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Do contrato de parceria.

Conceito, espécies e análise do art. 96 e incisos da Lei 4.504/66 – Estatuto da Terra

01/03/2002 às 00:00

Resumo:


  • Contrato de parceria é um acordo agrário onde uma parte cede a outra o uso de imóvel rural ou outros bens para atividades de exploração agrícola, pecuária ou mista, com divisão de riscos e frutos, conforme o Estatuto da Terra e seu Regulamento.

  • Diversas modalidades de parceria são definidas pelo Decreto n.º 59.566/66, como parceria agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, e o contrato deve estabelecer claramente as obrigações, a divisão de frutos e os riscos partilhados.

  • O Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64) e seu Regulamento estipulam condições obrigatórias para contratos de parceria, incluindo prazos, renovações, extinção, indenizações e quotas de participação nos frutos, podendo haver aplicação subsidiária das regras de arrendamento rural e de sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1 – Conceito

O contrato de parceria é espécie de contrato agrário, dando origem a uma sociedade sui generis – mas sem se submeter ao regime jurídico desta espécie contratual – e que é regido pela Lei n.º 4.504/64 (Estatuto da Terra), art. 96 e incisos, e seu respectivo Regulamento (Decreto n.º 59.566/66).

Extraímos sua definição do art. 4º do Decreto n.º 59.566/66, in verbis:

"Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de partes do mesmo, incluído ou não benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais da lei (art. 96, VI do estatuto da terra)"

Embora tal enunciado prescritivo deixe entrever que o contrato de parceria pode ser firmado por tempo indeterminado ("...por tempo determinado ou não"), sua interpretação não pode ser conflitante com a lei que está sendo regulamentada - Estatuto da Terra – que prevê, em seu art. 96, I, que "o prazo dos contratos de parceria, desde que não convencionados pelas partes, será no mínimo de três anos (...)". Portanto, a interpretação coerente com este dispositivo legal é a seguinte: não se estabelecendo o prazo no contrato o dizer que o mesmo é indeterminado, equivale a estipulá-lo em três anos. [1]

O parágrafo único do art. 4º do decreto n.º 59.566/66, por sua vez, define as partes contratantes nos seguintes termos:

"Para os fins deste Regulamento denomina-se parceiro-outorgante, o cedente, proprietário ou não, que entrega os bens; e parceiro-outorgado, a pessoa ou o conjunto familiar, representado pelo chefe, que os recebe para os fins próprios das modalidades de parceria definidas no art. 5º "

Portanto, o parceiro-outorgante não precisa ser o efetivo proprietário do imóvel ou dos produtos cedidos, podendo ser, em conseqüência, mero possuidor, enfiteuta ou usufrutuário. Em relação ao parceiro-outorgado, revela-se importante a menção do conjunto familiar em sua representação, conferindo à família do agricultor ou pecuarista que contrata com o parceiro outorgante as mesmas atribuições constantes no contrato de parceria.


2 – Espécies e Características do Contrato de Parceria

Da definição supramencionada são identificáveis as espécies de contrato de parceria, bem como suas características essenciais. Quanto às primeiras, o art. 5º do Decreto n.º 59.566/66 se encarrega de elencá-las e defini-las:

"Art. 5º - Dá-se a parceria:

I – agrícola, quando o objeto da cessão for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal;

II – pecuária, quando o objetivo da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda;

III – agro-industrial, quando o objeto da cessão for o uso do imóvel rural, de parte ou de partes do mesmo, e/ou maquinaria e implementos com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal;

IV – extrativa, quando o objeto da cessão for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e/ou animais de qualquer espécie com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;

V – mista, quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria definidas nos incisos anteriores". (grifos nossos)

Nesse passo, uma crítica de ordem técnica se faz necessária. Em sendo da própria natureza do contrato de parceria a possibilidade de o parceiro-outorgado colher os frutos decorrentes de sua atividade, não se mostra tecnicamente correta a menção, em alguns incisos supra, ao simples uso do imóvel rural, pois é sabido que o direito de uso não abarca a percepção dos frutos dele decorrentes.

Por ser o Direito um campo expressado em linguagem, para não restar comprometida sua operacionalidade, deve o intérprete buscar, ao máximo, a precisão quanto ao teor semântico dos signos (palavras) que o compõem. Desta forma, entendemos que, no lugar da expressão uso deveria estar consignada a expressão usufruto, que consubstancia um direito mais abrangente do que aquele primeiro, já que é de sua natureza a possibilidade de seu titular poder colher os frutos decorrentes da utilização do bem.

