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Visão geral do novo Código Civil

01/02/2002 às 01:00

Resumo:


  • O novo Código Civil, Lei n. 10.406/2002, é considerado a "constituição do homem comum" e regula a conduta humana desde o nascimento até após a morte.

  • Após longa tramitação no Congresso Nacional desde 1975, o Código foi elaborado com base na colaboração de juristas renomados e sofreu sucessivas revisões para se manter atualizado, inclusive com as mudanças trazidas pela Constituição de 1988.

  • O Código segue princípios de eticidade, socialidade e operabilidade, buscando normas genéricas que permitam a hermenêutica jurídica e a adaptação às mudanças sociais, além de soluções normativas que facilitam sua aplicação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O novo Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406/2002, gerou mudanças significativas em todos os setores da vida civil. O autor destaca sua participação na elaboração do Projeto e as diretrizes seguidas, enfatizando a importância da nova codificação.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O novo Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrará em vigor um ano após sua sanção.

Compreendo o interesse em conhecer a nova Lei Civil, pois, como costumo dizer, ela é a "constituição do homem comum", estabelecendo as regras de conduta de todos os seres humanos, mesmo antes de nascer, dada a atenção dispensada aos direitos do nascituro, até depois de sua morte, ao fixar o destino a ser dado aos bens deixados pelo falecido, sendo assim, a lei por excelência da sociedade civil.

Como se sabe, o novo Código Civil teve uma longa tramitação no Congresso Nacional, pois foi no longínquo ano de 1975 que o Presidente Costa e Silva submeteu à apreciação da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n.634-D, com base em trabalho elaborado por uma Comissão de sete membros, da qual tive a honra de ser o Coordenador Geral.

Coube-me a missão inicial de estabelecer a estrutura básica do Projeto, com uma Parte Geral e cinco Partes Especiais, convidando para cada uma delas o jurista que me pareceu mais adequado, tendo todos em comum as mesmas idéias gerais sobre as diretrizes a serem seguidas. A experiência longamente vivida veio confirmar o acerto da escolha dos nomes de José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, respectivamente relatores da Parte Geral, do Direito das Obrigações, do Direito de Empresa, do Direito das Coisas, do Direito de Família e do Direito das Sucessões.

Todos eles uniam ao valor do saber e da experiência pessoais a predisposição a examinar objetiva e serenamente as críticas feitas ao próprio trabalho, quer por outros juristas, quer por instituições especializadas, o que explica as quatro redações que teve o Projeto, todas publicadas no Diário Oficial da União, em 1972, 1973, 1974 e, por fim, 1975, para conhecimento de todos os interessados.

Como se vê, não estamos perante uma obra redigida por um legislador solitário, por um Sólon ou Licurgo, como se deu para Atenas e Esparta, mas sim perante uma "obra transpessoal", submetida que foi a sucessivas revisões.

Se considerarmos que, depois, houve a apreciação de mais de mil emendas na Câmara dos Deputados, e de mais de quatrocentas no Senado Federal, com novo retorno à Câmara dos Deputados, para novos estudos e discussões, pode-se proclamar o caráter coletivo que veio assumindo o Projeto, não se perdendo, ao longo de mais de três décadas, oportunidade alguma para atualiza-lo, em razão de fatos e valores supervenientes, como se deu, por exemplo, com as profundas alterações que a Constituição de 1988 introduziu em matéria de Direito de Família.

É difícil, em poucos minutos, enumerar as mudanças operadas pela nova codificação em todos os setores da vida civil, sendo mais aconselhável mostrar quais foram os princípios que presidiram a sua elaboração, pois, como bem observou Tomás Kuhn, as mais relevantes conquistas científicas dependem sempre dos novos paradigmas que as condicionaram. Somente assim é que tomamos ciência do progresso representado pelas alterações realizadas na legislação do País.

