As Constituições Federais que antecederam a de 1988, omitiram-se de definir o Ministério Público, onde, diga-se de passagem, nunca ocupou lugar específico. É sabido, ainda, por todos que se ocupam do estudo sistemático do Ministério Público o grande desconhecimento que reina em torno desta Instituição, que só agora começa a ganhar merecido realce, mercê da posição de relevo que a Constituição Federal de 1988 lhe conferiu.
A primeira Constituição do Brasil, a de 1824, nem mesmo se referia à instituição, tão só mencionava (art. 48) vagamente a existência de um Procurador da Coroa e Soberania Nacional ao qual incumbia proceder a acusação “no juízo dos crimes”.
Em 1828, pela Lei de 18 de setembro, foi criado o cargo de Promotor de Justiça para ter exercício perante as Relações e os diversos juízos das comarcas. Mas o Aviso de 16 de janeiro de 1838, foi, por assim dizer, o verdadeiro ato precursor, no Brasil, da finalidade máxima e característica da instituição, considerando os Promotores como “fiscais da lei”.
Todavia, a expressão Ministério Público só veio a ser mencionada no Brasil, segundo as pesquisas realizadas por Abdon de Melo e ratificadas por José Henrique Pierangelli, inicialmente, no art. 18 do Regimento das Relações do Império, datado de 2 de maio de l847 (cf. Jersey de Brito Nunes, “O Ministério Público, Ontem - Hoje”, p. 03).
Na Constituição de 1891 tocou-se apenas na figura do Procurador-Geral da República, que seria um Ministro do Supremo Tribunal Federal indicado pelo Presidente da República e “cujas atribuições se definirão em lei”.
A Constituição de 16 de julho de 1934, efetivamente institucionalizou o Ministério Público, ficando no Capítulo VI, do seu Título I (arts. 95 a 98: “Dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais), referente à “organização federal”. Esta constituição previa, ainda, que lei federal organizaria o Ministério Público na União, no Distrito Federal e nos Territórios, e que leis locais organizariam o Ministério Público nos Estados (art. 95).
“A partir da Carta Magna de 1934”, diz o Prof. Alcides de Mendonça Lima, “a corporação vem adquirindo posição institucional de relevo no texto e em leis especiais” (“Atividade do Ministério Público no Processo Civil”, Revista de Processo, 10/64).
Nessa Carta Política se prevê apenas a organização do Ministério Público na União, no Distrito Federal e nos Territórios, tendo ficado aos Estados a faculdade de legislarem livremente sobre o assunto.
Daí a diferenciação fundamental e a falta de unidade reinantes nas diversas leis de organização judiciária do país, na vigência daquela Constituição, relativamente à Instituição do Ministério Público, não só quanto ao provimento dos respectivos cargos, como quanto à natureza das funções, amplitude de atribuições, garantias e deveres.
Note-se, an passan, que na época, por se entender que o MP estava subordinado ao Judiciário, as disposições legais atinentes à instituição vinham nos Códigos de Organização Judiciária, e não em lei especial. Tanto que, atentando para o fato, o 1º Congresso do Ministério Público, realizado em São Paulo, em 1942, recomendou a elaboração de leis de regência do MP, separadamente das leis de organização judiciária.
Quanto ao provimento, em muitos Estados as nomeações eram feitas livremente, pelo governo, não obstante a exigência constitucional de concurso, para o Ministério Público Federal.
Quanto à natureza das funções, os representantes do Ministério Público eram considerados como “órgãos do Poder Judiciário”, meros “auxiliares da administração da Justiça”, ou ainda como “agentes do Poder Executivo”.
Quanto à amplitude de atribuições, dada a grande dificuldade de estabelecer-se nitidamente um critério diferencial entre o que constituía matéria de organização judiciária e matéria de ordem processual, Estados havia que, exorbitando de sua competência legislativa, cometiam aos representantes do Ministério Público, atribuições não previstas nas leis de processo.
Finalmente, quanto às garantias de estabilidade, promoções, vencimentos e outras mais, vários eram os critérios, dada a ausência de princípios constitucionais expressos, reguladores da matéria.
Essa situação caótica e altamente prejudicial à instituição, mais se agravou durante o regime ditatorial que por largos anos imperou no Brasil.