No que concerne às características do contrato de parceria, também extraídas de sua definição legal, podemos citar as seguintes, sem prejuízo de outras que serão identificadas no decorrer da análise dos incisos do art. 96 do Estatuto da Terra:

a)a diversidade de deveres e atribuições entre o parceiro-outorgante e o parceiro-outorgado;

b)a participação de ambas as partes contratantes nos resultados, observados os tetos pré-fixados no Estatuto da Terra (art. 96, VI) em relação ao parceiro-outorgante, bem como a partilha dos riscos, entre outorgante e outorgado, provenientes de caso fortuito ou força maior;

c)a semelhança, em regra, à situação de sociedade de capital e indústria, tendo o parceiro-outorgante posição semelhante ao sócio capitalista e o parceiro-outorgado ao sócio de indústria;

d)a finalidade econômica do contrato;

e)a bilateralidade do contrato, não sendo permitida, portanto, a intervenção de terceiros na sua execução além do parceiro-outorgante e do parceiro-outorgado.

f)é intuitu personae, de forma que não se transmite aos herdeiros das partes contratantes. [2]

g)a posição de "administrador" do empreendimento por parte do parceiro-outorgante nas relações com terceiros, salvo estipulação diversa expressa contrato. [3]


3 - Análise do Art. 96 e Incisos da Lei n.º 4.504/64

3.1 – Direito à conclusão da colheita pendente:

Já tivemos a oportunidade de mencionar alhures a primeira parte do inciso I do art. 96 do E.T., no que toca ao prazo mínimo do contrato de parceria, que será de três anos. Agora, cumpre-nos verificar a segunda parte do referido dispositivo legal, a qual reza que é assegurado ao parceiro a conclusão da colheita pendente, mesmo com a expiração do prazo avençado.

Trata-se, na verdade, de uma regra que é decorrência lógica do consagrado princípio geral do direito que veda o enriquecimento ilícito, de forma que não suscita maiores observações.

3.2 – Direito de "preferência" do parceiro-outorgado:

Reza o inciso II do art. 96 do E.T. que "expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro, em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato".

Tal dispositivo, a nosso ver, encerra uma flagrante contradição ou, na melhor das hipóteses, uma falta de esclarecimento quanto ao conteúdo do direito de preferência do parceiro-outorgado. Deveras, em que consiste essa "preferência" se o parceiro-outorgado, ao firmar novo contrato com o parceiro-outorgante, deverá fazê-lo em igualdade de condições com estranhos?

Ora, o termo preferência já traz consigo um teor semântico de exclusão de algo em detrimento de outra coisa à qual se reputa mais importância, mais vantagem ou mais valor. Calha um exemplo corriqueiro: se eu prefiro música popular brasileira à musica sertaneja e só tiver dinheiro para comprar um disco, logicamente vou escolher o gênero musical de minha preferência e, em conseqüência, descartarei o outro disco, para mim menos importante.

O mesmo se diga em relação à regra legal ora analisada, transpondo a opção de escolha para o parceiro-outorgado: se este exercer seu direito de preferência e renovar o contrato com o parceiro-outorgante, tal conduta pressupõe, em tese, a exclusão dos terceiros que porventura queiram firmar contrato de parceria com aquele último. Portanto, afigura-se dificultosa a tarefa de interpretar um dispositivo de lei tão impropriamente elaborado.

3.3 – Das despesas com o tratamento e criação dos animais:

O E.T. prescreve, no inciso III do art. 96, que "as despesas com o tratamento e criação dos animais, não havendo acordo em contrário, correrão por conta do parceiro tratador e criador". Nada mais coerente, posto que é o parceiro-outorgado (tratador e criador) a pessoa que cultiva e explora diretamente o empreendimento, seja este de que natureza for.

3.4 – Direito à moradia higiênica e à área para plantio e criação de animais:

Dispõe o inciso IV do art. 96 do E.T. que "o proprietário assegurará ao parceiro que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte".

Esse preceito legal deixa entrever a preocupação do legislador de 64 em conferir uma maior proteção à família do parceiro-outorgado, partindo da presunção de que este é a parte economicamente hipossuficiente na relação contratual, o que não deixa de ser razoável, haja vista integrarem esta posição, em geral, pessoas do campo que não possuem uma renda satisfatória para suprir, com dignidade, as necessidades vitais de sua família, que é, quase sempre, bastante numerosa.

