DOS PRAZOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Diego Pereira[1]
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Prazos especiais concedidos à Fazenda Pública em Juízo- Análise do artigo 188 do Código de Processo Civil.3. Conclusão.
RESUMO
A presença do Poder Público em Juízo enseja a concessão de diversas prerrogativas processuais. Entre tais prerrogativas, encontra-se a concessão de prazo especial para contestar e recorrer. Tal previsão está contida no artigo 188 do Código de Processo Civil. Neste trabalho, analisar-se-á, com minudência, a concessão desta prerrogativa à luz de sua constitucionalidade, perpassando pela análise de diversas hipóteses ensejadoras da concessão de tal prerrogativa.
PALAVRAS-CHAVE: FAZENDA PÚBLICA; PROCESSO CIVIL PRAZOS ESPECIAIS.
1.INTRODUÇÃO
As prerrogativas concedidas à União, Estados, Distrito Federal,Municípios e suas autarquias e fundações públicas são as mais diversas, todas contidas em um rol de previsão legal. Com o tempo, a ideia de isonomia como apanágio constitucional do Estado Democrático, em sua vertente formal, transformou-se no estágio de isonomia que se tem nos dias atuais: a isonomia material. É neste contexto que se transporta o princípio da isonomia à aplicação da lei processual.
Neste artigo, elegeu-se o prazo diferenciado do artigo 188 do Código de Processo Civil como objeto de análise da relação processual entre os particulares e a Fazenda Pública em juízo em face do princípio da isonomia.
- PRAZOS ESPECIAIS CONCEDIDOS À FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO — ANÁLISE DO ARTIGO 188 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O processo constitui uma sucessão de atos que ocorre dentro de um lapso temporal, que o direito processual denomina de prazo processual. O art. 188 do Código de Processo Civil, ao prever a concessão de prazos processuais diferenciados para a Fazenda Pública, divide a doutrina brasileira no que se refere à constitucionalidade deste dispositivo. Embora seja constatadas divergências doutrinárias acerca do tema, prevalece a posição pela constitucionalidade da norma. Não é o que entende Paulo Henrique dos Santos Lucon, ao dizer que a regra contida no art. 188 do CPC é vantagem inadmissível por violar frontalmente a Constituição, desrespeitando a igualdade processual, e adverte:
[...] um Estado organizado, melhor do que qualquer particular, deve primar pela perfeição dos seus serviços, tendo, a tempo e hora, todos os elementos indispensáveis à sua mais perfeita quão possível atuação, e correlatas informações. Toda e qualquer discriminação tem por objetivo atender situações desiguais; caso contrário, mostra-se arbitrária e odiosa. (1999, p. 119).
Já para Ada Pellegrini Grinover, em citação de Antônio Inácio Pimentel Rodrigues de Lemos, não há inconstitucionalidade na concessão do prazo, mas o que há é um excesso prazal. Ou seja, devem ser concedidos prazos especiais, mas que não sejam tão extensos como previsto na lei processual. Assim pensa Grinover:
Analisando o benefício do prazo, como prerrogativa concedida á Fazenda Pública e ao Ministério Público, vê-se que é ela instituída exatamente com base no interesse público ou social, justificando-se em razão da natureza, organização e fins do Estado moderno. Os prazos fixados á Fazenda Pública e ao órgão do MP são mais amplos, justamente em obediência ao princípio da igualdade, real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, para nivelá-los na igualdade substancial.
Se as partes não litigam em igualdade de condições, o benefício de prazo se justifica, na medida necessária ao restabelecimento da verdadeira isonomia. A Fazenda, em virtude da complexidade dos serviços estatais e da necessidade de formalidade burocráticas; o Ministério Público, com vistas à distância das fontes de informação e de provas, hão de contar com o benefício da dilação de prazos, para efeito do equilíbrio processual. (2005, p. 158-159).
A grande dificuldade em admitir a teoria trazida pela doutrina de Ada Pellegrini Grinover é a determinação de qual prazo seria o razoável. Mas qual prazo seria justo? A resposta a esta indagação requer uma discussão pautada em diversos ramos do direito, o que fugiria aos limites propostos neste trabalho. Mas é possível se inferir que, com tal discussão se chegará à conclusão de que a escolha de um prazo contido na lei, é decisão política própria do Poder Legislativo (ainda que seja a opção de conferir ao magistrado o poder de determinar discricionariamente um prazo justo à luz do caso concreto).
