imprescindível imparcialidade que deve nortear a atuação de um Juiz criminal (e não neutralidade, que é impossível)20. Quanto à neutralidade, faz-se uma ressalva, pois não acreditamos em um Juiz neutro (como em um Promotor de Justiça ou um Procurador da República neutro). Há sempre circunstâncias que, queiram ou não, influenciam em decisões e pareceres, sejam de natureza ideológica, política, social, etc., etc. Como notou Eros Roberto Grau, “ainda que os princípios os vinculem, a neutralidade política do intérprete só existe nos livros. Na práxis do direito ela se dissolve, sempre. Lembre-se que todas as decisões jurídicas, porque jurídicas, são políticas.”21 São inconfundíveis a neutralidade e a imparcialidade. É ingenuidade acreditar-se em um Juiz neutro, mas é absolutamente indispensável um Juiz imparcial.
Um Magistrado imparcial, como afirmam Alexandre Bizzotto, Augusto Jobim e Marcos Eberhardt, implica em um “formal afastamento fático do fato julgado, não podendo o Magistrado ter vínculos objetivos com o fato concreto colocado à discussão processual. Coloca-se daí na condição de terceiro estranho ao caso penal. (...) Já a neutralidade é a assunção da alienação judicial, negando-se ingenuamente o humano no juiz. Este agente político partícipe da vida social sente (a própria sentença é um ato de sentir), age, pensa e sofre todas as influências provocadas pela sociedade pós-moderna. Afirmar que o juiz é neutro é ocultar uma realidade.”22
Sobre o sistema acusatório, afirmava Vitu: “Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, à l’époque franque et dans la procédure féodale. Ce système, qui ne distingue pás la procédure criminelle de la procédure, se caractérise par des traits qu’on retrouve dans les différents pays qui l’ont consacré. Dans l’organisation de la justice, la procédure accusatoire suppose une complète égalité entre l’accusation et la défense.”23
A propósito, relembramos o art. 3º. da Lei nº. 9.296/96 (interceptações telefônicas) que permite ao Juiz, mesmo na primeira fase da persecutio criminis, determinar de ofício a quebra do sigilo telefônico, o que também representa uma quebra flagrante dos postulados do sistema acusatório, bem como o art. 311 do Código de Processo Penal, possibilitando ao Juiz Criminal a decretação, de ofício, da prisão preventiva (ver adiante), decisões que (pasmen!), ainda o tornam prevento (art. 75, parágrafo único e art. 83 do Código de Processo Penal).24
Com inteira razão Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (...) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (...) ”25
Continuando...
Atendendo à exigência constitucional do contraditório, dispõe o § 3º. do art. 282 que, ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida (quando, então, será tomada inaudita altera pars, como, por exemplo, uma interceptação telefônica), o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias; neste caso, os autos devem permanecer em juízo. Parece-nos que mesmo no caso da medida ser determinada de ofício pelo Juiz, deve assim também se proceder, ou seja, ouvir-se a parte a quem a medida possa trazer algum prejuízo, ressalvadas, evidentemente, as hipóteses de urgência ou de perigo para a eficácia da decisão. Não há devido processo legal sem o contraditório, que vem a ser, em linhas gerais, a garantia de que para toda ação haja uma correspondente reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma “que não há processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político, que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25). Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo – e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.” (grifos no original).26
Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do Homem (CEDH) “en donne une définition synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/ Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).”27
O contraditório será fundamental (ressalvada a urgência e a possibilidade de ineficácia da medida), até para que o investigado ou acusado tenha a oportunidade de, por exemplo, requerer “a decretação de medida menos gravosa do que aquela sugerida pela parte contrária.”28
Aliás, ainda que a medida tenha sido tomada inaudita altera pars, “a observância do contraditório, nesses casos, é feita depois, dando-se oportunidade ao suspeito ou réu de contestar a providência cautelar (...). Fala-se em contraditório diferido ou postergado.”29
Esta exigência do contraditório (prévio ou postergado) aplica-se, inclusive, quando se tratar da prisão provisória (temporária ou preventiva), pois típica medida cautelar, ressalvando-se, obviamente, a urgência e a possibilidade de sua ineficácia (prisão preventiva para aplicação da lei penal, por exemplo).
Caso haja descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. Observa-se que a lei é expressa ao considerar a prisão cautelar (incluindo-se a temporária) como ultima ratio. É imposição legal a excepcionalidade da prisão provisória, que somente deverá ser decretada quando não for absolutamente cabível a sua substituição por outra medida cautelar. E na respectiva decisão, esta imprescindibilidade deve restar claramente demonstrada, nos termos do art. 93, IX da Constituição.
Como dissemos acima, a medida cautelar decretada poderá ser revogada ou substituída quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a ser decretada, se sobrevierem razões que a justifiquem (é a conhecida cláusula rebus sic stantibus). Aqui também, deve-se atender à exigência constitucional do contraditório, na forma do § 3º. do art. 282.
Ainda neste Capítulo I, o art. 283 estabelece que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Evidentemente, ressalvam-se os casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, em cumprimento ao disposto no art. 5º., LXI da Constituição.
Aliás, a propósito, a prisão temporária, disciplinada na Lei nº. 7.960/89, nada mais é do que aquela famigerada prisão para averiguações, hoje legalizada. Se do ponto de vista formal pode-se até concluir que a antiga prática foi regularizada, sob o aspecto material, indiscutivelmente, continua a mácula aos postulados constitucionais. Como bem notou Paulo Rangel, “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é o autor do delito. Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados. (...) Prender um suspeito para investigar se é ele, é barbárie. Só na ditadura e, portanto, no Estado de exceção. No Estado Democrático de Direito havendo necessidade se prende, desde que haja elementos de convicção quanto ao periculum libertatis.”30
Veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez, segundo os quais não se pode “atribuir a la medida cautelar el papel de instrumento de la investigación penal.
Dizem eles que “sin duda alguna, esa utilización de la prisión provisional como impulsora del descubrimiento del delito, para obtener pruebas o declaraciones, ha de rechazarse de plano, pues una concepción de este tipo excede los límites constitucionales, y colocaría a la investigación penal así practicada en un lugar muy próximo a la tortura indagatoria.”31
Esta lei padece de vício de origem, pois ela foi criada pela Medida Provisória nº. 111/89 quando deveria sê-lo, obrigatoriamente, por lei em sentido formal, votada pelo Congresso Nacional. Como observou Alberto Silva Franco, esta lei “originou-se de uma medida provisória baixada pelo Presidente da República e, embora tenha sido convertida em lei pelo Congresso Nacional, representou uma invasão na área da competência reservada ao Poder Legislativo. Pouco importa a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória.”32
Tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4980 contra a Medida Provisória 497/2010, convertida na Lei 12.350/2010. O autor da ação, o Procurador-Geral da República afirma na inicial que, ainda que em caráter de excepcionalidade, o STF admite o controle de constitucionalidade dos requisitos para a edição de uma medida provisória – relevância e urgência. E “a conversão [da MP em lei] não tem o condão de convalidar a norma originalmente viciada”, sustenta. Reporta-se, neste contexto, a decisões da Suprema Corte no julgamento das ADIs 3330 e 3090, relatadas, respectivamente, pelos ministro Ayres Britto (aposentado) e Gilmar Mendes. A lei derivada da MP 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996. Tal artigo disciplina o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas. A MP – e a Lei 12.350/2010, que resultou da sua conversão –, incluiu no artigo os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal. A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Observa que a MP 497 “violou a limitação à edição de medida provisórias, contemplada no artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo. A PGR lembra que a alteração do artigo 83 da Lei 9.430/1996 originou-se, segundo a exposição de motivos que acompanhou a MP, da necessidade de ajustar a legislação previdenciária ao tratamento normativo conferido aos demais tributos. Serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários. No entanto, segundo a Procuradoria, de 2007 a 2010 passaram-se três anos, o que não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária. “Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria”, afirma a autora. Presentes os pressupostos – fumaça do bom direito e perigo na demora de uma decisão –, a PGR pede a concessão de liminar para suspender a eficácia do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. No mérito, pede a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme a Constituição ao texto impugnado para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa. O relator da ação, Ministro Celso de Mello, adotou ao caso o rito abreviado previsto no artigo 12 da Lei 9.868/1999 (Lei das ADIs). Desse modo, o processo será apreciado pelo Plenário do STF diretamente no mérito, sem prévia análise do pedido de liminar. O Ministro determinou também que a Presidência da República, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal prestem informações sobre a norma questionada, no prazo de dez dias.
Portanto, é direito do réu aguardar em liberdade o seu recurso interposto, inclusive os recursos constitucionais, nada obstante o disposto no art. 27 da Lei nº. 8.038/90, não aplicável nos processos criminais, não impedindo que, excepcionalmente, aguarde-se preso o julgamento, caso no acórdão condenatório mantenha-se ou se decrete fundamentadamente a prisão provisória; neste último caso, terá o acusado direito à fruição dos benefícios da Lei de Execução Penal, à vista do disposto no seu art. 2º., bem como no Enunciado 716 da súmula do Supremo Tribunal Federal e na Resolução nº. 19/2006 do Conselho Nacional de Justiça)33.
Observa-se, outrossim, que todas as medidas cautelares estabelecidas no Título IX (incluídas as prisões, insista-se) não podem ser aplicadas à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. Portanto, não será possível aplicá-las em relação às contravenções penais a que a lei comina, isoladamente, pena de multa, como, por exemplo, aquelas previstas nos arts. 292, 303, 304, do Código Eleitoral (dentre várias outras). Diga-se o mesmo em relação ao art. 28 da Lei nº. 11.343/06 (Lei de Drogas).
Com a nova redação do art. 310 estabelece-se que o Juiz de Direito deverá, fundamentadamente, ao receber o auto de prisão em flagrante, tomar uma das seguintes decisões: a) relaxar a prisão ilegal (aquela cujo auto de prisão em flagrante não observou os requisitos legais acima indicados); b) converter a prisão em flagrante (legalmente lavrado) em prisão preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão34; de se observar que a prisão preventiva não pode ser decretada de ofício pelo Juiz de Direito nesta fase pré-processual, logo para a conversão é necessário ter havido a representação da autoridade policial ou após requerimento do Ministério Público (art. 311 do Código de Processo Penal); c) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança (idem, ou seja, para a conversão da prisão em flagrante em liberdade provisória com alguma medida cautelar, impõe-se o requerimento neste sentido do Delegado de Polícia ou do Ministério Público. Caso contrário, deve ser concedida liberdade provisória sem imposição de qualquer outra medida cautelar, inclusive a fiança, à vista do art. 321 – “se for o caso”).
Neste momento, se o Juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Código Penal (causas excludentes de ilicitude), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória (sem fiança), mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. Nada obstante o silêncio da lei entendemos também ser obrigatória a concessão da liberdade provisória vinculada ao comparecimento a todos os atos processuais, quando o Juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato sob o pálio de uma excludente de culpabilidade, pois a similitude das circunstâncias (todas retiram o caráter criminoso da conduta) obriga a igualdade de tratamento. Trata-se, aqui, de liberdade provisória, sem fiança, vinculada, porém ao comparecimento aos atos processuais. Nada impede, igualmente, que a liberdade provisória aqui prevista seja cumulada com outra medida cautelar. Importante atentar que, nada obstante o não comparecimento do réu aos atos processuais (e mesmo diante do descumprimento da medida cautelar porventura imposta), a prisão preventiva será de toda maneira incabível, à luz do art. 314. Observa-se, outrossim, que o auto de prisão em flagrante só deverá ser lavrado caso efetivamente tenha ocorrido um crime (fato típico, antijurídico e culpável!).
No silêncio da lei, e considerando-se a omissão legal, deve a decisão judicial ser tomada em quarenta e oito horas, por analogia com o art. 322, parágrafo único.
No Capítulo III – Da Prisão Preventiva, foram modificados os arts. 311 a 315, restando incólume apenas o art. 316 que continua a estabelecer a cláusula rebus sic stantibus em relação à prisão preventiva.
O primeiro dos artigos deste Capítulo estabelece que em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Observa-se que a prisão preventiva só poderá ser decretada de ofício pelo Juiz durante a fase processual; antes, ou seja, no curso de uma investigação criminal, apenas quando instado a fazê-lo, seja pelo Ministério Público, seja pela Polícia (como se sabe, na fase inquisitorial não há querelante nem assistente). Como já afirmamos acima a respeito das demais medidas cautelares, ainda que haja esta limitação, parece-nos que no sistema acusatório é absolutamente desaconselhável permitir-se ao Juiz a possibilidade de, ex officio, ainda que em Juízo, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal (veja-se o que foi acima escrito sobre o assunto).
Entendemos que caso a prisão preventiva tenha sido determinada ainda na fase investigatória, urge que a peça acusatória seja oferecida em até cinco dias (art. 46 do Código de Processo Penal), pois se há justa causa para a decretação da prisão preventiva (fumus commissi delicti), obviamente que também há para o exercício da ação penal (indícios suficientes da autoria e prova da existência do crime). Caso não haja tempestivamente o oferecimento da peça acusatória, a prisão deverá ser revogada, pois patente o constrangimento ilegal. Se não o for, cabível será a ordem de habeas corpus.
Relembre-se, por fim, “que a custódia cautelar constitui exceção, por afetar o direito de ir e vir, sendo impossível admitir a execução antecipada da pena. Com efeito, determinou que Tribunal Estadual apreciasse a possibilidade de aplicação das medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP, em substituição à prisão preventiva de acusado de peculato, fraude em licitação e formação de quadrilha. A decisão foi proferida em processo cujo acusado teve sua prisão temporária decretada pelo prazo de cinco dias, em razão do inciso I e III da Lei 7.960/89, mas como fugiu o TJ converteu a temporária em preventiva, nos termos do Art. 312 do CPP. Inconformado recorreu ao STJ fundamentando seu pedido na falta de justa causa para a custódia cautelar, obtendo êxito.” (Fonte: BRASIL. STJ, 5ª Turma, HC 229194/RN, rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ/RJ), julgado em 15 de mai. 2012. Disponível em: http://migre.me/9bWak. Acesso em 23 de mai. 2012).
