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O Código de Defesa do Consumidor e o Direito Econômico

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Noções de direito econômico 3. O viés constitucional. 3.1. Fundamento e finalidade da ordem econômica constitucional. 4. O Direito do Consumidor. 4.1. Os elementos da relação de consumo. 5. Conclusão.


1.INTRODUÇÃO

Questão que tem suscitado acesa controvérsia nos meios jurídicos diz respeito à incidência ou não do Código de Proteção e Defesa do Consumidor às relações ditas de Direito Econômico, nomeadamente às de natureza bancária, financeira, securitária e de fornecimento de crédito.

O tema em discussão apresenta-se de extrema relevância e indiscutível atualidade, mormente diante da impetração, junto ao excelso Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2591/2001, pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif), que é representada pelo jurista Ives Gandra S. Martins.

Em apertada síntese pretende-se, com a prefalada ADIN, que deixem de ser consideradas "relações de consumo" as cadernetas de poupança, os depósitos bancários, os contratos de mútuo, os de utilização de cartões de crédito, os de seguro, os de abertura de crédito e todas as operações bancárias, ativas e passivas, sob a alegação de que o vício de inconstitucionalidade estaria na ofensa ao artigo 192 da Carta Magna, visto que a regulação do Sistema Financeiro Nacional seria matéria de lei complementar, e não do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, uma lei ordinária.

Com todo o respeito devido àqueles que sustentam posicionamento semelhante, o objetivo deste artigo é demonstrar, exatamente, o contrário, isto é, a absoluta inafastabilidade da incidência às relações jurídicas antes nomeadas do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Todavia, para chegar-se a tal conclusão impõe-se, em primeiro lugar, conhecer-se noções de Direito Econômico e de Direito Constitucional Econômico e, adequadamente, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, a sua origem e as suas finalidades.


2. Noções DE DIREITO ECONÔMICO

IEDO BATISTA NEVES, em seu Vocabulário Enciclopédico de Terminologia Jurídica e de Brocardos Latinos, vol. I, Ed. Forense, 1ª ed., 1997, p. 811, define Direito Econômico como o conjunto de regras que protegem as relações de ordem jurídica que resultam da produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas.

Diz-se que o Direito Econômico teria o seu nascedouro na década de 20, do século passado, após a Primeira Guerra, diante do desequilíbrio econômico que assolou o mundo, podendo-se conceituá-lo como o ramo do Direito que tem por objeto a regulamentação das atividades econômicas ocorrentes do mercado, estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas, através de uma política econômica de concretização dos ditames e princípios constitucionais. Propõe-se a ajustar os mutantes quadros sociais à economia, na medida julgada oportuna.

Caracteriza-se pela efemeridade e pela flexibilidade de suas normas. Efemeridade devido ao fato de que elas são, necessariamente, adstritas à ideologia de determinada constituição. Alterada ou substituída esta, acrescentando-se palpáveis modificações em termos ideológicos, consequentemente, mudam-se aquelas, para que, novamente, adequem-se à nova ordem.

As regras de Direito Econômico inspiram-se, como dito, na ideologia constitucionalmente adota e exprimem-se por meio das medidas de política econômica traçada.

Funcionam como fonte subsidiária para a concretização dos direitos assegurados constitucionalmente, dentre eles, os Direitos e Garantias Fundamentais, de onde destacamos a proteção e a defesa dos interesses dos consumidores (artigo 5º, XXXII).

No direito brasileiro, somente na Constituição da República de 1988 foi o chamado Direito Econômico nominal e positivamente incluído, conforme disposição do artigo 24 que declara, em seu inciso I, competir concorrentemente à União, Estados e Distrito Federal legislar sobre o mesmo.

Logo, a União é competente para o estabelecimento de normas gerais (artigo 24, §1º), cabendo aos Estados a competência suplementar em tais casos (artigo 24, §2º). Em não havendo normas gerais sobre determinado tema, os Estados exercerão competência legislativa plena sob suas peculiaridades (artigo 24, §3º), sendo a eficácia da lei estadual suspensa quando da superveniência de legislação federal (artigo 24, §4º).

