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Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil

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01/03/2002 às 00:00

Resumo:


  • O Estado social impõe a consideração dos interesses coletivos sobre os individuais, influenciando a legislação, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil, que incorporam princípios como a função social dos contratos, a boa-fé objetiva e a equivalência material.

  • O CDC e o novo Código Civil aproximam-se nos princípios contratuais, apesar de terem campos de aplicação distintos, com o CDC focado em relações de consumo e o Código Civil abrangendo contratos civis e mercantis em geral.

  • Os princípios sociais dos contratos, como a função social, visam harmonizar os interesses privados com os coletivos, enquanto a equivalência material e a boa-fé objetiva buscam o equilíbrio e a honestidade nas relações contratuais, protegendo partes vulneráveis e promovendo justiça social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Conclusão

Os princípios sociais dos contratos ingressaram no novo Código Civil uma década após o advento do Código de Defesa do Consumidor e quase um século de concepção e vigência do anterior Código Civil, cuja ideologia liberal e oitocentista tornou-se incompatível com a ideologia constitucionalmente estabelecida desde a Carta de 1934, quando se inicia o Estado social brasileiro. Ao longo do século XX a convivência da Constituição social com o Código liberal gerou impasses e contradições, cujo fosso foi aprofundado com o CDC, com a distinção que se impôs entre contratos comuns civis e mercantis e contratos de consumo (a grande maioria). Aos primeiros a difícil aplicação dos princípios sociais dos contratos deveu-se ao esforço argumentativo de parte da doutrina voltada à constitucionalização do direito civil, cujo principal postulado reside na eficácia imediata e prevalecente das regras e princípios constitucionais sobre o direito infraconstitucional, que melhor reproduzem os valores existentes na sociedade no seu momento histórico.

A introdução explícita dos princípios sociais do contrato no novo Código Civil chega com atraso de várias décadas e, por ironia da história, quando se fala em crise do Estado social. Parece, contudo, que a regulação da atividade econômica, para conter ou controlar os abusos dos poderes privados, é uma conquista que as sociedades organizadas não pretendem abrir mão. Sobretudo quando se assiste ao crescimento da concentração empresarial e de capital e da vulnerabilidade das pessoas que não detêm poder negocial, principalmente ante a utilização massiva de contratos de adesão a condições gerais unilateralmente predispostas.

Os princípios liberais do contrato (liberdade de contratar, pacta sunt servanda e relatividade subjetiva) afirmaram a liberdade individual, contribuindo para o controle dos poderes públicos, mas foram insuficientes para controlar os abusos dos poderes privados.

Por essa razão, assumiu de importância no Estado social a consideração da vulnerabilidade em que se encontram as pessoas em certas situações negociais. A vulnerabilidade jurídica vai além da debilidade econômica da parte contratante, pois interessa o poder negocial dominante, ou seja, aquela que se presume em posição de impor sua vontade e seu interesse à outra. A presunção é definida em lei, como se dá com o consumidor, no CDC, e com o aderente, no novo é Código Civil. A presunção é absoluta e não pode ser contrariada pela consideração do caso concreto. O consumidor e o aderente, ricos ou pobres, são juridicamente vulneráveis, pois submetidos ao poder negocial da outra parte.

Os três princípios sociais dos contratos (função social, equivalência material e boa-fé objetiva) são comuns a todos os contratos, ainda quando não se configure o poder negocial dominante. Porém, nas hipóteses em que há presunção legal de sua ocorrência, alguns princípios complementares adquirem autonomia e com eles se equiparam. Tal se dá com os princípios da vulnerabilidade e da informação, nas relações de consumo, os quais, no plano geral, desdobram os princípios da equivalência material e da boa-fé. No direito do consumidor ainda se cogita do princípio da razoabilidade que atuaria como condição e limite dos princípios da equivalência material e da vulnerabilidade; a defesa do consumidor e a interpretação favorável vão até os limites da razoabilidade.

A compreensão que se tem hoje dos princípios sociais do contrato não é mais de antagonismo radical aos princípios liberais, pois estes como aqueles refletiram etapas da evolução do direito e do Estado moderno. No Estado social os princípios liberais são compatíveis quando estão limitados e orientados pelos princípios sociais, cuja prevalência se dá quando não são harmonizáveis.


Notas

1 Cf. André Jean Arnaud, O direito entre modernidade e globalização, trad. Patrice Charles Wuillaume, Rio de Janeiro: Renovar, 1999. Habermas reage, com fina ironia, contra os que já vêem "pós" quando estamos em pleno "ainda". Cf. The New Conservatism, Cambrigde, MIT Press, 1990, p. 3-5.

2 Teoria do Ordenamento Jurídico, trad. Maria Celeste C. J. Santos, Brasília: Ed. Polis, 1989, p. 92.

3 O projeto do Código Civil, São Paulo: Saraiva, 1986, p. 9. Miguel Reale prefere denominar a autonomia privada de "poder negocial" que dá origem ao contrato, como expressão peculiar do normativo, que não é apenas legislativo, na seqüência do que ministrou Kelsen.

4 Op. Cit. p. 10.

5 Não é por acaso que um dos maiores teóricos do neoliberalismo, Frederick Hayeck, entende que a justiça social é o principal obstáculo a ser removido. Cf. Liberalismo: Palestras e Trabalhos, trad. Karin Strauss, São Paulo, Centro de Estudos Políticos e Sociais, 1994, p. 51. Em visão claramente maniqueísta, diz que "ao contrário do socialismo, deve ser dito que o liberalismo se dedica à justiça comutativa, porém não àquilo que se denomina justiça distributiva ou, mais recentemente, justiça ‘social’ ". Para ele, em uma ordem econômica baseada no mercado, o conceito de justiça social não tem sentido, nem conteúdo. No jogo econômico, somente a conduta dos jogadores pode ser justa, não o resultado.

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6 Para Menezes Cordeiro (Da boa-fé no direito civil, Coimbra: Almedina, 1997, p. 1234) a confiança exprime a situação em que uma pessoa adere, em termos de atividade ou de crença, a certas representações, passadas, presentes ou futuras, que tenha por efetivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e a sua tutela.

7 Cf. Luigi Mengoni, Spunti per una teoria delle clausule generali, in Il principio de buena fede, Milano: Giuffrè, 1987, p. 10.

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Sobre o autor
Paulo Lôbo

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Foi Conselheiro do CNJ nas duas primeiras composições (2005/2009).︎ Membro fundador e dirigente nacional do IBDFAM. Membro da International Society of Family Law.︎ Professor de pós-graduação nas Universidades Federais de Alagoas, Pernambuco e Brasília. Líder do grupo de pesquisa Constitucionalização das Relações Privadas (UFPE/CNPq).︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÔBO, Paulo. Princípios sociais dos contratos no CDC e no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -488, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2796. Acesso em: 23 dez. 2024.

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