A presença da alienação parental nos casos de dissolução conjugal.

Uma pesquisa nas varas de família em Maceió

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A ausência do programa de mediação familiar fragiliza o entendimento entre as partes e a não adoção da guarda compartilhada afasta o menor do referencial parental afetivo contínuo, sendo esses importantes instrumentos judiciais inibidores da alienação....

ResumoA família sofreu importantes alterações no último século. Tais mudanças passaram por momentos históricos significativos como o declínio do patriarcalismo e o surgimento do movimento feminista no século XX que, em muito, contribuíram para melhor se entender o atual conceito e função da família brasileira. O presente trabalho investigou de que forma é identificada e abordada a prática da alienação parental, contra crianças e adolescentes, nos casos de dissolução conjugal nas Varas de Família em Maceió. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo com abordagem quantitativa e qualitativa. A coleta de dados foi através de questionários semiestruturados aplicados e avaliados entre as seis Varas de Família na cidade de Maceió entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011. Constatou-se que o acompanhamento psicossocial das ações e das famílias envolvidas, tanto durante o processo como após a sentença, assim como a ausência do programa de mediação familiar fragiliza o entendimento entre as partes e a não adoção da guarda compartilhada afasta o menor do referencial parental afetivo contínuo, sendo esses importantes instrumentos judiciais inibidores da prática da alienação parental.

Palavras-chave: família, alienação parental, dissolução conjugal, ações.

 

ABSTRACTThe family has undergone significant changes over the last century. Such changes undergone significant historical moments such as the decline of patriarchy and the rise of the feminist movement in the twentieth century, in much contributed to better understand the current concept and function of the Brazilian family. This study investigated how it is identified and addressed the practice of parental alienation against children and adolescents, in cases of marital dissolution in the family courts in Maceió. This is a descriptive exploratory study with quantitative and qualitative approach. Data collection was through semi-structured questionnaires applied and evaluated among the six family courts in the city of Maceió between December 2010 and February 2011. It was found that the psychosocial actions and the families involved, both during and after sentence, as well as the absence of family mediation program weakens the understanding between the parties and non-adoption of custody away from the lower reference parental affective continuum, and these important legal instruments inhibitors practice of parental alienation.

Keywords: family, parental alienation, marital dissolution, actions.

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INTRODUÇÃO

A família sofreu importantes alterações no último século. Tais mudanças passaram por momentos históricos significativos como o declínio do patriarcalismo e o surgimento do movimento feminista no século XX que, em muito, contribuíram para melhor se entender o atual conceito e função da família brasileira.

Pereira (2005) esclarece com suas palavras acerca desse momento histórico e social quando afirma que a conquista por um ‘lugar ao sol’ das mulheres, isto é, de uma condição de sujeito, abalou a estrutura e a organização da família. Os papéis masculinos e femininos se misturaram e tudo está sendo repensado na organização jurídica da família. Esse é um fenômeno que vem acontecendo em todas as organizações jurídicas ocidentais. A legislação, no Brasil em particular, mal tem acompanhado esta evolução, embora o Direito de Família brasileiro esteja, hoje, entre os mais avançados do mundo.

A partir de toda a nova conjuntura vivenciada pela família nos últimos anos, a sociedade se depara atualmente com uma pluralidade na composição da família contemporânea, liberta das antigas funções patrimonialista e procracional, fundando-se na atualidade nos alicerces do princípio da afetividade, e, principalmente, na função de promover a felicidade e a realização dos seus componentes como entidade familiar.

A dissolução desses vínculos conjugais também teve suas inovações, uma vez que os elementos de comprovação de tempo decorrido desde o fim da relação e culpa de uma das partes já não são mais requisitos para tal fim. O que ninguém espera é que a partir do rompimento conjugal se inicie uma programação fundada sob a ótica da não aceitação do fim do relacionamento, o que muitas vezes leva, inclusive, à execução de uma vingança do (a) ex-companheiro (a) através do filho sob sua guarda, único elo ainda existente entre o (a) guardião (ã) e o outro genitor que ama o filho e quer continuar mantendo os vínculos parentais com sua prole.

Com o objetivo de desfazer o fluxo desse convívio, a mãe, geralmente, passa a articular meios para romper definitivamente o elo paterno-filial através da implantação de falsas memórias junto ao menor, fantasiando situações negativas a respeito do pai, verbalizando palavras com o intuito de denegrir e hostilizar a figura paterna, inviabilizando as visitas e momentos deste com o filho, telefonemas, informações e qualquer tipo de contato que caracterize condição de manutenção do afeto entre pai e filho, causando sérios danos físicos e psíquicos no desenvolvimento e formação da criança ou do adolescente.