Portanto, merece aplausos essa preocupação social exposta na lei., máxime por se achar perfeitamente interligada com as normas de proteção à família delineadas em nossa Lei Maior (arts. 226 e ss.). Ademais, trata-se de uma regra de natureza cogente ("assegurará" e não "poderá assegurar"), de forma que não fica ao talante do proprietário decidir quanto a conveniência ou não de propiciar moradia e área para plantio e criação de animais para a família do parceiro-outorgado que resida em sua propriedade.

3.5 – Das cláusulas obrigatórias dos contratos de parceria:

O inciso V do art. 96 do E.T. traz consigo as cláusulas que constarão, obrigatoriamente, em todas as espécies de contrato de parceria, in verbis:

"V - no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa:

a) quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro;

b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola;

c) bases para as renovações convencionadas;

d) formas de extinção ou rescisão;

e) direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos;

f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos".

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As quotas-limite do proprietário na participação dos frutos (alínea "a") estão consignadas no inciso seguinte (inc. VI), e serão demonstradas mais adiante. Uma observação, contudo, se mostra relevante. Em que pese estar empregada a expressão "proprietário" – tanto nessa alínea quanto na alínea "e", bem como em outros dispositivos do art. 96 do E.T. – devemos proceder a uma interpretação sistemática com o seu respectivo Regulamento (art. 4º, § único), compreendendo em tal vocábulo também o usufrutuário, o enfiteuta ou o possuidor.

Quanto aos prazos mínimos de duração e aos limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrária (alínea "b"), é de se verificar um bis in idem por parte do legislador, porquanto "se já há o prazo de duração, demarcando o termo inicial e o final, claro que, ressalvados os casos de extinção e de rescisão do contrato, fixados estão, conseqüentemente, aqueles limites". [4]

As bases para as renovações convencionadas (alínea "c") têm por objetivo, cf. o art. 13 do Decreto n.º 59.566/66, a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica do parceiro-outorgado. Para tanto, estipula tal diploma normativo, em seu art. 22 – cujo teor é idêntico ao inciso IV do art. 95 do E.T. – que "em igualdade de condições com terceiros, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o arrendador até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, notificá-lo das propostas recebidas, instruindo a respectiva notificação com cópia autêntica das mesmas (art. 95, IV do Estatuto da Terra)".

Embora se refira apenas ao arrendatário, tais exigências e cautelas estipuladas no art. 22 do Regulamento e no inciso IV do art. 95 do E.T. também são aplicáveis aos casos de parceria, haja vista o que prevê o inciso VII do art. 96 do E.T., que será visto mais adiante. Outrossim, observamos que, ao se aplicar estes dispositivos ao contrato de parceria, exsurge, com mais clarividência, o direito de preferência a que alude o inciso II do art. 96 do E.T.

No que diz respeito à inclusão, como cláusulas obrigatórias, das formas de extinção e rescisão nos contratos de parceria (alínea "d"), notamos um certo excesso por parte do legislador, posto que tais formas, a rigor, são idênticas às de quaisquer contratos, no que for aplicável, sendo extraídas da própria legislação civil. Entretanto, vem a talho ilustrar as causas de extinção dos contratos agrários que estão elencadas no art. 26 do Decreto n.º 59.566/66, in verbis:

"Art 26. O arrendamento se extingue:

I - pelo término do prazo do contrato e do de sua renovação;

II - pela retomada;

III - pela aquisição da gleba arrendada, pelo arrendatário;

IV - pelo distrato ou rescisão do contrato;

V - pela resolução ou extinção do direito do arrendador;

VI - por motivo de fôr maior, que impossibilite a execução do contrato;

VII - por sentença judicial irrecorrível;

VIII - pela perda do imóvel rural;

IX - pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural;

X - por qualquer outra causa prevista em lei."

Mais uma vez chamamos a atenção para o fato de que, embora haja a referência ao "arrendatário" e ao "arrendador", tais causas também são aplicáveis aos contratos de parceria pelo que dispõe o inciso VII do art. 96 do E.T.

A alínea "e" traz uma peculiaridade quanto ao regime jurídico das indenizações de benfeitorias, a saber, a exigência de consentimento, por escrito, do parceiro-outorgante para que as benfeitorias realizadas pelo parceiro-outorgado possam ser indenizadas (na hipótese de não poderem ser levantadas pelo mesmo).

