A UNIÃO ESTÁVEL E O CASAMENTO HOMOAFETIVO: A NOVA CONFIGURAÇÃO DA FAMÍLIA DO SÉCULO XXI
José Henrique Araújo dos Santos[1]
Silvânia Santana Costa[2]
1 INTRODUÇÃO
A luta de pela igualdade de direitos na sociedade não é algo recente. Pelo contrário, há anos essa batalha vem sendo travada para que de fato a máxima “Todos são iguais perante a lei[3]” seja de fato cumprida em todos os seus aspectos jurídico-normativos. Além disso, as classes que fazem parte dessa batalha são inúmeras e possuem diversos argumentos para tanto. Ilustraremos neste artigo duas grandes conquistas do ordenamento jurídico brasileiro: O reconhecimento legal da união estável e a permissão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, modalidade essa também conhecida por casamento homoafetivo.
É interessante lembrar que com o devido reconhecimento não podemos cair na ilusão de generalizar o que não pode ser generalizado. O Direito, felizmente, não é uma ciência exata, absoluta e de uma única fonte. Quando a união estável e o casamento homoafetivo foram aprovados e reconhecidos pelo mais alto órgão do poder judiciário brasileiro, o STF, ficou decidido é que casamentos desse tipo poderiam ser celebrados e reconhecidos legalmente, embora anteriormente isso não pudesse acontecer.
Imaginemos uma soma simples entre 1 mais 1. Para a matemática será dois, para o Direito nem sempre. Um fato que antes era tido como certo hoje pode não ser mais considerado dessa forma. A Apelação Cível nº 643.179-4/0-00 está ai para provar. Nela, O TJSP não reconheceu uma união estável homossexual. Entretanto, essa apelação tem 4 anos, ou seja, hoje em dia é considerada obsoleta para o padrão atual.
E assim as normas vão se adequando à real necessidade de quem é submetido à elas. Embora saibamos que “uniões” dessa espécie possam ter existido desde os primórdios da existência humana na Terra, com os avanços como a liberdade de expressão, direitos antes negligenciados foram emergindo até que fossem impetrados de uma vez para todos, com efeito, erga omnes.
2 DIFERENÇA ENTRE CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL
2.1 O CASAMENTO
Antes de abordamos a união estável em si, é necessário que pontuemos quais são de fato as diferenças entre o casamento civil e a união estável. Partindo desse norte, se faz mister pontuar os respectivos conceitos de cada uma para assim podermos distingui-las. Para conceituar o casamento civil de forma mais técnica possível, façamos uso das palavras do doutrinar de direito das famílias Paulo Lobo:
O casamento é um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado. Para Pontes de Miranda, é “o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher”. A liberdade matrimonial é um direito fundamental, apenas limitado nas hipóteses de impedimento, como o incesto ou a bigamia. O termo casamento abrange, para muitos, o ato constitutivo e, também, a entidade ou instituição que dele se constitui. (LOBO. 2011, p. 99)
Então, como pudemos notar pelas palavras de Paulo Lobo, o casamento é um negócio solene com a manifestação recíproca de vontade entre as partes, no caso o marido e a esposa. No âmbito do direito de família o casamento pode ser tratado como um contrato que regula justamente a união matrimonial entre as partes envolvidas.
A partir da promulgação da nossa constituição vigente de 1988 o casamento passou a ser considerado uma entidade familiar·. O termo entidade familiar deve ser entendido como a espécie de união que serve para acolher as afeições e emoções de nós, seres humanos. Não obstante, este conceito está previsto na CF/88 em seu art. 226, §§3º e 4º, vejamos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.[4]
Como nos lembrou Paulo Lobo, o casamento é um ato jurídico complexo. E por conta disso, o casamento possui suas exigências, minúcias, requisitos de validade para que ele realmente exista juridicamente. Logo, vamos mostrar quais são os requisitos de validade de um casamento civil, nas palavras de Paulo Lobo:
A validade do casamento deriva das validades dos requisitos. Assim, os nubentes haverão de ser plenamente capazes (18 anos), ou, com idade núbil (16 anos), tenham recebido consentimento dos pais. O consentimento será válido se feito sem vício de vontade. Será inválido o casamento, se a manifestação tiver sido omitida. Por outro lado, a celebração há de observar os requisitos formais, dentre os quais a declaração feita pela autoridade celebrante de que estão casados. Se a autoridade não for competente para celebração, esta não será considerada válida. (LOBO, 2011. P. 101)
Outrossim, cabe aqui neste momento uma ressalva para tratarmos de um fato peculiar do casamento em sentido lato, fato esse que surge no momento em que dizemos que o próprio casamento é um ato jurídico complexo.
Quando nos referimos ao ato jurídico complexo estamos dizendo, em outras palavras, que o casamento pode ser tratado normativamente como um contrato no âmbito do direito de família, e assim como todos os contratos no âmbito civil, devem possuir o requisito básico de validade que nada mais é do que haver o consentimento de vontade de ambas as partes.