Bem a propósito, o Ministro Teori Zavascki concedeu liminar no Habeas Corpus nº. 120722, impetrado por G.D.C. e J.C.T.S., presos preventivamente sob a acusação da prática de crime de tráfico internacional de animais silvestres. Na avaliação do Ministro, embora os fundamentos do decreto de prisão preventiva estejam, genericamente, apoiados em elementos idôneos, pois a restrição da liberdade dos acusados busca evitar a reiteração criminosa e a destruição de provas, tal medida se mostra desnecessária e inadequada ao caso, consideradas as suas peculiaridades. “Com relação ao receio de reiteração delitiva, verifica-se que os fatos imputados na denúncia e no decreto de prisão preventiva teriam ocorrido em 2009. Não há, desse modo, a necessária atualidade a justificar uma medida constritiva desta natureza, ainda mais se considerado o fato de a restrição da liberdade constituir a última opção extrema em termos de medida cautelar”, observou. O Ministro lembrou ainda que o artigo 319 do CPP coloca à disposição do juiz outras medidas, diversas da prisão, visando aos mesmos objetivos. “Impõe-se ao julgador, assim, não perder de vista a proporcionalidade da medida cautelar a ser aplicada no caso”, afirmou. Citando decisão no Habeas Corpus nº. 95009, relatado pelo Ministro Eros Grau, o Ministro Teori Zavascki apontou que, “tendo o juiz da causa autorizado a quebra de sigilos telefônicos e determinado a realização de inúmeras buscas e apreensões, com o intuito de viabilizar a eventual instrução da ação penal, torna-se desnecessária a prisão preventiva do paciente por conveniência da instrução penal”.
No mesmo sentido, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, rejeitou os embargos de declaração do Ministério Público em que alegava que a Corte teria extrapolado os limites das deliberações admitidas em sede de Habeas Corpus, além de ter suprido instância ao aplicar medidas cautelares sobre as quais o juiz singular não havia se manifestado. A relatora dos embargos, Juíza de Direito Substituta em Segundo Grau, Lilian Romero, sustentou em sua decisão que: "O Código de Processo Penal, após as alterações promovidas pela Lei 12.403/2011, passou a prever, além da prisão preventiva, também outras medidas cautelares em meio aberto, diversas da prisão, elencadas no seu art. 319." E acrescentou: "Frequentemente, a adoção de outras providências basta para restabelecer ou garantir a ordem pública, ou para assegurar a higidez da instrução criminal e evitar a não aplicação da lei penal." A magistrada ressaltou ainda que: "Com a máxima vênia, se a Corte concluir que uma das medidas do art. 319 do CPP for necessária, adequada e suficiente para acautelar o direito tutelado, tornando despicienda a prisão provisória, deve ela reconhecer o constrangimento ilegal e, concomitantemente ao afastamento da custódia aplicar a medida diversa cautelar de meio aberto." (Embargos de Declaração nº 963.939-4/01 – Fonte: Tribunal de Justiça do Paraná).
Em relação à possibilidade do assistente da acusação requerer a decretação da prisão preventiva, entendemos como uma possibilidade limitada, apenas quando for por conveniência da instrução criminal ou quando for cabível como substituição de medida cautelar anteriormente decretada, especialmente aquelas indicadas no art. 319, IV e VIII. Este entendimento baseia-se no fato de que “a razão de se permitir a ingerência do ofendido em todos os termos da ação penal pública, ao lado do Ministério Público, repousa na influência decisiva que a sentença da sede penal exerce na sede civil”, como explica Tourinho Filho embasado nas lições de Florêncio de Abreu e Canuto Mendes de Almeida35. Para nós, acertada é esta posição, pois só entendemos legítima a atuação do ofendido como assistente quando configurado estiver o seu interesse em uma posterior indenização pelo dano sofrido. Logo, sempre que da infração penal advier prejuízo de qualquer ordem para o ofendido, este estaria legitimado a se habilitar como assistente para pleitear depois a ação civil ex delicto, executando a sentença penal condenatória36. Logo, não há interesse por parte do assistente em requerer a prisão preventiva invocando outros requisitos que não tenham relação com a sua intervenção no processo penal (para a aplicação da lei penal, por exemplo, ou garantia da ordem pública...).
Observa-se que de há muito a intervenção do ofendido no processo penal vem sendo questionada, muitos a contestando sob o argumento de que caberia ao Estado exclusivamente exercer as funções persecutórias em matéria penal, pois se admitir a intervenção do particular seria aceitar que “su papel en el proceso parece estar teñido de una especie de sentimiento de venganza”.37
Analisando o Direito português, por exemplo, o mestre lusitano Germano Marques da Silva esclarece que a “intervenção dos particulares no processo penal é por muitos contestada por poder constituir um factor de perturbação, pois não é de esperar deles a objectividade e a imparcialidade que devem dominar o processo penal, mas é também por muitos outros considerada como uma excelente e democrática instituição e assim o entendemos também”.38
Continuam sendo requisitos para a prisão preventiva: a) garantia da ordem pública (desgraçadamente); b) garantia da ordem econômica (idem, mas menos mal); c) por conveniência da instrução criminal; d) para assegurar a aplicação da lei penal.
Além destes, podem ser também indicados como requisitos legais para a decretação da prisão preventiva, nos termos da nova lei, os seguintes: a) o descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (tal como já previsto no art. 282, § 4o.); b) a garantia para a execução de medidas protetivas de urgência estabelecidas em relação a determinadas vítimas (mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência).
Aqui está consubstanciada a necessidade indispensável para a decretação da prisão preventiva, o chamado periculum libertatis.
Lamentavelmente continuamos a ter como um dos requisitos para a decretação da prisão preventiva a “garantia da ordem pública”, conceito por demais genérico e, exatamente por isso, impróprio para autorizar uma custódia provisória que, como se sabe, somente se justifica no processo penal como um provimento de natureza cautelar (presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis). Há mais de dois séculos Beccaria já preconizava que “o réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime”39, o que coincide com dois outros requisitos da prisão preventiva em nosso País (conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal).
Decreta-se a prisão preventiva no Brasil, muitas vezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordem pública, quando, por exemplo, quer-se evitar a prática de novos delitos pelo imputado ou aplacar o clamor público. Não raras vezes vê-se prisão preventiva decretada utilizando-se expressões como “alarma social causado pelo crime” ou para “aplacar a indignação da população”, e tantas outras frases (só) de efeito.
A respeito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez:
“Tampoco puede atribuirse a la prisión provisional un fin de prevención especial: evitar la comisión de delitos por la persona a la que se priva de libertad. La propia terminología más frecuentemente empleada para expresar tal idea – probable comisión de ´otros´ o ´ulteriores´ delitos – deja entrever que esta concepción se asienta en una presunción de culpabilidad. (…) Por las mismas razones no es defendible que la prisión provisional deba cumplir la función de calmar la alarma social que haya podido producir el hecho delictivo, cuando aún no se ha determinado quién sea el responsable. Sólo razonando dentro del esquema lógico de la presunción de culpabilidad podría concebirse la privación en un establecimiento penitenciario, el encarcelamiento del imputado, como instrumento apaciguador de las ansias y temores suscitados por el delito. (…) La vía legítima para calmar la alarma social – esa especie de ´sed de venganza´ colectiva que algunos parecen alentar y por desgracia en ciertos casos aflora – no puede ser la prisión provisional, encarcelando sin más y al mayor número posible de los que prima facie aparezcan como autores de hechos delictivos, sino una rápida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo, porque sólo la resolución judicial dictada en un proceso puede determinar la culpabilidad y la sanción penal.”40
Ressaltamos que o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, deferiu em parte a liminar pedida no Habeas Corpus nº. 84548, pois considerou que o decreto de prisão preventiva do acusado teria se desviado dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, por lhe faltar as indicações do que consiste a periculosidade do paciente e a quais riscos a ordem pública estaria exposta se ele respondesse à ação penal em liberdade, salientando, outrossim, que o entendimento do STF não permite que clamor público sirva como fundamento para a prisão preventiva. Ele observou que o acusado sempre colaborou com a instrução criminal e as investigações. Assim, o Ministro deferiu a liminar para revogar a prisão preventiva, se por outro motivo o acusado não estiver preso.
Na Itália, o Juiz de Instrução Criminal do Tribunal de Pádua, Palombarini, assim decidiu acerca da prisão preventiva:
“Pena e prisão preventiva têm diversa natureza jurídica, diferentes objectivos, diversa função... Para decidir se uma certa garantia individual deve aplicar-se a um determinado instituto, é necessário atender, em primeiro lugar, à incidência do mesmo instituto sobre a esfera do indivíduo. Ora a prisão preventiva – embora diversa, como se disse, da pena – traduz-se para o indivíduo numa restrição total de sua liberdade. Diferentes os institutos, idênticos os valores em jogo e o perigo de lesão do fundamental direito da liberdade.”41
Em outra oportunidade, a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu habeas corpus (Processo nº. 84778) a um servidor público que responde a processo pela prática de três crimes de concussão (art. 316 do Código Penal). O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do processo, concedeu a ordem para revogar o decreto de prisão preventiva e permitir que o réu aguarde o julgamento da apelação em liberdade. Consoante Pertence, não há como falar em conveniência da instrução criminal se esta já terminou, nem invocar a garantia da ordem pública para não comprometer a imagem do Poder Judiciário. "Já repisei minha convicção acerca da ilegitimidade constitucional da prisão preventiva fundada na necessidade de satisfazer a ânsias populares de repressão imediata em nome da credibilidade das instituições públicas, dentre elas o Poder Judiciário", afirmou. Para o Ministro, tais considerações "desvelam o abuso da prisão processual para fins não cautelares, seja o de antecipação da pena, que aborrece a presunção da não-culpabilidade, seja a instrumentalização do encarceramento do acusado para a popularização do Judiciário, que repugna o princípio fundamental da dignidade humana". Por fim, sustentou o relator não ser motivo idôneo para a prisão preventiva a invocação da gravidade do crime ou o prestígio e a credibilidade do Judiciário. O voto do ministro-relator foi acompanhado pelos demais integrantes da Primeira Turma.
Em um outro caso, um advogado acusado de participar da organização que operava fraudes fiscais no ramo do comércio de combustíveis respondeu às acusações em liberdade. A decisão foi tomada pela 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal. Nesta oportunidade, todos os Ministros da Turma seguiram o voto do relator, Ministro Sepúlveda Pertence, salientando “que o Supremo tem negado a manutenção de prisão preventiva quando o motivo é a invocação da gravidade do crime imputado.” O Ministro Marco Aurélio sustentou que “há de se aguardar a comprovação do fato criminoso a cargo do Ministério Público para posteriormente ter-se as conseqüências.” (HC nº. 85068).
Em outra decisão recente, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, concedeu duas liminares, em habeas corpus, a dois condenados por seqüestro, emasculação e assassinato de menores em Altamira, no Pará, entre 1989 e 1992. Nas decisões monocráticas, o Ministro Marco Aurélio destacou que os condenados são réus primários, têm bons antecedentes e estão presos há mais de um ano. Afirmou que a circunstância de os condenados viverem em unidades da Federação diversas daquela em que foram julgados não é motivo para ensejar, por si só, a custódia, “afigurando-se o recolhimento como execução precoce, açodada, temporã do título judicial, sujeito ainda a modificação, em face da recorribilidade ordinária”, observando, ainda, que “o barulho da turba, a repercussão dos acontecimentos na sociedade, na mídia, não podem servir à execução precoce da pena”. (HC-85223).
Também a 1ª. Turma do Supremo Tribunal Federal confirmou liminar do Ministro Eros Grau que concedeu liberdade provisória para um policial acusado de assassinar um Delegado da Polícia Civil em Minas Gerais. O Ministro Eros Grau, ao deferir o pedido de habeas corpus e libertar o acusado, afirmou que os fundamentos no clamor público e na repercussão do caso não são "idôneos" para a manutenção da prisão preventiva. Na decisão, ele relacionou julgamentos do Supremo nesse sentido. (HC-85046).
Ainda sobre este requisito da “ordem pública”, anota Bruno César Gonçalves da Silva (no artigo intitulado: “Uma vez mais: da ´Garantia da ordem pública` como fundamento de decretação da prisão preventiva”):
“Entre os juristas brasileiros que se insurgiram contra a prisão preventiva com fundamento na "garantia da ordem pública", destaca-se Gomes Filho (1991), que demonstrou-nos não possuir a idéia de "ordem pública" caráter instrumental relacionado com os meios e fins do processo, veja-se: À ordem pública relacionam-se todas aquelas finalidades do encarceramento provisório que não se enquadram nas exigências de caráter cautelar propriamente ditas, mas constituem formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social; fala-se, então, em "exemplaridade", no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito satisfazer o sentimento de justiça da sociedade; ou, ainda, em prevenção especial, assim entendida a necessidade de se evitar novos crimes; uma primeira infração pode revelar que o acusado é acentuadamente propenso a práticas delituosas ou, ainda, indicar a possível ocorrência de outras, relacionadas à supressão de provas ou dirigidas contra a própria pessoa do acusado. (GOMES FILHO, 1991, p. 67-68). Delmanto Júnior (1998), comentando a decretação da prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, considera ser indisfarçável que nesses termos a prisão preventiva se distancia de seu caráter instrumental - de tutela do bom andamento do processo e da eficácia de seu resultado - ínsito a toda e qualquer medida cautelar, servindo de instrumento de justiça sumária, vingança social etc. (DELMANTO JUNIOR, 1998, p.156). sim, dúvida não resta que falta à prisão preventiva decretada com base na "garantia da ordem pública" caráter instrumental inerente a toda medida cautelar, pois, esta visa assegurar os meios e os fins do processo, ao passo que na "ordem pública" não se vislumbra este caráter, não possuindo tal expressão limites rígidos para a sua definição, dando azo ao arbítrio e a casuísmos na restrição da liberdade. O apelo à forma genérica e retórica da "garantia da ordem pública" representa a possibilidade de superação dos limites impostos pelo princípio da legalidade estrita, propiciando um amplo poder discricionário ao juiz com "uma destinação bastante clara: a de fazer prevalecer o interesse da repressão em detrimento dos direitos e garantias individuais". (GOMES FILHO, 1991, p. 66).”
E conclui este autor: “A garantia da ordem pública não possui caráter cautelar propriamente dito, tendo na verdade finalidades que ora são meta-processuais, ora são exclusivas das penas. As interpretações dadas à expressão "garantia da ordem pública" são violadoras do princípio da presunção de inocência, pois, ou desconsideram a avaliação da necessidade da medida, ou se fundam em presunções e antecipações do juízo de culpabilidade. Devemos na interpretação e aplicação das medidas cautelares, nos libertarmos dos resquícios do autoritarismo e assimilarmos a nova orientação constitucional, lembrando-nos sempre que, dentro deste novo paradigma, os fins nunca podem justificar os meios.”
Não esqueçamos, igualmente, que o art. 30 da Lei nº. 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, estabelece estupidamente mais uma possibilidade de se decretar a prisão preventiva: a “magnitude da lesão causada”, termo que, assim como “ordem pública”, é por demais genérico e, por conseguinte, desaconselhável em se tratando de norma privativa da liberdade.