Augusto Zenun, ao comentar o dispositivo em tela, lembra ainda que se faz necessário "constar do contrato cláusula que descreva minuciosamente as benfeitorias já existentes e o seu estado de conservação, assim como a indicação de quais e de como o parceiro outorgado poderá construir benfeitorias indenizáveis". [5]

A segunda parte da alínea em estudo refere-se à previsão contratual da indenização, agora pelo parceiro-outorgado, quanto aos danos substanciais causados por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos. Não suscita maiores observações por ser regra bastante clara e conhecida, posto que preceitua indenização decorrente de ato ilícito.

O direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos (alínea "f") não precisa, a nosso ver, estar previsto previamente como cláusula obrigatória para ser exercido, vez que, na medida em que há a repartição entre os contratantes dos frutos havidos no decorrer da execução do empreendimento, passam-se os mesmos a integrar o domínio individual de cada contratante, de forma que ambos têm, em conseqüência, poder de disposição independente de prévia estipulação contratual.

Nesse sentido, prescreve o art. 93, II, do E.T. que "ao proprietário é vedado exigir do arrendatário ou do parceiro exclusividade da venda da colheita", com a exceção do que dispõe o parágrafo único, que assim está posto:

"Parágrafo único - Ao proprietário que houver financiado o arrendatário ou parceiro, por inexistência de financiamento direto, será facultado exigir a venda da colheita até o limite do financiamento concedido, observados os níveis de preços do mercado local".

Portanto, entendemos que o disposto na alínea "f" do inciso V do E.T. não deveria estar elencado como cláusula obrigatória nos contratos de parceria.

Essas normas, contidas no inciso V, foram complementadas, conforme manda o caput de tal enunciado, pelos três parágrafos do art. 35 do Decreto n.º 59.566/66, sendo os dois primeiros (§1º e §2º) idênticos ao que dispõem as alíneas "f" e "g", respectivamente, do inciso VI do art. 96 do E.T., de modo que apenas transcreveremos o §3º do aludido Regulamento, que assim dispõe:

"§3º - Não valerão as avenças de participação que contrariem os percentuais fixados neste artigo [que são os mesmos constantes nas alíneas "a" a "g" do inciso VI, art. 96 do E.T.], podendo o parceiro prejudicado reclamar em Juízo contra isso e efetuar a consignação judicial da cota que, ajustada aos limites permitidos neste artigo, for devida ao outro parceiro, correndo por conta deste todos os riscos, despesas, custas e honorários advocatícios."

3.6 – Das quotas de participação do parceiro-outorgante nos frutos da parceria:

Reza o inciso VI do art. 96 do E.T.:

"VI - na participação dos frutos da parceria, a quota do proprietário não poderá ser superior a:

a)dez por cento, quando concorrer apenas com a terra nua;

b)vinte por cento, quando concorrer com a terra preparada e moradia;

c)trinta por cento, caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;

d)cinqüenta por cento, caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas na alínea "c" e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a cinqüenta por cento do número total de cabeças objeto de parceria;

e)setenta e cinco por cento, nas zonas de pecuária ultra-extensiva em que forem os animais de cria em proporção superior a vinte e cinco por cento do rebanho e onde se adotem a meação de leite e a comissão mínima de cinco por cento por animal vendido;

f)o proprietário poderá sempre cobrar do parceiro, pelo seu preço de custo, o valor de fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual que corresponder à participação deste, em qualquer das modalidades previstas nas alíneas anteriores;

g)nos casos não previstos nas alíneas anteriores, a quota adicional do proprietário será fixada com base em percentagem máxima de dez por cento do valor das benfeitorias ou dos bens postos à disposição do parceiro."

Verificamos, portanto, que a progressão do percentual devido ao parceiro-outorgante, a título de participação na divisão dos frutos, decorre de sua maior ou menor contribuição no sentido de proporcionar melhores condições de trabalho para o parceiro-outorgado, seja pelo fornecimento de benfeitorias ou de animais, seja pela disponibilização de máquinas etc.

Se, por um lado, essa pré-fixação em escala crescente de quotas possa ser tida como uma maneira encontrada pelo legislador para "forçar" o parceiro-outorgante a oferecer melhores condições de trabalho para o parceiro-outorgado, nem por isso está estreme de críticas.

Isso porque, não raro, o percentual recebido pelo parceiro-outorgante, por ser quase sempre inexpressivo, não é suficiente para cobrir os investimentos (despesas) que o mesmo realizou para a efetivação do empreendimento. [6]

Uma outra disparidade que pode ser encontrada nessa escala crescente de quotas diz respeito ao desequilíbrio entre as percentagens fixadas para a agricultura em face do percentual fixado para a pecuária ultra-extensiva (75%). [7]

3.7 – Da aplicabilidade subsidiária das normas pertinentes ao arrendamento rural e das regras do contrato de sociedade:

Isso é o que prescreve o inciso VII do art. 96 do E.T., a seguir transcrito:

"VII - aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei".

