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O Poder Ministerial

12/10/1997 às 00:00
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1. O sistema constitucional gerado a partir de outubro de 1988, alavancou o Ministério Público à condição de função essencial à Justiça; todavia, em verdade, foi muito além, pois, de forma cirúrgica, transmudando aquela instituição (antes mera procuradoria de interesses estatais, ou seja, um micro-poder), potencializou-a alfim de viabilizar a realização da democracia e do Estado do bem-estar social ("welfare state") .

2. Cumpre destacar, em realidade, atua a Instituição como garante da própria Constituição Cidadã - via interposição de ações de inconstitucionalidade (art. 103, VI) e representação interventiva (art. 36,III c/c o art. 34, VII e art. 129, IV), desta detendo o monopólio.

3. Por outra raia, a disseminação de Curadorias (conveniente chamá-las pela locução Promotorias-Especializadas, para melhor assimilação da clientela) está em perfeita sintonia com o projeto medular constitucional , qual seja , indiscutivelmente o interesse público primário (Alessi) : o bem-comum, fundado na promoção dos direitos fundamentais do homem e redução das desigualdades sociais e regionais (art. 1º., II e III c/c o art. 3º. I/IV, da C.F.).

5. Sobremais, potencializa em bem sucedidas intervenções extraprocessuais a composição de litígios, a reparação de danos, em síntese, a pacificação social prescindido assaz de vezes de pôr em marcha a engrenagem judiciária, promovendo de forma distinta e independente, Justiça lépida. (art. 585, II, do CPC).

6. De observar-se, que a "mens constitutionis" ao reconhecer o Ministério Público como a Instituição capaz de promover necessária catarse social - hábil a liberar forças comunitárias represadas - avalizou-lhe acendrada interferência no processo de sedimentação democrática da nação brasileira. Todavia, a bem refletir, não o fez aleatória e desavisadamente.

7. No tangente, oportuno imbricarmos "vexata questio ", pertinente à categorização do Ministério Público, no âmbito da clássica divisão dos poderes estabelecidos, vez que se busca uma identidade, quiçá um rosto , decerto distinto das feições do Legislativo, do Executivo e do Judiciário - na dimensão em que o atual destaque constitucional conferido à Instituição, empresta colorido mais adequado e consentâneo aos seus atributos e misteres - como ainda, ao ensejo de contra-estimular virtual tendência volitiva da Administração Pública, é dizer, do Executivo, de podar e açambarcar o "Parquet", se possível, reconduzindo-o à comportada e limitada função de "amicus curiae".

8. Vale ressaltar que atualmente a maioria dos doutos já cuidou de tentar retirar do Ministério Público qualquer pretensão de qualificar-se como um dos poderes estatuídos, pois, segundo racionalizam, a lume da clássica divisão tripartite de Montesquieu, não lhe sobeja qualquer espaço, classificando-o (natureza jurídica), simplesmente, como "instituição vinculada ao Poder Executivo, funcionalmente independente" (cf. José Afonso da Silva, "in" Curso de Direito Constitucional Positivo - 11ª Edição - Ed. Malheiros - Pág. 554).

9. Permissa maxima venia, assinalamos discordar, porque não se nos parece convincente o asserto, vez que descura do "telos" insofreável da atuação ministerial : como Poder, reforçar o equilíbrio social e dar conseqüência aos injuntivos constitucionais, mediante fiscalização do plexo normativo em vigor, bem como, dos demais poderes .

10. Também, d.m.v., sequer explica qual o sentido finalístico de permanecer a instituição doutrinariamente algemada (vinculada - logo, mantido certo grau de subserviência autárquica ) ao Executivo, suportando angustiante perplexidade, conduzida por renitente interpretação gramatical da "Lex Legum" (art. 2º) .

11. Nesta quadra, ao ensejo de capturarmos a verdadeira identidade social e política da instituição (que não pode ser alheada de uma perspectiva ontológica) , dentro das balizas constitucionais e com olhos lançados para o futuro, passamos a tecer as seguintes considerações.