As implicações dessa prática foram conceituadas pelo psiquiatra Richard Gardner (2002) como Síndrome da alienação parental (SAP), mas no Brasil caracteriza-se apenas como uma conduta chamada de alienação parental, sem conotação patológica, regulamentada pela Lei 12. 318 de 2010. Desta feita, a abordagem da alienação parental apresenta-se ainda timidamente para o Direito brasileiro.

A alienação parental tem sido identificada principalmente nas situações em que se deparam os pais em dissolução do vínculo conjugal. Na maioria dos casos, é o pai quem tem feito menção à prática da alienação pela ex-companheira nas audiências.

Todavia, a conduta do genitor alienador e o próprio ato em si de alienar o menor precisam ser vistos de modo singular e atento pela Justiça no Direito de Família brasileiro, sob a forma de um melhor acompanhamento pelas equipes multiprofissionais, devendo estas estarem alocadas em cada Vara de Família de Maceió, composta por profissionais devidamente comprometidos e capacitados para lidarem com a situação, assim como, proceder-se à capacitação e atualização dos magistrados, promotores, defensores públicos e advogados acerca do tema.

Outros pontos também devem ser observados, como a adoção da mediação como mecanismo salutar para encontrar em família soluções que melhor apliquem-se ao interesse da criança e do adolescente sob responsabilidade parental de ambos os genitores e, por seguinte, o acolhimento da guarda compartilhada, promovendo aos pais igual envolvimento afetivo e mútua responsabilidade na criação e formação da prole, como instrumentos inibidores da alienação parental.

Nesse sentido, poucos são os tribunais que têm se posicionado sobre o tema em função da recente sanção da Lei 12.318/2010, embora tal conduta continue tendo lugar no silêncio dos lares do Brasil e, em particular, nos lares maceioenses.

A partir dessa constatação, o problema de estudo desta pesquisa apresenta-se no formato de um questionamento: de que forma é identificada e abordada a prática da alienação parental, contra crianças e adolescentes, nos casos de dissolução conjugal nas Varas de Família em Maceió?

O trabalho objetiva demonstrar a ocorrência da alienação parental nos casos de dissolução conjugal nas Varas de Família em Maceió, guardando-se o devido sigilo processual.

Partindo do objetivo geral, pretende-se: a) identificar como são acompanhados os casos da Alienação Parental; b) apresentar como os juízes, promotores, defensores públicos, psicólogos e assistentes sociais das Varas de Família em estudo tem se posicionado nas suas decisões/pareceres em decorrência da prática da alienação parental pelo cônjuge alienador(a); e c) demonstrar a importância da intervenção judiciária e das equipes multidisciplinares para a promoção do restabelecimento do convívio familiar.

O cônjuge alienador vê na criança o único elo ainda existente com o cônjuge alienado e, como forma de repúdio à manutenção da relação pai-filho, passa a investir em falsas acusações contra o genitor não guardião, desencadeando um processo de ações continuadas de desmoralização e destruição da imagem do outro perante a criança, de modo rotineiro, de forma a tornar os fatos reais na mente do filho, ainda que este não consiga detalhar o que lhe foi contado, assim como, impossibilitando as visitas ao filho, afastando cada vez mais o pai do menor, omitindo também informações pessoais e relevantes sobre a criança, como informes escolares, médicas e até mudando de domicílio para locais distantes, sem justificativas, dentre outras maneiras.

Trava-se, sobretudo, um verdadeiro desequilíbrio na relação de pai e mãe perante o filho, convívio esse que embora da ruptura conjugal jamais deveria se dissolver, pois são duas figuras importantes para a criação e construção do caráter, educação, segurança, amor, afeto, e solidariedade dos filhos. A responsabilidade não se finda após a ruptura, pelo contrário, ela deve se firmar ainda mais pela presença e assistência material e moral de ambas as partes.

A importância desse estudo é relevante em decorrência de ser um tema novo no âmbito jurídico, por existirem sobre ele poucos estudos, apesar da fácil constatação da existência do problema para quem lida com questões familiares, e pela visibilidade que se pretende dar ao assunto no meio acadêmico, além de propostas de solução fundamentadas no resultado da pesquisa aplicada nas seis Varas de Família em Maceió.