O Direito Econômico busca, portanto, harmonizar as medidas de política econômica públicas e privadas, através do princípio da economicidade, com a ideologia constitucionalmente adotada.

Cumpre esclarecer que o princípio da economicidade é aquele segundo o qual se busca a concretização dos objetivos constitucionalmente traçados por uma linha de maior vantagem, isto é, da forma mais viável possível para o suprimento de determinada necessidade, seja esta de que ordem for, não apenas patrimonial mas, também, social, política, cultural, moral. Destarte, o sentido do termo economicidade é muito mais amplo do que seu significado simplesmente econômico, ligado, intrinsecamente, à idéia material de lucro, de finanças.

É, pois, imprescindível que essa maior vantagem seja adequada aos objetivos e princípios constitucionalmente definidos. Logo, em não sendo possível conciliar aquilo tomado como certo, no sentido econômico, com o considerado justo, em sentido jurídico, deve prevalecer este, visto que a linha de maior vantagem é pautada em termos do valor justiça [1].

Importa realçar que na presente Constituição os elementos componentes da atual ideologia econômica encontram-se, em sua maior parte, reunidos no Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, nada obstante haja disposições esparsas em outros trechos do texto constitucional.


3. O VIÉS CONSTITUCIONAL

O Direito Constitucional Econômico é o ramo do Direito Público consubstanciado na interpretação e na sistematização dos princípios e normas constitucionais fundamentais para a atividade econômica, capazes de vincular todo o ordenamento infraconstitucional derivado.

Pois bem. A atual Constituição, desbragadamente, adotou a garantia do exercício dos direitos sociais e individuais como valores supremos; da cidadania e da dignidade da pessoa humana como fundamentos; da defesa dos interesses dos consumidores como direito e garantia fundamental do cidadão e princípio da ordem econômica e financeira; da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais como objetivos fundamentais e, finalmente, a prevalência dos Direitos Humanos como princípio.

Como é de sabença geral, os princípios constitucionais têm uma função tanto positiva quanto negativa. Esta se manifesta na proibição de emanar normas ou de praticar atos que os contrariem. Constituem restrição imposta à atuação do Estado, cuja liberdade, nesse particular, se encontra rigorosamente circunscrita.

Em conseqüência, qualquer atitude que, na prática, importe em negar validade a princípio constitucional caracteriza violação da própria Constituição.

Por outro lado, a função positiva resulta na aptidão que revelam para informar, materialmente, os atos do poder público e, por isso, requerem a adoção dos meios necessários para concretizá-los.

O Direito Econômico há de funcionar, destarte, como instrumento para que tais metas sejam alcançadas e cumpridas, visto que é somente através dele, com suas normas, regras, institutos e características próprias que se pode fazer uma regulamentação jurídica da política econômica a ser adotada para que se concretize a ideologia assumida pela Constituição.

Nessa ordem de idéias, é o Direito Econômico o meio, o mecanismo através do qual se torna possível a concretização, a fruição e o exercício dos Direitos Sociais.

Bem ao contrário do que se propugna com a ADIN antes mencionada, somente através da regulamentação de medidas de política econômica é que se possibilita coibir a concentração de empresas, o monopólio de mercado, a formação de cartéis e outras formas de abuso do poder econômico, fatos que geram uma suscetibilidade muito grande do consumidor em relação aos interesses privados. Tratam-se de situações contrárias ao direito social de proteção e defesa dos interesses daquele que, inegavelmente, se constitui o elemento mais frágil da relação econômica – o consumidor.

Os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores impedem, por parte do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado, a execução de atos que não garantam os interesses daqueles (função negativa). Assim sendo, a legislação infraconstitucional deve guardar plena harmonia com os princípios supramencionados, valendo-se o Estado dos meios de que dispõe para buscar a sua realização (função positiva). Quando isso não acontecer, a norma inferior é inconstitucional, fato que a torna insuscetível de aplicação a um caso concreto.