12. Primeiramente, há mister denotar, que a classificação trídua tem por nota forte conteúdo formalístico, pois matizada em timbre histórico de fôlego (verdadeiro dogma), servindo de paradigma ao modelo constitucional encravado no Título IV ("Da Organização dos Poderes" - arts. 44 "usque" 135) a implicar , é bem de ver, em destacada conseqüência de ordem psicológica, é dizer : não sofrem os poderes enumerados qualquer crise de identidade, a significar na prática uma intensa assimilação do público com os seus misteres, diferentemente do que ocorre com o Ministério Público, constantemente confundido pelo "homo medius" com o Poder Judiciário; e, insistentemente, tido pela "communis opinio doctorum", como alter ego do Executivo.

13. A segundo, adotamos como premissa nuclear, a intelecção de que o Ministério Público é um contrapoder, uma instituição montada sobre uma espécie de artefato jurídico argamassado por dispositivos constitucionais (arts. 68, parágrafo 1º, I ; 85, II; 127 a 129; e 168, dentre outros) e infraconstitucionais (Lei Complementar 75/93, Leis ordinárias nr. 7.347/85, 8.625//93, etc ).

14. Veja-se, não se pretende descategorizar o "Parquet" como "Função Essencial à Justiça". Apenas, o que se deseja encarecer é que não se limita ele a essa classificação ancilar. É bem mais do que isso.

15. Diga-se mais, não guarda identidade, sequer similitude com as demais nobres instituições locadas no Capítulo IV.

16. Em sincronia , cumpre estremar as notáveis funções do Advogado ( seja quando atua a prol da União, do pobre , ou do aquinhoado - arts. 131/134 ), da atuação ministerial em Juízo : esta, terá sempre a marca da indisponibilidade do direito ou interesse, qualificando-os.

17. Conseguintemente, a proteção de hiposuficientes (consumidor, inclusive), do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos é , dentro de uma perspectiva deontológica, graças à ação ou intervenção do "Parquet" - vigorada , potencializada .

18. Assim, não há heresia em se afirmar que da moldura ideológico-legal especificada pela legislador primário não aberra da razão encontrarmos o Ministério Público talhado no título "Da Organização dos Poderes", inda que sob a rubrica emprestada ao Capítulo IV ("Das Funções Essenciais à Justiça"), máxime quando os "preceitos constitucionais devem ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente, a fim de colher-se seu verdadeiro significado" (Canotilho, J.J. Gomes, Moreira, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra - Coimbra Editora, 1991 - Pág. 136).

19. Deveras, imprescindível que se interprete escorreitamente o art. 127, "caput", da Lei Suprema, cuja clara dicção explica que o Ministério Público é instituição permanente "essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica", como também , principalmente , incumbe-lhe a defesa "do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

20. Nesse tópico, de ver-se, da leitura textual do predito dispositivo, parece claro a todas as luzes , que, e.g., a atividade ministerial de defesa do regime democrático não se reduz ao conceito de função essencial à Justiça, máxime quando é axiomático que a noção de Justiça, ou mesmo de função jurisdicional, não é imanente à de regime político.

21. São os princípios, deveres, garantias e funções institucionais que lhe foram atribuídos (é conferir o extenso rol engastado nos parágrafos 1º a 3º do art. 127; alíneas "a"/ "c", do inciso I, do art. 128; e , incisos I, II, III, IV, VI, IX do art. 129, em cotejo com os arts. 36,III e IV, 34, VII, 103, VI , 226/232 e legislação subprimária, recepcionada ou superveniente), a conformar coeso sistema , que o erigem e o exalçam à categoria de Poder.

22. Ora, onde há ordem , onde existe um sistema ("disposição das partes ou elementos de um todo, coordenados entre si, e que funcionam com estrutura organizada" , cf. Dic. Aurélio, pág. 1308), não pode haver interpretação estanque, literal, sob pena de se instalar o caos. A constituição não se interpreta em tiras.

23. Merece registro, que na feliz expressão de Fritz Berolzheimer ("in", Die Gefahren einer Gefühlsjurisprudenz, 1911, p.19) a exegese literal representa indubitável processo de "ossificação do Direito".

24. De cabedal relevo, trazermos à colação, breve excerto do nunca assaz citado Carlos Maximiliano, "in verbis":

"Consiste o Processo Sistemático em comparar o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.
Por umas normas se conhece o espírito das outras...Em toda ciência, o resultado do exame de um só fenômeno adquire presunção de certeza quando confirmado, contrasteado pelo estudo de outros, pelo menos dos casos próximos, conexos; à análise sucede a síntese; do complexo de verdades particulares, descobertas, demonstradas, chega-se até à verdade geral...Cada preceito, portanto é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço."