Nada obstante esta observação, o certo é que a jurisprudência vem reiteradamente decretando a prisão preventiva com fulcro neste requisito; assim, por exemplo, o Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, negou pedido de liberdade provisória solicitado por um acusado de participar de uma organização criminosa envolvida com crimes financeiros e lavagem de dinheiro em vários estados brasileiros. Em sua decisão, o relator lembrou que as investigações dão conta de que os presos participariam “de uma sofisticada organização criminosa, de aprimorado modo de atuação”. Essa quadrilha contaria inclusive, ressaltou o Desembargador, com o auxílio de servidores públicos, o que dificultaria a fiscalização por parte dos órgãos competentes. Assim, afirmou, a prisão apresenta-se como imprescindível para a garantia da ordem pública. “Em liberdade, tudo leva a concluir que o agente continuará na prática delituosa”, salientou o Magistrado. A necessidade de imposição da prisão também se justifica para garantir a coleta de provas “sem a interferência dos integrantes da organização” e a eventual aplicação da lei penal, uma vez que os membros da quadrilha possuem “enorme facilidade” para fugir. O Desembargador ainda lembrou que, de acordo com a decisão da 1ª. Vara Federal Criminal, parte dos valores arrecadados através dos delitos teriam sido enviados para o exterior, destacando, outrossim, o resguardo da ordem econômica e a magnitude dos danos econômicos decorrentes da atuação delituosa como justificativa para a manutenção da prisão. (Processos nºs. 2005.04.01.013110-1; 2005.04.01.015015-6 e 2005.04.01.015066-1).
Em outra decisão, a 7ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou habeas corpus a dois acusados de crime contra o sistema financeiro nacional. No julgamento do mérito do habeas corpus, a Turma, por maioria, negou o pedido de liberdade. Os Desembargadores Federais Tadaaqui Hirose e Maria de Fátima Freitas Labarrère argumentaram que a magnitude da lesão (os réus teriam movimentado cerca de 530 milhões de dólares nas contas no exterior) e o risco à ordem pública justificam a decretação da prisão. (HC 2005.04.01.015120-3/PR).
Em sentido contrário, veja-se:
“TRF 4ª REGIÃO - HABEAS CORPUS Nº. 2004.04.01.017015-1/PR (DJU 09.06.2004, SEÇÃO 2, P. 634, J. 18.05.2004) - RELATOR: Des. Federal JOSÉ LUIZ B. GERMANO DA SILVA - Não obstante o art. 30 da Lei nº 7492/86 determine que a prisão preventiva do acusado da prática de crime contra o sistema financeiro nacional poderá ser decretada em razão da magnitude da lesão causada, sua legitimação depende da satisfação dos pressupostos insculpidos no art. 312 do CP.”.
“A elevada monta da sonegação fiscal não justifica a decretação da prisão preventiva do agente, tratando-se, sim, de elemento a ser considerado por ocasião da dosimetria da pena, em eventual condenação.” (TRF 3ª R. 2ª T. - RSE 2008.61.05.008828-2 – rel. Nelton dos Santos – j. 21.07.2009 – DJU 06.08.2009).
Evidentemente que este requisito não pode ser levado em conta para se decretar uma prisão preventiva, mesmo porque, “nota-se que a magnitude da lesão é conseqüência do crime, fator que deve ser levado em consideração para a aplicação da pena (art. 59, CP).” Logo, “este dispositivo é flagrantemente inconstitucional, sua aplicação virá a macular todos os atos que se lhe seguirem”: eis a lição de Roberto Podval.42 Manoel Pedro Pimentel já perguntava: “Como se há de aferir esse elemento normativo – magnitude da lesão causada – se não for através de critério subjetivo, que pode variar amplamente, já que a lei não define quantitativa ou qualitativamente tal magnitude?”43
Neste sentido, por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 99210). A decisão confirmou liminar concedida pelo relator do processo, Ministro Eros Grau. O juiz levou em conta o poderio econômico do acusado e a magnitude da lesão gerada aos cofres públicos, que alcançaria a cifra de R$ 241 milhões. “O decreto prisional funda-se na magnitude da lesão e na presunção de que os pacientes [os acusados] reiterariam nos crimes a eles imputados, o que, na linha de entendimento consolidado nesta Corte, não se presta à decretação da prisão preventiva”, disse o Ministro Eros Grau. O Ministro citou ainda precedentes do STF no sentido de que a magnitude da lesão causada por um suposto crime não justifica de maneira autônoma a prisão cautelar. Todos os ministros presentes à sessão seguiram o voto do relator.
A propósito, vejamos a lição de Ronald Dworkin:
“O direito penal poderia ser mais eficiente se desconsiderasse essa distinção problemática e encarcerasse homens ou os forçasse a aceitar tratamento sempre que isso parecesse ter probabilidade de reduzir crimes no futuro. Mas isso, como sugere o princípio de Hart, significaria cruzar a linha que separa tratar alguém como ser humano e como nosso próximo e tratá-lo como um recurso para o benefício dos outros. Para as convenções e práticas de nossa comunidade, não pode haver insulto mais profundo que esse. O insulto é da mesma grandeza quando o processo recebe o nome de punição ou tratamento. É verdade que algumas vezes impomos restrições e submetemos a tratamento um homem apenas porque acreditamos que ele não tem controle sobre sua conduta. Fazemos isso com base em leis que regem a custódia de civis e, de modo geral, após um homem ter sido absolvido de um crime sério com base numa alegação de insanidade. Mas devemos reconhecer o compromisso de princípio que essa política implica. Deveríamos tratar um homem contra a sua vontade apenas quando o perigo que ele representa é real e não sempre que calculamos que o tratamento poderá reduzir a ocorrência de crimes, se for adotado.”44
Também é importante salientar ser incabível a decretação da prisão preventiva quando a medida protetiva de urgência tiver um caráter eminentemente civil, como, por exemplo, as medidas previstas no art. 24 da Lei nº. 11.340/06 (Lei Maria da Penha). Tal afirmação decorre do fato que a prisão preventiva, em tais casos, decorreria de um inadimplemento de natureza cível, não passível de prisão (como se sabe, a prisão civil só é legítima constitucionalmente quando se trata de alimentante faltoso).45
Como pressuposto da medida extrema temos o fumus commissi delicti, ou seja, a demonstração cabal e induvidosa de prova da existência de determinados crimes e indício suficiente de autoria (o que coincide com a justa causa para a ação penal, nos termos do art. 395, III do Código de Processo Penal).
Ainda em relação ao fumus commissi delicti, a prisão preventiva, em regra, só poderá ser decretada em relação aos supostos autores de crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, a não ser se o indiciado ou acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal), ou se o delito envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência (aqui está um requisito específico para esta última hipótese). Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida (neste aspecto, atente-se ao disposto nos arts. 2º. e 3º., da Lei nº. 12.037/200946).
Observa-se, portanto, que, excepcionalmente (mesmo porque a prisão preventiva só será decretada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, nos termos do art. 282), permite-se a prisão preventiva mesmo em crime culposo e qualquer que seja a pena privativa de liberdade cominada. Não seria mais necessária a demonstração daqueles outros requisitos (garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal).
Obviamente, mais uma vez não se observou o princípio da proporcionalidade47, perfeitamente exigível quando se trata de estabelecer requisitos e pressupostos para a prisão provisória; aqui, pode-se prender preventivamente quando, muito provavelmente, não haverá aplicação de uma pena privativa de liberdade quando da sentença condenatória.
Como ensina Alberto Bovino, não é possível “que a situação do indivíduo ainda inocente seja pior do que a da pessoa já condenada, é dizer, de proibir que a coerção meramente processual resulte mais gravosa que a própria pena. Em conseqüência, não se autoriza o encarceramento processual, quando, no caso concreto, não se espera a imposição de uma pena privativa de liberdade de cumprimento efetivo. Ademais, nos casos que admitem a privação antecipada da liberdade, esta não pode resultar mais prolongada que a pena eventualmente aplicável. Se não fosse assim, o inocente se acharia, claramente, em pior situação do que o condenado. ”48
Entendemos, pois, incabível a decretação da prisão preventiva naqueles casos, pois, “não obstante o fato de ocorrer exclusivamente em sede parlamentar a atuação do princípio da proporcionalidade, isso não significa que as disposições normativas penais não possam ser submetidas a um eventual controle constitucional acerca da proporção nelas contidas. Não apenas isto é permitido, mas, acima de tudo, é recomendável quando alguma dúvida houver neste sentido.”49
Com o mesmo entendimento, Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Domínguez, advertem que “las medidas cautelares son homogéneas, aunque no idénticas, con las medidas ejecutivas a las que tienden a preordenar.”50
Segundo Humberto Ávila, “um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais. Para analisá-lo é preciso comparar o grau de intensidade da promoção do fim com o grau de intensidade da restrição dos direitos fundamentais. O meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a intensidade da restrição dos direitos fundamentais.”51
Antonio Scarance Fernandes: “Se o réu apenas pode ser considerado culpado após sentença condenatória transitada em julgado, a prisão, antes disso, não pode configurar simples antecipação de pena, somente se justificando quando tiver natureza cautelar. Em suma, qualquer prisão durante o processo, para não haver ofensa ao princípio da presunção de inocência, deve ter natureza cautelar e não pode significar antecipação de pena, pois esta, necessariamente, deve ocorrer de sentença condenatória transitada em julgado.”52
O entendimento esposado decorre da incidência do princípio da homogeneidade, tratado com bastante propriedade por Paulo Rangel53: “A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. Exemplo: admite-se prisão preventiva em um crime de furto simples? A resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspensão condicional do processo. Segundo, se houver condenação, não haverá pena privativa de liberdade face à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria homogeneidade entre a prisão preventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando do seu término. Entendemos, em uma visão sistemática do sistema penal como um todo, que, nos crimes de médio potencial ofensivo, ou seja, aqueles que admitem a suspensão condicional do processo (cf. art. 89 da Lei 9.099/95,) não mais se admite prisão cautelar.”
Em sentido convergente, é o escólio de Roberto Delmanto Júnior54: “Aliás, a garantia constitucional de que o acusado não pode ser considerado culpado antes de passada em julgado a condenação jamais poderia admitir interpretação que acabasse por impor-lhe encarceramento com intensidade mais grave daquele que lhe seria infligido caso ele fosse realmente considerado culpado”.
Vejamos a doutrina estrangeira, a começar por Julian Lopez Masle e Maria Inês Horvitz: “(...) el principio de inocência no excluye, de plano, la posibilidad de decretar medidas cautelares de carácter personal durante el procedimiento. En este sentido, instituiciones como la detención o la prisión preventiva resultan legitimadas, en principio, siempre que no tengan por consecuencia anticipar los efectos de la sentencia condenatória sino asegurar fines del procedimiento”55
Também Alberto M. Binder: “Já vimos que todas as medidas de coerção penal são, em princípio, excepcionais. Dentro dessa excepcionalidade, a utilização da prisão preventiva deve ser muito mais restringida e, para assegurar essa restrição devem ser considerados dois tipos de suposição. Em primeiro lugar, não se pode aplicar a prisão preventiva se não existe um mínimo de informação que fundamente uma suspeita sobre limite essencial e absoluto: se não existe sequer uma suspeita racional e com fundamento de que uma pessoa possa ser autora de um fato punível, de maneira nenhuma é admissível uma prisão preventiva. Porém, este requisito não é suficiente. Por mais que se tenha uma suspeita com fundamentos, tampouco seria admitida constitucionalmente a prisão preventiva se não houverem outros requisitos, os chamados ‘requisitos processuais’. Estes se fundamentam em que a prisão preventiva seja direta e claramente necessária para assegurar a realização do julgamento ou assegurar a imposição da pena.”56
No Brasil, Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que “se o efeito de prevenção positiva diz respeito ao estímulo e renovação da confiança no Direito (Roxin), bem como na preservação da identidade normativa da comunidade juridicamente organizada (Jakobs) – abstraído o respectivo conteúdo do Direito, mas pressuposta a sua legitimação -, a idéia da evitação urgente e acautelatória da permanência de atividades criminosas pode ser um referencial para a compreensão de semelhante modalidade de prisão.Obviamente, para impedir a prática de delitos, em tese, já existe a proibição da Lei penal. Mas, isso, como é óbvio, apenas no plano abstrato. Não evitada, porém, concretamente, há um lapso temporal absolutamente indispensável para a aplicação da sanção correspondente, até por exigência do citado devido processo penal, por meio do qual se buscará a comprovação da existência material do crime e de sua autoria. Nesse passo, empiricamente demonstrada e, por isso, considerada a possibilidade de reincidência delituosa, presente em todo o mundo ocidental e pelas mais variadas razões – aliás, a questionar todo o universo punitivo (eficácia preventiva da pena, a privação da liberdade e tudo o mais) -, a previsão de uma prisão anterior à condenação poderá se instituir como válida, para fins de garantia da ordem pública, desde que delimitada rigorosamente a sua extensão.”57
Vejamos a jurisprudência:
“Imperioso observar a possível desproporcionalidade de se atingir a liberdade pessoal do acusado, como custódia cautelar ante a bastante provável aplicação de condenação final apenas restritiva de direitos. Ordem de habeas corpus concedida” (TRF 3ª R. - 5ª T. HC 2008.03.00.050617-2 – rel. Erik Gramstrup – j. 02.02.2009 – DJU 20.02.2009).
“Mesmo em caso de condenação, ao paciente, será aplicado regime menos severo do que aquele em que se encontra, sendo, portanto, a manutenção de sua segregação cautelar afronta ao princípio da homogeneidade. Diante do deferimento de medidas protetivas em favor da vítima e da inexistência de qualquer dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, não há como manter a prisão preventiva do paciente que, todavia, poderá ser novamente decretada, nos termos do art. 316 do mesmo diploma legal, se sobrevierem motivos ensejadores da espécie. Constrangimento ilegal configurado. Ordem concedida” (TJMT – 2ª C. – HC 115068/08 – rel. Paulo da Cunha – j. 26.11.2008 – DOE 10.11.2008).
“TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO - PRIMEIRA TURMA - 2006.03.00.073226-6 25097 HC-SP - RELATOR: DES. FED. LUIZ STEFANINI –Uma vez fixado o regime aberto é o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar no caso dos autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP. 2- A sentença transitou em julgado para o Ministério Público conforme informação contida nos autos. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. 3- É de se aplicar na hipótese o princípio da proporcionalidade, não havendo que se falar em decretação da prisão preventiva.”