Entretanto, a peculiaridade dessa manifestação de vontade ocorre por ser de trato sucessivo juntamente com outro requisito básico de validade da união matrimonial que é o revestimento de oficialidade, uma vez que só as entidades com revestimento de competência de homologar e sacramentar a união matrimonial é que podem conceder a validade do mesmo para os fins religiosos e judiciais, respectivamente.
Podemos notar esse detalhe nos dizeres de Paulo Lobo:
O que peculiariza o casamento é o fato de depender sua constituição de ato jurídico complexo, ou seja, de manifestações e declarações de vontade sucessivas (consensus facit matrimonium), além da oficialidade de que é revestido, pois sua eficácia depende de atos estatais (habilitação, celebração, registro público). As demais entidades familiares são constituídas livremente, como fatos sociais aos quais o direito empresta consequências jurídicas. Por isso que a prova destas, diferentemente do casamento, localiza-se nos fatos e não em atos.
2.2 A UNIÃO ESTÁVEL
Para adentramos ao estudo da união estável como forma de viabilizar a claridade de sua diferença em comparação ao casamento civil é necessário que façamos uso do conceito doutrinário a respeito dessa modalidade de união. Na visão do renomado doutrinador do direito civil Flávio Tartuce, qualquer tentativa de estudo acerca da união estável deve estar fomentada normativamente pela Constituição da República Federativa do Brasil vigente desde 1988.Tal fato possui enorme importância, uma vez que podemos tirar de nosso texto maior duas grandes conclusões a respeito da união estável: São elas:
1°: União Estável não é igual ao casamento, uma vez que não é possível haver o fenômeno da conversão por conta de categorias iguais.
2° Não existe hierarquia jurídico-normativa entre o casamento civil e a união estável, pois a diferença entre o casamento a e união estável ocorrer pelo fato de que as duas ocorrências são entidades familiares diferentes, entretanto com a mesma proteção constitucional[5].
Além disso, é interessante ressaltar que ó Código Civil Brasileiro possui um capítulo especialmente dedicado à união estável (entre os arts. 1723 e 1.727).[6] A partir dai podemos conceituar a união estável na doutrina de Flávio Tartuce com participação do pensamento doutrinário de Álvaro Villaça Azevedo.
Então o conceito doutrinário de união estável seria:
Partindo para o conceito de união estável, repetindo o art. 1.•da Lei 9.278/1996, enuncia o art. 1 .723, caput, do CC/2002, que é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública (no sentido de notória), contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família (animus familae). Repise-se que o conceito foi construído a partir da doutrina de Álvaro Villaça Azevedo. Como se pode notar, as expressões pública, contínua, duradoura e objetivo de constituição de família são abertas e genéricas, de acordo com o sistema adotado pela atual codificação privada, demandando análise caso a caso. Por isso, pode-se afirmar que há uma verdadeira cláusula geral na constituição da união estável. (TARTUCE, 2011. P. 1089)
Como podemos ver na doutrina de Flávio Tartuce do presente ano ainda não consta o fato de que a relação conjugal entre pessoas do mesmo sexo pode ser considerada união estável. Entretanto, o responsável por esse advento jamais seria o renomado doutrinador do âmbito civil, mas sim a L. 10.406/2002 que deixa expresso que “... É reconhecida como entidade familiar a união estável entre HOMEM E MULHER, configurada na convivência pública...”.
Entretanto, como bem sabemos, o fator tempo/necessidade é extremamente importante para as relações sociais, quiçá familiares. Por conta disso, mesmo sem as devidas referências conforme acima citadas. Já temos jurisprudências um pouco recentes manifestando-se a favor da legalidade do reconhecimento da união estável entre as pessoas do mesmo sexo. Inclusive na lei já temos a relação de dependência conforme dispõe o art. 16 da Lei 8.213/91:
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - os pais;
III - o irmão, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
IV - a pessoa designada, menor de 21 (vinte e um) anos ou maior de 60(sessenta) anos ou inválida.
(Revogada pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.
§ 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação.
§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.
§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.
A jurisprudência em tela ocorreu no julgamento da ADPF (Arguição de descumprimento fundamental) n° 132e 4227 nas quais foi reconhecida a união estável com caráter unânime em todo o território nacional. No caso em questão a nossa corte superior de última instância interpretou com uma visão mais ampla o art. 226, §3° de nossa CF.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LOBO, Paulo. Direito civil: Famílias. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume único. São Paulo: Editora Método, 2011.
[1] Graduando em Direito pela Universidade Tiradentes- UNIT. Aluno de iniciação científica PROBIC/UNIT
[2] Professora-Orientadora de iniciação científica.
[3] CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Art 5, caput)
[4] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
[5] LOBO, Paulo. Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 151; SIMÃO, José Fernando.
Efeitos patr1moma1s da união estável. Direito de Família no Novo Milênio. Estudos em homenagem
ao Professor Álvaro Villaça Azevedo. Chinellato, Simão, Fujita e Zucchi {Coords.). São
Paulo: Atlas, 2010. p. 351.
[6] Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.