1. O sistema constitucional gerado a partir de outubro de 1988,
alavancou o Ministério Público à condição
de função essencial à Justiça; todavia,
em verdade, foi muito além, pois, de forma cirúrgica,
transmudando aquela instituição (antes mera procuradoria
de interesses estatais, ou seja, um micro-poder), potencializou-a
alfim de viabilizar a realização da democracia
e do Estado do bem-estar social ("welfare state") .
2. Cumpre destacar, em realidade, atua a Instituição
como garante da própria Constituição Cidadã
- via interposição de ações de inconstitucionalidade
(art. 103, VI) e representação interventiva (art.
36,III c/c o art. 34, VII e art. 129, IV), desta detendo o
monopólio.
3. Por outra raia, a disseminação de Curadorias
(conveniente chamá-las pela locução Promotorias-Especializadas,
para melhor assimilação da clientela) está
em perfeita sintonia com o projeto medular constitucional , qual
seja , indiscutivelmente o interesse público primário
(Alessi) : o bem-comum, fundado na promoção dos
direitos fundamentais do homem e redução das desigualdades
sociais e regionais (art. 1º., II e III c/c o art. 3º.
I/IV, da C.F.).
5. Sobremais, potencializa em bem sucedidas intervenções
extraprocessuais a composição de litígios,
a reparação de danos, em síntese, a pacificação
social prescindido assaz de vezes de pôr em marcha a engrenagem
judiciária, promovendo de forma distinta e independente,
Justiça lépida. (art. 585, II, do CPC).
6. De observar-se, que a "mens constitutionis" ao
reconhecer o Ministério Público como a
Instituição capaz de promover necessária
catarse social - hábil a liberar forças comunitárias
represadas - avalizou-lhe acendrada interferência no processo
de sedimentação democrática da nação
brasileira. Todavia, a bem refletir, não o fez aleatória
e desavisadamente.
7. No tangente, oportuno imbricarmos "vexata questio
", pertinente à categorização do
Ministério Público, no âmbito da clássica
divisão dos poderes estabelecidos, vez que se busca
uma identidade, quiçá um rosto , decerto distinto
das feições do Legislativo, do Executivo e do Judiciário
- na dimensão em que o atual destaque constitucional conferido
à Instituição, empresta colorido mais adequado
e consentâneo aos seus atributos e misteres - como ainda,
ao ensejo de contra-estimular virtual tendência volitiva
da Administração Pública, é dizer,
do Executivo, de podar e açambarcar o "Parquet",
se possível, reconduzindo-o à comportada e limitada
função de "amicus curiae".
8. Vale ressaltar que atualmente a maioria dos doutos já
cuidou de tentar retirar do Ministério Público qualquer
pretensão de qualificar-se como um dos poderes estatuídos,
pois, segundo racionalizam, a lume da clássica divisão
tripartite de Montesquieu, não lhe sobeja qualquer espaço,
classificando-o (natureza jurídica), simplesmente, como
"instituição vinculada ao Poder Executivo,
funcionalmente independente" (cf. José Afonso
da Silva, "in" Curso de Direito Constitucional Positivo
- 11ª Edição - Ed. Malheiros - Pág.
554).
9. Permissa maxima venia, assinalamos discordar, porque
não se nos parece convincente o asserto, vez que descura
do "telos" insofreável da atuação
ministerial : como Poder, reforçar o equilíbrio
social e dar conseqüência aos injuntivos constitucionais,
mediante fiscalização do plexo normativo em vigor,
bem como, dos demais poderes .
10. Também, d.m.v., sequer explica qual o sentido
finalístico de permanecer a instituição
doutrinariamente algemada (vinculada - logo, mantido certo grau
de subserviência autárquica ) ao Executivo, suportando
angustiante perplexidade, conduzida por renitente interpretação
gramatical da "Lex Legum" (art. 2º) .
11. Nesta quadra, ao ensejo de capturarmos a verdadeira identidade
social e política da instituição (que não
pode ser alheada de uma perspectiva ontológica) , dentro
das balizas constitucionais e com olhos lançados para o
futuro, passamos a tecer as seguintes considerações.
12. Primeiramente, há mister denotar, que a classificação
trídua tem por nota forte conteúdo formalístico,
pois matizada em timbre histórico de fôlego (verdadeiro
dogma), servindo de paradigma ao modelo constitucional encravado
no Título IV ("Da Organização dos Poderes"
- arts. 44 "usque" 135) a implicar , é bem de
ver, em destacada conseqüência de ordem psicológica,
é dizer : não sofrem os poderes enumerados
qualquer crise de identidade, a significar na prática uma
intensa assimilação do público com os seus
misteres, diferentemente do que ocorre com o Ministério
Público, constantemente confundido pelo "homo medius"
com o Poder Judiciário; e, insistentemente, tido pela
"communis opinio doctorum", como alter ego do Executivo.