Vejamos este trecho do voto:
“(...) A Constituição Federal vigente, ao consagrar o princípio da presunção de inocência no inciso LVII de seu artigo 5º, determinou grande restrição interpretativa à chamada prisão cautelar, na medida em que tornou exceção a segregação de um acusado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. Este princípio deve também ser aplicado ao instituto da prisão preventiva, que só será admitida para fins processuais, jamais como forma de antecipação de pena, pelo que, para sua ocorrência, devem estar preenchidos os requisitos do artigo 312 do CPP. Na consagração do princípio da presunção de inocência, vemos a preocupação do legislador constituinte no resguardo de um direito dos mais importantes, fundamental a cada cidadão: a liberdade. Com efeito, deve o aplicador do direito ter em mente sempre o supremo valor dado pelo constituinte ao direito de liberdade do indivíduo ao interpretar as normas legais, só consentindo em restringi-la quando profundamente necessário. Ora. Em decorrência deste raciocínio, surge o princípio da proporcionalidade na aplicação da segregação cautelar. De acordo com este princípio, a prisão cautelar (como são a prisão preventiva, a prisão em flagrante, etc.), que é expediente lesivo à esfera jurídica do acusado ou investigado, na medida em que lhe restringe a liberdade, não deve ser aplicada quando impossível a privação da liberdade no caso de eventual condenação, ainda que presentes os requisitos autorizadores. É o que leciona, entre outros, Maurício Zanoide de Moraes (in Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, v. 3, ed. Revista dos Tribunais, São Pulo, 2004, pg. 208), a respeito da prisão em flagrante:"Em outras situações, caberá ao julgador fazer essa análise de necessidade e oportunidade em cada caso concreto: por exemplo, quando verificar que à infração imputada àquele agente haverá, mesmo em caso de condenação, a substituição da pena privativa de liberdade eventualmente aplicável por outra pena restritiva de direito e/ou multa.(...) Não poderá o juiz manter a prisão em flagrante (neste caso), sob pena de tornar o processo mais punitivo que a sanção penal abstratamente prevista para o crime. Em termos ilustrativos: tornará os efeitos colaterais do remédio (a prisão em flagrante) pior do que os efeitos da própria doença (pena a ser imposta em eventual condenação futura)." Este entendimento, não há dúvida, deve ser aplicado à prisão preventiva, não obstante a ausência de disposição expressa neste sentido quanto a esta modalidade de prisão cautelar, como a que existe quanto ao flagrante em delitos de menor potencial ofensivo (parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95). É o caso de se aplicar o princípio da proporcionalidade quanto à prisão cautelar nestes autos. As pacientes foram condenadas a penas privativas de liberdade inferiores a 4 anos a serem cumpridas em regime inicial aberto, tendo, ainda, a nobre juíza a quo as substituído por penas restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do CP (sentença às fls. 16/40). Além disso, transitou a sentença em julgado para o Ministério Público em 31 de julho de 2006, conforme informação de fl. 69. Pois bem. Considerando-se a proibição da reformatio in pejus, constante do artigo 617 do CPP e o trânsito em julgado da citada sentença para o Ministério Público, a pena máxima prevista para o crime das pacientes não poderá ser maior do que o já estipulado, nem o regime inicial de cumprimento outro que não o aberto, não sendo nem mesmo possível a revogação da substituição da penas por outras restritivas de direitos. Assim, pelo princípio da proporcionalidade, impossível de faz a decretação de prisão preventiva no caso em questão. Ante o exposto, meu voto é pela CONCESSÃO DA ORDEM.”
A 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu habeas corpus aos presos na Operação Big Brother da Polícia Federal. A defesa argumentou ainda que a pena para esses crimes seria provavelmente inferior a quatro anos, ou seja, os réus, ainda que condenados, teriam o benefício de prestarem pena alternativa, em regime aberto, sendo desproporcional a manutenção da prisão preventiva. Após analisar o recurso, o Desembargador Néfi Cordeiro decidiu submeter o pedido à 7ª. turma, que entendeu não haver mais necessidade da medida cautelar, decidindo, por unanimidade, conceder a ordem. (HC 2005.04.01.0011606-9/PR).
Destarte, será preciso muito cuidado dos Juízes ao decretarem a prisão preventiva em crimes punidos com prisão (reclusão ou detenção) com pena máxima inferior ou igual a quatro anos, pois é preciso que se faça uma interpretação sistemática com o art. 282 do Código, sendo preferível optar-se por outra medida cautelar menos gravosa.
Por força de lei, a prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Código Penal (excludentes de ilicitude). Nada obstante o silêncio da lei entendemos também ser incabível a decretação da prisão preventiva, quando o Juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato sob o pálio de uma excludente de culpabilidade, pois a similitude das circunstâncias (todas retiram o caráter criminoso da conduta) obriga a igualdade de tratamento.
Assim como ocorre em relação às demais medidas cautelares, também a prisão preventiva submete-se à cláusula rebus sic stantibus (art. 316, inalterado).
Por fim, tomou a lei o cuidado de lembrar aos Juízes que a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada, advertência, aliás, absolutamente desnecessária, à luz da exigência já constante no art. 93, IX da Constituição.
Não esqueçamos que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello conheceu e negou provimento a Recurso Extraordinário (RE 385943) interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão que reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado por decretação de prisão cautelar indevida e o dever de reparação à vítima. De acordo com ele, a pretensão recursal não tem o amparo da própria jurisprudência que o STF firmou em precedentes aplicáveis ao caso. O Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela indenização pleiteada em favor de pessoa indevidamente envolvida em inquérito policial arquivado e que teve a perda do emprego como consequência direta da prisão preventiva. Segundo o acórdão, apesar da ausência de erro judiciário (art. 5º, LXXV da CF), o Estado, no desempenho de suas funções, tem o dever de agir, com margem de segurança, sem a qual fica configurada sua responsabilidade objetiva, de modo a não ofender os direitos subjetivos outorgados aos cidadãos na Constituição.No recurso, o Estado de São Paulo alegou a inexistência do nexo de causalidade material entre o evento danoso e a ação do Poder Público. Para a Procuradoria Geral estadual, a demonstração de que a prisão provisória para fins de averiguação ocorreu nos estritos limites da lei, através da decisão judicial fundamentada e mantida pelo Tribunal em habeas corpus, afigura-se como causa excludente de responsabilidade na medida em que rompe o nexo causal entre a ação do poder público e o evento danoso.O ministro do STF não deu razão ao Estado de São Paulo. De acordo com ele, "a situação que gerou o gravíssimo evento da prisão cautelar de pessoa inocente põe em evidência a configuração, no caso, de todos os pressupostos primários que determinam o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva da entidade estatal".Além disso, Celso de Mello sustenta que a discussão da inexistência do nexo causal revela-se incabível em sede de RE, por depender do exame de matéria de fato, de todo inadmissível na via do apelo extremo. E que o Tribunal de Justiça, com apoio no exame de fatos e provas, interpretou, com absoluta fidelidade, a norma constitucional que consagra a responsabilidade civil objetiva do Poder Público.Segundo o ministro, o acórdão reconheceu, com inteiro acerto, a cumulativa ocorrência dos requisitos sobre a consumação do dano, a conduta dos agentes estatais, o vínculo causal entre o evento danoso e o comportamento dos agentes públicos e a ausência de qualquer causa excludente de que pudesse eventualmente decorrer a exoneração da responsabilidade civil do Estado de São Paulo.
O Capítulo IV passa a ter uma nova epígrafe – Da Prisão Domiciliar, espécie de medida cautelar consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Não se trata de novidade em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o art. 117 da Lei de Execução Penal58. A prisão domiciliar, portanto, pode ser decretada como uma medida cautelar autônoma.
Nada obstante, havendo prova idônea das exigências legais, esta medida cautelar também poderá servir como sucedâneo da prisão preventiva quando o agente for maior de oitenta anos. A prova desta condição, por evidente, só poderá ser feita pela respectiva certidão de nascimento ou documento de igual valor, à luz do art. 155, parágrafo único do Código de Processo Penal. Aqui faço uma observação: por que não se estabeleceu idade igual ou superior a sessenta anos, coerentemente com o disposto no art. 1º., da Lei nº. 10.741/2003 – Estatuto do Idoso?
Também cabível a substituição quando o preso preventivamente estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave, a ser confirmada por atestado médico ou, em caso de dúvida, por perícia oficial. Neste caso, o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal concedeu medida liminar no Habeas Corpus (HC) 116587 para determinar que a prisão preventiva do médico T.S.M. seja cumprida em regime domiciliar até o julgamento definitivo do HC. O relator observou que “pelo menos neste primeiro exame, tenho que procede o pleito de cumprimento da custódia preventiva em regime de prisão domiciliar, conforme previsto no artigo 318 do CPP”. Conforme o relator, a defesa juntou aos autos laudo médico informando que seu cliente encontra-se hospitalizado para tratamento de doença grave. Em sua decisão, o ministro transcreveu trecho do laudo, segundo o qual T.S.M. está internado para avaliação e estabilização do quadro clínico. O laudo aponta que o acusado é portador de doença autoimune hepática fibrosante, de caráter progressivo, podendo evoluir para a necessidade de transplante hepático. Assim, o ministro Ricardo Lewandowski concedeu a medida liminar, ao considerar que “o encarceramento do paciente, neste momento, o impediria de receber o tratamento médico-hospitalar adequado, o que poderia levar ao agravamento de seu quadro clínico”. Fonte: STF http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=230577.
Igualmente exigível a substituição quando a presença (física, moral ou psicológica) do preso for imprescindível, independentemente de parentesco, aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade. Urge também neste caso, perguntar por que não se estabeleceu a idade até doze anos incompletos, também coerentemente com o art. 2º., da Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Outrossim, substituir-se-á a prisão preventiva pela prisão domiciliar quando for imprescindível, também independendo de relação de parentesco, aos cuidados especiais de pessoa com deficiência. Já para a prova destas circunstâncias poderá o Juiz, além da respectiva certidão de nascimento para prova da idade, valer-se de profissionais de serviço social para atestar a imprescindibilidade dos cuidados, além de perícia médica em caso de dúvida fundada quanto à existência de deficiência.59
Por fim, tratando-se de gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Nesta hipótese, poderá ser considerada como prova idônea um atestado médico ou, em caso de dúvida fundada, uma perícia oficial.
Entendo que, sendo a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, preenchidas as exigências legais, um direito subjetivo público do indiciado ou acusado, é passível de ser garantido por meio de habeas corpus.
Importante ressaltar, repita-se, interpretando-se de maneira conjugada os arts. 317 e 318 que a prisão domiciliar não é meramente uma medida cautelar substitutiva da prisão preventiva, podendo ser determinada de maneira autônoma, consoante os requisitos gerais previstos no art. 282.60
Também com nova epígrafe está o Capítulo V – Das Outras Medidas Cautelares, englobando os arts. 319 e 320 e acabando definitivamente com a previsão legal (e inconstitucional) da prisão administrativa. Neste Capítulo estão previstas outras medidas cautelares diversas da prisão preventiva e da prisão domiciliar.
A primeira delas consiste no comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades. A segunda é a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações. A terceira é a proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante (esta medida será cabível, especialmente, quando se tratar de crime praticado contra a mulher em situação de violência doméstica e familiar, contra descendentes, ascendentes, irmãos etc.).
A quarta trata da proibição de se ausentar da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução (aqui, é preciso atentar para aqueles casos em que o indiciado ou réu trabalhe em local muito próximo de seu domicílio, como nas regiões metropolitanas das grandes cidades; neste caso, impor esta medida, convenhamos, não é nada razoável). Caso a proibição seja de se ausentar do País, a medida cautelar deverá ser comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal – art. 144 da Constituição Federal), intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de vinte e quatro horas (art. 320).
A quinta é o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos (aqui não se trata exatamente de uma medida cautelar privativa da liberdade, como a prisão cautelar, mas sim restritiva da liberdade).
A sexta consiste na suspensão do exercício de função pública61 ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais. Evidentemente que esta medida acautelatória deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração pública, contra a ordem econômico-financeira, fiscais, previdenciários, contra a economia popular ou mesmo, a depender do caso concreto, em crimes ambientais quando praticados no bojo de atividade econômica. Observar que medida semelhante já tinha sido prevista no art. 56, parágrafo primeiro da Lei n. 11.343/06 (Lei de Drogas). A propósito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 482.006-4, tendo como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que "a redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º., LVII) e da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), (...) validando-se verdadeira antecipação da pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação." Aliás, por analogia, podemos utilizar do disposto no art. 17-D da Lei nº. 9.613/98 ("Lavagem de Dinheiro"), segundo o qual, "em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.” (Grifo noso).
Igualmente a internação provisória do acusado pode ser decretada nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração (risco concretamente demonstrado e não meramente presumido, mesmo porque a única presunção admitida pela Constituição é a de inocência). Portanto, é preciso que fique claro na decisão o periculum libertatis. Ademais, a internação provisória deve ser em Hospital de Custódia e Tratamento, jamais em estabelecimento prisional comum. Importante salientar a observação de Aury Lopes Jr., ao afirmar que esta medida cautelar “não pode ser desconectada do sistema cautelar, de modo que, mesmo sendo inimputável o agente, é imprescindível a demonstração dos fumus commissi delicti e do periculum libertatis (aqui, assumido como risco de reiteração) nos mesmos termos anteriormente expostos. Destarte, não se pode desconsiderar o disposto no art. 314, de modo que o inimputável pode ter agido em legítima defesa ou em estado de necessidade da mesma forma que alguém imputável e, por isso, não pode ser submetido a internação provisória (como não poderia ser submetido à prisão preventiva se imputável fosse).
A oitava medida cautelar é a liberdade provisória com fiança (nas infrações afiançáveis, óbvio), com as seguintes finalidades: a) assegurar o comparecimento a atos do processo; b) evitar a obstrução do seu andamento; c) em caso de resistência injustificada à ordem judicial (atentando-se para o direito do indiciado e do réu de não auto-incriminação); a liberdade provisória com fiança poderá ser cumulada com outras medidas cautelares. Adiante, trataremos mais minudentemente da matéria.
