Condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral

30/03/2014 às 14:46
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Para tentar frear a utilização indevida do erário nas eleições, a Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como “Lei das Eleições”, inovou ao trazer o rol de condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral.

CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS EM PERÍODO ELEITORAL

Edgard Manoel Azevedo Filho [1]

RESUMO

Este artigo apresenta um breve estudo sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante o período eleitoral no Brasil, com enfoque no rol previsto na Lei n. 9.504/97. O trabalho inicia com a identificação do motivo que levou o legislador a estabelecer as condutas vedadas. Assim, busca-se esclarecer a importância e finalidade da inovação legislativa. A seguir, irão se esclarecer os elementos que cercam o tema, como conceito, natureza jurídica, bem jurídico tutelado, classificação, hipóteses materiais previstas em lei, sanções e procedimento judicial. Desta forma, pretende-se conhecer cientificamente o tema para uma melhor compreensão da problemática estabelecida. Nesta fase, esclarecem-se quais são todos os tipos de condutas vedadas previstas pelo legislador, conforme critério cronológico da Lei n. 9.504/97.

Palavras-chaves: Conduta vedada. Eleições. Administração pública. Agente público.

INTRODUÇÃO

Manter o eleitor blindado contra as práticas ilegais no período eleitoral tem sido um desafio para o legislador e operadores do direito no Brasil. A cada eleição, repetem-se notícias que candidatos, partidos, coligações e agentes públicos praticaram atos de corrupção e de abuso de poder para conseguir o sucesso nas urnas. O mais grave dessa infeliz reincidência, é que muitos desses abusos são cometidos com uso do Poder Público.

Com a introdução do instituto da reeleição para os chefes do poder executivo pela Emenda Constitucional n. 16, de 4 de junho de 1997, que permite que presidente da república, governadores e prefeitos possam concorrer mais uma vez ao mesmo cargo sem a necessidade de renunciarem, facilitou-se a prática dos atos de abuso de poder nas eleições com a utilização ilegal da máquina administrativa em benefício desses candidatos.

Para tentar frear a utilização indevida do erário nas eleições, a Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como “Lei das Eleições”, inovou ao trazer o rol de condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral (arts. 73 a 78). Essa lista surgiu, portanto, com o fim de ser um freio, um antídoto contra os efeitos indevidos do instituto da reeleição e do uso do Poder Público durante o pleito.

DESENVOLVIMENTO

O rol de condutas vedadas é limitado (numerus clausus) pela Lei das Eleições e pode ser dividido em três grupos, conforme o critério cronológico de vedação proposto por Roberto Moreira de Almeida (2011, p. 434):

  • Condutas vedadas durante todo o ano eleitoral;
  • Condutas vedadas a partir de abril do ano eleitoral; e
  • Condutas vedadas nos 3 meses que antecedem a eleição.

Por constituírem um conjunto cerrado (GOMES, 2010, p. 523), as condutas vedadas são hipóteses de incidência de legalidade estrita, que não autorizam interpretação extensiva e analogia (DA COSTA, 2006, p. 864). Isso deixou de fora outras possíveis formas de abuso de poder praticados com uso da máquina administrativa. Logo, para que as condutas vedadas se caracterizem, é indispensável que estejam provados no processo todos os elementos descritivos do ilícito eleitoral.[2] Caso o ato não se enquadre no rol de condutas vedadas, poderá ensejar outros ilícitos, como a improbidade administrativa, nos moldes da Lei n. 8.429/92.

O conceito de conduta vedada pode ser extraído do caput do art. 73 da Lei n. 9.504/97. Trata-se do ato praticado por agentes públicos, servidores ou não, tendente a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais.

Para Rodrigo Lópes Zílio (2010, p. 501), pode-se conceituar as condutas vedadas como espécies de abuso do poder político que se revelam pelo desvirtuamento dos recursos materiais (incs. I, II, IV e § 10 do art. 73 da lei n. 9.504/97), humanos (incs. III e V do art. 73 da Lei n. 9.504/97), financeiros (inc. VI, letra “a”, VII e VIII do art. 73 da Lei n. 9.504/97) e de comunicação (inc. VI, letras “b” e “c” do art. 73 da Lei n. 9.504/97) da Administração Pública.