13. A segundo, adotamos como premissa nuclear, a intelecção
de que o Ministério Público é um contrapoder,
uma instituição montada sobre uma espécie
de artefato jurídico argamassado por dispositivos constitucionais
(arts. 68, parágrafo 1º, I ; 85, II; 127 a 129; e
168, dentre outros) e infraconstitucionais (Lei Complementar
75/93, Leis ordinárias nr. 7.347/85, 8.625//93, etc ).
14. Veja-se, não se pretende descategorizar o "Parquet"
como "Função Essencial à Justiça".
Apenas, o que se deseja encarecer é que não se limita
ele a essa classificação ancilar. É bem mais
do que isso.
15. Diga-se mais, não guarda identidade, sequer similitude
com as demais nobres instituições locadas no Capítulo
IV.
16. Em sincronia , cumpre estremar as notáveis funções
do Advogado ( seja quando atua a prol da União, do pobre
, ou do aquinhoado - arts. 131/134 ), da atuação
ministerial em Juízo : esta, terá sempre a marca
da indisponibilidade do direito ou interesse, qualificando-os.
17. Conseguintemente, a proteção de hiposuficientes
(consumidor, inclusive), do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos
é , dentro de uma perspectiva deontológica, graças
à ação ou intervenção do "Parquet"
- vigorada , potencializada .
18. Assim, não há heresia em se afirmar que da
moldura ideológico-legal especificada pela legislador primário
não aberra da razão encontrarmos o Ministério
Público talhado no título "Da Organização
dos Poderes", inda que sob a rubrica emprestada ao Capítulo
IV ("Das Funções Essenciais à Justiça"),
máxime quando os "preceitos constitucionais devem
ser interpretados tanto explicitamente quanto implicitamente,
a fim de colher-se seu verdadeiro significado" (Canotilho,
J.J. Gomes, Moreira, Vital. Fundamentos da Constituição.
Coimbra - Coimbra Editora, 1991 - Pág. 136).
19. Deveras, imprescindível que se interprete escorreitamente
o art. 127, "caput", da Lei Suprema, cuja clara dicção
explica que o Ministério Público é instituição
permanente "essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica",
como também , principalmente , incumbe-lhe a defesa "do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis."
20. Nesse tópico, de ver-se, da leitura textual do predito
dispositivo, parece claro a todas as luzes , que, e.g.,
a atividade ministerial de defesa do regime democrático
não se reduz ao conceito de função essencial
à Justiça, máxime quando é axiomático
que a noção de Justiça, ou mesmo de função
jurisdicional, não é imanente à de regime
político.
21. São os princípios, deveres, garantias e funções
institucionais que lhe foram atribuídos (é conferir
o extenso rol engastado nos parágrafos 1º a 3º
do art. 127; alíneas "a"/ "c", do inciso
I, do art. 128; e , incisos I, II, III, IV, VI, IX do art. 129,
em cotejo com os arts. 36,III e IV, 34, VII, 103, VI , 226/232
e legislação subprimária, recepcionada ou
superveniente), a conformar coeso sistema , que o erigem e o
exalçam à categoria de Poder.
22. Ora, onde há ordem , onde existe um sistema ("disposição
das partes ou elementos de um todo, coordenados entre si, e que
funcionam com estrutura organizada" , cf. Dic. Aurélio,
pág. 1308), não pode haver interpretação
estanque, literal, sob pena de se instalar o caos. A constituição
não se interpreta em tiras.
23. Merece registro, que na feliz expressão de Fritz
Berolzheimer ("in", Die Gefahren einer Gefühlsjurisprudenz,
1911, p.19) a exegese literal representa indubitável processo
de "ossificação do Direito".
24. De cabedal relevo, trazermos à colação,
breve excerto do nunca assaz citado Carlos Maximiliano, "in
verbis":
"Consiste o Processo Sistemático em comparar
o dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório
ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto.
Por umas normas se conhece o espírito das outras...Em
toda ciência, o resultado do exame de um só fenômeno
adquire presunção de certeza quando confirmado,
contrasteado pelo estudo de outros, pelo menos dos casos próximos,
conexos; à análise sucede a síntese; do
complexo de verdades particulares, descobertas, demonstradas,
chega-se até à verdade geral...Cada preceito, portanto
é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto
resulta bastante luz para o caso em apreço."