E, por fim, temos a previsão da monitoração eletrônica, que não chega a ser novidade em nossa legislação, pois os arts. 122, 124, 146-B, 146-C e 146-D da Lei de Execução Penal já a disciplinam.62
Segundo noticia Carlos Roberto Mariath, “o primeiro dispositivo de monitoramento eletrônico foi desenvolvido nos anos 60 pelo psicólogo americano Robert Schwitzgebel. O Dr. Robert entendeu que sua invenção poderia fornecer uma alternativa humana e barata à custódia para pessoas envolvidas criminalmente com a justiça. A máquina consistia em um bloco de bateria e um transmissor capaz de emitir sinal a um receptor. Em 1977, o Juiz de Albuquerque, Novo México/EUA, Jack Love, inspirado por um episódio da série Spiderman (Homem-Aranha), persuadiu o perito em eletrônica, Michael Goss, a projetar e manufaturar um dispositivo de monitoramento. Em 1983, o Juiz Love sentenciou o primeiro criminoso a usar o monitoramento eletrônico. A partir de então, a solução foi implementada de tal sorte que, em 1988, havia 2.300 presos monitorados eletronicamente nos Estados Unidos. Dez anos mais tarde (1998), o número de monitorados havia alcançado a impressionante marca de 95.000.”63
Entendemos que esta medida cautelar deve ser usada com bastante parcimônia64 e exclusivamente para evitar o encarceramento provisório, mesmo porque, como afirma Denise Provasi Vaz, “ela não é capaz de evidenciar qualquer reiteração criminosa por parte do condenado nem sua eventual falta de adaptação social.” Ademais, “é intuitiva a ideia de que um equipamento atrelado ao corpo em tempo integral afeta o estado psicológico da pessoa e impede a superação da lembrança da má conduta, prejudicando sua readaptação. Constitui, ainda, forma de cumprimento de pena incidente sobre o próprio corpo do condenado.”65
A propósito, estudando o monitoramente eletrônico no Canadá, Marion Vacheret e Josiane Gendrou concluíram negativamente em relação à sua adoção naquele País. Segundo elas, “a visibilidade de mídia desta medida é desproporcionada em relação ao lugar que ela ocupa no plano penal. Do mesmo modo, o seu valor acrescentado é extremamente limitado senão inexistente em razão da sua ausência de impacto tanto nas taxas de encarceramento como sobre a reincidência”.66
François Fevrier, ao analisar a medida no sistema francês, adverte-nos que “a aplicação de um dispositivo de monitoramente eletrônico requer certamente uma reflexão ética e social prévia; pressupõe, além disso, uma definição muito clara dos objetivos de política penal e penitenciária para acompanhamentos, o seu nível de satisfação esperado bem como os seus efeitos perversos.”67
Estudando esta mesma medida nos Estados Unidos, Steven W. Becker, afirma: “Se o monitoramento eletrônico for escolhido como uma opção deve ser empregado com o consentimento do detento, pois ele pode ter uma carga substancial de invasão, estigma e potenciais riscos de saúde, dependendo do dispositivo de monitoramento usado. (...) embora a tecnologia possa fornecer à Polícia ferramentas novas e eficientes na luta contra o crime, tais inovações também são sujeitas a abuso no sistema de justiça penal, como demonstrado pelos exemplos dos Estados Unidos. Espera-se que essas experiências sirvam como aviso, assim como uma ajuda, para se moldar soluções sensatas e práticas para o desafio do monitoramento eletrônico no Brasil.”68
Analisando o monitoramento eletrônico em Portugal, Nuno Caiado faz as seguintes (e oportunas) considerações:
“Considero que o ME é eticamente aceitável e viável, não acarretando problemas insolúveis, desde que sejam observados alguns princípios. O ME deve ser melhor compreendido: ele não é uma pena ou finalidade em si mesmo, mas uma tecnologia e instrumento de uma estratégia que pode ser de mero controlo ou, o que seria mais interessante, ao serviço da reabilitação do delinquente pressupondo a existência de um seguimento do caso. Por outro lado, não deve ser confundido com grilhetas ou algemas porque o dispositivo eletrônico não produz incapacitação mecânica ou física do corpo do vigiado, não impede a sua mobilidade. O ME deve estar estrategicamente orientado para a reinserção social do delinquente e o bem comum, e ser adequadamente concebido, planeado, implementado, monitorizado e avaliado. O ME deve estar claramente previsto na lei, em legislação substantiva e regulamentar: a lei deve prever o modo e oportunidade de utilização pelos tribunais e a regulamentação da sua execução pelos serviços. O ME deve ter legitimação judicial: implicando a compressão de direitos, é mais prudente que sejam os tribunais a decidir da liberdade ou do seu condicionamento, ampliando a legitimidade das decisões. O ME deve respeitar os direitos humanos: o condicionamento ou modificação da liberdade da pessoal vigiada não implica perca de dignidade. Tratamento desumano, estigmatização, exposição pública ou humilhação são matérias que não podem ser associadas a qualquer pena e, consequentemente, também às penas ou medidas com ME. O ME deve ser usado de modo proporcional: a intensidade do controlo deve ser adequada à necessidade e esta deve determinar a tecnologia mais adequada (consoante a finalidade, existem tecnologias diferentes); a proporcionalidade deve estender-se à fase de execução, devendo a intervenção corrente ou para repor a normalidade em caso de incumprimento respeitar as necessidades e não as ultrapassar. O ME deve requerer o consentimento do vigiado, o que não significa um reforço do delinquente mas antes um pacto de responsabilização; o consentimento plasma um compromisso na cooperação para a boa execução da pena ou medida. No âmbito das penas, a responsabilização é uma chave de sucesso. O ME deve incluir um investimento na relação com o vigiado: a frieza do seu controlo e o risco de coisificação precisam ser compensados por uma relação significativa que permita um empowerment na responsabilidade e mudança de comportamento. Isto pressupõe a existência de pessoal qualificado e treinado para a prevenção da reincidência. O ME deve ter evitar a estigmatização do vigiado; mas situações em que a visibilidade de um dispositivo eletrônico é irresolúvel obrigam a um outro ângulo de abordagem. O ME deve ser equacionado em termos relativos, como alternativa ao encarceramento, cuja estigmatização é – julga-se ser afirmação pacífica – muito superior. Por outro lado, a tomada de conhecimento da comunidade da existência de pessoas sujeitas à justiça penal que circulam, de modo vigiado e limitado, será um modo de a própria comunidade participar ou integrar a realização da justiça, repudiando a prisão prolongada e generalizada. Ainda assim, poderão subsistir reservas de natureza ética sobre o ME. Antecipo duas delas, porventura as mais comuns, e procuro responder-lhes. A primeira é de cariz ideológico: o ME é mais uma intromissão do Estado, mais um instrumento de controlo sobre a vida dos cidadãos. Esta linha de pensamento, popular nos comentários a notícias na net, parece decorrer mais da história do que da realidade actual: a América Latina sofreu horríveis ditaduras militares na segunda metade do séc. XX em que a função repressiva dos poderes públicos se sobrepunha à promoção do bem comum; mas hoje, o Estado democrático, embora não isento de críticas, é uma realidade política, sociológica e jurídica bem distinta. Por outro lado, os cidadãos, sem nunca o deixar de o ser (e por isso devem manter a dignidade), são monitorizados numa outra condição que é a objecto da justiça penal. A segunda é sobre o medo da tecnologia: o ME é o big brother. Este argumento subsiste na ignorância das funcionalidades das tecnologias que, nas versões mais intrusivas, não vão além do conhecer a posição de um vigiado no espaço público ou a sua permanência na habitação. Porque não pode a justiça adoptar mecanismos da sociedade telemática em que todos vivemos e dos quais generalizadamente dependemos?”69
Certamente que a monitoração eletrônica será mais usualmente uma medida cautelar a ser aplicada cumulativamente com outras, servindo exatamente para a fiscalização do cumprimento destas, como, por exemplo, a proibição de frequentar determinados lugares, de se ausentar da Comarca, etc.
Analisando a utilização do monitoramento eletrônico, ainda que a questão envolvesse a execução da pena (saída temporária), por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal negou seguimento a pedido de Habeas Corpus (HC 109101) impetrado em favor de um condenado que pretendia usufruir do benefício da saída temporária de Natal e Ano Novo sem utilizar a tornozeleira eletrônica. Na oportunidade, o Ministro Celso de Mello ressaltou que “o poder público, na impossibilidade material de colocar um agente estatal em cada situação, simplesmente se vale de um meio que, no fundo, longe de afetar o princípio da dignidade da pessoa, representa um notável avanço no plano da atenuação dos rigores com que as penas em nosso país são executadas. O benefício aqui é evidente”. O Ministro Gilmar Mendes concordou. “Também não compartilho da ideia de que estamos diante de uma flagrante ilegalidade, antes pelo contrário, creio que se trata de um progresso na linha de uma humanização, com um mínimo de segurança (para a sociedade)”, disse. “É uma solução hoje adotada nos países mais avançados do ponto de vista democrático. Daquela bola de ferro com a corrente que os presos arrastavam até a tornozeleira eletrônica houve um importante avanço”, acrescentou o Ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo.
Em relação a estas medidas cautelares, entendemos que uma observação deve ser feita: como é possível a decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento injustificado de outra medida cautelar, é perfeitamente cabível a utilização do habeas corpus para combater uma decisão que a aplicou. Como se sabe, o habeas corpus deve ser também conhecido e concedido sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Logo, se a medida cautelar foi abusiva (não necessária), cabível a utilização do habeas corpus que visa a tutelar a liberdade física, a liberdade de locomoção do homem: ius manendi, ambulandi, eundi ultro citroque. Como já ensinava Pontes de Miranda, em obra clássica sobre a matéria, é uma ação preponderantemente mandamental dirigida “contra quem viola ou ameaça violar a liberdade de ir, ficar e vir.”70
Para Celso Ribeiro Bastos “o habeas corpus é inegavelmente a mais destacada entre as medidas destinadas a garantir a liberdade pessoal. Protege esta no que ela tem de preliminar ao exercício de todos os demais direitos e liberdades. Defende-a na sua manifestação física, isto é, no direito de o indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de se locomover em razão de violência ou coação ilegal.”71 Aliás, desde a Reforma Constitucional de 1926 que o habeas corpus, no Brasil, é ação destinada à tutela da liberdade de locomoção, ao direito de ir, vir e ficar.
Neste sentido, entendendo que o valor da fiança arbitrada pela juíza da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Jales era elevado, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, concedendo uma ordem de Habeas Corpus, reduziu o valor em quase 85%., entendendo que a medida cautelar, da maneira como fixada, não atendia aos parâmetros legais. (Revista Consultor Jurídico, em 17 de outubro de 2013).
E se o acusado ou indiciado for pessoa jurídica? O cabimento será, evidentemente, o Mandado de Segurança contra o ato jurisdicional (mutatis mutandis, veja-se o Enunciado 693 da súmula do Supremo Tribunal Federal).
Questão interessante é a da detração penal em caso de cumprimento de medida cautelar diversa da prisão provisória, da internação provisória ou da prisão domiciliar. Neste aspecto, Pierpaolo Cruz Bottinio afirma que “a previsão de novas medidas cautelares, diferentes da prisão, apresenta situações inéditas sobre a detração. (...) Aqui seria adequada ao menos de uma compensação, um desconto na pena de prazo ao menos proporcional à gravidade da cautelar aplicada.”72 Para estes casos, entendemos cabível, por analogia in bonam partem, a aplicação dos arts. 8º. e 66 do Código Penal, servindo o cumprimento da medida cautelar como causa obrigatória da atenuação da pena, quando não possível a sua compensação nos termos do art. 42 do Código Penal.
O Capítulo VI continua a tratar da liberdade provisória, com ou sem fiança. Neste Capítulo foram modificados os arts. 321 a 325, os arts. 334 a 337 e o art. 341, os arts. 343 a 346, além do art. 350.
Dispõe o primeiro dos artigos que ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva (e não tendo sido o caso de relaxamento da prisão), o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código (acima referidas) e observados os critérios constantes do art. 282. Aqui, extingue-se a possibilidade da concessão da liberdade provisória sem fiança e sem qualquer obrigação para o indiciado ou acusado (por ser o crime inafiançável e não caber a prisão preventiva). Ademais, para a concessão da liberdade provisória dispensa-se, com acerto, a oitiva prévia do Ministério Público (a celeridade ínsita a esta decisão não se coadunaria mesmo com qualquer dilação; nada obstante, a intimação da decisão ao parquet impõe-se, inclusive para efeito de recurso ou mesmo utilização do habeas corpus).
Pela nova disposição do art. 322, a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos; nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas. Caso a autoridade policial recuse ou retarde a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o Juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas. Observa-se que o art. 335 dá ao preso, neste último caso, capacidade postulatória para requerer diretamente ao Juiz o arbitramento de fiança, quando tal medida foi negada (ou houve demora) pela autoridade policial. Evidentemente que, nada obstante se tratar de ato postulatório perante autoridade judiciária, justifica-se excepcionar-se o art. 1º., I do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº. 8.906/94), tendo em vista cuidar-se de medida urgente que visa a obstar uma prisão provisória desnecessária. Aqui, deve prevalecer o princípio do favor libertatis.
A lei estabelece como crimes inafiançáveis, em consonância com a Constituição Federal, os crimes de racismo (apenas os previstos na Lei nº. 7.716/89, também imprescritíveis, e não aquele tipificado no art. 140, § 3º., do Código Penal – a chamada injúria com preconceito), de tortura (Lei nº. 9.455/97), o tráfico ilícito de drogas (Lei nº. 11.343/06), o terrorismo (art. 20 da Lei nº. 7.170/83), os hediondos (Lei 8.072/90) e os cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (estes também imprescritíveis e tipificados na Lei de Segurança Nacional – Lei nº. 7.170/83). Ademais, independentemente do crime praticado, não será, igualmente, concedida fiança: a) aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 (ver adiante); b) em caso de prisão civil (alimentante faltoso); c) em caso de prisão militar; d) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). Obviamente que, com estas novas disposições legais, considerar-se-ão imediatamente revogadas quaisquer outras hipóteses legais de inafiançabilidade anteriormente previstas, à luz do disposto no art. 2º., § 1º., da Lei nº. 12.376/2010 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Deve-se atentar para o fato de que a inafiançabilidade (por si só) não impede a liberdade provisória (cumulada com outra medida cautelar ou mesmo vinculada ao comparecimento a todos os atos do processo), pois o que a Constituição proíbe expressamente é a fiança e não a liberdade provisória (ao contrário, exige-a quando cabível!). Assim, nada obstante tratar-se de crime inafiançável, nada obsta que o Juiz, vislumbrando não estarem presentes os requisitos da prisão preventiva, conceda a liberdade provisória (sem fiança obviamente), sujeitando o beneficiado a cumprir outra medida cautelar ou vinculando-o a comparecer a todos os atos do processo que não impliquem em ofensa ao seu direito ao silêncio e ao de não auto-incriminação.
