5 LIMITES À ATIVIDADES DISCRICIONÁRIA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Primeiramente, é mister que se considere a necessidade de análise quanto aos atos discricionários emanados pela Administração Pública, cuja irrecorribilidade não pode, logicamente, ocorrer.
Em nenhum instante pode-se conceber uma parte qualquer da Administração Pública fora ou acima do ordenamento jurídico e é por esta razão mesma que se enumeram os princípios de direito, que existem justamente para colimar os abusos que possam advir de determinados atos arbitrários.
Os princípios configuram-se como limites, apesar de possuírem características não muito bem definidas, que podem ser objeto de inúmeras interpretações.
A violação de faculdades regradas é sempre mais clara e evidente. Daí exsurge a grande antinomia entre vinculação e discricionariedade, que por ter fortes cominações no modo de interpretação das sanções penais e administrativas constantes nos contratos administrativos, torna-se um ponto relevante, a ser perquirido por ocasião do presente trabalho.
Agustin Gordillo[18] assevera que "os principais limites que freiam a discricionariedade são os seguintes: a razoabilidade (a proibição de atuar arbitrária ou irracionalmente), o desvio de poder (proibição de atuar com uma finalidade imprópria) e a boa fé".
Todos estes limites norteiam-se por conceitos jurídicos indeterminados, característica que denota elementos paradoxais, pois como seria possível limitar a discricionariedade através de conceitos que, por sua natureza, são exatamente advindos de categorias imprecisas de definição ?
A resposta a esta questão surge a partir do momento que se outorga a vinculação normativa àqueles conceitos, através da justificação analógica com referência a paradigmas pré-fixados através da jurisprudência, sempre utilizando-se de um critério de proporcionalidade nesta adequação.
O princípio da proporcionalidade, nesta seara, é uma importante conquista dos cidadãos no sentido da melhoria da eficácia na fiscalização do exercício dos poderes discricionários, na medida em que permite um controle objetivo destes, bem mais operativo do que o controle subjetivo, restrito à busca dos motivos determinantes da decisão, no quadro da investigação do desvio de poder. Ressalva se faz, aqui, somente no sentido de que este controle objetivo irá se concretizar de modo cada vez mais efetivo, ao estar vinculado aos tipos que lhe são determinantes.
Manuel de Rivacoba y Rivacoba[19] chama a atenção para a existência de regimes que chegam até mesmo à negação dos principais princípios imanentes ao direito penal, quando aduz:
Frente a regimes punitivos que sejam estranhos ou contrapostos a tais princípios, faz-se imperativo para a doutrina baseada em e conforme a eles, denunciá-los com insistência e severidade e postular com compelação sua substituição por leis que sejam respeitosas à dignidade humana e de sua própria e verdadeira entidade jurídica. À parte disto, nada de surpreendente tem que ordenamentos legais informados pelos autênticos princípios cardinais incorram em seu desconhecimento ou negação, isto é, que se desviem de suas exigências ou as contradigam, ao regular determinadas instituições, o que uma dogmática prestimosa descubrirá e colocará em relevo sem excessiva dificuldade, propondo de imediato a devida correção. (tradução livre).
A importância da dogmática para uma livre apreciação principiológica é, destarte, colocada em evidência, não somente pelo autor supracitado, mas por vários outros.
Quanto mais consistente forem as definições de categorias utilizadas na interpretação e na aplicação do direito, mais se ganhará em certeza e segurança jurídica. Finalidades essas, instituídas pelo ordenamento jurídico pátrio e que não podem ser ignoradas. É imperioso que um sistema jurídico é tanto mais coerente quanto mais específicas forem as conexões entre seus elementos, maior o número de conceitos gerais que possam explicá-lo e maior o número de casos que abranger.
Finalmente, cumpre-se assinalar algumas peculiaridades relacionadas ao contrato administrativo. Podem ocorrer hipóteses que demonstram que, em um vínculo constitutivo de direitos e obrigações recíprocos, onde deve prevalecer o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes, uma entidade pública pode ter o interesse de extrair o máximo de vantagens, eximindo-se de todos os encargos de que conseguisse se evadir. Procedimentos deste cunho denotam o total descaso quanto ao interesse público, finalidade máxima deste tipo de contrato.
