A atuação do controle interno como órgão auxiliar ao controle externo exercido pelos Tribunais de Contas

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02/05/2014 às 09:04
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2. DO CONTROLE INTERNO

2.1. NOÇÕES GERAIS

Inicialmente, relevante se faz realizar uma breve apresentação etiomológica do termo controle para estabelecemos o enfoque que será desenvolvido nesta pesquisa.

Embora na literatura especializada existam controvérsias sobre sua origem, o termo, segundo o autor Evandro Martins Guerra em pesquisa ao Houaiss:

“é originária do francês Contrerole, anotada, segundo pesquisadores, desde 1367, como também do latim medieval contrarotulus, significando, àquela época, “contralista”, isto é, segundo exemplar do catálogo dos contribuintes, com base no qual se verificava a operação do cobrador de tributos, designando um segundo registro, organizado para verificar o primeiro. O termo evoluiu, a partir de 1611, para sua acepção mais próxima da atual, aproximando-se da acepção de domínio, governo, fiscalização, verificação”20

No mesmo sentido, o ilustre autor Jacoby Fernandes considera que o conceito que merece maior credibilidade é aquele apresentado por Giannini:

“segundo o qual teria o vocábulo origem no “latim fiscal medieval”. Da contração de contra e rotulum surge, em francês, o termo contrerole, significando rol, relação de contribuintes a ser verificada pelos exatores”21

Apesar de tais conceitos divergirem quanto à autoria, a literatura é uníssona em apresentar que o controle assumiu um papel tão importante na administração que deve ser compreendido como um princípio, conforme leciona o auditor Cezar Miola:

“Do ponto de vista semântico, nenhuma grande dificuldade é capaz de trazer esta expressão. Porém, não interessa limitar o exame a uma mera questão gramatical. É preciso que se compreenda o controle como princípio, como dogma ínsito e inato da atividade estatal.

Mas será o caso, propriamente, do controle do Estado, no Estado ou dos agentes e dos atos que estes praticam nos exercícios dos seus misteres governamentais?

Eduardo Lobo Gualazzi, no concerto de sua valiosa obra considera:

“Assim, em consonância com a doutrina e o jus positum, conceitua-se controle como o princípio administrativo material, tutelar e autotutelar, de contrasteamento, supervisão e gestão integral da Administração, por meio de sistema horizontal de coordenação central, com o escopo de vigilância, orientação e correção, prévia e posterior, de atos administrativos e de atos, decisões e atividades materiais de administração”(Regime Constitucional do Tribunal de Contas, São Paulo, RT, 1009, p. 26)”

Outra conceituação que envolve controle e merece esclarecimentos é a distinção entre Controladoria e Controle Interno.

Quanto ao conceito de controladoria, sábias são as colocações de Jader Branco Cavalheiro e Paulo Cesar Flores:

“a Controladoria é o órgão administrativo responsável pela gestão econômica da empresa, com o objetivo de levá-la a maior eficácia. A base científica da Controladoria é a Ciência Contábil, onde repousam os fundamentos da gestão econômica. [...] Podemos dizer que a Controladoria seria a Ciência Contábil dentro do enfoque controlístico da escola italiana. Pela escola americana, a contabilidade gerencial é o que se denomina Controladoria. [...] a Controladoria é uma ciência autônoma e não se confunde com a Contabilidade, apesar de utilizar pesadamente o instrumental contábil”.22

Em relação ao conceito de Controle Interno, para melhor delimitar a abrangência do presente estudo, será enfatizada e considerada a definição apresentada pela Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI), que em suas diretrizes conceitua controle interno como:

“Controle interno é um processo integrado, efetuado pela direção e corpo de funcionários, e é estruturado para enfrentar os riscos e fornecer razoável segurança de que na consecução da missão da entidade os seguintes objetivos gerais serão alcançados: execução ordenada, ética, econômica, eficiente e ficaz das operações; cumprimento das obrigações de accountability; cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis; salvaguarda dos recursos para evitar perdas, maus uso e dano. O controle interno é um processo integrado e dinâmico que se adapta continuamente às mudanças enfrentadas pela organização. A direção e o corpo de funcionários, de todos os níveis, devem estar envolvidos nesse processo, para enfrentar os riscos e oferecer razoável segurança do alcance da missão institucional e dos objetivos gerais.”23

Haja vista a obrigação do gestor de conceber, implantar e monitorar o controle interno e sua essencialidade para qualquer processo de gestão, é possível concluir que ele é uma atividade de Estado e não de Governo, portanto, o desenvolvimento do controle dos atos de gestão pública, mais de que uma obrigação legal, é uma questão essencial na gestão, não ficando condicionado à análise da conveniência ou oportunidade do gestor.