3.1. FUNDAMENTO E FINALIDADE DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

Dispõe o artigo 170, da Constituição da República de 1988, que "a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social".

Consagra-se, assim, uma economia de mercado, de natureza capitalista que, nada obstante isso, deverá dar prioridade aos valores do trabalho humano e com vistas a alcançar a justiça social. Logo, a liberdade econômica não é absoluta. Ela é garantida até onde o fundamento e a finalidade da ordem econômica não sejam ameaçados.

Tem-se entendido que o Sistema Financeiro Nacional, a teor do disposto no artigo 192, caput, da Constituição estaria a depender de regulamentação por lei complementar e, assim, afastado da incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, já que lei ordinária.

Tal posicionamento atende às expectativas das instituições financeiras. A esse respeito, insignes juristas, dentre os quais HELY LOPES MEIRELLES, CAIO TÁCITO, FREDERICO MARQUES, MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, CELSO BASTOS, IVES GANDRA, ROSAH RUSSOMANO e JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, emitiram pareceres à Federação Brasileira das Associações de Bancos, consolidados na Revista de Direito Público nº 88, outubro-dezembro/88, p. 147 a 189 e Revista de Direito Público nº 89, janeiro-março/89, p. 63 a 86, deixando consignada a necessidade de regulamentação do Sistema Financeiro Nacional através de lei complementar, incluindo-se aqui os juros constitucionais.

Nada obstante isso, importa esclarecer que tais pareceres estão marcados por uma sensibilidade exclusiva à época inflacionária (chegando o Prof. CELSO BASTOS a proclamar a liberdade do campo econômico nesse ponto), procurando integrar o dispositivo, sob o aspecto formal, dentro da imprescindibilidade de regulamentação do Sistema Financeiro.

Em que pese a respeitabilidade latente dos pareceristas, não há como se negar que a base social de aplicação do dispositivo alterou-se sensivelmente em relação à época de suas doutrinas, não mais subsistindo os fatores econômicos que poderiam justificá-las.

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Além disso, imperioso se torna observar que existem conteúdos materiais específicos no artigo 192, vinculativos (função positiva) da regulamentação infraconstitucional e do estrato social dinâmico, nada obstante exista o esforço dos eminentes juristas antes citados na demonstração do contrário.

Em exata contraposição, enfileiram-se aqueles que creditam auto-aplicabilidade mínima às regras emanadas do prefalado artigo 192 (sobretudo na limitação dos juros no percentual de 12% ao ano).

Apesar de ainda ser minoritária, representada pelos Ministros dissidentes nos acórdãos do STF (Ministros CARLOS MARIO DA SILVA VELLOSO, PAULO BROSSARD, NÉRI DA SILVA e MARCO AURÉLIO MELLO), pelos Tribunais gaúchos e pelo nosso próprio Tribunal de Justiça, em inúmeras oportunidades, juízes cariocas e paulistas de primeira instância, entre tantos outros, essa segunda corrente tem se disseminado pelas fontes de direito, exatamente por representar interpretação mais consistente e consciente da realidade monetária nacional.

Diga-se que as chamadas normas constitucionais de eficácia principiológica programática, também conhecidas por não auto-executáveis ou de eficácia limitada, conceito pacificado na doutrina, são normas integrantes da unidade constitucional e que carecem de regulamentação específica de seu conteúdo, de forma a alcançar ampla aplicabilidade concretizada.

Fixam, outrossim, mais do que comandos-regras, também comandos-valores subsumidos em princípios vinculadores do legislador e até mesmo dos particulares adstritos a suas proposições limitadas.

Nesse sentido, entendimento dos constitucionalistas JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo II. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1988. p. 219 e 220 e J.J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 5ª ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 190, que, em seu gênio, preceitua:

"Como directivas materiais permanentes, elas vinculam positivamente todos os órgãos concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração em qualquer dos momentos da actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição)".

Deve-se frisar, antes de mais, que o grande debate está nos efeitos possuídos por essa espécie de norma constitucional e a dimensão exegética sem a necessária regulamentação.