Com o objetivo basilar de demonstrar como são abordados os casos de alienação parental nas ações de dissolução conjugal em Maceió, buscou-se visitar as seis Varas de Família do Tribunal de Justiça de Alagoas na Capital para a realização de uma pesquisa empírica através da aplicação de questionário junto aos magistrados, promotores, defensores públicos, psicólogos e assistentes sociais, em suas respectivas Varas de lotação.

Destarte, a prática da alienação parental fere os princípios da dignidade humana, do melhor interesse da criança e do adolescente, da convivência familiar, da igualdade e da afetividade, dentre os direitos garantidos pela Convenção sobre os direitos da criança, pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


1. A PRESENÇA DA ALIENAÇÃO PARENTAL NOS CASOS DE DISSOLUÇÃO CONJUGAL

1.1 Conceito e evolução da família brasileira

A família brasileira, no decorrer do século XX e até a contemporaneidade, passou por diversas inovações em sua estrutura, natureza e função, advindas das transformações sociais promovidas pelo Estado Social, que em muito contribuíram para a compreensão da família atual. Segundo Lôbo (2009, p.4):

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O Estado social, desenvolvido ao longo do século XX, caracterizou-se pela intervenção nas relações privadas e no controle dos poderes econômicos, tendo por fito a proteção dos mais fracos. O intervencionismo também alcança a família com o intuito de redução dos poderes domésticos – notadamente do poder marital e do poder paterno, da inclusão e equalização de seus membros, e na compensação de seu espaço para a promoção da dignidade humana.

O antigo perfil da família concebia a constituição familiar apenas pelo casamento entre o homem e a mulher. Era puramente patriarcal, patrimonialista e hierarquizado. Tinha sob seu comando a figura masculina do pai, do homem, a quem deviam o respeito e a obediência os filhos e a esposa. A mulher apresentava-se como responsável apenas pelo zelo do lar, educação da prole e em perpetuar a honra da família.

Toda essa conjuntura familiar tinha como finalidade a procriação dos filhos, os quais eram tidos como força de trabalho necessária, para uma outra finalidade essencial daquela época, a manutenção do patrimônio constituído.

Com o passar dos anos, ocorreram alguns acontecimentos históricos que foram de suma importância na evolução da sociedade e com isso influenciaram na construção do novo modelo da família, em especial pelas conquistas femininas.

A família do século XX foi marcada pela insurgência da atividade profissional da mulher, que se intensificou a partir do movimento feminista da década de sessenta e pelo ímpeto “modernista” da sociedade brasileira, decorrente do aumento da industrialização e da urbanização (FACHIN, 2001, p. 54).

A mulher passou a inserir-se no mercado de trabalho, a desenvolver atividades trabalhistas fora do lar, contribuindo no custeio das despesas domésticas junto com o cônjuge, conforme se observa na afirmação de Fachin (2001, p.132):

Nestas transformações, a mulher teve (e tem) um papel importante, dando novos contornos sociais à família. Na medida em que ela deixa de ser apenas a esposa responsável pelas atividades domésticas e pelos filhos, ingressando no mercado de trabalho e, por via de consequência, participando da economia doméstica, todo o contexto da família se transforma.

Entretanto, homem e mulher passaram a ser vistos sob os termos de igualdade, assumindo novos papéis na família, de onde “foi afastada a concepção antiga de que a mulher era mera colaboradora do marido na administração dos bens, na chefia da sociedade conjugal e no exercício do poder familiar” (DIAS, 2010, p. 36), sendo ambos, portanto, detentores dos mesmos direitos e deveres.

Ressalte-se outro ponto importante no Direito de Família e para a família trazido pela Constituição Federal (CF)1 que é o laço afetivo havido entre pais e filhos. Laço esse formado com filhos oriundos de uma relação conjugal ou com aqueles não biológicos, ambos, sem distinção, passaram a ter especial proteção do Estado e os mesmos direitos e deveres perante a unidade familiar.

A Carta Magna de 1988 desempenhou papel fundamental na vida em sociedade no Brasil desde o início de sua vigência, uma vez que havia necessidade de reconhecer outras formas de constituição de família senão pelo casamento, que já se apresentavam na sociedade de então. Assim, passou a prever em seu texto constitucional a união estável (CF, art. 226, §3º) e a família monoparental (CF, art. 226, §4º).