Tal entendimento é encontra fundamento na Carta Constitucional de 1988, que em seu artigo 1º estabelece que a República Federativa do Brasil constitui um Estado Democrático de Direito e, em seu artigo 5º, que o Estado deve ser construido em consonância com os princípios fundamentais do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Portanto, configura essência do pacto social entre Estado e Sociedade que seja assegurado a todos o pleno exercício da cidadania, desde a garantia dos direitos humanos e constitucionais até a boa governança burocrática e a qualidade da gestão pública.

Além do pacto social estabelecido, outras diretrizes foram previstas constitucionalmente para nortear os atos da Administração Pública, que são os princípios previstos nos artigos 37 e 70 da Carta Constitucional de 1988.

Dentre os diversos princípios existentes, a função estatal do controle está inserida no da autotutela, que, em suma, corresponde ao poder-dever geral de vigilância que a Administração possui sobre seus atos.

Segundo Carvalho Filho:

“A autotutela se caracteriza pela iniciativa de ação atribuída aos próprios órgãos administrativos. Em outras palavras, significa que, se for necessário rever determinado ato ou conduta, a Administração poderá fazê-lo ex officio, usando sua auto-executoriedade, sem que dependa necessariamente de que alguém o solicite. Tratando-se de ato com vício de legalidade, o administrador toma ainiciativa de anulá-lo; caso seja necessário rever ato ou conduta válidos, porém não mais convenientes ou oportunos quanto a sua subsistência, a Administração providencia a revogação. Essa sempre foi a clássica doutrina sobre o tema.”24

Esta prerrogativa da Administração Púlica foi reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal ao mencionar na Súmula nº 473, in verbis:

“A administração pode anular seus próprios atos, quando eixados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivos de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, apreciação judicial.”25

Segundo o autor Jacoby Fernandes, o controle sobre a Administração Pública está previsto em outros instrumentos existentes na Constituição Federal:

“O controle que o cidadão exerce, ou pode/deve exercer, sobre a Administração Pública está expressamente consagrado e instrumentalizado, cabendo perfunctoriamente destacar: a) o direito de petição aos poderes públicos, que tanto foi estabelecido em favor do peticionário quanto generalizado para evitar ilegalidade ou abuso de poder; b) o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral; c) a ação popular para anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, com isenção de custas judiciais e ônus de sucumbência; d) o direito de denunciar aos Tribunais de Contas, garantido na Constituição Federal, art. 74 § 2º, e nas leis orgânicas das Cortes de todas as unidades federadas.

A propósito da assimilação do controle como direito fundamental, cabe lembrar que a Declaração de Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789, em seu artigo 15, definiu que “a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração” .”26

2.2. TIPOS DE CONTROLE

No que tange ao controle da administração pública, é necessário apresentar ainda que este pode ser classificado em razão do tipo ou local, do órgão executor, do momento e quanto à extensão de sua atuação.

Quanto ao tipo ou local de execução, o controle pode ser efetuado por órgão integrante ou não da própria estrutura do órgão controlado, sendo portanto, interno ou externo.

Sobre este tipo de classificação, oportunas são as explicações do autor Evandro Martins Guerra:

“Interno é o controle decorrente de órgão integrante da própria estrutura na qual se insere o órgão fiscalizado. É inerentea cada um dos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que, mediante sistema integrado de controle interno, deverão exercer o controle sobre seus próprios atos e agentes.

[...]

Externo é o controle exercido por um Poder ou órgão distinto, apartado da estrutura do órgão controlado. Lato sensu, é externo o controle desempenhado pelo Poder Judiciário sobre os demais Poderes, bem como o cumprido pela Administração direta sobre as entidades da Administração indireta”27

Quanto ao órgão executor, seja ele interno ou externo, ocorrerá na esfera administrativa dos entes por meio dos controles administrativo, legislativo ou judicial.

O controle administrativo é aquele decorrente do poder-dever da Administração Pública sobre sua própria atuação. O controle legislativo é essencialmente aquele de natureza política e financeira, exercido pelos ocupantes dos cargos eletivos, ou seja, os mandatários do povo. No modelo político, o controle é exercido pelo Congresso Nacional (no âmbito federal), pelas Assembleias Legislativas (no âmbito estadual) e na esfera municipal este é realizado pela Câmara dos Vereadores, ressaltando ainda que em todas as esferas o controle também poderá ocorrer através de suas respectivas Comissões Parlamentares28. Quanto ao modelo legislativo, este executa essencialmente o controle financeiro, através dos Tribunais de Contas, que conforme já citado outrora, tem a finalidade de exercer o controle contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial de todos os órgãos e entidades do Estado.