Quando se fala em justificativas à desigualdade, pretende-se descrever justamente as diversas nuances que envolvem a Fazenda Pública, como o grande número de processos a cargo dos procuradores públicos, o não conhecimento da matéria fática que dá ensejo à lide no mesmo modo que ocorrem com os advogados dos particulares, a própria burocracia que evolve a coisa pública e por fim a tutela, por parte da Administração, do erário. Nesta linha de pensamento são as palavras de Regina Helena Costa:
Pode-se dizer, sintetizando, que existe um efetivo e necessário desequilíbrio em favor da Administração, do Estado, da Fazenda Pública, justamente porque ela tutela o interesse de todos. Então, é este o fundamento para que haja um desequilíbrio que se vai refletir no processo também. (2000, p.81).
Mas como se dá a aplicação do art.188 do CPC? Analisando com mais vagar a aplicação deste artigo, cumpre registrar as lições trazidas por Leonardo José Carneiro da Cunha:
A regra aplica-se a qualquer procedimento, seja ordinário, seja sumário, seja especial, aplicando-se igualmente ao processo cautelar e ao de execução (com a ressalva dos embargos do devedor, que constituem uma ação, e não um recurso nem uma contestação [...]. Somente não se aplica o art. 188 quando há regra específica fixando prazo próprio, a exemplo do prazo de 20 (vinte) dias para contestar a ação popular ( Lei 4717/1965, art. 7º, IV). Também não se aplica o dispositivo mo art. 188 do CPC no procedimento dos Juizados Especiais Cíveis Federais; ali os prazos para a Fazenda Pública são todos singelos, não havendo contagem em quádruplo, nem em dobro. (2010, p.42).
Lembre-se ainda que a norma do art. 188 é uma prerrogativa, uma norma de exceção. Portanto, sua interpretação deve ser feita restritivamente. Então, diz Leonardo José Carneiro da Cunha:
Desse modo, a Fazenda somente goza dos prazos estendidos para contestar (leia-se responder) e recorrer; não alcançando os demais atos processuais. Não é demais anotar que a mencionada regra aplica-se, a prazos legais,mais especificamente aos destinados à contestação (rectius, à resposta) e ao recurso, não colhendo os prazos judiciais.
A Fazenda Pública desfruta da prerrogativa prevista no art. 188 do CPC não somente quando atua como parte, mas também quando comparece em juízo como assistente de uma das partes ou, ainda, quando figura como terceiro. Embora o art. 188 do CPC confira prazos diferenciados quando a Fazenda Pública se apresentar em juízo como parte, a regra também se aplica quando ela atuar como assistente de uma das partes. O que importa, para a aplicação do dispositivo, é que a Fazenda Pública conteste ou recorra, seja na condição de parte, de interveniente, de terceiro ou de assistente. (2010, p. 43, grifos nos originais).
É necessário reafirmar que há alguns casos onde não se aplica a regra contida no art. 188 CPC. Isso ocorre como regra geral nas hipóteses em que a lei prevê prazos específicos para determinado ato, como ocorre com petições por meio eletrônico ou fac-símile (prazo para entrega dos originais). A Lei Federal n. 9800/1999 permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais e a dicção de seu art. 2º é que “a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens não prejudica o cumprimento dos prazos, devendo os originais ser entregues em juízo, necessariamente, até cinco dias da data de seu término”. Ou seja, até cinco dias depois de vencido o prazo. Eis que não se aplica a regra contida no art. 188 do CPC, consoante jurisprudência consubstanciada no acórdão proferido de forma unânime pela 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça, no bojo do AgRg nos EDcl no Ag 833.369/SP, rel. Min. Castro Meira, j. 24/4/2007, p. 304:
O prazo em dobro para recorrer, previsto no art. 188 do CPC, não se aplica à norma específica contida no art. 2º da Lei 9800/99, pois não constitui novo prazo recursal, mas apenas prorrogação do termo ad quem para a juntada dos originais. (CUNHA, 2010, p. 45, grifos nos originais).
