4 Anotações ao Princípio da Vinculação à Publicidade no Direito do Consumidor: Explicitações aos Corolários da Informação e da Transparência no Sistema de Defesa e Proteção do Consumidor
Em harmonia com os argumentos alinhados, ao volver um olhar analítico acerca da publicidade, em sede de Direito do Consumidor, é possível colocar em destaque que se apresentam um sucedâneo de corolários e dogmas, diretamente influenciado pelo preceito constitucional de proteção e defesa do consumidor, em decorrência do inerente aspecto de vulnerabilidade que ostenta. Verifica-se, nesta esteira, que os axiomas em explanação apresentam “por finalidade dorsal proteger o consumidor, não obstante incorpore valores próprios de outros microssistemas, como o ambiental e o concorrencial”[11]. Insta elucidar, por oportuno, que os princípios entalhados na ramificação consumerista, os quais, por clara dicção, buscam ofertar tratamento diferenciado ao consumidor, privilegiando seu aspecto de vulnerabilidade ante o fornecedor, não pode ser confundido com os preceitos gerais da publicidade, os quais são alicerçados em sedimento distinto e com escopo dessemelhante.
Diante dos comentários tecidos, influenciado, fortemente, pelas disposições referentes aos corolários gerais da transparência e da informação, alçados à condição de pavilhões do Direito do Consumidor, cuida abordar o dogma da vinculação à publicidade, a partir de uma ótica ancorada na vulnerabilidade do consumidor, enquanto ator da relação em destaque. Foi, justamente, no princípio da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se baseou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente burilado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[12]. Como bem acentua Almeida, o princípio da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento”[13].
O dogma em comento considera o consumidor a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que o consumidor se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outras palavras, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo. Trata-se de técnica utilizada para aplicar as normas consumeristas de maneira harmoniosa com a realidade concreta, conferindo-lhe instrumentalidade para iluminar a aplicação daquelas de modo protetivo e reequilibrado, promovendo a igualdade e a justiça equitativa. Neste sentido, é possível fazer alusão ao entendimento explicitado pelo Ministro Massami Uyeda, ao relatoriar o Recurso Especial N° 1.293.006/SP, em especial quando salienta que “a relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor”[14].
Com efeito, a vulnerabilidade está relacionado a um estado do indivíduo, uma situação inerentes de risco ou um sinal de excessiva confrontação de interesses identificados no mercado, podendo ensejar um cenário provisório ou permanente. “Todo consumidor é sempre vulnerável, característico intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço”[15], como bem sublinham, em seu magistério, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves. Verifica-se, desta sorte, que o consumidor, por sua natureza, está envolto no princípio da vulnerabilidade. A figura da vulnerabilidade, outrossim, para fins de aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, tanto pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e outras mais.
Feitas tais considerações, ao examinar o princípio da vinculação do fornecedor à publicidade, releva pontuar que aquele está diretamente atrelado ao serviço ou produto que está sendo colocado no mercado. “Assim, uma vez oferecido pela via da publicidade, deve ser o contrato de consumo cumprido naqueles termos”[16], como bem pondera Federighi. Por imperioso, insta salientar que o fornecedor não está obrigado a manifestar dados objetivos acerca da oferta; entretanto, ao fazer, o fornecedor está obrigado a cumpri-la, sob pena de configurar a prática da publicidade enganosa. Concretamente, “se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão”[17]-[18].
Referências:
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FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Algumas Notas sobre a Publicidade no CDC. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia (organizadores). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Verbatim, 2009.
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VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 ago. 2013.
Notas
[2]VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em 25 ago. 2013.
[3]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05 ag. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 25 ago. 2013.
[4]VERDAN, 2009. Acesso em 25 ago. 2013.
[5]MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princípios do Contrato na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/5996>. Acesso em 25 ago. 2013.
[6]VERDAN, 2009. Acesso em 25 ago. 2013.
[7]TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6824>. Acesso em 25 ago. 2013.
[8]BRASIL. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 ago. 2013.