Antes, porém, de fazer essa exposição, seja-me permitido esclarecer qual foi minha participação pessoal na feitura do Projeto, a começar pela tarefa de reunir, em unidade sistemática, as partes atribuídas a cada um dos demais membros da Comissão. Tratava-se, em suma, de coordenar entre si os Projetos parciais, de modo a não haver divergências ou conflitos de idéias. É claro que, nessa delicada tarefa, não podia deixar de formular propostas substitutivas ou de oferecer emendas aditivas para preencher possíveis lacunas. Com a morte de Agostinho Alvim, Silvio Marcondes, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, pareceu-me preferível substituí-los perante o Congresso Nacional, continuando José Carlos Moreira Alves a colaborar ativa e proficientemente no tocante à Parte Geral. O volume publicado pelo Ministério da Justiça, em 1984, sobre as Emendas da Câmara, e o t. II editado pelo Senado Federal, em 1988, sobre o Projeto, são essenciais para se ter idéia da imensa colaboração prestada ao Congresso pelos membros da Comissão por mim presidida.


2. DIRETRIZES SEGUIDAS NA ELABORAÇÃO DO ANTEPROJETO

Foi criada, em 1969, uma "Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil", na esperança de ser aproveitada a maior parte do Código Civil de 1916. Todavia, verificou-se logo a inviabilidade desse desideratum, não podendo deixar de prevalecer a reelaboração, uma vez que a experiência, ou seja, a análise progressiva da matéria veio revelando que novos princípios ou diretrizes deveriam nortear a codificação. Por outro lado, em se tratando de um trabalho sistemático, a alteração feita em um artigo ou capítulo repercute necessariamente em outros pontos do Projeto.

Daí ficarem assentes estas diretrizes:

  1. Preservação do Código vigente sempre que possível, não só pelos seus méritos intrínsecos, mas também pelo acervo de doutrina e de jurisprudência que em razão dele se constituiu.

  2. Impossibilidade de nos atermos à mera revisão do Código Bevilaqua, dada a sua falta de correlação com a sociedade contemporânea e as mais significativas conquistas da Ciência do Direito;

  3. Alteração geral do Código atual no que se refere a certos valores considerados essenciais, tais como o de eticidade, de socialidade e de operabilidade;

  4. Aproveitamento dos trabalhos de reforma da Lei Civil, nas duas meritórias tentativas feitas, anteriormente, por ilustres jurisconsultos, primeiro por Hahneman Guimarães, Orozimbo Nonato e Philadelpho de Azevedo, com o anteprojeto do "Código das Obrigações"; e, depois, por Orlando Gomes e Caio Mario da Silva Pereira, com a proposta de elaboração separada de um Código Civil e de um Código das Obrigações, contando com a colaboração, neste caso, de Silvio Marcondes, Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias Gueiros.

  5. Firmar a orientação de somente inserir no Código matéria já consolidada ou com relevante grau de experiência crítica, transferindo-se para a legislação especial aditiva o regramento de questões ainda em processo de estudo, ou, que, por sua natureza complexa, envolvem problemas e soluções que extrapolam do Código Civil;

  6. Dar nova estrutura ao Código, mantendo-se a Parte Geral – conquista preciosa do Direito brasileiro, desde Teixeira de Freitas – mas com nova ordenação da matéria, a exemplo das mais recentes codificações;

  7. Não realizar, propriamente, a unificação do Direito Privado, mas sim do Direito das Obrigações – de resto já uma realidade operacional no País – em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850 – com a conseqüente inclusão de mais um Livro na Parte Especial, que, de início, se denominou "Atividades Negociais", e, posteriormente, "Direito de Empresa".

Essa estrutura não sofreu alteração nas duas Casas do Congresso Nacional, não obstante as inúmeras emendas oferecidas ao Projeto original nº 634, enviado pelo Governo em 1975, após estudo pela Comissão Revisora das mudanças ou propostas aditivas feitas por juristas de todo o País, bem como por entidades de classe e até mesmo por leigos em Direito. A todas as sugestões foi dada a devida atenção, de tal modo que, em virtude sobretudo das modificações havidas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, o Projeto nº 118/84, aprovado finalmente na Câmara, se acha plenamente atualizado, inclusive quanto às inovações introduzidas pela Constituição de 1988 no concernente ao Direito de Família, como oportunamente se exporá.