Ademais, para Dias (2010, p.40 e 41), “raras vezes uma Constituição consegue produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como fez a atual Constituição Federal”, em especial, neste caso, para o Direito de Família, que dia após dia propõe discussões novas acerca do constante processo evolutivo da sociedade e de sua base, a família.

Entender a família na sociedade contemporânea é compreender a realização do ser humano enquanto pessoa e as relações interpessoais dentre as plurais formas de sua constituição, entendida que a família é aquela formada pelo casamento, pela união estável, parental, monoparental, pluriparental, paralela, enfim, aquela formada por laços de afetividade e, a eudemonista, trazida à baila por Dias (2010).

1.2 Distinções entre alienação parental e síndrome de alienação parental

Há quem entenda a alienação parental e a síndrome de alienação parental como um mesmo caso. Todavia, apesar de estarem intimamente ligados, não se confundem em seus conceitos, tampouco na prática, sendo, pois, a segunda um diagnóstico decorrente dos atos promovidos na primeira.

Para melhor entender esse fenômeno, Richard Gardner, professor de Psiquiatria Infantil da Universidade de Colúmbia, foi o grande pioneiro no estudo da SAP, definindo-a como um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha continuada posteriormente pela própria criança e que não se justifique na realidade. Resulta da combinação das instruções de um genitor, que faz a “lavagem cerebral” (DIAS, 2010, P.455) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo.

Quando o abuso e/ou a negligência parental verdadeira estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada. Alienação parental nada mais é, que uma forma pela qual o pai/mãe – na maioria dos casos identificados pelos tribunais a alienadora é a mãe – detentor (a) da guarda promove atos de desconstituição do vínculo do outro genitor perante a criança/adolescente, através da desmoralização e marginalização da sua imagem, motivada pelo intuito de afastar cada vez mais a criança/adolescente do convívio com o parente alienado, e que pode ser perpetrado dolosamente até mesmo por outras pessoas que desenvolvam parentalidade com o menor. Neste trabalho, serão revisados apenas casos de alienação parental praticados pelos pais quando da dissolução do vínculo conjugal.

Já a síndrome de alienação parental condiz com os efeitos da alienação, sejam eles emocionais e/ou comportamentais desenvolvidos pela criança/adolescente vítima, agora, de um processo (atos = efeitos) repressivo de interferência na sua formação socioafetiva, contrapondo-se o alienador aos direitos da criança e do adolescente e aos direitos fundamentais, violados primeiro através dos atos de alienação parental e, por conseguinte, pelas sequelas da síndrome de alienação parental.

O fato é que, independentemente de ser ou não uma síndrome, assim subentendida, o fenômeno existe e cada vez mais é percebido e verificado independentemente de classe social ou situação financeira. Desse modo, a alienação parental, assim disposta pelo legislador, é entendida como a prática ou indício da interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, e daí o surgimento de um leque de sérias consequências psicossociais e físicas, promovidas por um dos genitores inconformado com a dissolução do vínculo conjugal.

Com o objetivo de inibir sua ocorrência e melhor condicionar as decisões judiciais nas Varas de Família, buscou-se garantir os direitos resguardados aos menores pelos remédios constitucionais e complementares, não a tratando necessariamente como patologia, mas sim como conduta.

1.3 Surgimento da alienação parental e seus efeitos

A família pregada pelas diversas religiões constitui-se pelo amor e o companheirismo entre o homem e a mulher envolvidos no processo de união, com o objetivo de constituírem família e terem filhos. Não obstante, a função primordial da família atual, qual seja, a promoção da felicidade de seus membros, ganhou outro viés pela norma máxima do Brasil, com o advento da nova Lei do Divórcio, a qual exime os requisitos de culpa e tempo para o aferimento do divórcio, ainda assim contrário aos ensinamentos da Igreja Católica, a qual defende a união eterna entre os casados sob sua filosofia cristã.

A Constituição Federal de 1988 traz claramente em seu texto normativo a previsão de constituição de outras famílias, a saber: aquelas fundadas pela união estável e a monoparental, proporcionando aos separados e divorciados a oportunidade de formarem novos núcleos familiares e, sobretudo, a garantida da felicidade, dever do Estado, de promover as condições necessárias para a segurança e desenvolvimento das novas entidades familiares.