Alexandre Santos de Aragão[20], em recente artigo, faz considerações importantes sobre o princípio da proporcionalidade e a supremacia do interesse público:
A doutrina contemporânea refere-se à impossibilidade de rigidez na prefixação do interesse público, sobretudo pela relatividade de todo padrão de comparação. Deve-se salientar, contudo, que não se está a negar a importância jurídica do interesse público. O que deve ficar claro, é que mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva específica, deve haver uma ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação para atribuir máxima realização aos interesses envolvidos o critério decisivo para a atuação administrativa.
Dessarte, o princípio da proporcionalidade traz a justa medida para o critério de ponderação aludido acima, viabilizando, assim, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.
6 CONCLUSÕES
Cumpre-se, primeiramente, neste escorço conclusivo, atentar ao problema da garantia constitucional no direito punitivo.
A partir de constatações feitas no final da década de setenta pelo ilustre Francesco C. Palazzo[21], o qual afirmava que já naquele momento:
A tendência a uma progressiva sobreposição entre o direito punitivo administrativo e o direito criminal traz importantes manifestações também a nível legislativo, se não no sentido de uma oportunidade expressa de posicionamento do legislador favorável à aplicação da disciplina e dos princípios penalísticos ao direito administrativo, naquele sentido, não menos significativo, de uma progressiva redução da sanção administrativa, à exceção que no campo fiscal, há vantagem de um maior recurso à sanção penal. Hoje se assiste, no entanto, a uma inversão nesta tendência, sendo particularmente viva e forte a aspiração à descriminalização. (tradução livre).
O aspecto sancionatório disciplinado na lei 8.666/93, sobre os contratos administrativos, vai contra a tendência crescente de descriminalização que vem ocorrendo em outros sistemas jurídicos do mundo.
Desta tendência, extrai-se que a Administração Pública, quando impõe pena ao particular deve, necessariamente, atuar da maneira menos lesiva, pautando-se pelas balizas da necessidade e da adequação. A utilização imoderada da competência punitiva, tendência esta que vem se manifestando de modo até mesmo acirrado diante de inúmeros exemplos de tipificações penais com os quais se deparam os cidadãos brasileiros na atualidade, propende à ilegitimidade, com grande probabilidade ao arbítrio.
A Administração Pública, ao impor sanções durante o desenrolar dos contratos administrativos, e ao pronunciar pena que não se coadune com a gravidade da falta imputada, deve estar sujeita ao controle do juiz.
O Poder Judiciário tem reputado a proporcionalidade na perquirição de sanções administrativas, mas esta reputação deve ser mantida quando ocorram imposições de sanções penais nos contratos administrativos.
É incontestável que a Administração deve observar sempre, nos casos concretos, as exigências de proporcionalidade, principalmente nos casos em que dispõe de espaços de discricionariedade.
Como nas hipóteses de uma estreita vinculação imposta por lei, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado mais a partir da própria lei do que do ato concreto da Administração, os aspectos submetidos à discrição do administrador sofrem redução.
Estes aspectos devem ser analisados e interpretados, tanto pelo legislador, como pelo administrador e o juiz a partir da apreensão de paradigmas representados pelos princípios correlacionados ao princípio da proporcionalidade em todas as suas inserções (quer sejam no direito constitucional, administrativo e penal).
Não se torna fundamental, sob este prisma, considerar o princípio da proporcionalidade somente sob a ótica formal, mas principalmente sob o prisma de sua inserção substancial no modo de trazer à tona valores que demonstrem a premente necessidade de adequação de tipos penais à realidade para a qual foram criados.
O fato de existirem conceitos jurídicos indeterminados nesta seara, é somente mais um motivo para se olvidar à busca incessante de maneiras até mesmo analógicas de se definirem as especificidades não pela sua forma, mas pela sua finalidade.
A constatação da existência de valores supremos constitucionais que influenciam todos os demais ramos do direito, traz à teoria dos contratos administrativos mais uma certeza na afirmação de sua busca na persecução do interesse público.
Esta persecução não se efetivará através de percalços advindos de aspectos punitivos que a lei possui. Ela se efetivará somente através de um juízo de proporcionalidade, que tornará a adequação meio-fim um modo de proteção inestimável aos direitos fundamentais dos cidadãos.