O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder entre um a cem salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos e de dez a duzentos salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Nada obstante tais limites, se assim o recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá (inclusive pela autoridade policial) ser dispensada na hipótese do art. 350 (ver adiante), ser reduzida até o máximo de dois terços ou ser aumentada em até mil vezes. É preciso atentar, no entanto, que “a fiança, por força de sua natureza jurídica cautelar diversa das restritivas de liberdade, deve ser utilizada pelas autoridades policial e jurisdicional como medida alternativa à prisão, e não como antecipação de tutela penal. (...) A análise restringiu-se ao microssistema da preventiva, esquecendo o magistrado da principal premissa desse conjunto normativo de necessária aplicabilidade conjunta: os aspectos principiológicos do art. 282 do CPP. Os princípios da adequação e da necessidade, estampados no art. 282 do CPP são as vigas mestras de todo o novo sistema cautelar. (...) É certo que o magistrado leva em conta o valor de uma futura e provável indenização ou ressarcimento ao erário, mas também não pode olvidar de diversos outros fatores legais (novos) e constitucionais (antigos) que precisa ponderar, como, p.ex. a substituição da prisão preventiva mesmo quando presentes os seus requisitos e a presunção do estado de inocência. O magistrado, diante da nova lei e sob a vigilância constitucional, deve fundamentar uma decisão em habeas corpus da seguinte forma: se a decisão que mandou prender preventivamente está frágil e sem fundamentação razoável, deve-se, por imperativo constitucional, revogar essa prisão sem estabelecer nenhuma condição para isso. Porém, se estiverem demonstrados os requisitos do art. 312, o magistrado deve reconhecer essa existência, demonstrar que poderia julgar pela manutenção da prisão, mas dar como medida cautelar alternativa o pagamento de uma fiança razoável, ou qualquer outro dispositivo cautelar presente nos arts. 319 e 320 do CPP, expedindo-se alvará de soltura após a audiência em 1.ª instância para fixar as medidas cautelares. (...) Direito esse que deve ser exercido em casos semelhantes, principalmente se o valor da fiança exceder o razoável e prejudicar a devolução da liberdade do acusado, postulando pela restituição da parcela abusiva da quantia arbitrada, ou sua total substituição por outra medida que não impeça o direito de locomoção do indivíduo.”73
A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória (inclusive na própria sentença condenatória, nos termos do parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal).
Determina-se como finalidade da fiança (o dinheiro ou objetos dados) o pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado, mesmo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110, Código Penal). Observa-se, contudo, que decretada a extinção da punibilidade após a sentença condenatória, a fiança prestar-se-á, tão somente, para o pagamento de custas eventualmente devidas e ao pagamento da indenização do dano, pois a multa e a prestação pecuniária, como sanções penais que são, evidentemente estarão atingidas também pela prescrição ou qualquer outra causa extintiva da punibilidade.
Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal), com a ressalva acima feita em relação à pena de multa e de prestação pecuniária.
Considerar-se-á quebrada a fiança quando o acusado, regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; quando deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo ou descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança (nestes casos, será possível que, além da quebra da fiança, seja decretada, concomitantemente, a prisão preventiva, nos termos acima indicados); se resistir injustificadamente a ordem judicial ou, por fim, se vier a praticar nova infração penal dolosa (não crime culposo). Neste caso, caso seja injustificado o quebramento, o acusado perderá metade do valor prestado, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. No caso de quebramento de fiança, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.
Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena (privativa de liberdade ou restritiva de direitos) definitivamente imposta (ou seja, com trânsito em julgado). Neste caso, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado (inclusive o pagamento da multa ou da prestação pecuniária), o valor da fiança será recolhido ao fundo penitenciário (FUNPEN), na forma da lei.
Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória (sem fiança), sujeitando-o, porém, às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 do Código (não alterados)74, além de outras medidas cautelares, se for o caso. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, o Juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente (ver observação sobre a figura do assistente no processo penal) ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do art. 312, parágrafo único do Código de Processo Penal. Neste sentido, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Habeas Corpus nº. 238956, entendeu ser ilegal o a decisão que condiciona a liberdade provisória ao pagamento de fiança fixada em valor superior à capacidade de pagamento dos presos. E com este entendimento, concedeu a ordem pleiteada, isentando dois moradores de rua do pagamento de fiança para serem libertados. No caso os réus foram presos em flagrante por furto qualificado, ao arrombar e furtar objetos de uma banca de jornais. Diante desta situação os indivíduos tiveram a fiança arbitrada em um salário mínimo e a liberdade condicionada ao comparecimento aos atos processuais, proibição de ausentar-se da comarca e monitoramento eletrônico. Diante desta decisão, a Defensoria impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou o pedido. Assim, foi impetrado o HC no STJ, que ao analisar o caso considerou que o princípio da proporcionalidade não foi observado, uma vez que o valor da fiança não condizia com as reais possibilidades financeiras dos réus. Deste modo, a Sexta Turma, por unanimidade, concedeu o pedido, libertando os acusados que são primários e de bons antecedentes, mantendo, porém, as demais condições estipuladas em primeiro grau. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça - Sexta Turma isenta moradores de rua do pagamento de fiança, em 13 de jun. 2012. Disponível:http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106031 Acesso em: 13 de jun. 2012).
É preciso, no entanto, que interpretemos este dispositivo à luz do direito ao silêncio (constitucionalmente assegurado) e o de não auto-incriminação, ou seja, é possível que o não comparecimento do réu ou indiciado deva-se ao seu direito de não produzir prova contra si mesmo, opção que, obviamente, não poderá prejudicá-lo (não comparecer a uma acareação ou a um reconhecimento de pessoa, por exemplo). Neste sentido, conferir o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos firmado em Nova York, em 19 de dezembro de 1966 e promulgado pelo Governo brasileiro através do Decreto nº. 592/92, assim como o Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969, promulgado entre nós pelo Decreto nº. 678/92 (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).
Finalizando, devemos observar que as novas disposições legais inserem-se naquele rol das leis processuais penais materiais, razão pela qual, quanto à sua aplicação no tempo, não devemos aplicar em todos os processos pendentes a regra estabelecida no art. 2º., do Código de Processo Penal (tempus regit actum), e sim observar o disposto no art. 2º., da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e o art. 2º., do Código Penal.
Neste sentido, veja-se que há duas regras que regem o direito intertemporal das leis em matéria criminal: o primeiro afirma que a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu (art. 2°., parágrafo único do Código Penal e art. 5°., XL da Constituição Federal). Se é certo que a regra é a da irretroatividade da lei penal, e isto ocorre por uma questão de segurança jurídico-social, não há de se olvidar a exceção de que se a lei penal for de qualquer modo mais benéfica para o seu destinatário, forçosamente deverá ser aplicada aos casos pretéritos, retroagindo.
Esta regra insere-se no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Carta Magna e, como garantia fundamental, tem força vinculante, “no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos”, como afirma Perez Luño75, tendo também uma conotação imperativa, “porque dotada de caráter jurídico-positivo”.76
A segunda regra é a da aplicação imediata da lei processual penal, preconizado pelo art. 2°. do Código de Processo Penal e que proclama a regra da aplicação imediata (tempus regit actum).
Desta forma, à vista destas duas regras jurídicas, haveremos de analisar as novas disposições. Para que se manifeste um entendimento correto, urge que procuremos definir a natureza jurídica das novas normas: seriam elas de natureza puramente processual ou, tão-somente, penais; ou híbridas (penal e processual)? Admitindo-se a natureza puramente processual, obviamente não há falar-se em irretroatividade ou ultratividade; porém, se aceitarmos que são normas processuais penais materiais (ou híbridas), a ultratividade dos artigos revogados e a irretroatividade da nova lei impõe-se, pois, indiscutivelmente, sendo disposição mais gravosa deve excepcionar a regra da aplicação imediata da lei processual penal.
Atentemos que quaisquer normas que tratem de relativizar o princípio da presunção de inocência (admitindo a prisão provisória) e que tratem de medidas cautelares em matéria penal dizem respeito ao Direito Constitucional. Nestas condições, ditas normas não são puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais.
O jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que “está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material - que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais”, adverte que dentro de uma visão de “hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável.”77
Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), “embora processuais, são também plenamente materiais ou substantivas.”78
Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann “destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais”, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur.79
Feitas tais considerações, lembra-se que “la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni.80
A propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano: “Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. Sirva de exemplo a querela: direito de queixa é substantivo; processo da queixa é adjetivo; segundo uma e outra hipótese orienta-se a aplicação do Direito Intertemporal. O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material.”81
Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci: “Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, - estas excepcionais por natureza.”82
Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho: “Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual.”83
Não é apenas o fato de uma norma está contida em um Código de Processo Penal que a sua natureza será estritamente processual (e dever ser aplicada a regra do tempus regit actum). Como afirmava Vicenzo Manzini, “estar uma norma comprendida en el Código de procedimiento penal o en el Código penal no basta para calificarla, respectivamente, como norma de derecho procesal o de derecho material.”84
Diante do exposto, entendemos que os novos dispositivos, quando mais gravosos, apenas terão incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal posteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º. da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal e no art. 2º. do Código Penal85, considerando “que a natureza processual de uma lei não depende do corpo de disposições em que esteja inserida, mas sim de seu conteúdo próprio.”86 Se mais benéficos devem ser imediatamente aplicados, inclusive em relação aos processos relativos a crimes praticados anteriormente à vigência da lei nova. Neste caso, como já afirmamos no início deste trabalho, não deve ser respeitado, sequer, o período da vacatio legis.
Ressalva-se, apenas, a coisa julgada como limite lógico e natural de tudo quanto foi dito, pois se já houve o trânsito em julgado, não pode se cogitar de retroatividade para o seu desfazimento, pois neste caso já há um processo findo, além do que, contendo a norma caráter também processual, só poderia atingir processo não encerrado, ao contrário do que ocorreria se se tratasse de lei puramente penal (lex nova que, por exemplo, diminuísse a pena ou deixasse de considerar determinado fato como criminoso), hipóteses em que seria atingido, inclusive, o trânsito em julgado, por força do art. 2º., parágrafo único do Código Penal87.
Enfrentando esta questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, tratando-se “de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal.” (STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01).
Aliás, além das medidas cautelares (aplicadas durante a investigação criminal ou o processo penal), melhor seria que incrementássemos as penas alternativas. A propósito, coordenei uma pesquisa feita pela Universidade Salvador-UNIFACS, por seu Departamento de Ciências Sociais Aplicadas II, através da Coordenação do Curso de Direito, tendo à frente o Professor Adroaldo Leão, bem como o Professor Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho, Coordenador do Centro de Pesquisas Jurídicas. A pesquisa teve, ainda, a participação estudantil dos alunos Leopoldo João Carrilho, Jorge Antônio B. Torres Júnior e Carolina Ferreira C. da Silva.
Antes dos resultados obtidos, o texto versou sobre questões teóricas a respeito das penas alternativas à pena privativa de liberdade, sem perder de vista, no entanto, os dados empiricamente obtidos com as respostas dos nossos operadores do Direito. Tentou-se fazer, então, um diagnóstico do nosso sistema penal, de sua pretensa eficiência e das verdadeiras causas da violência que assola o nosso País, procurando estabelecer uma visão crítica a respeito da ideia de se conceber o Direito Criminal como verdadeiro garantidor da paz social, e do encarceramento como efetivo meio de combate à criminalidade de pequeno ou médio potencial. Ao final, mostrou-se com dados estatísticos as conclusões extraídas do que nos foi informado por aqueles que no dia a dia trabalham com a questão da criminalidade e da punição.
Com a promulgação pelo Governo Federal da Lei n.º 9.714/98, de 25 de novembro, foram ampliadas as hipóteses das penas restritivas de direitos em nossa legislação penal, prevendo-se mais quatro tipos de penas, além daquelas já existentes, quais sejam: a prestação de serviços a entidades públicas, a prestação pecuniária ou de outra natureza e a perda de bens e valores. Com a nova lei, contamos hoje, então, com as seguintes penas alternativas à pena de prisão: prestação pecuniária (ou de outra natureza, se o beneficiário assim o aceitar), perda de bens e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos (que se subdivide em proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público; suspensão de autorização ou habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados lugares), limitação de fim de semana e a multa substitutiva.
Vê-se que o modelo clássico de Justiça Penal, fundado na crença de que a pena privativa de liberdade seria suficiente para, por si só, resolver a questão da violência, vem cedendo espaço para um novo modelo penal, este baseado na ideia da prisão como extrema ratio e que só se justificaria para casos de efetiva gravidade.
Passa-se gradativamente de uma política paleorrepressiva ou de hard control, de cunho eminentemente simbólico (consubstanciada em uma série de leis incriminadoras, muitas das quais eivadas com vícios de inconstitucionalidade, aumentando desmesurada e desproporcionalmente a duração das penas, inviabilizando direitos e garantias fundamentais do homem, tipificando desnecessariamente novas condutas, etc.) para uma tendência despenalizadora, traduzida em leis como a que ora nos referimos ou como a que criou os Juizados Especiais Criminais (Lei n.º 9.099/95).88
Hoje, portanto, ainda que o nosso sistema penal privilegie induvidosamente o encarceramento (acreditando, ainda, na função dissuasória da prisão), o certo é que a tendência mundial de alternativizar este modelo clássico vem penetrando no Brasil e tomando força entre os nossos melhores doutrinadores. Penalistas pátrios consagrados como Luiz Flávio Gomes, Cezar Roberto Bitencourt, Damásio de Jesus, Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, e tantos outros, já se debruçaram sobre a matéria. Este último, aliás, lembrando Ferri, afirma que “a luta contra os excessos do poder punitivo não é recente. Ela é apenas reafirmada em atenção às novas perspectivas de causas antigas.”89
Nada obstante, se do ponto de vista teórico há trabalhos já publicados (vide, adiante, bibliografia indicada), o certo é que não se tem, sob o aspecto prático, uma noção exata quanto à aplicação das penas alternativas (incluindo a multa), é dizer, não se sabe ao certo se tais penas são efetivamente aplicadas pelos nossos Juízes criminais.90 Um trabalho de pesquisa como o que foi feito é de fundamental importância para se aferir a real concreção da lei na vida prática do cidadão, dos pequeno e médio infratores. Neste sentido, além de importante, a idéia foi, sobretudo, original.
As respostas enviadas à Universidade pelos nossos operadores do Direito (membros da Magistratura e do Ministério Público), através de um minucioso questionário (vide ANEXO), demonstrou a importância e o êxito do projeto a partir da verificação empírica a respeito da aplicação das penas alternativas em nosso Estado.