Já o caput do art. 407 do CPC prevê que a parte tem um prazo a ser determinado pelo juiz para fazer o depósito do rol de testemunha, e na omissão judicial, este prazo é de dez dias. Para Leonardo José Carneiro da Cunha, “tal prazo previsto no art. 407 do CPC não é contado em quádruplo ou em dobro para a Fazenda Pública, eis que não se trata de contestação nem de recurso” (2010, p. 46, grifos originais).
Leonardo José Carneiro da Cunha afirma ainda que não se aplica o art. 188 do CPC para o prazo de indicação de assistente técnico e formulação de quesitos na perícia, nos moldes do parágrafo 1º do art. 421 do CPC. Assim como também não se aplica a contagem especial na hipótese do art. 526 do CPC.
No que se refere ao prazo para embargos do devedor pela Fazenda Pública, capitulado nos artigos 730 e 731 do CPC, observa Leonardo José Carneiro da Cunha:
O prazo para a oposição de embargos não é contado em quádruplo, eis que não se trata de contestação, mas sim de ação incidente, sendo o embargante, a bem da verdade, parte autora. De igual modo, tal prazo, não é contado em dobro, haja vista não serem os embargos do devedor um recurso, mas sim uma ação proposta pelo devedor em face do credor. (2010, p. 48, grifos nos originais).
Destaque-se, ainda, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, na ADI 2.130- AgR/ SC, rel Min. Celso de Mello, j. 3/10/2001decidiu que os prazos na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, ou seja, no controle abstrato de constitucionalidade, não obedecem à regra do art. 188 do CPC:
EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade Ajuizada por Governador de Estado – Decisão que não a admite, por Incabível – Recurso de Agravo Interposto pelo Próprio Estado-membro – Ilegitimidade Recursal dessa Pessoa Política – Inaplicabilidade, ao Processo de Controle Normativo Abstrato, do art. 188 do CPC – Recurso de Agravo não Conhecido. O Estado-membro não possui Legitimidade para recorrer em Sede de Controle Normativo Abstrato. O Estado-membro não dispõe de legitimidade para interpor recurso em sede de controle normativo abstrato, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada pelo respectivo Governador, a quem assiste a prerrogativa legal de recorrer contra as decisões proferidas pelo Relator da causa ( Lei 9868/99, art. 4º, parágrafo único) ou, excepcionalmente, contra aquelas emanadas do próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal ( Lei 9868/99, art. 26). Não há Prazo Recursal em dobro no Processo de Controle Concentrado de Constitucionalidade. Não se aplica, ao processo objetivo de controle abstrato de constitucionalidade, a norma inscrita no art. 188 do CPC, cuja incidência restringe-se, unicamente, ao domínio dos processos subjetivos, que se caracterizam pelo fato de admitirem, em seu âmbito, a discussão de situações concretas e individuais. Precedente. Inexistente, desse modo, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o prazo recursal ser computado em dobro, ainda que a parte recorrente disponha dessa prerrogativa especial nos processos de índole subjetiva. ”(CUNHA, 2010, p. 50).
Finalmente, há de se atentar para a não aplicação dos prazos especiais quando se tratar de Estado estrangeiro, pois a mens legis é no sentido de dar tratamento diferenciado, obedecendo ao ditame constitucional da isonomia, à Fazenda Pública nacional, conceito que exclui os entes estrangeiros. Neste passo, conclui Leonardo Carneiro da Cunha: “que não se aplicam ao Estado estrangeiro as prerrogativas previstas no art. 188 do CPC, de sorte que seus prazos são singelos, não dispondo de prazo em quádruplo para contestar nem em dobro para recorrer.” (2010, p. 52).
De outra parte, torna-se necessário destacar com pormenores quais situações incide, de fato, a regra contida no art. 188 do CPC, que prevê o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública.
É contado em quádruplo o prazo para a Fazenda Pública apresentar resposta no procedimento ordinário. Disse o legislador menos do que pretendia, pois a contestação é apenas uma das formas de o réu responder ao processo. Destacam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: “Diante do pedido do autor, pode o réu manifestar-se de várias maneiras. Quatro são as formas de resposta do réu: contestação, reconvenção, exceção e ação declaratória incidente. (2007, p. 565). Coadunando-se a esta linha de pensamento, expõe Ernane Fidelis dos Santos:
Quando a Fazenda Pública ou o Ministério Público forem partes, a eles se computa o prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188). A interpretação da norma é restritiva. O privilégio só existe para os casos de contestação e recurso. Por contestação entenda-se, porém, o direito de resposta, onde se incluem as exceções, reconvenção e ação declaratória incidental que devem ser apresentadas simultaneamente com aquela. (1998, p. 252).