Finalmente, há o controle judicial, que em suma consiste na fiscalização da legalidade dos atos da administração. Segundo Miguel Seabra Fagundes citado por Helio Saul Mileski: “controle judiciário ou judicial é aquele exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza atividade administrativa.”29

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Ainda sobre o tema, complementam os ilustres autores Celso Antônio Bandeira de Melo e Odete Medauar:

“o Poder Judiciário, a instâncias da parte interessada, controle, “in concreto”, a legitimidade dos comportamentos da Administração Pública, anulando suas condutas ilegítimas, compelindo-a àquelas que seriam obrigatórias e condenando-a a indenizar os lesados, quando for o caso.”30

“reveste-se de conotação mais ampla que a expressão “controle jurisdicional do ato administrativo”, pois abrange a apreciação jurisdicional não somente dos atos administrativos, mas também dos contratos, das atividades ou operações materiais e mesmo da omissão ou inércia da Administração”.31

Quanto ao momento de execução, o controle pode ser prévio, concomitante ou posterior.

Segundo Mileski sobre este tipo de controle:

“O controle é prévio quando antecede a realização do ato administativo, no sentido de evitar procedimento contrário à lei e ao interesse público, com o intuito de manter a ação administrativa dentro de princípios adequados à boa prestação de serviços públicos.

[...]

O controle concomitante é exercido no momento em que se realiza a atividade administrativa, acompanhando a regularidade da ação desenvolvida pela Administração Pública, com o objetivo de evitar distorções e proceder a correções imediatas, para manter a atuação pública dentro de uma continuidade de procedimentos regulares.

[...]

O chamado controle a posteriori ocorre após a realização do ato praticado em decorrencia da ação administrativa desenvolvida, com a finalidade de proceder a uma avaliação sobre a sua correção e legalidade, com o objetivo de promover a sua aprovação ou homologação e, no caso de encontrar erros, falhas e vícios, adotar medidas que levem a sua correção ou desfazimento”32

Por derradeiro, a extensão do controle com o fim de fiscalizar a validade, eficiência e eficácia dos atos administrativos sob à luz dos critérios de conveniência e oportunidade do gestor público, há o controle da legalidade e do mérito.

Segundo Evandro Martins Gerra:

“O controle da legalidade objetiva a verificação do ato aos dizeres da lei. Deve ser exercido pelos três Poderes, em obediência ao princípio constitucional segundo o qual se permite ao Administrador Público fazer somente aquilo que a lei prescreve.

[...]

Do do mérito é o controle determinado a investigar a atividade administrativa e o resultado alcançado pelo ato praticado de acordo com a conveniência e oportunidade da Administração. Visa verificar a harmonia entre o objeto pretendido e o efeito atingido, buscando garantir a boa gestão da coisa pública, sob os aspectos da economicidade, eficácia e eficiência do ato”33

2.3. OBJETIVOS E ATRIBUIÇÕES

Tendo em vista que o controle interno faz parte das atividades fundamentais da Administração Pública, com as finalidades de avaliar a execução dos atos emitindo pareceres opinativo, preventivo ou corretivo das ações a serem desempenhadas para atender o controle da execução orçamentária, financeira, contábil e patrimonial, torna-se essencial apontar os objetivos a serem alcançados pelo controle interno.

Sob a luz das atribuições legais previstas nos artigos 70 a 75 da Carta Magna de 1988, o autor Meirelles, citado por Ubiratan Diniz de Aguiar:

“o controle interno objetiva a criação de condições indispensáveis à eficácia do controle externo e visa a assegurar a regularidade da realização da receita e da despesa, possibilitando o acompanhamento da execução do orçamento, dos programas de trabalho e a avaliação dos respectivos resultados. É, na sua plenitude, um controle de legalidade, conveniência, oportunidade e eficiência.”34

Em suma, o objetivo geral do controle é assegurar que não corram erros potenciais nos atos de gestão.

Segundo a INTOSAI, os objetivos gerais do controle interno são: executar as operações de maneira ordenata, ética, eficiente e eficaz; cumprir as obrigações de accountability; cumprir as leis e os regulamentos, salvaguardar os recursos contra prejuízo por desperdício, abuso, má-administração, erros, fraudes e irregularidades.