Quando isto ocorrer, o princípio da proporcionalidade poderá ser elevado à categoria de valor supremo da Constituição, possuindo, então, força vinculante para colimar todas as situações de desequilíbrio, inclusive aquelas inerentes às sanções constantes nos contratos administrativos.
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Notas
[1] CAUPERS, J. Introdução ao direito administrativo. Lisboa: :Ancora, 2000. p.219.
[2] MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.256.
[3] Esta questão específica vem suscitando controvérsias, pois existem doutrinadores que atestam a invalidade de certas cláusulas abertas que pretendem qualificar como sancionável infração normativa de qualquer espécie. Ao tratar de respectivo tema, NOBRE JÚNIOR aduz que "a exemplo do direito penal, é de bom alvitre a aplicação do princípio da insignificância (ao qual far-se-á alusão adiante). Assim, o aplicador da norma punitiva haverá de relevar as situações de não ocorrência de lesão a bens jurídicos da coletividade, escoimando de pena o infrator". NOBRE JÚNIOR, E. P. Sanções administrativas e princípios de direito penal. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v.219, jan. – mar., 2000. p.138.
[4] CANOTILHO, J.J. Direito constitucional e teoria da constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.259-260.
[5] ÁVILA, H. B. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 215, jan. – mar., 1999. p.168.
[6] GUERRA FILHO, W. S. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1999. p.74.
[7] LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. 3.ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.603.
[8] Ibidem, p.684.
[9] ÁVILA, op. cit., p.169-170.
[10] SERRANO, N. Gonzales-Avellar apud Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho. O processo penal em face da constituição. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.73. "El principio de proporcionalidad es un principio general del Derecho que, en sentido muy amplio, obliga al operador juridico a tratar de alcanzar el justo equilibrio entre los intereses en conflicto... Exige, utilizando expresiones reiteradamente empleadas por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, que las restricciones de los derechos fundamentales se encuentren previstas por la ley, sean adecuadas a los fines legitimos a los que se dirijan, y constituyan medidas necesarias en una sociedad democratica para alcanzarlos".
[11] CARVALHO, L. G. G. C. de. O processo penal em face da constituição. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.73-74.
[12] GUERRA FILHO, op. cit., p.67-68.
[13] CAUPERS, op. cit., p.80.
[14] TOLEDO, F. A. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p.133.
[15] OLIVEIRA, M. A. C. M. de. O direito penal e a intervenção mínima. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 5, v.17, jan.- mar., 1997. p.152.
[16] BRUNO, A. Direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p.142. t.1.
[17] ÁVILA, op. cit., p.178.
[18]GORDILLO, A. Princípios gerais de direito público. Trad. Marco Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p.183.
[19] RIVACOBA, M. de R. y. Introducción al estudio de los principios cardinales del derecho penal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, v.32, out. – dez. 2000, p.54. "Frente a regímines punitivos que sean extraños o contrapuestos a tales principios se hace imperativo para la doctrina basada en y conforme con ellos denunciarlos con insistencia y severidad y postular con apremio su substitución por leyes que sean respetuosas de la dignidad humana y de su propria y verdadera entidad jurídica. Aparte de esto, nada de sorprendente tiene que cuerpos legales informados por los auténticos principios cardinales incurvan en su desconocimiento o negación, es decir, que se desvíen de sus exigencias o las contradigan, al regular determinadas instituciones, lo que una dogmática acuciosa descubrirá y ponderá de relieve sin excesivas dificultades, proponiendo de inmediato la debida corrección".
[20] ARAGÃO, A. S. de. O princípio da proporcionalidade no direito econômico. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v.223, jan. – mar., 2001. p.214-215.
[21] PALAZZO, F. C. Il princípio di determinatezza nol diritto penale. Padova: Cedam, 1979. p.199-2000. "La tendenza ad una progressiva sovrapposizione tra il diritto punitivo amministrativo e il diritto criminale eble importanti manifestazioni anche a livello legislativo, se non nel senso di una espressa presa di posizione del legislatore a favore dell’applicazione della disciplina e dei principi penalistia al diritto amministrativo, certamente in quello, non meno significativo, di una progressiva riduzione delle sanzioni amministrative, ad eccezione che nel campo fiscale, a vantaggio di un sempre piú impomente ricorso alla sanzione penale. Oggi si assiste, però, ad una inversione di quella tendenza, essendo particorlamente viva e forte l’aspirazione alla decriminalizzazione."