A natureza jurídica da conduta vedada é a de ilícito eleitoral, espécie de abuso de poder, conforme tem consignado a doutrina (ZÍLIO, 2010, p. 500) e jurisprudência[3].

Com o fim de ser obstáculo ao uso ilícito do erário nas eleições, a conduta vedada tutela a igualdade formal (RAMAYANA, 2011, p. 527) de oportunidades entre os candidatos e respectivos partidos nos pleitos eleitorais. Busca-se a isonomia de chances entre os candidatos, para que o resultado das eleições seja legítimo pela livre escolha dos eleitores sem a influência do Poder Público. Quer-se evitar o desequilibro financiado pelo erário.

Por isso, os agentes públicos devem sempre observar aos princípios constitucionais regentes de suas atividades, mormente os capitulados no art. 37 da Constituição, como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, licitação e concurso público.

Agente público, para fins de conduta vedada, é qualquer pessoa que exerce função pública. O termo abrange os chamados agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares que colaboram com o Poder Público (mesários da Justiça Eleitoral e jurados do Tribunal do Júri). Segundo a Lei 9.504/97, reputa-se agente público, quem exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nos órgãos ou entidades da administração pública direta, indireta, ou fundacional (art. 73, § 1º).

Conforme a classificação cronológica antes mencionada, as hipóteses materiais de condutas vedadas são as seguintes:

Condutas vedadas durante todo o ano eleitoral

- Cessão ou uso de bens públicos (LE, art. 73, I) - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

- Uso de bens ou serviços públicos (LE, art. 73, II) - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

- Cessão ou uso de servidor público (LE, art. 73, III) - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

- Uso promocional de bens ou serviços (LE, art. 73, IV) - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

- Despesas com propaganda institucional além da média de gastos (LE, art. 73, VII) - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição;

- Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública (LE, art. 73, § 10) - No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa;

- Propaganda institucional com caráter de promoção pessoal (LE, art. 74) – fazer publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos que constem nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de candidatos, partidos e coligações, ainda que antes das convenções partidárias.

Conduta vedada a partir do mês de abril do ano eleitoral

- Revisão geral da remuneração dos servidores (LE, art. 73, VIII) - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.

Condutas vedadas nos três meses que antecedem o pleito

- Nomeação, admissão, transferência ou dispensa de servidor públicos (LE, art. 73, V) - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados: a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo; d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo; e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;

- Transferência de recursos (LE, art. 73, VI, a) - realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

- Propaganda institucional em período eleitoral (LE, art. 73, VI, b) - com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

- Pronunciamento em cadeia de rádio e televisão (LE, art. 73, c) - fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;

- Contratação de shows (LE, art. 75) – contratar shows artísticos pagos com recursos públicos na realização de inaugurações (essa proibição é aplicável a todas as esferas da administração pública, mesmo sem cargos em disputa);

- Participar da inauguração de obras públicas (LE, art. 77) – comparecer na inauguração de obras públicas.

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Praticada qualquer uma dessas condutas vedadas, não há que perquirir se o ato tinha potencialidade ou não para desequilibrar o pleito. Exige-se, tão-somente, seja atingida a igualdade entre os candidatos, pois o caput do art. 73 da Lei n. 9.504/97 estabelece: condutas “tendentes” a comprometer a isonomia entre os candidatos. A potencialidade do ato e os resultados ocasionados ao pleito são utilizados, todavia, para a definição das sanções a serem aplicadas e da sua quantificação, quando se tratar de multa.

Quanto às sanções legais, a Lei 9.504/97 prevê suspensão imediata da conduta vedada, multa no valor de 5 a 100 mil UFIRs, cassação do registro ou do diploma, sem prejuízo de outras sanções estipuladas em lei.