Apesar de ser da essência de sua eficácia contida a regulamentação por norma infraconstitucional, o dispositivo programático traça limites de ordem pública que deverão ser obedecidos pelas bases sociais, necessariamente, mesmo que não exeqüível a norma por si mesma. Assim se posiciona ADRIANO KALFELZ MARTINS, Dos Efeitos das Normas Constitucionais Programáticas, Revista dos Tribunais, vol. nº 715 - maio de 1995 - p. 7.

"Precisamente por isso", leciona CANOTILHO, "e marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve dizer-se que hoje não há mais normas constitucionais programáticas. Existem, é certo, normas-fim, normas tarefa, normas programa que impõem uma atividade (...) Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição". (op. cit., p. 190).

Afirma-se, com JOSÉ AFONSO DA SILVA:

"Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes: I - estabelecem um dever para o legislador ordinário; II - condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; III - informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; IV - constituem um sentido teleológico para a interpretação e aplicação das normas jurídicas; V - condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; VI - criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem" (Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: RT, 1968. p. 150).

De tudo o que se expôs, forçoso concluir que as normas do artigo 192, da Constituição comportam, em geral, a seguinte análise:

a) o dispositivo é, tanto quanto possível, auto-aplicável, bastando-se por si na qualidade de diretiva material permanente, e regulamentação prescindem as partes não alcançadas pelas legislações recepcionadas pelo texto constitucional;

b) admitindo-se, para argumento, a necessidade de regulamentação, deve-se obtemperar que a Constituição delimitou, clara e explicitamente, o campo de atuação do legislador infraconstitucional;

c) também para argumentar, ainda que programático, o dispositivo tem conteúdo limitativo e eventual descumprimento de suas determinações genéricas culminaria na declaração de sua inconstitucionalidade.

Nesse último sentido, aliás, foi o posicionamento dos Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO nos julgamentos da ADIN 4-7/DF e do MI nº 361-0-RJ, sendo que, neste último, com a adesão do Min. ILMAR GALVÃO, deferiu-se o mandado de injunção, fixando-se a taxa de juros reais, ao caso apresentado, em 12% ao ano, aos quais nos reportamos.

Em síntese, no que pese o entendimento de alguns no sentido da necessidade de lei complementar a regulamentar o Sistema Financeiro Nacional, ainda assim, o legislador infraconstitucional não poderá dispor contra os princípios que emanam da própria Constituição, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Observando o Código de Proteção e Defesa do Consumidor os princípios antes expostos, certo é que nenhum texto legal, ainda que derivado de lei complementar, poderá suplantá-los os obscurecê-los; daí, porque, não há coerência ou sentido buscar-se o afastamento da incidência da Lei nº 8.078/90 às instituições componentes do Sistema Financeiro Nacional eis que, antes de prejudicá-las, pretende a legislação consumeira melhorar-lhes a prestação de serviços, de tal sorte que sejam cumpridos os objetivos constitucionalmente traçados.


4. O DIREITO DO CONSUMIDOR

Sensível às transformações operadas na sociedade, a Carta Política de 1988 agasalhou a proteção jurídica do consumidor, incorporando em suas normas programáticas as recentes tendências do direito público moderno, consubstanciada no inciso XXXII do artigo 5º, in verbis: " O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."

Importante passo estava sendo dado pelo legislador constituinte e, mais tarde, viria a lume a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida que ficou como o Código de Defesa do Consumidor.

Este diploma legal - tão criticado, quanto aclamado - constitui-se em poderosa ferramenta de cidadania. Estabelece normas de proteção e defesa daquele que se reconheceu como sendo a parte vulnerável em uma relação de consumo: o consumidor.

Estabelece normas de ordem pública e interesse social, de onde se percebe a dimensão coletiva que se pretendeu dar à nova lei. Estabelece regras e princípios adequados à realidade presente, ao momento de relevantes transformações sócio-econômicas operadas em todo o mundo.