No entanto, é comum haver casais com problemas conjugais onde uma das partes tem dificuldade em aceitar o fim do vínculo conjugal e, a partir dessa ruptura inconformada, surge a prática da alienação parental2. Veja-se o que alude Dias (2008, p. 11):

Quando não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. Ao ver o interesse do pai em preservar a convivência com o filho, quer vingar-se, afastando este do genitor.

Por outro lado, para Guazzelli (2010, p. 54):

[...] a separação e o divórcio são pródigos em desencadear o que há de pior no ser humano, estabelecendo, muitas vezes, verdadeira violência nas relações intrafamiliares pós-ruptura do casal. Recapitulando o que se disse no início, vários sentimentos como a raiva, o ciúme doentio e o desejo de vingança podem resultar em condutas desequilibradas dos adultos, que trarão dolorosas consequências na vida e desenvolvimento das crianças.

O que não se pode deixar de mencionar é que a alienação parental sempre existiu e tem se mostrado nos últimos anos a partir dos estudos de Gardner (2002), de doutrinadores e estudiosos brasileiros. Na maioria dos casos, é a mulher quem se apresenta na condição de frustração e inconformismo pelo término da relação e, magoada, inicia um Processo danoso de afastamento do filho com o pai. Processo esse iniciado em face de um luto conjugal mal elaborado.

A mãe alienante não aceita o fato da separação, e verificando que os filhos mantêm um elo com o pai, que não a deseja mais como sua companheira e até mesmo já convive maritalmente com outra pessoa, passa a dificultar o contato e convívio entre pai e filho. Duarte (2010, p.109) acrescenta:

[...] tal processo se caracteriza por uma ligação de acentuada dependência e submissão do sujeito criança/adolescente ao genitor que detém sua guarda, o qual dificulta e impede o contato entre o genitor “visitante” e aquele, causando, consequentemente, o afastamento e o desapego entre esses, reforçando por falas depreciativas e humilhantes em relação ao genitor “visitante”, foco e objeto de sentimentos de ódio, ressentimentos e necessidade de vingança, o que contribui para diminuir a autoestima dos filhos, provocando-lhes medo, insegurança, inibições e até horror em aproximar-se do não guardião, além de outras reações sintomáticas.

Ademais, em atos contínuos passa a praticar falas difamatórias, desmoralizadoras e depreciativas da imagem do genitor alienado perante o menor. Tais ações são rotineiramente repetidas, a ponto de imputar deliberadamente falsos acontecimentos para a criança/adolescente e este concebê-las como se fossem verdade.

A criança acaba aceitando como verdadeiro tudo que lhe é informado. Identifica-se com o genitor patológico e torna-se órfã do genitor alienado, que passa a ser considerado um invasor, um intruso a ser afastado a qualquer preço. O alienador, ao destruir a relação do filho com o outro, assume o controle total. Tornam-se os dois unos, inseparáveis. Este conjunto de manobras confere prazer ao alienador em sua trajetória de promover a destruição do antigo parceiro (DIAS, 2010, p.16).

Notável se faz dar ênfase à forma de coisificação pela qual os menores são tratados nesse processo doloroso de alienação, encorajado a atuar de modo direito e na linha de frente contra o próprio genitor, não o vendo mais nessa fase dessa forma, mas sim como uma ameaça, expondo medo, distância e desprezo. Eis o ensinamento de Silva (2009, p.66) a respeito:

As manobras de instauração da SAP podem iniciar-se lentamente, de forma insidiosa, com a representação do papel de “vítima”, que aos poucos vai convencendo também o entorno (familiares, amigos, parentes, profissionais a seu serviço). Mas, na verdade, esse papel de “vítima” é uma personagem do genitor alienador usada para encobrir sua relação perversa com os filhos: torná-los intermediários entre os dois pais, o instrumento da vingança e do ódio do genitor alienador. Eles são de alguma forma “coisificados”. Eles não têm mais o poder real de decisão por si mesmos, mas são subordinados à vontade do genitor alienador. Além disso, se a prole compreende muitos filhos, o laço entre eles é reforçado em torno do objetivo comum, expulsar o outro genitor (negrito nosso).

A criança é condicionada a situações de dependência, sob constantes provas de lealdade perante a genitora, sendo esse segundo Motta (2008, p.49) o procedimento que “atua sobre a emoção mais fundamental do ser humano: o medo de ser abandonado”, através de ameaças. Destarte, as conseqüências absorvidas por essas crianças e adolescentes vítimas de alienação parental serão inúmeras e devastadoras na maioria dos casos pelo resto da vida.