(In: Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense - 14ª Edição - 1994 - Pág. 128)." Grifei.

25. Demais disso, como é sabido o poder político congrega três características fundamentais: unidade , indivisibilidade e indelegabilidade (cf. José Afonso da Silva, op. cit. pág. 108). Todas, além da autonomia e independência funcional, imanentes ao Ministério Público, que, ainda foi agraciado com quinhão da soberania do Estado (art. 129, I - "São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei").

26. Também é assente o princípio do Promotor Natural, verdadeira garantia "do princípio da independência que passa , necessariamente, pela predeterminação por lei do membro do MP que deverá oficiar em determinado processo específico , e , portanto, da existência de um promotor natural para cada causa" (Paulo Cézar Pinheiro Carneiro, "in" O Ministério Público no Processo Civil e Penal" - Editora Forense - 5ª Edição - 1994 - Pág. 55).

27. Nesse norte o Plenário da Corte Suprema reconheceu , por maioria

"o postulado do Promotor natural, que se revela imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir da vedação de designações casuística efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do acusador de exceção . Esse princípio consagra , uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger o membro do Ministério Público, na medida em que lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício, quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor cuja intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas da independência funcional e na inamovibilidade dos membros da Instituição"
(HC nº 67.759/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ, 150/123. No mesmo sentido: HC 74.052-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, 20-08-96, Informativo STF - nr. 41, 2808/96). Grifamos.

28. De destacar-se, também, a reforçar o roteiro que estamos traçando, o direito posto em o art. 85, II, da Constituição da República, forte em demonstrar que assim como há preceitos constitucionais implícitos, não desborda de uma interpretação conforme à Constituição (Verfassungsinterpretation) , o reconhecer uma equipolência entre o Ministério Público e os outros poderes, a merecer transcrição porque revelador ao anunciar, "in litteris"

"São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I - "omissis";
II- o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação."

(Grifei).

29. Sói ocorrer que, no âmago, somos todos tradicionalistas (para Baruch Spinoza "Tudo, desde que esteja em si mesmo, esforça-se por persistir em seu próprio ser" - "in" Ética); identicamente o legislador constituinte originário, quando, após armar a Instituição de todos os requisitos típicos de um poder político-institucional , alçando seus membros ao patamar de agentes políticos, dotados de garantias inconcedidas até mesmo aos agentes legislativos e administradores públicos, simplesmente olvidou encartá-la na divina trindade engastada no art. 2º do Texto Magno.

30. Todavia, inelutavelmente, como vimos de ver, conferiu-lhe os pré-requisitos de Poder, cabendo ainda realçar : a iniciativa do processo legislativo, bem como da proposta orçamentária (arts. 61, 127, Parágrafos 2º e 3º, 128, parágrafo 5º), possuindo quadro de pessoal próprio e serviços auxiliares .

31. Ora, como é cediço o Poder é uno e emana do povo. A divisão desse Poder advém de opção legislativa (originária). E, ao fatiar o Poder o constituinte sofreu os influxos do sistema de Montesquieu.

32. Contudo, como não podia , nem devia se afastar da realidade social peculiar ao nosso País viu-se o legislador compelido a ungir de inúmeros poderes determinada instituição, como forma de instrumentalizar não só a execução escorreita das leis, mas, fundamentalmente, ao intento de imprimir alento às modificações e transformações alvitradas pela Constituição - via potencialização da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, dos direitos fundamentais e do regime democrático - como também, e, não isoladamente, como forma de salvaguardar a própria Carta Suprema (atividade político-jurídica) e seu ideário.

33. Consoante percucientemente anotado por Alexandre de Morais - em obra indispensável ao jurisperito - a Constituição da República operou , implicitamente, substancial alteração da coeva Teoria da Tripartição. É conferir:

"Note-se , que nos referimos às garantias dos Poderes Legislativos , Executivo, Judiciário e da Instituição do Ministério Público, uma vez que se assemelham em virtude da autonomia e independência e finalidades constitucionais. Além disto, exercem todos funções do Estado, dentro de uma visão mais contemporânea das funções estatais, que reconhece o Estado constitucional de direito assenta-se na idéia de unidade, pois, o poder soberano é uno, indivisível, existindo órgãos estatais , cujos agentes políticos têm a missão precípua de exercerem atos de soberania.
"Esta opção do legislador constituinte em elevar o Ministério Público a defensor dos direitos fundamentais e fiscal dos Poderes Públicos , alterando substancialmente a estrutura da própria Instituição e da clássica teoria da Tripartição de Poderes, não pode ser ignorada pelo intérprete, pois se trata de um dos princípios sustentadores da teoria dos freios e contrapesos de nossa atual Constituição Federal

(In, Direito Constitucional, Ed. Atlas - São Paulo - 1997 - Pág. 281). Grifei.