Esse dispositivo – já o mencionamos em linhas precedentes – confere à parceria rural a possibilidade de aplicação subsidiária das regras atinentes a estes dois contratos – arrendamento rural (art. 95, I a XIII do E.T.) e sociedade (arts. 1.363 a 1.409 do Código Civil) – no que lhe for, logicamente, compatível.

3.8 – Da configuração de relação empregatícia no contrato de parceria:

O parágrafo único do art. 96 do E.T. traz importante disposição acerca da possibilidade de o contrato de parceria ser desconfigurado para uma relação de cunho empregatício, se restarem caracterizados os requisitos essenciais do contrato laboral.

Assim dispõe o citado dispositivo legal:

"Parágrafo único - Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário-mínimo no cômputo das duas parcelas". (grifos nossos)

Portanto, observamos que o primeiro fator que colabora para a desconfiguração do contrato de parceria vem a ser o pagamento parcial em dinheiro ao parceiro-outorgado.

Ora, é sabido que o contrato de parceria só admite o pagamento do parceiro-outorgado em percentual da produção. Desta forma, a percepção em dinheiro, fornecido pelo parceiro-outorgante, já delineia um dos requisitos do contrato de trabalho, qual seja, a remuneração de salário pelo trabalho desempenhado.

A direção dos trabalhos, mediante inteira e exclusiva responsabilidade do parceiro-outorgante traz consigo outros requisitos da relação empregatícia, a saber: a) subordinação, caracterizada pela direção e inteira responsabilidade dos trabalhos pelo parceiro-outorgante, e b) pessoalidade, que é a estrita relação do parceiro-outorgado com o parceiro-outrogante, caracterizada pela exclusividade que este tem na direção dos trabalhos.

Ocorrendo, concomitantemente, estas hipóteses, a relação de parceria cederá lugar à relação empregatícia, razão pela qual as regras aplicáveis serão as constantes na legislação trabalhista.


Notas

1.Cf. Augusto Elias Jorge Zenun. O Direito Agrário e sua Dinâmica. São Paulo: Copola Editora, 1997, p. 412.

2.Cf. J. Motta Maia. Estatuto da Terra Comentado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Ltda, 1967, p. 193

3.Nesse sentido, esclarece Igor Tenório: "Em seu nome [parceiro-outorgante] é que se tornam efetivos os direitos e obrigações para com terceiros (financiamentos, tributos e contribuições, obrigações assumidas etc.). Ademais, não gerando o contrato de parceria uma entidade coletiva (sociedade) a exteriorização do

acordo negocial é através da pessoa do parceiro-outorgante". (Manual de Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Resenha Universitária. 1975, p. 194)

4.ZENUN, Augusto Elias Jorge, op. cit., pp. 415-416.

5.Op. cit., p. 418.

6.Cf. Augusto Elias Jorge Zenun, op. cit., p. 420. Enfatiza este autor, referindo-se às despesas do parceiro-outorgante, que "se se computarem os valores das benfeitorias, das moradias, das máquinas, dos preparos da terra, das sementes e de tantas outras exigências legais, o seu rendimento não atingirá a 10% do total". Contudo, impende acrescentarmos que, se tais "investimentos" já pertenciam ao parceiro-outorgante – portanto antes até da intenção de firmar um contrato de parceria – sem que o mesmo venha a ter a necessidade de adquiri-los a posteriori, entendemos que não se configurará, em tais circunstâncias, o prejuízo enaltecido pelo mencionado autor.

7.Idem, ibidem.


Bibliografia:

MAIA, Motta J. Estatuto da Terra Comentado. Rio de Janeiro: Livraria Editora Ltda, 1967.

TENÓRIO, Igor. Manual de Direito Agrário Brasileiro. São Paulo: Resenha Universitária. 1975.

ZENUN, Augusto Elias Jorge. O Direito Agrário e sua Dinâmica. São Paulo: Copola Editora, 1997.

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Sobre o autor
Marcos Jatobá Lôbo

bacharel em Direito pela Universidade Federal de Alagoas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Marcos Jatobá. Do contrato de parceria.: Conceito, espécies e análise do art. 96 e incisos da Lei 4.504/66 – Estatuto da Terra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2768. Acesso em: 23 dez. 2024.

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