Quanto aos objetivos específicos do controle interno, a título exemplificativo, podemos destacar os seguintes: observar as normas legais, instruções normativas, estatutos e regimentos; assegurar a exatidão, confiabilidade, integridade e oportunidade das informações contábeis, financeiras, administrativas e operacionais; antecipar-se, preventivamente, ao cometimento de erros, desperdícios, abusos, práticas antieconômicas e fraudes; propiciar informações oportunas e confiáveis, inclusive de caráter administrativo/operacional, sobre os resultados e efeitos atingidos; salvaguardar os ativos financeiros e físicos quanto à sua boa e regular utilização e assegurar a legitimidade do passivo; permtir a implementação de programas, projetos, atividades, sistemas e operações, visando à eficácia, eficiência e economicidade dos recursos e assegurar aderência às diretrizes, planos, normas e procedimentos do órgão.

De tal forma, os controles internos devem especialmente ter caráter preventivo e permanente voltados para a correção ou eventuais erros e desvios em relação aos parâmetros estabelecidos, agindo como instrumentos auxiliares de gestão em atendimento a todos os níveis da administração.

Fundado nos princípios da primazia do interesse público e no da prudência a Administração tem o dever de se antecipar aos fatos, de forma a controlar sua realização. Isto posto, quanto maior o grau de adequação dos controles, menos será a vulnerabilidade da gestão e mais eficiente esta será.

Portanto, para o sucesso da Administração/gestão no que tange a sua execução dos planos de governo é imprescindível a implantação do sistema de controle interno, para permitir a avaliação dos resultados alcançados pelos gestores nas suas execuções orçamentária, financeiro, patrimonial e de recursos humanos.

2.4. PRINCÍPIOS NORTEADORES

Princípios são postulados fundamentais que norteiam todo modo de agir em determinada seara. Estes, segundo Carvalho Filho, “representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas.”35

Sobre a conceituação de princípios relevante é a definição apresentada por Celso Antônio Bandeira de Mello:

“é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É do conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo.”36

Complementa ainda João Batista Gomes Moreira que “princípios são generalizações de normas, valores-sínteses ou balizas que orientam a produção, sobretudo a interpretação e aplicação do direito, dando coerência e consistência ao sistema normativo.”37

Considerando a importância do controle na Administração Pública com ênfase no desenvolvimento de um sistema de controle interno eficiente serão apresentados brevemente os princípios que devem sustentar as atividades do controle, caso contrário, toda e qualquer iniciativa que busque um controle eficaz será insuficiente.

Inicialmente vale apresentar a corrente doutrinária minoritária exposta pelo professor Caio César Tibúrcio, embasado nas teorias apresentadas pelos ilustres administradores Haroldo Koontz e Cyril O´Donnel, que em breves considerações são taxativos ao citar que os princípios norteadores e suas finalidades na atividade de controle são:

“a) princípio da confirmação dos objetivos do controle: comprovar permanentemente a finalidade dos objetivos do controle, detectar desvios, se possível antes da ocorrência e de forma eficiente;

b) princípio da responsabilidade do controle: desenvolver a noção de que a responsabilidade pelo controle não é só do órgão de controle, mas, principalmente, do responsável pela execução do previsto no plano de trabalho;

c) princípio do controle direto: desenvolver esforços no sentido de aprimorar a qualificação dos executores dos atos para que detectem por si próprios a irregularidade;

d) princípio do reflexo dos planos: a ação do controle deve se fazer no sentido de valorizar o planejamento e refletir os próprios planos, contribuindo para o engrandecimento da unidade controlada;

e) princípio do controle do ponto crítico, da exceção: o controle deve voltar sua atenção para os pontos essenciais;

f) princípio da flexibilidade do controle: estar preparado para as modificações e ajustar-se aos novos paradigmas”.38

Por outro lado, a literatura especializada seguida majoritariamente, em especial pelos autores Jacoby Fernandes e Rodrigo Pironti Aguirre de Castro é uníssona no arrolamento dos princípios como sendo o da segregação das funções, da independência técnico-funcional, da relação custo-benefício, da qualificação adequada e da aderência a diretrizes e normas como essenciais na filosofia de trabalho do controle interno.