34. Logo, o Ministério Público em seu atual perfil constitucional está vocacionado, sobretudo, à defesa da manutenção da competência originária dos demais poderes, atuando de forma a acomodar o necessário equilíbrio de suas forças vetoras (checks and balances).

35. Assim, trata-se, deveras, de um Poder remanescente, residual (isto é, não declarado no art. 2º da Constituição da República, conquanto elencadas suas finalidades, funções e princípios nos inúmeros dispositivos retrocitados), vez que os demais Poderes foram explicitamente enumerados e nominados.

36. Não haveria sequer sombra de lógica atribuir vasto plexo de poderes a uma Instituição, com o claro objetivo de viabilizar e fomentar imprescindível equilíbrio às forças antagônicas imanentes ao Estado - perseguindo metas democráticas e sociais - e, no vértice do mesmo raciocínio, desqualificar aquele organismo , inferindo-o fâmulo das forças do executivo.

37. Logo, não há, à evidência, e a lume da Carta Magna, por onde falar-se em quase-poder, mormente quando segundo a doutrina mais avisada "a divisão tripartite do Poder é antes política e pragmática que científica" (cf. Hugo Nigro Mazzili, in O Ministério Público na Constituição de 88 - Ed. Saraiva - 1989 - Pág. 44).

38. De sua vez , o eminente e respeitado publicista, Prof. Carlos Brito, em brilhante e elucidativa palestra proferida durante o II Congresso do Ministério Público do Nordeste, realizado na cidade de Fortaleza/CE, dogmatizou:

"Não é necessário que o Ministério Público seja um Poder para que nos orgulhemos dele e para que reconheçamos o papel eminente que a constituição lhe reservou. Acontece que nas linhas da Constituição efetivamente o Ministério Público não é poder. Nas entrelinhas, porém, não há como negar ao Ministério Público a condição de não-órgão do Poder, mas órgão-Poder...Nas entrelinhas, no espírito da Constituição , na alma da Constituição se chega a essa clara inferência de que o Ministério Público é um Poder estatal, porque os elementos constitucionais que dão a cada Poder a sua configuração, a sua identidade, estão presentes no Ministério Público...O Ministério Público não precisa de lei. Ele atua imediatamente os comandos constitucionais, ele de ofício aplica a própria Constituição e na técnica jurídica isso se chama governar". (Grifei).

39. A outrotanto, não versa o "thema" em descortino, como já se quis transparecer, de questão supérflua e risível, de interesse meramente teórico. A asserção tem por conta o constante embate das forças sociais; tem por nota diferenciadora, a própria sobrevivência do Ministério Público e o seu devir.

40. Mais, implica em reafirmar para o futuro, a construção e sedimentação de um Estado Democrático-Social justo, meta-mor de uma Constituição dirigente .

41. De feito, dentro de balizas hermenêuticas (interpretação sistemática, a cindir com a rígida literalidade do art. 2º), não há despistar, o Estatuto Político Supremo , criou a partir de um micro-poder (sub-poder)(cf. Microfísica do Poder - Michel Foucoault - Ed. Graal 8ª Edição), um novel Poder: O Poder Ministerial .

42. De lembrar-se, em expressão muito feliz, o festejado publicista Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra seminal, apostilou: "O poder é meramente a contraface do dever" (Curso de Direito Administrativo - Ed. Malheiros - 6ª Edição - 1995.) E de deveres e obrigações é de que fala a Constituição, quando relata o papel do Ministério Público.

43. Em suma, trata-se de um contrapoder volvido e vocacionado à defesa da cidadania (muito além da defesa do cidadão) e da sociedade , freqüentemente violadas ou ameaçadas pela ação das demais Forças Políticas, intervindo, outrossim , sempre e quando Interesses Públicos e Princípios Constitucionais sejam malferidos.