Assim, na Carta de 1937, outorgada, desaparece o Ministério Público, mandando o art. 99 que para Procurador-Geral recaia a escolha “em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”. Essa Carta sequer se dignou tomar conhecimento do importante órgão defensor da sociedade, senão de maneira genérica, sem fixar-lhe expressamente as bases de sua estrutura institucional.
A Constituição de 1946 restituiu a dignidade da instituição dispensando-lhe um título autônomo, sem dependência aos poderes da República e com estrutura federativa (MP estadual e MP federal). Seus membros ganham estabilidade (art. 127), ingresso só por concurso (art. 127), promoção na carreira (art. 128).
A Carta de 46, estabeleceu em seu art. 127, sumariamente, que o ingresso nos cargos iniciais da carreira do Ministério Público, seria feito “mediante concurso”, sem quaisquer outros requisitos quer para a inscrição, quer para a natureza e as bases do concurso, quer quanto à comissão examinadora.
Daí decorreu a diversidade de critérios adotados pela legislação ordinária e pelas Constituições dos Estados, referente à regra constitucional.
É interessante observar-se, também, que relativamente à promoção, a Lei Básica de 1946 somente se referiu quanto ao Ministério Público dos Estados (art. 128). Quanto ao Ministério Público da União, do Distrito Federal e dos Territórios, nenhuma referência explícita à promoção continha o art. 127, que dispunha sobre a matéria.
Dir-se-á que tendo sido instituído em carreira, ao MP, implicitamente, estaria garantido o direito à promoção. Mas neste caso, desnecessário seria o disposto na parte final do art. 128 que acrescentava aos preceitos do artigo anterior “mais o princípio de promoção de entrância a entrância”.
Nas constituições posteriores, o Ministério Público ficou agregado, aqui e acolá, como um penduricalho, do Judiciário (1967) e do Executivo (1969), de modo geral, sem independência funcional, financeira e administrativa, com vigor apenas para manter a engrenagem do sistema funcionando, inane para alçar vôos mais edificantes.
Alguns autores, a exemplo de Pontes de Miranda, face à topografia constitucional, chegaram a designar esse órgão de ramo heterotópico do Poder Executivo (Cit. por Petrônio Maranhão Gomes de Sá, “As Funções Constitucionais do Ministério Público Federal”, Repro 32/280).
De fato, não tem havido constância nas disposições sobre o MP em nossas várias Constituições. Apareceu como um “órgão de cooperação das atividades governamentais” (1934); em dispositivos esparsos (1937); título autônomo (1946); no capítulo do “Poder Judiciário” (1967, texto originário) e no “Poder Executivo” (1969).
O Prof. Jersey de Brito Nunes, em interessante trabalho histórico sobre o Ministério Público, focalizando a evolução institucional do MP, diz o seguinte:
“Pelo que consta das Constituições sobre as quais tecemos comentários, o Ministério Público nunca foi institucionalizado no Brasil.
Na Constituição do Império ficou atrelado ao Poder Legislativo (Senado); na de 1891, ao Judiciário; na de 1934, aos órgãos de cooperação nas atividades governamentais (Executivo); e, nas de 1946 e 1967, também ao Poder Executivo.
Adquiriu foro de instituição há bem pouco tempo com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, pela qual desvinculou-se das amarras dos Poderes do Estado, situando-se em capítulo próprio (Capítulo IV - DAS FUNÇÕES ESSENCIAIS À JUSTIÇA)”.
( “O Ministério Público Ontem - Hoje”, p. 24-25)
E mais adiante, completando a clareza da exposição, conclui Jersey de Brito:
“Ainda se discute se efetivamente houve, da Constituição de 1824 à Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969 no Ministério Público, crescimento institucional. Para uns sim, para outros se crescimento houve, este não se processou de forma harmônica e obedecendo ao princípio da continuidade. Se existiu, tal aconteceu por avulsão mas nunca por evolução (grifamos)”
(ob.cit., p. 70)
A falta de um título especial onde fosse colocado o MP, a exemplo da Carta de 1946 ( e também da atual), colaborou para a expansão da idéia de submissão do órgão ao Poder Executivo ou de mero “auxiliar do juízo” (como, infelizmente, teimam em pensar alguns magistrados, que vêem no Promotor um assessor ilustre). A erronia de semelhante idéia é patente, pois, não é porque a lei (ou a Constituição, no caso) não defina como vermelha alguma coisa que é vermelha que deixará ela de ser dessa cor, pois, o MP independente do tratamento jurídico dispensado, é essencial e estrategicamente, uma instituição autônoma, dentro do mecanismo de freios e contrapesos montado. Ademais, na Carta de 1967, onde o parquet foi colocado no mesmo inciso constitucional, lado a lado com o Judiciário, significou o abandono do constituinte à orientação americana, onde o Attorney-General e os District Attorney são mais funcionários do que magistrados (de pé, entenda-se), para filiar-se às doutrinas francesa e italiana, que vêem no Ministério Público magistratura especial e perfeitamente equiparada à magistratura ordinária, em matéria de garantias.