O princípio da segregação das funções (ou das relações intersetoriais) essencialmente representa que nenhum servidor ou departamento deve controlar todos os passos de uma mesma transação, de forma que, os servidores do controle ou as funções do controle devem separar-se das demais, tais como da contabilidade, da licitação entre outros. Tal princípio é amplamente reconhecido pelo jargão “quem controla não executa, quem executa não controla”. Neste sentido o Tribunal de Contas da União já ordenou no Acórdão nos autos do Processo TC nº 015.456/2006-3, por exemplo, a separação das funções de licitação, liquidação e pagamento.

O princípio da independência técnico-funcional que representa a autonmia funcional dos agentes de controle no que concerne à verificação, análise, coleta de documentos, amostragens e apresentação de resultado. Quanto à autonomia do controle, importantes são as considerações de Hely Lopes Meirelles.

“Parecer técnico: é o que provém de órgão ou agente especializado na matéria, não podendo ser contrariado por leigos ou mesmo por superior hierárquico. Nessa modalidade de parecer ou julgamento, não prevalece a hierarquia administrativa, pois não há subordinação no campo da técnica.39(destaque nosso)

Além da independência técnica dos agentes é importante frisar que esta autonomia se extende aos recursos financeiros, pois sem este, qualquer tentativa de desenvolvimento de ação de iniciativa da Controladoria (ou Coordenadoria de Auditoria e Controle Interno) ficará subordinada à conveniência de terceiros.

A relação custo/benefício ou princípio da economicidade do controle é aquele que traduz a regra do artigo 14 do Decreto nº 200/6740, citado alhures, que em breves palavras significa que o custo de manutenção do controle não pode ser superior ao benefício decorrente de sua atuação, sob pena deste contrariar a sua razão de existir, que é a de proteger o erário e a eficiência da gestão.

Como dito, tendo em vista que o controle avalia a efetividade da aplicação dos recursos e considerando que a Administração Pública abrange diversos ramos, é imprescindível ainda, que o controle esteja amparado por equipe multidisciplinar preparada. Este necessidade representa o princípio da qualificação adequada, que segundo Jacoby Fernandes:

“a eficiência de um órgão de controle depende da qualidade dos seus recursos humanos. Se nas outras áreas esse fator é importante, no controle é fundamental, porque precisa sobretudo da dedicação e motivação de seus agentes. O pecado capital de um agente de controle, depois da corrupção, é a omissão, e, como se sabe, ambos são de difícil verificação.”41

Finalmente, o princípio da aderência a diretrizes e normas institui que os atos administrativos devem ser vinculados às normas, tratando-se de controle, nas hipóteses em que o gestor carece de conhecimento, poderá este recorrer às orientações das Cortes de Contas bem como de pareceres especializados para nortear suas decisões. Segundo Rodrigo Pironti sobre o tema:

“são de reconhecida influência as diretrizes (sejam mediante diretrizes emanadas de pareceres internos da Administração, sejam mediante Instruções Normativas dos Ministérios, ou ainda orientações das Cortes de Contas, que dão vida ao texto legal, realizando – ainda que de maneira interpretativa – a subsunção do fato à norma. É nesse sentido que ganha importância a observância do princípio da aderência às diretrizes e normas no momento em que se realiza o controle da Administração Pública.”42

Assim sendo, entende o TCU quanto a aplicação do princípio da aderência:

“a) quanto o administrador age com base em parecer jurídico bem fundamentado, que adota tese juridicamente razoável, em princípio, não pode ser condenado;

b) a liberdade de gestão não está fora da ação do controle, que deve guiar-se também pelo princípio da razoabilidade, devendo voltar à situação em concreto para que não tome postura alheia à realidade do gestor na época;

c) mesmo quando se trata de parecer encomendado pela Administração Pública, os órgãos de controle procedem ao exame da tese sustentada, em respeito, à possibilidade de interpretações divergentes. Por outro lado, os órgãos de controle não estão obrigados a acolher a tese, mesmo que subscrita por nomes de expressão;

d) o Tribunal de Contas da União tem por regra não penalizar o agente quando adota, em questão ainda não definida em sua jurisprudência, tese juridicamente razoável”.