A Constituição da República de 1988, assim como o fizeram outras constituições [2], notadamente a da Espanha [3] e a de Portugal [4], reconhecendo e assimilando essas novas tendências mundiais, e pela primeira vez entre nós, elevou à condição de princípios constitucionais a proteção jurídica aos interesses do consumidor. Nela, o nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor tem as suas origens.

O artigo 5º, da Constituição da República de 1988, que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, traz estampado, em seu inciso XXXII, a necessidade de se promover a defesa do consumidor.

Trata-se de cláusula pétrea, a indicar o intuito do legislador no trato da matéria.

Adiante, em seu artigo 170, inciso V, eleva a defesa do consumidor a princípio geral da ordem econômica, atribuindo a tal princípio, portanto, o mesmo status conferido aos princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da livre concorrência, entre outros.

Os direitos do consumidor, assim, são direitos constitucionalmente assegurados aos cidadãos. A preocupação do Estado com o ideal implemento desses princípios revela-se no artigo 48, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, onde o legislador constituinte, de maneira clara, estabeleceu um prazo para que o legislador ordinário elaborasse o Código de Defesa do Consumidor.

Não se controverte, destarte, que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, posto que lei ordinária, tem nítida vocação constitucional, uma vez que resulta de expressa determinação e para dar eficácia a disposições da Constituição da República.

Sua principal finalidade, no nosso entendimento, não é privilegiar este ou aquele sujeito que participa da relação jurídica de consumo. Ao revés, visa a estabelecer um equilíbrio entre esses mesmos sujeitos e, na medida em que reconhece a vulnerabilidade e a hipossuficiência, em sentido amplo, do consumidor, coloca ao seu dispor institutos e instrumentos que lhe garantirão as efetivas e integrais prevenção e reparação dos danos que lhe tenham sido causados pelo fornecedor de produtos ou serviços.

Fundamenta-se, portanto, no princípio maior da igualdade entre todos. Igualdade de oportunidades, igualdade de tratamento.

Logo, a constatação do forte desequilíbrio da relação contratual entre fornecedor e consumidor impôs a implementação de medidas que, a nosso ver, devem ser estendidas a toda e qualquer relação jurídica.

Eis, a nosso sentir, a ratio essendi do Código de Proteção e Defesa do Consumidor: este Código existe justamente porque o consumidor é vulnerável e, não por acaso, o reconhecimento dessa vulnerabilidade (especialmente sob o aspecto técnico) constitui o princípio primeiro a orientar a Política Nacional das Relações de Consumo, inscrito no artigo 4º, da Lei nº 8.078/90.

Alguns autores tentam atribuir ao Código de Proteção e Defesa do Consumidor caráter de lei geral e, por isso, não incidente sobre áreas objeto de regulamentação por leis específicas. Alguns outros ponderam ter ele criado um minissistema jurídico, com campo de atuação definido e delimitado, tal qual determinadas leis especiais, como, por exemplo, as leis de locação de imóveis urbanos, falências, registros públicos, entre outras.

Sem embargo das doutas posições antes referidas, a que melhor parece atender às exigências da novel legislação é a dos autores que entendem o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como criador de um novo ramo do Direito – o Direito do Consumidor, com autonomia e princípios próprios [5].

Partilhamos da posição do insigne e emérito professor SERGIO CAVALIERI FILHO que concebe o Código de Proteção e Defesa do Consumidor como uma "sobre-estrutura jurídica multidisciplinar, aplicável em toda e qualquer área do direito onde ocorrer uma relação de consumo" [6], justamente em razão da dimensão coletiva que assume, vez que composto por normas de ordem pública e de interesse social.

A Lei nº 8.078/90, em verdade, tem vocação constitucional, que materializa princípios contidos dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, XXXII, CR/88) e os da ordem econômica e social (art. 170, V, CR/88).