Ora, o legislador constituinte ao colocar num mesmo plano de garantias o Poder Judiciário e o Ministério Público, irmanando-os na mesma independência, na mesma liberdade de ação, teve em mira furtá-los aos caprichos do Executivo ou do Legislativo, para que assim, pudessem ser realmente defensores da lei e da sociedade. E não para que o Ministério Público fosse órgão subserviente e coadjuvante do Judiciário, como alguns falsos intérpretes e veranistas do Direito sugeriram.
D’outra banda, o enquadramento do Ministério Público dentro do Poder Executivo à luz da Carta de 1969, justificava-se apenas e tão-somente pela natureza administrativa de algumas de suas funções e nunca por uma subordinação, ainda que eventual e aprioristicamente concebida, entre aquele e este.
Mas, toda essa infrutífera discussão já faz parte do passado, pois, hoje, após o clamor público contra a criminalidade oficiosa, contra a violência e o despreparo do aparelho policial, contra a impotência do Ministério Público, contra o emperramento da Justiça e contra a falência do sistema penitenciário brasileiro, a Constituição Federal de 1988 criou (ou diríamos melhor, deu azo a que a existência se compatibilizasse com a essência) um verdadeiro e vigoroso Ministério Público, assim conceituado:
“Art. 127, caput - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”
No dispositivo acima transcrito está a destinação constitucional do MP, tornando-o verdadeira instituição permanente essencial à função jurisdicional, conferindo-lhe, ainda, a incumbência de fiscalizar o cumprimento da Constituição e das leis, bem como a defesa da própria Democracia e também dos interesses sociais e individuais indisponíveis, perante os poderes públicos. Acima de tudo, sua existência justifica-se pela cerberesca fiscalização no cumprimento fiel da lei e da Constituição, lábaro de um Estado Democrático de Direito. A tal respeito, lecionou o Prof. Jersey de Brito Nunes, em linhas memoráveis do nosso repertório jurídico, verbis:
“A fiscalização do cumprimento da norma legal constitui sempre e em todas as épocas, a razão de ser do Ministério Público... vez que fiscalizando o cumprimento da Constituição e das leis, o Ministério Público automaticamente estava defendendo os interesses da sociedade, defendendo a ordem jurídica, hoje atributo na atual Constituição”
(ob. cit., p. 69-70)
Em complemento, seja-nos permitido acrescentar, que como fiscal da lei, o MP tem as vestes de parte em relação ao que faz, e se avizinha do juiz, no tocante ao motivo de agir. Visto desse prisma, as atribuições ministeriais ao mesmo tempo em que são dignas, são também árduas, pois materializam-se na eterna conciliação entre a parcialidade da parte e a imparcialidade do juiz (veja-se que o agente ministerial está sujeito aos mesmos motivos de suspeição e de impedimento do juiz, cf. art. 258, in fine, do CPP e art. 138, I, do CPC). E por dever de ofício, o parquet tem de incorporar essa dupla face, refugiando-se sempre no imperativo da lei e imposições das consciências de seus agentes, utilizando esses moldes para refazer a realidade social.
Lembremos que a comparação entre Magistratura e Ministério Público, como sujeitos processuais, deflui da circunstância de serem, ambos, Órgãos do Estado, imparciais e independentes.
A propósito da imparcialidade que o membro do Ministério Público deve imprimir as suas manifestações e iniciativas, em artigo publicado na RT 675/331, sob o título “Ministério Público: Órgão Acusador ?”, diz Renato Dantas de Holanda Cavalcanti:
“O interesse do Ministério Público no caminho da justiça não o incita a proceder da mesma forma que o magistrado o faz, posto que existiria uma duplicidade de atividade funcional inútil”.