“Nesse sentido: [...] 32. Malgrado tenham procedido erroneamente – já que não foi feita a inabilitação da empresa no momento correto – os gestores ampararam-se em pareceres jurídicos contendo tese aceitável, alicerçados em lição de doutrina e jurisprudência. PARECER DO MP/TCU – TC: 005.766/95-8 – Decisão Plenária nº 298/96 - Processo TC nº 009.971/2002-9. Acórdão 718/2004”43

Isto posto, embora haja a apresentada dicotomia doutrinária ao qual por um lado a corrente minoritária cite princípios que extrapolam as ações administrativas usuais, e por outro lado a corrente majoritária expõe uma proposta de perfil ideal de um controle interno eficiente, com a máxima venia aos entendimentos apresentados é possível concluir que mesmo diante de tais divergência doutrinárias na denominação dos princípios do controle ambas se complementam, no sentido de que a visão operacional/racional enfatizada na vertente minoritária agregada aos valores/filosofia de trabalho e estruturas apontadas pela vertente majoritária permite imaginar que o equilíbrio desses princípios é o que melhor determina o perfil ideal do controle na administração pública, ao qual toda estrutura e linha de trabalho é minuciosamente elaborada sem abandonar as ações efetivas que são atribuidas ao controle interno conciliando desta forma os princípios aos objetivos e formas.

2.5. DO CONTROLE INTERNO E DA REALIDADE MUNICIPAL

Conforme já citado outrora, a Carta Constitucional previu em seus artigos 70 a 75, a sistemática normativa sobre a fiscalização contábil, financeira e orçamentária na Administração Pública, de forma que esta se dará através do controle externo e interno de cada Poder. Assim sendo, sua aplicação também abrange o esfera Municipal.

No âmbito Municipal o controle externo, nos termos do artigo 31 da Constituição Federal, será exercido pelo Poder Legislativo Municipal, e o controle interno será realizado pelo poder Executivo, a partir a consolidação da cultura da gestão fiscal responsável do órgão público, inerente à sua atividade de Estado.

Neste cenário, os municípios tanto no poder Executivo quanto no Legislativo são obrigados a manter, nos termos do artigo 74 da Constiruição Federal, um sistema de controle integrado para alcançar os objetivos já citados no item 2.3 do presente trabalho.

Vale frisar que, este sistema integrado deverá ser estruturado de forma a possuir autonomia funcional para permitir que o órgão central de controle interno tenha condições de acompanhar as atividades e metas alcançadas pelas demais unidades da Administração Municipal.

Segundo o autor Helio Saul Mileski44, o cenário de estruturação do controle interno no âmbito municipal teve seu marco a partir do advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois, segundo pesquisa realizada, até então, somente 2% dos municipios brasileiros possuiam controle interno estruturado nos termos da Constituição Federal.

Inobstante seja uma determinação legal, no âmbito municipal a estruturação e atuação do órgão central de controle interno por diversas razões, dentre elas a carência de quadro efetivo devidamente qualificado para as atribuições do órgão, bem como a falta de autonomia funcional de fato, posto que que por inúmeras vezes este é constituído tão somente de servidores nomeados, gera a dificuldade na atuação eficaz, posto que, ao contrário da ideia precípua de sua existência, a atuação do controle interno fica sob a dependência do juizo de conveniência e oportunidade do Prefeito, que por vezes não compreende que a finalidade da atuação do órgão central de controle interno é justamente garantir a efetividade da gestão, ao contrário da interpretação equivocada de que o controle interno irá somente controlar os seus atos.

É importante ressaltar que, por diversas vezes, o controle interno do Município é visto como órgão meramente formalizador das vontades políticas dos gestores, de forma que é totalmente distorcida sua missão institucional, passando a “dar jeitinho”, de fazer valer e acontecer as vontades dos gestores.

De tal forma, a falta de uma visão macro sobre a Administração Pública, aliada às arbitrariedades e desvios de finalidade acabam levando ao fracasso a atuação do órgão central de controle interno.

É importante que haja uma mudança de cultura dos gestores públicos no sentido de que o controle interno além de ser uma obrigação legal seja um mecanismo de maximização da efetividade da máquina pública, de tal forma que a ação do controle interno corresponda efetivamente ao aprimoramento administrativo e consequente melhoria na prestação de serviço à sociedade.

Neste sentido, surge a imprescindível colaboração dos órgãos de controle externo, em especial às Câmaras Municipais e principalmente dos Tribunais de Contas do Estado, de forma a fiscalizar a finalidade, regularidade e metas dos órgãos de controle interno municipais.

Sobre o autor
Aislan de Souza Coelho

Advogado e Assessor Técnico na Prefeitura de Campos dos Goytacazes.<br>Pós Graduado em Direito Ambiental com ênfase em Petróleo pela Universidade Candido Mendes - Campos/RJ<br>Pós Graduado em Gestão Pública Municipal pela Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação lato sensu no Curso de Gestão Pública Municipal na Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro

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