44. Contemporaneamente, as diversas funções precípuas de cada um dos poderes imbricam-se umas nas outras ("colaboração de poderes"), e de tal forma, que igualmente o Judiciário e o Legislativo exercem atividade administrativa.

45. Vincular o Ministério Público ao Poder Executivo (hipersufiente), "rogada maxima avenia", constitui atecnia não só pela discrepância de funções e atribuições capitais entre o "Parquet" e aquele Poder, como também, devido ao distanciamento tópico entre ambos (o Executivo embutido no Capítulo II ; o Ministério Público , no Capítulo IV: todo o Poder Judiciário a afastá-los). De lembrar-se que Carta anterior, sim, localizava o "Parquet" topograficamente nas balizas do executivo.

46. De outro turno, não padece dúvida, o Ministério Público não mais integra a Administração Federal ou Estadual. Nesse sentido asseverou Hely Lopes Meirelles, "ipsis litteris":

"O Ministério Público foi retirado das Procuradorias Judiciais porque o art. 129, IX, da C.F. veda-lhe a ´representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas´. Essa regra, combinada com as inseridas nos arts. 127 a 129 da Carta Federal, deixa patente que o Ministério público não mais integra a Administração Federal, sendo , hoje, órgão constitucional, funcionalmente independente, que atua junto a todas as Justiças em que se debatem interesses da sociedade."
(in, Direito Administrativo Brasileiro - Editora Malheiros - 18ª. Edição - Pág. 657). Grifo nosso.

47. A expressa vedação ao Ministério Público do exercício de funções representativas de entidades públicas, só vem confirmar a nítida e incontrastável intenção da Constituição de desvincular a Instituição, por completo, de qualquer atividade atrelada ao Poder Executivo, máxime por não desempenhar atividade tipicamente administrativa.

48. Órgão-Poder, órgão Constitucional, "tertium genus" todas essas expressões perseguem um único norte, trilham uma única rota : explicar o enquadramento de um novel Poder na experiência jurídica pátria.

49. O regime jurídico do "Parquet", confortado no enquadramento político da instituição na categoria de Poder (só um Poder pode atuar como contrapoder), e nas ações pontuais e ganglonarmente distribuídas de cada Promotor de Justiça; bem como, em múltiplas esferas de atuação (M.P. dos Estados e da União), defendendo a cidadania, a democracia e a "res publica", confere ao Ministério Público o "status" de órgão de dimensão política.


CONCLUSÃO

Em apertada síntese:
1) O Ministério Público é um Poder Político-Institucional;
2) Desnecessário qualquer emenda no sentido de alterar a classificação prevista em o art. 2º da Lei Maior - suficiente o manejo de interpretação sistêmica, colimando alcançar a primeira conclusão;
3) A finalidade e utilidade de se reconhecer o Poder Ministerial volve-se precipuamente: a) a uma maior conscientização dos órgãos-agentes de suas responsabilidades constitucionais (deveres), vez que lamentavelmente, perdura u´a consistente tendência de alguns órgãos ministeriais em preferirem o cômodo "status quo ante" - típico de uma instituição burocrata , plutocrata e submissa ao Executivo - absolutamente incompossível com a chocante realidade sócio-econômica da Nação brasileira, verdadeiramente incongruente com o sistema político-social alvitrado pela Constituição da República; b) a uma maior e melhor assimilação do público com os seus misteres;
4) ao equilíbrio dos poderes;
5) à consecução de um real Estado democrático de direito.
Assim, o Ministério Público, o Poder Ministerial, terá sentido verdadeiro, real e não apenas nominal.
À última, há mister esclarecer, que o presente trabalho representa, apenas, uma tímida tentativa de contribuir para a rediscussão de um tema que foi, a nosso sentir, precocemente banido da literatura jurídica, havendo ingente necessidade de que doutrinadores de tomo, mui mais categorizados do que este modesto subscritor - despojados de preconceitos - se debrucem com mais detença sobre a matéria.
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Sobre o autor
Guilherme Costa Câmara

promotor de Justiça na Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÂMARA, Guilherme Costa. O Poder Ministerial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 20, 12 out. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/281. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Excertos do presente trabalho serviram de base a uma monografia apresentada por nós e aprovada, por maioria, no 2º Congresso do Ministério Público do Nordeste, realizado na cidade de Fortaleza.

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