(In: Hermenêutica e Aplicação do Direito,
Ed. Forense - 14ª Edição - 1994 - Pág.
128)." Grifei.
25. Demais disso, como é sabido o poder político
congrega três características fundamentais: unidade
, indivisibilidade e indelegabilidade (cf. José Afonso
da Silva, op. cit. pág. 108). Todas, além da autonomia
e independência funcional, imanentes ao Ministério
Público, que, ainda foi agraciado com quinhão da
soberania do Estado (art. 129, I - "São funções
institucionais do Ministério Público: I - promover,
privativamente, a ação penal pública, na
forma da lei").
26. Também é assente o princípio do Promotor
Natural, verdadeira garantia "do princípio da independência
que passa , necessariamente, pela predeterminação
por lei do membro do MP que deverá oficiar em determinado
processo específico , e , portanto, da existência
de um promotor natural para cada causa" (Paulo Cézar
Pinheiro Carneiro, "in" O Ministério Público
no Processo Civil e Penal" - Editora Forense - 5ª Edição
- 1994 - Pág. 55).
27. Nesse norte o Plenário da Corte Suprema reconheceu
, por maioria
"o postulado do Promotor natural, que se revela
imanente ao sistema constitucional brasileiro, repele, a partir
da vedação de designações casuística
efetuadas pela Chefia da Instituição, a figura do
acusador de exceção . Esse princípio consagra
, uma garantia de ordem jurídica, destinada tanto a proteger
o membro do Ministério Público, na medida em que
lhe assegura o exercício pleno e independente do seu ofício,
quanto a tutelar a própria coletividade, a quem se reconhece
o direito de ver atuando, em quaisquer causas, apenas o Promotor
cuja intervenção se justifique a partir de critérios
abstratos e pré-determinados, estabelecidos em lei. A
matriz constitucional desse princípio assenta-se nas cláusulas
da independência funcional e na inamovibilidade dos membros
da Instituição"
(HC nº 67.759/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ, 150/123.
No mesmo sentido: HC 74.052-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio,
20-08-96, Informativo STF - nr. 41, 2808/96). Grifamos.
28. De destacar-se, também, a reforçar o roteiro
que estamos traçando, o direito posto em o art. 85, II,
da Constituição da República, forte em demonstrar
que assim como há preceitos constitucionais implícitos,
não desborda de uma interpretação conforme
à Constituição (Verfassungsinterpretation)
, o reconhecer uma equipolência entre o Ministério
Público e os outros poderes, a merecer transcrição
porque revelador ao anunciar, "in litteris"
"São crimes de responsabilidade os atos
do Presidente da República que atentem contra a Constituição
Federal e, especialmente, contra:
I - "omissis";
II- o livre exercício do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário, do Ministério Público
e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação."
(Grifei).
29. Sói ocorrer que, no âmago, somos todos tradicionalistas
(para Baruch Spinoza "Tudo, desde que esteja em si
mesmo, esforça-se por persistir em seu próprio ser"
- "in" Ética); identicamente o legislador
constituinte originário, quando, após armar a Instituição
de todos os requisitos típicos de um poder político-institucional
, alçando seus membros ao patamar de agentes políticos,
dotados de garantias inconcedidas até mesmo aos agentes
legislativos e administradores públicos, simplesmente olvidou
encartá-la na divina trindade engastada no art. 2º
do Texto Magno.
30. Todavia, inelutavelmente, como vimos de ver, conferiu-lhe
os pré-requisitos de Poder, cabendo ainda realçar
: a iniciativa do processo legislativo, bem como da proposta orçamentária
(arts. 61, 127, Parágrafos 2º e 3º, 128, parágrafo
5º), possuindo quadro de pessoal próprio e serviços
auxiliares .
31. Ora, como é cediço o Poder é uno e emana
do povo. A divisão desse Poder advém de opção
legislativa (originária). E, ao fatiar o Poder o constituinte
sofreu os influxos do sistema de Montesquieu.
32. Contudo, como não podia , nem devia se afastar da
realidade social peculiar ao nosso País viu-se o legislador
compelido a ungir de inúmeros poderes determinada instituição,
como forma de instrumentalizar não só a execução
escorreita das leis, mas, fundamentalmente, ao intento de imprimir
alento às modificações e transformações
alvitradas pela Constituição - via potencialização
da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis,
dos direitos fundamentais e do regime democrático - como
também, e, não isoladamente, como forma de salvaguardar
a própria Carta Suprema (atividade político-jurídica)
e seu ideário.