O trabalho de pesquisa teve como objetivo central identificar o quadro de aplicação das penas alternativas na Bahia e como objetivos específicos avaliar quantitativamente qual o nível de aplicação de tais penas por nossa Justiça criminal, saber qual a opinião a respeito delas, vislumbrar a perspectiva para o futuro, no que concerne, evidentemente, à prática destas medidas em nosso cotidiano forense e determinar quais as principais espécies de penas que são ou seriam aplicadas ou propostas pelos Magistrados e pelos membros do Ministério Público. O objeto da pesquisa foi a aplicabilidade das penas alternativas na Bahia e a sua importância na administração da Justiça criminal.
Eis, portanto, a importância do tema, da pesquisa e de suas conclusões. A Universidade não pode ficar alheia às transformações sociais e às consequentes mudanças na estrutura do Direito. A comunidade acadêmica, além de acompanhar tais mudanças, deve procurar identificar os seus diversos aspectos.91
A metodologia utilizada na pesquisa foi a remessa de questionários, através de um sistema de amostragem. A população estudada compõe-se de Juízes de Direito (da Justiça Comum Estadual e da Federal, bem como os Desembargadores) e membros do Ministério Público (Promotores, Procuradores de Justiça e da República), em número de aproximadamente 800 unidades amostrais, obtendo-se um retorno entre 12%. O questionário foi elaborado tendo em vista os objetivos e o objeto da pesquisa acima expostos. A pesquisa iniciou-se com o envio do questionário e prosseguiu com a análise das respostas obtidas, a fim de que pudéssemos ter uma fotografia exata da matéria.
Antes do advento da Lei n.º 9.714/98, o nosso Código Penal já contava com seis penas alternativas substitutivas. Com a nova lei, o quadro aumentou e, hoje, contamos com dez. Tais sanções, como se disse acima, visam a substituir a pena privativa de liberdade quando não superior a quatro anos (excluídos os crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa) ou, qualquer que seja a pena, quando o crime for culposo; ressalta-se que o réu reincidente em crime doloso não terá o direito, bem como aquele cuja culpabilidade, os antecedentes, a conduta ou personalidade, os motivos e as circunstâncias não o indicarem.
Segundo Luiz Flávio Gomes92, a lei tinha, dentre outros, os seguintes propósitos:
1) Diminuir a superlotação dos presídios, sem perder de vista a eficácia preventiva geral e especial da pena;
2) Reduzir os custos do sistema penitenciário;
3) Favorecer a ressocialização do autor do fato pelas vias alternativas, evitando-se o pernicioso contato carcerário, bem como a decorrente estigmatização;
4) Reduzir a reincidência;
5) Preservar, sempre que possível, a vítima.
É indiscutível que a pena de prisão em todo o mundo passa por uma crise sem precedentes. A idéia disseminada a partir do século XIX segundo a qual a prisão seria a principal resposta penológica na prevenção e repressão ao crime perdeu fôlego, predominando atualmente “uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional”93, como pensa Cezar Roberto Bitencourt. Urge, pois, que encontremos uma solução intermediária que não privilegie o cárcere, nem espalhe a idéia da impunidade. Parece-nos que esta solução se encontra exatamente nas penas alternativas.
É induvidoso que o cárcere deve ser concebido como última via para a problemática da violência, pois não é, nunca foi e jamais será solução possível para a segurança pública de um povo.
É de Hulsman a seguinte afirmação: “Em inúmeros casos, a experiência do processo e do encarceramento produz nos condenados um estigma que pode se tornar profundo. Há estudos científicos, sérios e reiterados, mostrando que as definições legais e a rejeição social por elas produzida podem determinar a percepção do eu como realmente ‘desviante’ e, assim, levar algumas pessoas a viver conforme esta imagem, marginalmente. Nos vemos de novo diante da constatação de que o sistema penal cria o delinqüente, mas, agora, num nível muito mais inquietante e grave: o nível da interiorização pela pessoa atingida do etiquetamento legal e social.”94
O próprio sistema carcerário brasileiro revela o quadro social reinante neste País, pois nele estão “guardados” os excluídos de toda ordem, basicamente aqueles indivíduos banidos pelo injusto e selvagem sistema econômico no qual vivemos; o nosso sistema carcerário está repleto de pobres e isto não é, evidentemente, uma “mera coincidência”. Ao contrário: o sistema penal, repressivo por sua própria natureza, atinge tão-somente a classe pobre da sociedade. Sua eficácia se restringe, infelizmente, a ela. As exceções que conhecemos apenas confirmam a regra.
E isto ocorre porque, via de regra, a falta de condições mínimas de vida (como, por exemplo, a falta de comida), leva o homem ao desespero e ao caminho do crime, como também o levam a doença, a fome e a ausência de educação na infância. Assim, aquele que foi privado durante toda a sua vida (principalmente no seu início) dessas mínimas condições estaria mais propenso ao cometimento do delito, pelo simples fato de não haver para ele qualquer outra opção; há exceções, é verdade, porém estas, de tão poucas, apenas confirmam a regra.
Aliás, a esse respeito, há uma opinião bastante interessante de uma Juíza Militar Federal, Drª. Maria Lúcia Karam, segundo a qual “hoje, como há duzentos anos, mantém-se pertinente a indagação de por que razão os indivíduos despojados de seus direitos básicos, como ocorre com a maioria da população de nosso país, estariam obrigados a respeitar as leis.”95
De forma que esse quadro socioeconômico existente no Brasil, revelador de inúmeras injustiças sociais, leva a muitos outros questionamentos, como por exemplo: para que serve o nosso sistema penal? A quem são dirigidos os sistemas repressivo e punitivo brasileiros? E o sistema penitenciário é administrado para quem? E, por fim, a segurança pública é, efetivamente, apenas um caso de polícia?
Ao longo dos anos a ineficiência da pena de prisão na tutela da segurança pública se mostrou de tal forma clara que chega a ser difícil qualquer contestação a respeito. Em nosso País, por exemplo, muitas leis penais puramente repressivas estão a todo o momento sendo sancionadas, como as leis de crimes hediondos, a prisão temporária, a criminalização do porte de arma, a lei de combate ao crime organizado, etc, sempre para satisfazer a opinião pública (previamente manipulada pelos meios de comunicação), sem que se atente para a boa técnica legislativa e, o que é pior, para a sua constitucionalidade. E, mais: o encarceramento como base para a repressão.
Assim, por exemplo, ao comentar a lei dos crimes hediondos, Alberto Silva Franco afirma que ela, “na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores consagrados pelo Movimento da Lei e da Ordem, deu suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de alto calibre são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório.”96 Querer, portanto, que a aplicação da pena de privação da liberdade resolva a questão da segurança pública é desconhecer as raízes da criminalidade, pois de nada adiantam leis severas, criminalização excessiva de condutas, penas mais duradouras ou mais cruéis... Vale a pena citar o grande advogado Evandro Lins e Silva, que diz:
“Muitos acham que a severidade do sistema intimida e acovarda os criminosos, mas eu não tenho conhecimento de nenhum que tenha feito uma consulta ao Código Penal antes de infringi-lo.”97 O mesmo jurista, Ministro aposentado do STF, em outra oportunidade afirmou: “precisamos despenalizar alguns crimes e criar punições alternativas, que serão mais eficientes no combate à impunidade e na recuperação do infrator (...). Já está provado que a cadeia é a universidade às avessas, porque fabrica criminosos, ao invés de recuperá-los.”
A miséria econômica e cultural em que vivemos é, sem dúvida, a responsável por este alto índice de violência existente hoje em nossa sociedade; tal fato se mostra mais evidente (e mais chocante) quando se constata o número impressionante de crianças e adolescentes infratores que já convivem, desde cedo e lado a lado, com um sistema de vida diferenciado de qualquer parâmetro de dignidade, iniciando-se logo na marginalidade, na dependência de drogas lícitas e ilícitas, na degenerescência moral, no absoluto desprezo pela vida humana (inclusive pela própria), no ódio e na revolta. Para Vico Mañas, é preciso “despertar a atenção para a relevante questão do adolescente infrator, conscientes de que, enquanto não se estabelecer eficaz e efetiva política pública de enfrentamento dos problemas verificados nessa área, será inútil continuar punindo a população adulta, como também continuará sendo inútil, para os juristas, a construção de seus belos sistemas teóricos”.98 A nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de tal forma estigmatizados que tornam-se reféns do seu próprio passado.99
Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer).
Bem a propósito é a lição de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira: "Ao clamar pelo encarceramento e por nada mais, a sociedade se esquece de que o homem preso voltará ao convívio social, cedo ou tarde. Portanto, prepará-lo para sua reinserção, se não encarado como um dever social e humanitário, deveria ser visto, pelo menos, pela ótica da autopreservação." (Folha de São Paulo, 06/06/2005).
O Professor de Sociologia da Universidade de Oslo, Thomas Mathiesen avalia que “se as pessoas realmente soubessem o quão fragilmente a prisão, assim como as outras partes do sistema de controle criminal, as protegem – de fato, se elas soubessem como a prisão somente cria uma sociedade mais perigosa por produzir pessoas mais perigosas -, um clima para o desmantelamento das prisões deveria, necessariamente, começar já. Porque as pessoas, em contraste com as prisões, são racionais nesse assunto. Mas a informação fria e seca não é suficiente; a falha das prisões deveria ser ‘sentida’ em direção a um nível emocional mais profundo e, assim fazer parte de nossa definição cultural sobre a situação.”100
Vale a pena citar, mais uma vez, Lins e Silva, pela autoridade de quem, ao longo de mais de 60 anos de profissão, sempre dignificou a advocacia criminal brasileira e a magistratura nacional; diz ele: “A prisão avilta, degrada e nada mais é do que uma jaula reprodutora de criminosos”, informando que no último congresso mundial de direito criminal, que reuniu mais de 1.000 criminalistas de todo o mundo, “nem meia dúzia eram favoráveis à prisão.”101
Ademais, as condições atuais do cárcere, especialmente na América Latina, fazem com que, a partir da ociosidade em que vivem os detentos, estabeleça-se o que se convencionou chamar de “subcultura carcerária”, um sistema de regras próprias no qual não se respeita a vida, nem a integridade física dos companheiros, valendo intra muros a “lei do mais forte”, insusceptível, inclusive, de intervenção oficial de qualquer ordem. Neste contexto, surge a necessidade da aplicação efetiva das penas alternativas que impedirá que o autor de uma infração penal de pequeno ou médio potencial ofensivo sofra privação em sua liberdade, aplicando-se-lhe uma multa ou uma pena restritiva de direitos; tal solução se afigura como a mais adequada sendo, modernamente, utilizada amplamente nos sistemas penais mais evoluídos; através dela, o cometimento de determinadas infrações penais é punido de forma tal que não leve o seu autor a experimentar as agruras de um sistema penal falido e inoperante.
Já no século XVIII, Beccaria, autor italiano, em obra clássica, já afirmava: “Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos crimes, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficiente e mais perdurável e, igualmente, menos cruel no organismo do culpado.”102
Por sua vez, Marat, em obra editada em Paris no ano de 1790, já advertia que “es un error creer que se detiene el malo por el rigor de los suplicios, su imagen se desvanece bien pronto. Pero las necesidades que sin cesar atormentan a un desgraciado le persiguen por todas partes. Encuentra ocasión favorable? Pues no escucha más que esa voz importuna y sucumbe a la tentación.”103
Atento a esta realidade, o Ministério da Justiça baixou a Portaria nº. 514, de 8 de maio de 2003, subscrita pelo Ministro Márcio Thomas Bastos, estabelecendo que o Programa Nacional de Apoio e Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas, instituído no âmbito da Secretaria Nacional de Justiça, tem os seguintes objetivos: “I - estimular a aplicação e a fiscalização das penas e medidas alternativas em todas as unidades da federação; II - difundir as vantagens das penas e medidas alternativas como instrumentos eficazes de punição e responsabilização; III - desenvolver um modelo nacional de gerenciamento para a aplicação das penas e medidas alternativas; IV - apoiar, institucional e financeiramente, com dotação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional, as iniciativas estaduais de criação de programas de penas e medidas alternativas; V estimular as parcerias entre os operadores do Direito, a comunidade e as autoridades públicas, com vistas à criação de uma rede social de fiscalização das penas e medidas alternativas; VI - capacitar os operadores do Direito, serventuários da Justiça e parceiros sociais na aplicação do modelo de gerenciamento das penas e medidas alternativas; VII - divulgar as experiências bem sucedidas, fomentar sua aplicação em todas as unidades da federação e construir uma base de dados, por meio de um sistema gerencial de acompanhamento dos programas; VIII - estimular a realização de estudos científicos, com vistas ao aprimoramento das normas jurídicas sobre alternativas às medidas não privativas de liberdade; IX estimular a realização de pesquisas de dados a nível nacional para o aprimoramento das intervenções; X - orientar a elaboração de convênios com os Estados para implementação de Centrais Estaduais e Varas de Execução de Penas Alternativas; XI acompanhar e fiscalizar a execução dos convênios celebrados.”
Esta mesma Portaria criou a “Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, composta de membros nomeados pelo (a) Secretário (a) Nacional de Justiça, indicados e coordenados pelo (a) Gerente da Central Nacional”, competindo-lhe: “I - assessorar a Central Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas, do Ministério da Justiça, na implementação e aperfeiçoamento do Programa instituído por esta Portaria; II - assessorar a Central Nacional na fiscalização da execução do Programa nos diversos Estados da Federação; III - reunir-se, no Ministério da Justiça, conforme solicitação da Central Nacional para avaliar e propor novas diretrizes; IV - propor fóruns públicos sobre o Programa; V orientar órgãos e entidades federais, estaduais e municipais, públicos ou privados, na efetivação do Programa, de acordo com as diretrizes definidas no âmbito da Central Nacional.”