3. OS TRÊS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

3.1. ETICIDADE

Procurou-se superar o apego do Código atual ao formalismo jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida a cavaleiro dos séculos 19 e 20, do Direito tradicional português e da Escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do trabalho empírico dos glozadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional haurido na admirável experiência do Direito Romano.

Não obstante os méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica, que com aqueles deve se compatibilizar.

Daí a opção, muitas vezes, por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos legais.

Nesse sentido, temos, em primeiro lugar, o Art. 113, na Parte Geral, segundo o qual

"Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."

E mais este:

"Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

Lembro como outro exemplo o Artigo nº 422 que dispõe quase como um prolegômeno a toda à teoria dos contratos, a saber:

"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."

Freqüente é no Projeto a referência à probidade e a boa-fé, assim como á correção (corretezza) ao contrário do que ocorre no Código vigente, demasiado parcimonioso nessa matéria, como se tudo pudesse ser regido por determinações de caráter estritamente jurídicas.

3.2. A SOCIALIDADE

É constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o manifesto caráter individualista da Lei vigente, feita para um País ainda eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo.

Hoje em dia, vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí o predomínio do social sobre o individual.

Alguns dos exemplos dados já consagram, além da exigência ética, o imperativo da socialidade, como quando se declara a função social do contrato na seguinte forma:

"Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."

Por essa razão, em se tratando de contrato de adesão, estatui o Art. 422 o seguinte:

"Art. 422. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."

No caso de posse, superando as disposições até agora universalmente seguidas, que distinguem apenas entre a posse de boa e a de má fé, o Código leva em conta a natureza social da posse da coisa para reduzir o prazo de usucapião, o que constitui novidade relevante na tela do Direito Civil.

Assim é que, conforme o Art. 1.238, é fixado o prazo de 15 anos para a aquisição da propriedade imóvel, independentemente de título e boa-fé, sendo esse prazo reduzido a dez anos "se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."

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Por outro lado, pelo Art. 1.239, bastam cinco anos ininterruptos para o possuidor, que não seja proprietário de imóvel rural ou urbano, adquirir o domínio de área em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nele sua moradia. Para tanto basta que não tenha havido oposição.

O mesmo sentido social caracteriza o Art. 1.240, segundo o qual, se alguém "possuir", como sua, área urbana até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptos, e sem oposição, utilizando-a para sua moradia e de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel."

Um magnífico exemplo da preponderância do princípio de socialidade é dado pelo Art. 1.242, segundo o qual

"adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestavelmente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos".

Esse prazo é, porém, reduzido a cinco anos

"se o imóvel houver sido adquirido onerosamente, com base em transcrição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico."

Não vacilo em dizer que tem caráter revolucionário o disposto nos parágrafos 4º e 5º do Art. 1.228, determinando o seguinte:

"§ 4º - O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela tiverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante."

§ 5º - No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para a transcrição do imóvel em nome dos possuidores."

Como se vê, é conferido ao juiz poder expropriatório, o que não é consagrado em nenhuma legislação.

3.3. A OPERABILIDADE

Muito importante foi a decisão tomada no sentido de estabelecer soluções normativas de modo a facilitar sua interpretação e aplicação pelo operador do Direito.

Nessa ordem de idéias, o primeiro cuidado foi eliminar as dúvidas que haviam persistido durante a aplicação do Código anterior.

Exemplo disso é o relativo à distinção entre prescrição e decadência, tendo sido baldados os esforços no sentido de verificar-se quais eram os casos de uma ou de outra, com graves conseqüências de ordem prática.