33. Consoante percucientemente anotado por Alexandre de Morais
- em obra indispensável ao jurisperito - a Constituição
da República operou , implicitamente, substancial alteração
da coeva Teoria da Tripartição. É conferir:
"Note-se , que nos referimos às garantias
dos Poderes Legislativos , Executivo, Judiciário e da Instituição
do Ministério Público, uma vez que se assemelham
em virtude da autonomia e independência e finalidades constitucionais.
Além disto, exercem todos funções do Estado,
dentro de uma visão mais contemporânea das funções
estatais, que reconhece o Estado constitucional de direito assenta-se
na idéia de unidade, pois, o poder soberano é uno,
indivisível, existindo órgãos estatais ,
cujos agentes políticos têm a missão precípua
de exercerem atos de soberania.
"Esta opção do legislador constituinte em
elevar o Ministério Público a defensor dos direitos
fundamentais e fiscal dos Poderes Públicos , alterando
substancialmente a estrutura da própria Instituição
e da clássica teoria da Tripartição de Poderes,
não pode ser ignorada pelo intérprete, pois se trata
de um dos princípios sustentadores da teoria dos freios
e contrapesos de nossa atual Constituição Federal
(In, Direito Constitucional, Ed. Atlas - São Paulo - 1997
- Pág. 281). Grifei.
34. Logo, o Ministério Público em seu atual perfil
constitucional está vocacionado, sobretudo, à defesa
da manutenção da competência originária
dos demais poderes, atuando de forma a acomodar o necessário
equilíbrio de suas forças vetoras (checks and balances).
35. Assim, trata-se, deveras, de um Poder remanescente, residual
(isto é, não declarado no art. 2º da
Constituição da República, conquanto elencadas
suas finalidades, funções e princípios nos
inúmeros dispositivos retrocitados), vez que os demais
Poderes foram explicitamente enumerados e nominados.
36. Não haveria sequer sombra de lógica atribuir
vasto plexo de poderes a uma Instituição, com o
claro objetivo de viabilizar e fomentar imprescindível
equilíbrio às forças antagônicas imanentes
ao Estado - perseguindo metas democráticas e sociais -
e, no vértice do mesmo raciocínio, desqualificar
aquele organismo , inferindo-o fâmulo das forças
do executivo.
37. Logo, não há, à evidência, e a
lume da Carta Magna, por onde falar-se em quase-poder,
mormente quando segundo a doutrina mais avisada "a divisão
tripartite do Poder é antes política e pragmática
que científica" (cf. Hugo Nigro Mazzili, in O
Ministério Público na Constituição
de 88 - Ed. Saraiva - 1989 - Pág. 44).
38. De sua vez , o eminente e respeitado publicista, Prof. Carlos
Brito, em brilhante e elucidativa palestra proferida durante o
II Congresso do Ministério Público do Nordeste,
realizado na cidade de Fortaleza/CE, dogmatizou:
"Não é necessário que o
Ministério Público seja um Poder para que nos orgulhemos
dele e para que reconheçamos o papel eminente que a constituição
lhe reservou. Acontece que nas linhas da Constituição
efetivamente o Ministério Público não é
poder. Nas entrelinhas, porém, não há como
negar ao Ministério Público a condição
de não-órgão do Poder, mas órgão-Poder...Nas
entrelinhas, no espírito da Constituição
, na alma da Constituição se chega a essa clara
inferência de que o Ministério Público é
um Poder estatal, porque os elementos constitucionais que
dão a cada Poder a sua configuração, a sua
identidade, estão presentes no Ministério Público...O
Ministério Público não precisa de lei. Ele
atua imediatamente os comandos constitucionais, ele de ofício
aplica a própria Constituição e na técnica
jurídica isso se chama governar". (Grifei).
39. A outrotanto, não versa o "thema" em descortino,
como já se quis transparecer, de questão supérflua
e risível, de interesse meramente teórico. A asserção
tem por conta o constante embate das forças sociais; tem
por nota diferenciadora, a própria sobrevivência
do Ministério Público e o seu devir.
40. Mais, implica em reafirmar para o futuro, a construção
e sedimentação de um Estado Democrático-Social
justo, meta-mor de uma Constituição dirigente .
41. De feito, dentro de balizas hermenêuticas (interpretação
sistemática, a cindir com a rígida literalidade
do art. 2º), não há despistar, o Estatuto
Político Supremo , criou a partir de um micro-poder (sub-poder)(cf.
Microfísica do Poder - Michel Foucoault - Ed. Graal 8ª
Edição), um novel Poder: O Poder Ministerial
.