As condutas vedadas caracterizam, igualmente, atos de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, inciso I, da Lei n. 8.429/92.

O procedimento judicial aplicável às condutas vedadas é o geral previsto no art. 96 da Lei n. 9.504/97. A representação pode ser apresentada por candidato, partido, coligação (LE, art. 96, caput) e membro do Ministério Público (CF, art. 127) à Justiça Eleitoral até a data da diplomação dos eleitos (LE, art. 73, § 12). Do julgamento cabe recurso no prazo de 3 dias, a contar da publicação da decisão no Diário Oficial (LE, art. 73, § 13).

O julgamento compete (LE, art. 96): I - aos Juízes Eleitorais, nas eleições municipais; II - aos Tribunais Regionais Eleitorais, nas eleições federais, estaduais e distritais; III - ao Tribunal Superior Eleitoral, na eleição presidencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo que foi exposto, conclui-se que o rol de condutas vedadas foi importante inovação trazida pela Lei n. 9.504/97, com o fim de preservar a igualdade formal entre os candidatos ao tentar impedir a utilização indevida da máquina administrativa pelos agentes públicos, que foi facilitada com a introdução do instituto da reeleição pela Emenda Constitucional n. 16/97. Conquanto a inovação não abarque todas as formas de condutas proibidas pela utilização do erário nas eleições, ela trouxe um importante freio para os abusos de campanha, notadamente os praticados em benefícios de candidatos à reeleição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. NBR 6022: informação e documentação – artigo em publicação periódica científica impressa – apresentação. Rio de Janeiro, 2003.

DA COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

DE ALMEIDA, Roberto Moreira. Curso de Direito Eleitoral. 5ª. ed. Salvador: Jus Podium, 2011.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 5ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 12ª ed. Niterói: Impetus, 2011.

ZÍLIO, Rodrigo. Direito Eleitoral: noções preliminares, elegibilidade e inelegibilidade, processo eleitoral (da convenção à prestação de contas), ações eleitorais. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.


[1] Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR (2004). Advogado Eleitoral e Tributarista entre 2004 e 2005. Especialista em Direito Público (Constitucional e Administrativo) pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR (2007). Especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia – FARO (2011). Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia desde 2005. Foi Assessor-Chefe da Corregedoria Regional Eleitoral e da Presidência do TRE-RO. Email: [email protected]

[2] (...) Com relação às condutas vedadas, é imprescindível que estejam provados todos os elementos descritos na hipótese de incidência do ilícito eleitoral para a imputação das severas sanções de cassação de registro ou de diploma.” (TSE. AG 5.817/PA, rel. Min. Caputo Bastos, DJ de 16/09/2005, p. 172).

[3] “[...] As condutas vedadas (Lei das Eleições, art. 73) constituem-se em espécie do gênero abuso de autoridade. Afastado este, considerados os mesmos fatos, resultam afastadas aquelas. O fato considerado como conduta vedada (Lei das Eleições, art. 73) pode ser apreciado como abuso do poder de autoridade para gerar a inelegibilidade do art. 22 da Lei Complementar no 64/90. O abuso do poder de autoridade é condenável por afetar a legitimidade e normalidade dos pleitos e, também, por violar o princípio da isonomia entre os concorrentes, amplamente assegurado na Constituição da República. [...]” (Ac. no 718, de 24.5.2005, rel. Min. Luiz Carlos Madeira.)

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Sobre o autor
Edgard Manoel Azevedo Filho

Analista Judiciário Federal do Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia desde 2005. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR (2004). Advogado Eleitoral e Tributarista entre 2004 e 2005. Especialista em Direito Público (Constitucional e Administrativo) pela UNIR (2007). Especialista em Direito Eleitoral e Direito Processual Eleitoral pela Faculdade de Ciências Humanas, Exatas e Letras de Rondônia – FARO (2011). Foi Assessor-Chefe da Presidência e da Corregedoria Regional Eleitoral e Parecerista da Diretoria Geral/TRE-RO. Twitter: @edgardmanoel. Email: [email protected].

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