IV – Resultados para Avaliação da Pesquisa (104 respostas):104
TABELA I – TEMPO DE FORMADO
Anos Nº. %
0 {------ 6 26 25,00 6 {------ 12 35 33,60
12 {------ 18 21 20,20
18 {------ 24 09 08,70
24 { ----- 30 06 05,80
30 {------ 36 05 04,80
36 {------ 42 02 01,90
TOTAL ----------------------------------------- 104 ---------------------------------------100,00
MÉDIA: 12,52 anos
DESVIO PADRÃO: 8,95
TABELA II – TEMPO DE MAGISTRATURA / MINISTÉRIO PÚBLICO
Anos Nº. %
0 {------ 5 44 42,30 5 {------ 10 34 32,70
10 {------ 15 12 11,50
15 {------ 20 06 05,80
20 { ----- 25 02 01,90
25 {------ 30 02 01,90
30 {------ 35 04 03,90
TOTAL -------------------------------------- 104 ------------------------------------------100,00
MÉDIA: 7,88 anos
DESVIO PADRÃO: 7,40
TABELA III – APLICAÇÃO (MAGISTRATURA) OU PROPOSTA (MINISTÉRIO PÚBLICO) DE PENA ALTERNATIVA
Sim ------------------------------------------- 98 ------------------------------------------- 94,2 %
Não ------------------------------------------- 04 ------------------------------------------- 3,90 %
Sem resposta ------------------------------- 02 ------------------------------------------- 1,90 %
TOTAL ----------------------------------- 104 ------------------------------------------100,00%
TABELA IV – ESPÉCIES DE PENAS ALTERNATIVAS APLICADAS OU PROPOSTAS
Prestação de Serviço à Comunidade/Entidades Públicas---------------------92-------93,9%
Prestação Pecuniária---------------------------------------------------------------37-------37,7%
Interdição Temporária de Direitos-----------------------------------------------35-------35,7%
Multa Substitutiva-----------------------------------------------------------------20--------20,4%
Limitação de Fim de Semana----------------------------------------------------17--------17,3%
Prestação de Outra Natureza (art. 45, § 2º., CP)-------------------------------15-------15,3%
Sem Resposta-----------------------------------------------------------------------10-------10,2%
Perda de Bens e Valores-----------------------------------------------------------03-------03,1%
TABELA V – ESPÉCIES DE INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS APLICADAS OU PROPOSTAS
Proibição de Freqüentar Determinados Lugares--------------------------------25------71,4%
Suspensão para Habilitação para Dirigir Veículo-------------------------------12------34,3%
Proibição do Exercício de Cargo--------------------------------------------------06------17,1%
Proibição do Exercício de Profissão----------------------------------------------02------05,7%
TABELA VI – AS PENAS ALTERNATIVAS COMO SOLUÇÃO PARA O SISTEMA PENAL BRASILEIRO
Sim---------------------------------------------------------------------------------70---------67,3%
Não---------------------------------------------------------------------------------24---------23,1%
Sim, com ressalvas---------------------------------------------------------------10---------09,6%
TOTAL------------------------------------------------------------------------104--------100,00%
TABELA VII – ESPÉCIES DE PENAS ALTERNATIVAS PREFERIDAS PELA MAGISTRATURA E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Prestação de Serviço à Comunidade/Entidades Públicas---------------------89-------85,6%
Prestação Pecuniária---------------------------------------------------------------38-------36,5%
Interdição Temporária de Direitos-----------------------------------------------29-------27,9%
Multa Substitutiva------------------------------------------------------------------16-------15,4%
Perda de Bens e Valores-----------------------------------------------------------16-------15,4%
Prestação de Outra Natureza (art. 45, § 2º., CP)-------------------------------14-------13,5%
Limitação de Fim de Semana-----------------------------------------------------10-------09,6%
Sem Resposta-----------------------------------------------------------------------06-------05,8%
TABELA VIII – ESPÉCIES DE INTERDIÇÃO TEMPORÁRIA DE DIREITOS PREFERIDAS PELA MAGISTRATURA OU PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Proibição de Freqüentar Determinados Lugares--------------------------------17------58,6%
Suspensão para Habilitação para Dirigir Veículo-------------------------------17------58,6%
Proibição do Exercício de Cargo--------------------------------------------------17------58,6%
Proibição do Exercício de Profissão----------------------------------------------14------48,3%
TABELA IX – EFICÁCIA DA EXECUÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS
Sim---------------------------------------------------------------------------------47---------45,2%
Não---------------------------------------------------------------------------------37---------35,6%
Sim, com ressalvas---------------------------------------------------------------14---------13,4%
Sem resposta----------------------------------------------------------------------06---------05,8%
TOTAL------------------------------------------------------------------------104--------100,00%
TABELA X – A REINCIDÊNCIA QUANDO SE CUMPRE PENA ALTERNATIVA
Não é possível comparar----------------------------------------------------------57-------54,8%
A reincidência é menor------------------------------------------------------------41-------39,4%
Sem resposta------------------------------------------------------------------------04-------03,9%
A reincidência é maior-------------------------------------------------------------02-------01,9%
TOTAL---------------------------------------------------------------------------104-----100,00%
A partir dos dados aferidos pela pesquisa e indicados nas tabelas acima colocadas, podemos extrair as seguintes conclusões:
A primeira tabela corresponde à segunda pergunta do questionário – tempo de formado. Pela leitura percebemos que aqueles profissionais formados em até 18 anos, exclusive, correspondem a 78,8% do total de respostas, ou seja, os mais recentemente formados foram responsáveis pela grande maioria das respostas. Os outros que responderam (21,2%) já eram formados há mais de 18 anos, inclusive. Nota-se, então, um interesse maior daqueles em relação ao questionário formulado.
A tabela II traduz o resultado obtido com a terceira indagação, ou seja, o tempo de Ministério Público ou de Magistratura. Aqui, mais uma vez, conclui-se claramente que os mais jovens profissionais foram os que mais responderam à pesquisa formulada. Dos 104 que o fizeram, 86,5% estão no Judiciário ou no Ministério Público há menos de 15 anos (exclusive). O restante (13,5%) tem mais de 15 anos (inclusive) na atual profissão.
A tabela III diz respeito à quarta pergunta formulada, onde se questionou aos membros do Poder Judiciário se já haviam aplicado e aos membros do Ministério Público se já haviam proposto alguma pena alternativa. Como se atesta pela referida tabela, o resultado foi que a grande maioria dos que nos responderam afirmaram positivamente, ou seja, quase todos já tinham aplicado ou proposto uma pena alternativa (94,2%). Para nós este resultado traduz induvidosamente uma ampla aceitação por parte dos nossos operadores do Direito por este tipo de penalidade, corroborando, então, o que acima foi afirmado quanto à tendência atual de se aceitar as penas alternativas como opção ao encarceramento.
A quarta tabela tem seu equivalente na quinta pergunta do questionário, isto é, entre aqueles que aplicaram ou propuseram tais penas, quais as espécies por eles escolhidas. Vê-se, então, que das hoje permitidas pela nossa legislação, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a preferida105. Ela está prevista no art. 46 e §§ do Código Penal e é aplicável “às condenações superiores a 6 (seis) meses de privação da liberdade”, consistindo “na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado” que as cumprirá “em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais”, segundo “as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de 1 (uma) hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.” Como afirma Luiz Flávio Gomes, esta pena é “uma obrigação de fazer algo pessoalmente (in personam actio)”, vendo-se, portanto, “o caráter personalíssimo da prestação de serviços: ninguém pode prestá-lo no lugar do condenado (nenhuma pena, aliás, pode passar da pessoa do delinqüente, consoante o princípio da personalidade da pena – CF, art. 5º., inciso XLV).” Para ele, ademais, é indiscutível a constitucionalidade desta pena, por força do art. 5º., XLVI, d, da CF/88, atentando-se, também, para o fato de que “essa pena restritiva não cria relação empregatícia e tampouco admite o instituto da remição.”106 Cezar Bitencourt, por sua vez, elenca como características fundamentais desta pena a gratuidade, a aceitação pelo condenado e a sua autêntica utilidade social.107
Em seguida, com 37,7%, está a prestação pecuniária, prevista nos §§ 1º. e 2º. do art. 45 do Código Penal, diferenciando-se da primeira, pois “esta é uma obrigação de dar (satisfazer); aquela é uma obrigação de fazer algo (em pessoa).”108 Esta sanção tem como finalidade clara a reparação do dano causado pelo crime109 e “consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários”.
A propósito, veja-se esta decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região:
“ACR 23755 – (2003.60.02.000021-2) – 5ªT – REL. HÉLIO NOGUEIRA – DJU2 03.05.2007 - PROC. : 2003.60.02.000021-2 ACR 23755 - ORIG.: 1 Vr PONTA PORA/MS - RELATOR: JUIZ CONV. HÉLIO NOGUEIRA / QUINTA TURMA - Embora admitida a substituição da pena privativa de liberdade, fixada em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, por duas penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, esta deve ser fixada levando em consideração a capacidade econômica da condenada, de modo a não colocar em risco a manutenção de sua subsistência. Pena de prestação pecuniária reduzida.2. A exclusão da pena restritiva de direito, na forma pretendida pela apelante, vai de encontro à Lei, haja vista que o artigo 44, §2º do Código Penal, prevê que a pena privativa de liberdade superior a 01 (hum) ano será substituída por duas penas restritivas de direito ou uma pena de direito ou multa.3. Recurso da defesa parcialmente provido.”
Logo após, e muito próxima, observamos a pena de interdição temporária de direitos (cujas espécies veremos adiante). Depois estão a multa substitutiva, a limitação de fim de semana, a prestação de outra natureza (art. 45, § 2º., CP) e a perda de bens e valores (com diminuta incidência). Dez deixaram de responder.
Como a pena de interdição temporária de direitos é gênero (art. 47, CP), procuramos também aferir quais as suas espécies mais aplicadas ou propostas, concluindo-se que a proibição de frequentar determinados lugares teve ampla maioria, seguindo-se a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo, a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo e a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público (conferir tabela V). Para Damásio de Jesus, a proibição de frequentar determinados lugares tem assento constitucional (art. 5º., XLVI, a, CF/88) e “deve ser imposta considerando-se o local do cometimento do crime (bares, estádios esportivos, casas de prostituição, boates, etc.), devendo, outrossim, “a sentença especificar qual o lugar ou lugares proibidos. Pode ser mais de um.”110
Na tabela VI (originária da pergunta sexta) concluímos que 67,3% dos que responderam entendem que as penas alternativas são a solução para o sistema penal brasileiro e 23,1% discordam desta assertiva. O restante, 9,6%, concordam, mas com ressalvas; estas dizem respeito, principalmente, à efetiva execução da pena alternativa aplicada. De toda forma, a grande maioria acha que é a solução para o nosso sistema penal (76,9%), ainda que poucos imponham algum tipo de ressalva.
A sétima tabela tem seu equivalente na sétima pergunta: quais as espécies de penas alternativas preferidas pelos profissionais da Bahia (independentemente de já tê-la proposto ou aplicado)? Mais uma vez, como era de se esperar, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é a preferida com 85,6%.
Em seguida, com 36,5%, estão a prestação pecuniária, a interdição temporária de direitos (cujas espécies veremos adiante), a multa substitutiva, a perda de bens e valores, a prestação de outra natureza (art. 45, § 2º., CP) e a limitação de fim de semana (mais uma vez com pouca incidência). Seis colegas deixaram de responder. Novamente, considerando-se que a pena de interdição temporária de direitos é o gênero, pesquisamos quais as suas espécies preferidas (ainda que não aplicadas ou propostas), concluindo-se que a proibição de freqüentar determinados lugares, a suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e a proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo tiveram ampla maioria (cada uma com 58,6%), seguindo-se a proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público.
Já a penúltima tabela diz respeito à eficácia da execução de tais penas em nosso Estado. De todos os inquiridos, a maioria (58,6%) afirmou que a pena alternativa é eficazmente executada (destes, 13,4%, fizeram algum tipo de ressalva, principalmente quanto às dificuldades na fiscalização pelo Juízo competente). Grande parte (35,6%) acha que a execução é ineficaz e seis pessoas não responderam.
Por fim, ao perguntarmos se a reincidência é maior ou menor quando se aplica uma pena alternativa, a maioria disse não ser possível comparar ou não respondeu (58,7%); dos que efetivamente responderam, 39,4% afirmaram que a reincidência é menor e apenas 1,9% dos questionados disseram que era maior, mostrando, portanto, que quando não se leva o indivíduo ao cárcere se consegue com mais sucesso a tão desejada ressocialização do autor de um crime, evitando-se que volte a delinqüir.
De tudo quanto exposto, podemos concluir que as penas alternativas têm uma boa aceitação entre os operadores do Direito no Estado da Bahia (principalmente os mais jovens), carecendo, apenas, de meios mais eficazes quando da respectiva execução.
Pensamos, destarte, que os objetivos da pesquisa foram conseguidos, pois pudemos retratar com fidelidade o pensamento de nossos Juízes e membros do Ministério Público. Ressaltamos que hoje, já transcorridos alguns anos desde a realização da pesquisa, vejamos o que pensam dois magistrados da Vara de Execuções Penais do Estado da Bahia a respeito das penas alternativas:
Segundo dados do Ministério da Justiça, publicados na Revista Veja (Editora Abril, edição 2022, nº. 33, de 22/08/2007), em 1995 havia 80.000 condenados cumprindo penas alternativas; este número elevou-se, em 2006, para 301.500. Segundo a mesma fonte, o número de condenados que cumprem penas alternativas já representa 75% do total de presos. Os delitos mais comuns cujos condenados estão cumprindo tais penas são: crimes contra a honra, “pequenos furtos”, “atropelamentos”, alguns tipos de estelionato, uso de drogas e lesões corporais leves. Na matéria jornalística, informa-se que “foram criados mais de 200 núcleos para fiscalizar o cumprimento dessas penas. Em 1995, eram só quatro.”
Veja esta notícia publicada pela Agência Estado, no dia 24 de julho de 2008: “Pela primeira vez, o número de pessoas cumprindo penas e medidas alternativas no Brasil disparou em relação aos presos. Os dados, não consolidados oficialmente, foram obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo com exclusividade e se referem ao primeiro semestre deste ano. Até 30 de junho, 498.729 pessoas cumpriam pena ou medida em liberdade (PMA), 13,4% a mais dos que os 439.737 encarcerados, segundo dados do Infopen, sistema de estatísticas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Caso se exclua quem aguarda julgamento atrás das grades, o número dos que cumprem alternativas é 118,6% maior. Só o Rio Grande do Norte não informou o número de presos até junho. Nesse caso, foram usados os dados disponíveis em 31 de maio. Como se trata de um Estado com menos de 1% dos detentos, isso não interfere de forma significativa nas estatísticas. Em dezembro de 2007, havia 422.522 pessoas cumprindo penas alternativas, menos do que os 423.373 presos. Entre dezembro de 2007 e o fim de junho de 2008, o número de pessoas cumprindo PMAs saltou 18% - ante 4,1% no número de presos. Em comparação com 2006, o salto é ainda maior: 65,5% em relação aos que cumpriam PMAs - ante 9,6% dos detentos. Apesar dos avanços, a coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do Depen, Márcia de Alencar, diz que a Justiça brasileira ainda prende em demasia. Segundo ela, há pelo menos 54 mil presos condenados por crimes que já prevêem a substituição da condenação em cárcere por penas alternativas. Segundo ela, o aumento no número de pessoas cumprindo condenação em liberdade se deu, "prioritariamente, por um incremento legal dos crimes passíveis de penas alternativas". Em 2002, apenas cinco leis tipificavam crimes com possibilidade de aplicar PMAs. "Hoje, o número de leis para aplicação de PMAs chega a 12.”