Para evitar esse inconveniente, resolveu-se enumerar, na Parte Geral, os casos de prescrição, em numerus clausus, sendo as hipóteses de decadência previstas em imediata conexão com a disposição normativa que a estabelece. Assim é, por exemplo, após o artigo declarar qual a responsabilidade do construtor de edifícios pela higidez da obra, é estabelecido o prazo de decadência para ser ela exigida.

Por outro lado, pôs-se termo a sinonímias que possam dar lugar a dúvidas, fazendo-se, por exemplo distinção entre associação e sociedade, Destinando-se aquela para indicar as entidades de fins não econômicos, e esta para designar as de objetivos econômicos.

Não menos relevante é a resolução de lançar mão, sempre que necessário, de cláusulas gerais, como acontece nos casos em que se exige probidade, boa-fé ou correção (corretezza) por parte do titular do direito, ou quando é impossível determinar com precisão o alcance da regra jurídica. É o que se dá, por exemplo, na hipótese de fixação de aluguel manifestamente excessivo, arbitrado pelo locador e a ser pago pelo locatário que, findo o prazo de locação, deixar de restituir a coisa, podendo o juiz, a seu critério, reduzi-lo, ou verbis:

Art. 575, parágrafo único – "Se o aluguel arbitrado for manifestamente excessivo, poderá o juiz reduzi-lo, mas tendo sempre em conta o seu caráter de penalidade".

São previstos, em suma, as hipóteses, por assim dizer, de "indeterminação do preceito", cuja aplicação in concreto caberá ao juiz decidir, em cada caso ocorrente, à luz das circunstâncias ocorrentes, tal como se dá por exemplo, quando for indeterminado o prazo de duração do contrato de agência, e uma das partes decidir resolve-lo mediante aviso prévio de noventa dias, fixando tempo de duração incompatível com a natureza e o vulto do investimento exigido do contratante, cabendo ao juiz decidir sobre sua razoabilidade e o valor devido, em havendo divergência entre as partes, consoante dispõe o Art. 720 e seu parágrafo único.

Somente assim se realiza o direito em sua concretude, sendo oportuno lembrar que a teoria do Direito concreto, e não puramente abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz, Esser e muitos outros, implicando maior participação decisória conferida aos magistrados.

Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou seja, em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma.

Nessa ordem de idéias, merece menção o § 1º do Art. 1240, o qual estatui que, no caso de usucapião de terreno urbano,

"O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil".

Atende-se, assim, à existência da união estável, considerada nova entidade familiar.

Observo, finalmente, que a Comissão optou por uma linguagem precisa e atual, menos apegada a modelos clássicos superados, mas fiel aos valores de correção e de beleza que distinguem o Código Civil vigente.


4. OUTRAS DIRETRIZES

Não creio ser necessário desenvolver argumentos justificadores da manutenção da Parte Geral, que é da tradição do Direito pátrio, desde Teixeira de Freitas e Clóvis Beviláqua, independentemente da influência depois consagradora da tese pelo Código Alemão de 1.900. Bastará lembrar a resistência oposta pela grande maioria de nossos juristas quando se quis elaborar um Código Civil, por sinal que restrito, sem a Parte Geral, destinada a fixar os parâmetros do ordenamento jurídico civil. É ela que estabelece as normas sobre as pessoas e os "direitos da personalidade", que estão na base das soluções normativas depois objeto da Parte Especial. Merece encômios essa providência de incluir disposições sobre os direitos da personalidade, uma vez que a pessoa é o valor-fonte de todos os valores jurídicos.

Outra iniciativa louvável foi a disciplina específica dos negócios jurídicos que são os atos jurídicos de mais freqüente ocorrência, expressão por excelência da fonte negocial, ao lado das três outras fontes do direito, as leis, os usos e costumes e a jurisprudência.