Suas normas, como dito, são de ordem pública e de interesse social versando, assim, sobre direitos indisponíveis, a ensejar a sua observância de ofício. Recaem sobre um tema que se considera direito e garantia fundamental do cidadão [7]. Visam à equiparação dos sujeitos que integram uma relação jurídica de consumo, visto reconhecer a vulnerabilidade e a hipossuficiência, lato sensu, do consumidor diante do fornecedor, em um mundo globalizado e em uma sociedade absolutamente tomada por relações contratualizadas.

Destarte, se já seria um absurdo tentar-se limitar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor apenas às relações nele descritas - o que, na realidade, comprometeria não somente a sua estrutura básica senão, e acima de tudo, a sua correta aplicabilidade – o que se dirá da tentativa de esvaziar-lhe o conteúdo, conforme se pretende com a ADIN mencionada antes.

Oportuno o magistério do professor JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, quando afirma que

"a expressão defesa do consumidor posta no texto constitucional, em três oportunidades, tem uma abrangência maior do que as da sua significação etimológica e não possui significado autônomo. Ela está vinculada a um momento histórico vivido pela Nação que, ao ser analisado pelo jurista, revelou a necessidade de se proteger as relações de consumo, como já vinham fazendo, desde muito tempo, outras Nações. Os referidos vocábulos, compreendidos de forma vinculada e sistêmica, expressam uma realidade presente na universalidade formada pelos fatos e que necessita ser regulamentada. Os efeitos a serem produzidos pela irradiação de suas forças não podem sofrer limitações, sob pena de se restringir, sem autorização constitucional, a sua real eficácia e efetividade. O sentido dessa normatividade constitucional é, portanto, de defender, em toda a sua extensão, o consumidor, protegendo-o, em qualquer tipo de relação legal de consumo, de ações que desnaturam a natureza jurisdicional desse tipo de negócio jurídico [8].

4.1. ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Os elementos da relação de consumo foram, por precaução de legislador e visando a dar maior efetividade à aplicação das normas jurídicas elaboradas, definidos pela lei consumeira. Ironicamente, essa postura de definir em lei os prefalados elementos é, hoje, o pomo da discórdia no que se refere ao âmbito de incidência do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, notadamente no que se refere aos conceitos de fornecedores e de serviços.

Veja-se que entre as principais inovações da legislação consumeira está a formulação de um conceito amplo de fornecedor - ao contrário do que acontece com a definição de consumidor, contida no artigo 2º, caput, nitidamente restritiva - que inclui todos os agentes econômicos que atuam, direta ou indiretamente, no mercado de consumo, produzindo, distribuindo, comercializando produtos e serviços abrangendo, de maneira expressa, as operações de crédito, de financiamento, bancárias e securitárias – artigo 3º, caput e seu §2º.

Resta cristalino, portanto, que, por expressa disposição legal, as atividades bancárias, securitárias, de fornecimento de crédito e de financiamento estão, inexoravelmente, subsumidas ao regime jurídico do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, nada obstante seja compreensível o espanto que cause a alguns a designação de serviços a certos negócios jurídicos bancários, como o contrato de mútuo, por exemplo.

Esclareça-se, de imediato, que o sistema da legislação consumeira não utiliza as definições de bem consumível do Código Civil, nem a definição econômica deste "insumo" mas, como lembra CLAUDIA LIMA MARQUES [9], por todos,

"inclui todos os bens materiais e imateriais como produtos lato sensu e, especialmente, um sistema que não especifica os tipos contratuais utilizados, mas sim a atividade em si e geral dos fornecedores, a lógica [do sistema do CDC] está em que o "produto" financeiro é o crédito, a captação, a administração, a intermediação e a aplicação de recursos financeiros do mercado [são] para o consumidor e que a caracterização do fornecedor vem da operação bancária e financeira geral oferecida no mercado e não só dos contratos concluídos".

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Sobre os autores
Werson Franco Pereira Rêgo

juiz de Direito no Rio de Janeiro

Oswaldo Luiz Franco Rêgo

economista e advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Werson Franco Pereira ; RÊGO, Oswaldo Luiz Franco. O Código de Defesa do Consumidor e o Direito Econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2801. Acesso em: 2 nov. 2024.

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