Ou seja, o prazo será de 60 (sessenta) dias para a Fazenda Pública responder, de modo geral, ao processo.
No que diz respeito ao prazo para contestar a oposição, a Fazenda Pública dispõe da aplicação do art. 188. E esclarece Leonardo José Carneiro da Cunha: “[...] A oposição, que se constitui em 1 (uma) demanda própria, será contestada, não havendo razão para afastar-se, no particular, a incidência do art. 188 do CPC.”(2010, p. 55).
Discussão alargada surge quanto ao prazo para a Fazenda Pública responder à ação rescisória. Para José Carlos Barbosa Moreira, “inaplicável é o art. 188, que somente concerne aos prazos legais, não aos judiciais” (1994, p. 172). Mas, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça entendem pela aplicação do artigo 188 do CPC ao prazo de resposta à ação rescisória pela Fazenda Pública.
No que tange ao prazo em dobro para recorrer, a leitura do dispositivo legal é mais restrita, fixando-se a dobra apenas quanto aos recursos, e não quanto aos sucedâneos recursais, que fazem às vezes de um recurso, mas recurso não é, a exemplo do pedido de reconsideração. Leonardo José Carneiro da Cunha chama a atenção para a Súmula 116 do Superior Tribunal de Justiça, pois há uma discussão doutrinária em se considerar o agravo regimental com natureza de recurso ou não, mas que tal debate fora mitigado pelo teor do Enunciado do Superior Tribunal de Justiça: “A Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazo em dobro para interpor agravo regimental no Superior Tribunal de Justiça.”
De outra sorte, para responder ou apresentar contrarrazões a recurso, não há falar na incidência do art. 188 do CPC. Daí não se aplicar o prazo, para Leonardo José Carneiro da Cunha, na apresentação de contrarrazões à apelação prevista no art. 285-A do CPC e ao recurso adesivo.
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a resposta ao recurso “não é espécie autônoma de recurso (não está no rol do CPC 496), mas sim forma de interposição dos recursos de apelação, embargos infringentes, RE e REsp, que, portanto, podem ser interpostos pela via principal ou pela via adesiva.”( 2007, p. 829). No entanto, para o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, aplica-se a dobra do art. 188, CPC, na interposição de recurso adesivo.
3.CONCLUSÃO
De todo o exposto, é notório que, embora de natureza restritiva, o comando trazido pelo artigo 188 do CPC não se mostra como uma regra de aplicação simplória, elencadas suas hipóteses em um rol taxativo, de consulta aos operadores do direito. Não obstante se esteja falando de uma regra, há de se lembrar que ela resulta da composição de um enunciado que transmite muito mais do que está escrito. Transmite a norma o princípio da isonomia, uma real promessa da igualdade material que ostenta o Estado Democrático de Direito.
Neste passo, a natureza principiológica da qual resulta a existência do artigo 188 do CPC, gera diversas discussões doutrinarias e jurisprudenciais, dentre as quais se destaca a constitucionalidade desta norma.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos Direito Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5ª Ed. Alemã. São Paulo: Malheiros, 2008.
CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo.8ª Ed. re., ampl. e atual. São Paulo: Dialética, 2010.
COSTA, Regina Helena. As prerrogativas e o interesse da Justiça. In: BUENO, Cássio Scarpinella; SUNDFELD, Carlos Ari ( Org.). Direito processual público: a Fazenda Pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Garantia do tratamento paritário das partes. In: TUCCI, José Rogério Cruz e ( Org.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed..São Paulo: Malheiros, 2002.
NERY JUNIOR, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10ª ed. São Paulo: RT, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. ver e atual. São Paulo: Malheiros 2003.
[1] Advogado formado pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado em em Direito Público pelo Instituto de Educação Superior UNYAHNA de Salvador- IESUS e o Centro de Estudos Jurídicos de Salvador- CEJUS. E-mail: [email protected]