[9]CARVALHO, José Carlos de Maldonado de. Direito do Consumidor: Fundamentos Doutrinários e Visão Jurisprudencial. 3 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 10.
[10]BRASIL. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 25 ago. 2013: “Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.
[11]GRINOVER, Ada Pellegrini et all. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2004, p. 316.
[12]BRASIL. Lei Nº. 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 03 mai. 2013: “Art. 4º [omissis] I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”.
[13]ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 7ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 17.
[14]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial N° 1.293.006/SP. Recurso Especial - Contrato de Seguro - Relação de Consumo - Cláusula Limitativa - Ocorrência de furto qualificado - Abusividade - Identificação, na espécie - Violação ao direito de informação ao consumidor - Recurso Especial Provido. I - Não há omissão no aresto a quo, tendo sido analisadas as matérias relevantes para solução da controvérsia. II - A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo e, portanto, impõe-se que seu exame seja realizado dentro do microssistema protetivo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, observando-se a vulnerabilidade material e a hipossuficiência processual do consumidor. III - A circunstância de o risco segurado ser limitado aos casos de furto qualificado exige, de plano, conhecimentos do aderente quanto às diferenças entre uma e outra espécie de furto, conhecimento esse que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamente o consumidor não possui, ensejando-se, por isso, o reconhecimento da falha no dever geral de informação, o qual constitui, é certo, direito básico do consumidor, nos termos do artigo 6º, inciso III, do CDC. IV - A condição exigida para cobertura do sinistro - ocorrência de furto qualificado - por si só, apresenta conceituação específica da legislação penal, cujo próprio meio técnico-jurídico possui dificuldades para conceituá-lo, o que denota sua abusividade. Precedente da eg. Quarta Turma. V - Recurso especial provido. Órgão Julgador: Terceira Turma. Relator: Ministro Massami Uyeda. Julgado em 21.06.2012. Publicado no DJe em 29.06.2012. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso 25 ago. 2013.
[15]TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 30.
[16]FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Algumas Notas sobre a Publicidade no CDC. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabíola; CALDEIRA, Patrícia (organizadores). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Verbatim, 2009, p. 231.
[17]BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial Nº 1.188.442/RJ. Direito do consumidor. Publicidade enganosa. Empreendimento divulgado e comercializado como hotel. Mero residencial com serviços. Interdição pela municipalidade. Ocultação deliberada de informação pelo fornecedor. Anulação do negócio jurídico. Indenização por lucros cessantes e por danos morais devida. 1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. 2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor. 3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão. 4. No caso concreto, desponta estreme de dúvida que o principal atrativo do projeto foi a sua divulgação como um empreendimento hoteleiro - o que se dessume à toda vista da proeminente reputação que a Rede Meliá ostenta nesse ramo -, bem como foi omitida a falta de autorização do Município para que funcionasse empresa dessa envergadura na área, o que, à toda evidência, constitui publicidade enganosa, nos termos do art. 37, caput e § 3º, do CDC, rendendo ensejo ao desfazimento do negócio jurídico, à restituição dos valores pagos, bem como à percepção de indenização por lucros cessantes e por dano moral. 5. Recurso especial de Antônio Rogério Saldanha Maia provido. 6. Recursos especiais de Gafisa S/A e Banco BBM S/A não conhecidos. Prejudicadas as demais questões suscitadas. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Ministro Luís Felipe Salomão. Julgado em 06.11.2012. Publicado no DJe em 05.02.2013. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 25 ago. 2013.
[18]Neste sentido: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão proferido em Recurso Especial Nº 341.405/DF. Consumidor. Recurso Especial. Publicidade. Oferta. Princípio da vinculação. Obrigação do fornecedor. - O CDC dispõe que toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumidores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que vier a ser celebrado. - Se o fornecedor, através de publicidade amplamente divulgada, garantiu que os imóveis comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica Federal, submete-se a assinatura do contrato de compra e venda nos exatos termos da oferta apresentada. Órgão Julgador: Terceira Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 03.09.2002. Publicado no DJ em 28.04.2003, p. 198. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em 25 ago. 2013.