Primeiro de tudo, o que é o IPEA?
O IPEA é uma fundação pública federal, e suas funções institucionais encontram-se detalhadas no artigo 190 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.
“Art. 190. É o Poder Executivo autorizado a instituir, sob a forma de fundação, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com a finalidade de auxiliar o Ministro de Estado da Economia, Fazenda e Planejamento na elaboração e no acompanhamento da política econômica e promover atividade de pesquisa econômica aplicada nas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial. (Redação dada pela Lei nº 8.029, de 1990)
Parágrafo único. O instituto vincular-se-á ao Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.”
É de causar espécie, portanto, um instituto de pesquisa econômica aplicada nas “áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial” desviar recursos públicos para serem empregados em sondagens absolutamente extra-econômicas, mormente sobre a cultura sexual da população, o que é um assunto de foro mais privado do que público.
Afinal, que interesse econômico existe em se publicar recente estudo averiguando-se a “Tolerância Social à violência contra as mulheres”[1]?
Que interesse econômico há em se descobrir que “89% tenderam a discordar da afirmação ‘um homem pode xingar e gritar com sua própria mulher’.”
No que uma sondagem concluindo que “quase três quintos dos entrevistados, 58%, concordaram, total ou parcialmente, que ‘se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros’” colabora para “elaboração e no acompanhamento da política econômica e promover atividade de pesquisa econômica aplicada nas áreas fiscal, financeira, externa e de desenvolvimento setorial”?
É inevitável, ainda, comentar sobre o mérito da sondagem, de evidente cariz misândrico, pois ao buscar a preservação da imagem da mulher questionando-se aberta e criticamente os resultados da sondagem[2], procura forçar o homem a internalizar um indevido sentimento de culpa pelas mazelas sociais, a despeito do homem também ser cidadão, e como se os governantes do “Partido do Mensalão” exibissem um mínimo de credibilidade para dar lições de moral à sociedade.
Isso só vem comprovar o que poucos brasileiros ainda não sabem: o aparelhamento político-ideológico do Estado e de mais este órgão público por militantes de um partido político, desviando a finalidade institucional para a qual o órgão foi criado, empregando-se recursos públicos para avançar causas de sua agenda política e ideológica.
Surge uma pergunta assaz pertinente: por que recursos públicos foram empregados em sondagens em patente desvio de finalidade?
Este é o ponto nodal, pois o “desvio de finalidade” é um vício de extrema gravidade, que ocorre “quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência” (artigo 2º, § único, alínea “e” da Lei nº 4.717/65 – Lei da Ação Popular).
Além do ato em questão ser passível de impugnação por ação popular, é de se ressaltar que uma autoridade que pratica um ato com uma finalidade diversa está praticando também um ato de improbidade administrativa, sendo o “desvio de finalidade” uma espécie do gênero, conforme assinalado pelo art. 11, inciso I da Lei de Improbidade Administrativa:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;”
Como visto, o Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, ainda em vigor, não outorgou ao IPEA competência para fazer sondagens sobre a cultura sexual da sociedade.
É espantoso, porém, não termos nos deparado até o momento com nenhum comentário a respeito desta conduta da administração pública, desviando-se flagrantemente de suas finalidades precípuas, já que, de acordo com o princípio da legalidade, ao administrador público só é permitido fazer aquilo que a lei impõe, numerus clausus.
Não há justificativa plausível, a não ser uma ética maquiavélica dos “fins justificarem os meios”, a qual, diga-se de passagem, também não é permitida ao administrador público, para um instituto de pesquisa econômica desviar recursos públicos para massagear o ego dos movimentos feministas encastelados no IPEA através de uma enxurrada de nomeações políticas.
Ora, o vício praticado não é de pequena monta, já que afronta Princípio Constitucional da Administração Pública (artigo 37, caput):
“Á época dissemos: ‘Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico’. Eis porque, ‘violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra’”[3].
Resta saber se os cidadãos, especialmente os homens, aceitarão passivamente mais essa afronta, ou despertarão de seu sono letárgico.
Notas
[1] Disponível em <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/140327_sips_violencia_mulheres.pdf > Acesso em 30/03/2014
[2] “Um dia após a divulgação de pesquisa sobre violência contra a mulher, a presidenta Dilma Rousseff defendeu hoje (28) “tolerância zero” à prática deste tipo de crime. O levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que a maioria dos brasileiros concorda que o comportamento da mulher pode motivar o estupro.” Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-03/dilma-pede-tolerancia-zero-violencia-contra-mulher> Acesso em 30/03/2014
[3] MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 28ª Edição, Malheiros Editores, 2011, p. 54