42. De lembrar-se, em expressão muito feliz, o festejado
publicista Celso Antônio Bandeira de Mello, em obra seminal,
apostilou: "O poder é meramente a contraface do
dever" (Curso de Direito Administrativo - Ed. Malheiros
- 6ª Edição - 1995.) E de deveres e obrigações
é de que fala a Constituição, quando relata
o papel do Ministério Público.
43. Em suma, trata-se de um contrapoder volvido e vocacionado
à defesa da cidadania (muito além da defesa do cidadão)
e da sociedade , freqüentemente violadas ou ameaçadas
pela ação das demais Forças Políticas,
intervindo, outrossim , sempre e quando Interesses Públicos
e Princípios Constitucionais sejam malferidos.
44. Contemporaneamente, as diversas funções precípuas
de cada um dos poderes imbricam-se umas nas outras ("colaboração
de poderes"), e de tal forma, que igualmente o Judiciário
e o Legislativo exercem atividade administrativa.
45. Vincular o Ministério Público ao Poder Executivo
(hipersufiente), "rogada maxima avenia", constitui atecnia
não só pela discrepância de funções
e atribuições capitais entre o "Parquet"
e aquele Poder, como também, devido ao distanciamento
tópico entre ambos (o Executivo embutido no Capítulo
II ; o Ministério Público , no Capítulo IV:
todo o Poder Judiciário a afastá-los). De lembrar-se
que Carta anterior, sim, localizava o "Parquet" topograficamente
nas balizas do executivo.
46. De outro turno, não padece dúvida, o Ministério
Público não mais integra a Administração
Federal ou Estadual. Nesse sentido asseverou Hely Lopes Meirelles,
"ipsis litteris":
"O Ministério Público foi retirado
das Procuradorias Judiciais porque o art. 129, IX, da C.F. veda-lhe
a ´representação judicial e a consultoria jurídica
de entidades públicas´. Essa regra, combinada com as inseridas
nos arts. 127 a 129 da Carta Federal, deixa patente que o Ministério
público não mais integra a Administração
Federal, sendo , hoje, órgão constitucional,
funcionalmente independente, que atua junto a todas as Justiças
em que se debatem interesses da sociedade."
(in, Direito Administrativo Brasileiro - Editora Malheiros -
18ª. Edição - Pág. 657). Grifo nosso.
47. A expressa vedação ao Ministério Público
do exercício de funções representativas de
entidades públicas, só vem confirmar a nítida
e incontrastável intenção da Constituição
de desvincular a Instituição, por completo, de qualquer
atividade atrelada ao Poder Executivo, máxime por não
desempenhar atividade tipicamente administrativa.
48. Órgão-Poder, órgão Constitucional,
"tertium genus" todas essas expressões perseguem
um único norte, trilham uma única rota : explicar
o enquadramento de um novel Poder na experiência jurídica
pátria.
49. O regime jurídico do "Parquet", confortado
no enquadramento político da instituição
na categoria de Poder (só um Poder pode atuar como
contrapoder), e nas ações pontuais e ganglonarmente
distribuídas de cada Promotor de Justiça; bem como,
em múltiplas esferas de atuação (M.P. dos
Estados e da União), defendendo a cidadania, a democracia
e a "res publica", confere ao Ministério Público
o "status" de órgão de dimensão
política.
Em apertada síntese:
1) O Ministério Público é um Poder Político-Institucional;
2) Desnecessário qualquer emenda no sentido de alterar a classificação prevista em o art. 2º da Lei Maior - suficiente o manejo de interpretação sistêmica, colimando alcançar a primeira conclusão;
3) A finalidade e utilidade de se reconhecer o Poder Ministerial volve-se precipuamente: a) a uma maior conscientização dos órgãos-agentes de suas responsabilidades constitucionais (deveres), vez que lamentavelmente, perdura u´a consistente tendência de alguns órgãos ministeriais em preferirem o cômodo "status quo ante" - típico de uma instituição burocrata , plutocrata e submissa ao Executivo - absolutamente incompossível com a chocante realidade sócio-econômica da Nação brasileira, verdadeiramente incongruente com o sistema político-social alvitrado pela Constituição da República; b) a uma maior e melhor assimilação do público com os seus misteres;
4) ao equilíbrio dos poderes;
5) à consecução de um real Estado democrático de direito.
Assim, o Ministério Público, o Poder Ministerial, terá sentido verdadeiro, real e não apenas nominal.
À última, há mister esclarecer, que o presente trabalho representa, apenas, uma tímida tentativa de contribuir para a rediscussão de um tema que foi, a nosso sentir, precocemente banido da literatura jurídica, havendo ingente necessidade de que doutrinadores de tomo, mui mais categorizados do que este modesto subscritor - despojados de preconceitos - se debrucem com mais detença sobre a matéria.