Não deixa de ter lógica o raciocínio do articulista, todavia, é de se ver, que a imparcialidade com que deve agir o membro do parquet não o equipara ao magistrado, visto que, só este último “diz o direito”, enquanto que a função do primeiro “como atividade promotora da ação, não se confunde com a atividade do Juiz, que aplica a justiça pela justiça, a lei pela lei. Promove-a (Ministério Público) com finalidade determinada, ainda que orientada por um ponto de vista geral” (Jorge Americano, “Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil -1939”, Vol. I, 1940, São Paulo, Livraria Acadêmica, p. 155).
A orientação do Prof. Jorge Americano, obviamente, enquadra o exercício funcional do membro ministerial como parte na relação processual, e não como custos legis. Pois quando age neste último quadrante, a distinção é feita sob uma linha tênue e repousa no binômio ação/inércia.
Aos sujeitos processuais, Juiz e Promotor, não se deve pretender funções distintas dos princípios informativos de suas instituições, pouco importando o ramo do Direito em que venham a atuar, pois, não se pode transmudar a idéia institucional, sob pena de não ser mais Magistratura ou Ministério Público, e sim, outro sujeito processual. Se a imparcialidade é um atributo comum aos dois órgãos, embora adstrita ao fim institucional, não se pode pô-la no olvido a pretexto de duplicidade funcional, o que, inclusive, não existe.
“O Ministério Público é imparcial porque nasceu sob o signo da dignidade. É o que nos dizem velhos comentários de insignes juristas como ROCHE-FLAVIN que, em 1617, dizia ter-se criado, finalmente, um órgão imparcial, sobranceiro a interesses e paixões e armado de poderes para defender a sociedade (“Treize livres des parlamentes de France”, vol. II, cap. VII, n. XV). E esta imparcialidade do parquet de tal forma impressionou o vetusto RASSAT que, este chegou a vislumbrar na sua criação o advento de um milagre (“Le Ministére Public entre son passé et son avenir”, pág. 13). CARNELUTTI chegou, inclusive, a construir-lhe a imaginosa figura de parte imparcial (“Lezioni”, Vol. I, n. 10). É inegavelmente imparcial, pois chega a recorrer em favor de acusado que acredita ser inocente (ut. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO, “Processo Penal”, vol. IV/264; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos de Direito Processual Penal”, vol. IV/206 e 264)”
(cf. João Francisco Moreira Viegas, “Ministério Público: sua Atuação no Cível”, RJTJSP 117/29)
Acrescente-se, que a preocupação de imparcialidade não deve exagerar-se nas atitudes frouxas, esquivas ou reticenciosas, comprometedoras do programa do Ministério Público e dos seus compromissos funcionais. O Promotor de Justiça, como homem público, na sua mais bela modalidade, deve renunciar, no exercício do cargo, a qualquer reserva mental, a qualquer preconceito, a qualquer facciosismo.
Na fiscalização da lei e, portanto, da própria Constituição, é relevantíssima a missão do Ministério Público, não só em benefício da Justiça, como, mormente, da Sociedade. Mais relevante talvez do que a da Magistratura, porque o juiz representa uma força estática, apenas declaratória do direito e reveladora da justiça, ao passo que o Ministério Público representa uma força dinâmica, sempre em ação, que promove essa declaração de direito, essa revelação da justiça, pondo em andamento a máquina processual, investigando, fiscalizando, promovendo responsabilidades que podem atingir a quaisquer dos três poderes: executivo, judiciário ou legislativo (cf. art. 129, II, da CF/88).
O jus sui cuique tribuendi pode ser mais relevante, mais grave, do que as funções cometidas ao Ministério Público, sob o ponto de vista de seus efeitos, porém nunca mais árduo.
O Promotor de Justiça não tem apenas a atribuição jurídica de opinar em determinados processos, aliás, por si só, das mais trabalhosas, por isso que requer o esforço material de examinar todas as peças dos autos e o esforço intelectual de apontar ao juiz o direito aplicável a cada espécie.