Quanto à Parte Especial, preferiu-se seguir uma seqüência mais lógica, situando-se o Direito das Obrigações como conseqüência imediata do antes estabelecido para os atos e negócios jurídicos, não sendo demais acentuar que há disciplina conjunta das obrigações civis e mercantis, o que, repito, já constitui orientação dominante em nossa experiência jurídica, em virtude do superamento do vetusto Código Comercial de 1850, com efeito, já o Direito Comercial se baseia no Código Civil.

Do Direito das Obrigações se passa ao Livro que trata do Direito de Empresa, o qual, a bem ver, se refere a toda a vida societária, com remissão à legislação especial sobre sociedades anônimas e sobre cooperativas, por abrangerem questões que extrapolam da Lei Civil.

Quanto ao termo Direito de Empresa, cabe assinalar que, graças a uma figura de metonímia, ou, por melhor dizer, de sinédoque: está aí a palavra empresa significando uma parte pelo todo que é o Direito da Sociedade. Fomos levados a essa opção, por se cuidar mais, no citado Livro, da sociedade empresária, estabelecendo apenas os requisitos gerais da sociedade simples, objeto da diversificada legislação relativa aos múltiplos tipos das sociedades não empresariais.

Passa-se, a seguir, a tratar da disciplina do Direito das Coisas, do Direito de Família e do Direito das Sucessões.

No que se refere ao Direito de Família, merece realce a distinção feita, por iniciativa de Clóvis Couto e Silva, entre o Direito Pessoal e o Patrimonial de Família, o que veio trazer mais limpidez ao texto. O regramento da união estável ficou para o final, para ser apreciada sob os dois mencionados aspectos, obedecido rigorosamente o disposto na Constituição.


5. INOVAÇÕES NO DIREITO DE FAMÍLIA

Cabe lembrar que, aprovado o Projeto na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado, foram neste apresentadas cerca de 400 emendas, a maior parte pertinentes ao Direito de Família, de autoria do saudoso senador Nelson Carneiro.

Com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte, entendeu o Senado de suspender a tramitação do Projeto do Código Civil, para aguardar possíveis alterações nessa matéria. Na realidade, porém, ocorreram mudanças substanciais tão somente no Direito de Família, instaurando a igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos, com a supressão do pátrio poder, que, por sugestão minha, passou a denominar-se "poder familiar".

É claro que essas alterações importaram na emenda de vários dispositivos, substituindo-se, por exemplo, pelo termo "ser humano" a palavra genérica "homem" anteriormente empregada. Mais importante, porém, foram as novas regras que vieram estabelecer efetiva igualdade entre os cônjuges e os filhos, inclusive no pertinente ao Direito das Sucessões.

Nesse sentido, o cônjuge passou a ser também herdeiro, em virtude da adoção de novo regime geral de bens no casamento, o da comunhão parcial, corrigindo-se omissão existente no Direito das Sucessões.

Por outro lado, o Projeto vem disciplinar melhor a união estável como nova entidade familiar, que, de conformidade com o § 3º do Art. 226 da Constituição, só pode ser entre o homem e a mulher. Com a redação dada à matéria, não há confusão possível com o concubinato, visto como, nos termos da citada disposição constitucional, a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

Não é demais ponderar, que, no tocante à igualdade dos cônjuges e dos filhos, o disposto na nova Carta Magna representou adoção das emendas oferecidas pelo senador Nelson Carneiro, o que facilitou o pronunciamento da Câmara Alta, ao depois completado pela Câmara dos Deputados, graças a oportuna alteração do Regimento do Congresso Nacional.


Eis aí, em largos traços, qual é o espírito do novo Código Civil, com alguns exemplos de suas principais inovações.

Após tantos anos de trabalho e dedicação – sem se perceber qualquer remuneração do Estado – o nosso sentimento maior é o do dever cumprido.

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Sobre o autor
Miguel Reale

jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Letras, presidente da comissão elaboradora do Código Civil de 2002 (in memoriam)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REALE, Miguel. Visão geral do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -516, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2718. Acesso em: 23 dez. 2024.

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