Silva (2009, p.60) alerta que:

Os filhos, frutos da alienação parental, possivelmente estabelecerão relações marcadas por essa vivência da infância, aprendendo a manipular situações, desenvolvendo um egocentrismo, uma dificuldade de relacionamentos e uma grande incapacidade de adaptação. Tiveram destruídas a ligação emocional com o progenitor ausente, atualizando estas dificuldades nas relações futuras.

É, pois, no grau mais grave que a criança encontra-se mais envolvida e submetida a diversos sentimentos confusos e até irreversíveis, podendo vir a desenvolver as mesmas ações da mãe alienante no futuro, nos próprios relacionamentos.

1.4.A alienação parental e o poder judiciário

A existência da alienação parental no Poder Judiciário tem se apresentado ainda muito timidamente, embora seja um ato incomensuravelmente prejudicial à saudável formação e desenvolvimento da criança e do adolescente praticados desde sempre nos mais distintos lares, que só agora recebeu importante incentivo normativo para sua inibição no Brasil.

É justamente nas ações de dissolução conjugal e/ou guarda que melhor identifica-se a alienação parental. O intento pode chegar ao ponto de serem fundadas denúncias de abuso sexual pela mãe contra o pai, alegando sua prática durante o direito de convivência entre este último e a criança/adolescente. Sobre esse caso, Dias (2010, p.17) esclarece que:

[...] a ferramenta mais eficaz é a denúncia de práticas incestuosas. A narrativa de um episódio durante o período de visitas que possa configurar indícios de tentativa de aproximação de natureza sexual é o que basta. O filho é convencido da existência do acontecimento e levado a repetir o que lhe é afirmado como tendo realmente ocorrido. A criança nem sempre consegue discernir que está sendo manipulada e acredita naquilo que lhe é dito de forma insistente e repetida. Com o tempo, nem a mãe consegue distinguir a diferença entre a verdade e a mentira. A sua verdade passa a ser verdade para o filho, que vive com falsas personagens de uma falsa existência. Implantando-se, assim, falsas memórias.

De pronto, por determinação judicial, a criança é afastada do não-guardião enquanto durarem as apurações do fato pela equipe multidisciplinar, tempo esse considerado vitorioso pelo alienador, pois conseguiu mais uma vez afastar o menor do contato com o outro genitor.

O fato é que o Poder Judiciário de Alagoas, em especial as Varas de Famílias em Maceió, não dispõe de profissionais psicólogos e assistentes sociais em seu quadro efetivo de pessoal. Os profissionais que laboram nas seis varas são prestadores de serviço ou cedidos por outros órgãos, o que dificulta ainda mais a identificação da prática da alienação parental nos processos de dissolução conjugal.

Em sua maioria, os filhos não são ouvidos, tampouco avaliados psicologicamente, socialmente e afetivamente antes de se definir a guarda, casos em que o menor acaba ficando geralmente sob os cuidados da mãe (alienadora), o que às vezes não corresponde ao melhor interesse da criança, persistindo a alienação dos mesmos, até que se provoque novamente pelo não-guardião o juízo competente ou se evolua o estágio da AP e tenhamos uma criança/adolescente irreversivelmente alienado preso às consequências das mazelas imputadas inconsequentemente pela própria genitora.

Também importante se faz um maior preparo dos magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados e demais profissionais da carreira jurídica acerca das entrelinhas do tema alienação parental e suas consequências para a criança e para o adolescente, possibilitando assim, uma visão multidisciplinar do fato, e que sejam tecnicamente melhor assessorados pelos pareceres dos profissionais multidisciplinar presentes na Vara de Família.

Não restam dúvidas que a prática da alienação parental caracteriza-se um abuso psicológico sério, uma interferência na formação da criança e do adolescente. Seu ato afronta os direitos fundamentais expressos na CF de 1988 e os direitos garantidos no ECA, causando danos gravíssimos ao menor, abstendo-o dos seus próprios direitos expressos e garantidos pelo remédios normativos. Esses menores são envolvidos injustamente no processo mal resolvido entre seus pais, que se esquecem que a responsabilidade do vínculo parental não deve ser confundida com o vínculo conjugal, daí a importância da intervenção do Poder Judiciário.

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Sobre o autor
Antonio Tancredo Pinheiro da Silva

Advogado, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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