O Ministério Público tem funções judiciárias, administrativas, consultivas (emitir pareceres, v.g.) e fiscalizadoras (Controle Externo da Atividade Policial, Fundações, etc.).
A sua ação é dinâmica, ao passo que a do juiz é estática.
A relevância superior da existência e do ofício desempenhado pelo Ministério Público é, por outro lado, também, facilmente aferível, pois enquanto o Legislativo e o Executivo têm livre iniciativa para legislar e administrar, o Judiciário não tem iniciativa, motu proprio, para julgar (CF, art. 5º, XXXV). Assim, seria ineficaz a sua atuação, se não houvesse um órgão representativo dos interesses sociais, para promover a aplicação da lei nos casos em que se faz necessário. Esse órgão é o Ministério Público.
Nas sociedades civilizadas não há poder absoluto, independência completa, ou liberdade plena. Em busca da harmonia organiza-se constitucionalmente um sistema de pesos e contrapesos, onde cada movimento de um dos poderes provoca contramovimentos dos demais, que assim se delimitam reciprocamente.
A falta do Ministério Público implicaria: ou na necessidade da intervenção direta do Executivo perante o Poder Judiciário, o que significaria subordinação de um a outro, com a quebra da harmonia e independência entre as funções; ou na atribuição de iniciativa ao Poder Judiciário, com violação dos mesmos preceitos, pois a sua própria natureza rejeita qualquer iniciativa, a não ser com o risco de invadir atribuições alheias; ou finalmente, na destruição da ordem social, pela inação do Poder Judiciário, à falta de um órgão provocador. Dentro da organização constitucional, portanto, o Ministério Público é essencial à vida do regime!
Assim, é forçoso concluir que, constitucional e juridicamente, a existência do Ministério Público é indispensável ao funcionamento das instituições. Sem ele, a sociedade fica desprovida dos meios de promover a aplicação da lei, em sua própria defesa.
São tais balizas que nos levam a crer que o Ministério Público deve ater-se e concentrar seus esforços sobre as deficiências do nosso sistema, que retrata uma carência de controle sobre quem exerce o poder, e de falta de mecanismos de fiscalização, de equilíbrio e ajuste, que o tornem mais justo em suas variegadas facetas político, social e econômico.
Os estudiosos desde John Locke e Montesquieu já tinham atentado para a necessidade de criar mecanismos eficientes dentro do universo jurídico que contivessem o uso indevido do poder, impedindo abusos. Pois, “la autoridad sin limites es muerte de la libertad. La libertad sin limites es muerte de la autoridad y de la propria liberdad. Allí surge precisamente la función del derecho para fijar con razonabilidad y prudencia las riberas de ese rio eterno llamado poder”. Daí deriva a meridiana conclusão de que o direito de uma sociedade esclarece, melhor que qualquer outro fenômeno, sobre a natureza e os vícios do poder que a rege.
John Locke, por exemplo, ao trabalhar sobre as idéias de vontade e liberdade, propôs um conceito de poder contido na seguinte afirmação “poder, vontade e liberdade constituem um todo coerente”, mas, ao projetá-lo no contexto político, foi ele o primeiro a defender sua limitação, seu controle e o direito de resistência.
Não há legalidade, diz Celso Antônio Bandeira de Melo, sem sua garantia. E não há garantia de legalidade sem um órgão imparcial, isento, sobranceiro. E não há órgão imparcial, isento, sobranceiro, sem independência real e efetiva. À falta disto esboroa-se todo o projeto de contenção do Poder; em uma palavra: frustra-se, liminarmente, a concepção de Estado de Direito (“Sobre a Magistratura e o Ministério Público no Estado de Direito”, RDP 68/144)
Tem-se como conatural do Estado Democrático de Direito que é inconcebível a existência de poder estatal sem controle, ou mesmo que um deles, dentro da clássica estrutura tripartida, seja auto-suficiente na verificação da regularidade de sua atuação.
Constata-se, desta forma, a necessidade de controle, inerente a toda sociedade razoavelmente organizada e policiada, e, por isso foi que a Carta Magna de 1988, no ímpeto de exorcizar os fantasmas de um passado autoritário, cinzelou energicamente a estrutura do Ministério Público, elevando-o à categoria de uma Instituição firme e com atribuições bem delineadas, sem paralelo em qualquer outro país.