A atuação do controle interno como órgão auxiliar ao controle externo exercido pelos Tribunais de Contas

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02/05/2014 às 09:04
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3. DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO

3.1. NOÇÕES GERAIS

No Brasil, a modernização do sistema de controle interno na administração pública adveio com a reforma administrativa ocorrida em 1967, através do Decreto-Lei nº 200/67. Neste modelo pós-reforma, foi adotada a aplicação da avaliação dos atos de gestão e de administração de maneira mais eficiente, ao contrário do modelo tradicional que se preocupava mais com o aspecto formal do que propriamente com a eficiência da gestão.

Neste contexto, passou a ser adotado o processo de auditorias financeira e orçamentária, baseado na visão macro gerencial até então adotada comumente somente nos maiores empreendimentos do mundo desenvolvido.

Apesar da implantação de um sistema de controle em sua plenitude ser uma experiencia nova no cenário pátrio, especificamente a partir da Constituição Federal de 1988, que tornou obrigatória sua implantação na gestão pública, o sistema de controle interno se constitui com a propositura de orientações normativas e técnicas a fim de garantir a legalidade e conformidade dos atos praticados pelos gestores públicos.

Embora exista a aparente facilidade na composição, implantação e objetivos de um sistema de controle interno eficiente, o que ocorre de fato é que sua composição é formada por uma complexa estrutura, como aponta em seu conceito de sistema de controle interno a auditora do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Maria Luciene Cartaxo Fernandes:45

o conjunto complexo e organizado de regras e normas, de unidades, de princípios, métodos, procedimentos e equipamentos coordenados entre si, que busca o fim precípuo de realizar a avaliação da gestão pública e o acompanhamento dos programas de govemo, bem como de comprovar a legalidade e avaliar os resultados quanto à eficácia, eficiência e economicidade da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional nas unidades da administração pública.

Quanto à conceituação, sistema de controle de controle interno apresenta diversas vertentes bem elaboradas que se complementam na doutrina pátria e nos entendimentos dos Tribunais de Contas dos Estados.

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, por exemplo, em sua Resolução n° 10/1998 conceitua sistema controle interno como sendo:

O sistema de controle interno compreende as políticas e procedimentos estabelecidos pela administração de um órtão/entidade para ajudar a alcançar os objetivos e metas propostas e assegurar, enquanto for praticável, o desenvolvimento ordenado e eficiente das operações, incluindo a adesão às políticas e procedimentos administrativos, a salvaguarda dos ativos e prevenção e identificação de fraudes e erros, o registro completo e correto das transações.”

Já no entendimento do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba46 (TCE-PB) o Sistema de Controle Interno Municipal compreende o conjunto de normas, regras, princípios, planos, métodos e procedimentos que, coordenados entre si, têm por objetivo efetivar a avaliação da gestão pública e o acompanhamento dos programas e políticas públicas. Procura-se, com tal sistema, evidenciar a legalidade e razoabilidade dos atos praticados pela administração, avaliar os seus resultados no que concerne à economia, eficiência e eficácia da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional dos órgãos e entidades municipais. Não esquecer da gestão contábil, sendo tão importante como as demais, já que o registro devido dos movimentos financeiros deve assegurar a continuidade e a historia da gestão.

Para o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo47 (TCE-ES), sistema de Controle Interno pode ser entendido como:

“o somatório das atividades de controle exercidas no dia-a-dia em toda a organização para assegurar a salvaguarda dos ativos, a eficiência operacional e o cumprimento das normas legais e regulamentares. Com isso, fica claro que o controle interno, no âmbito da Administração Pública, deve ser distribuído nos vários segmentos do serviço público, envolvendo desde o menor nível de chefia até o administrador principal, posto que todas as atividades da administração pública devem ser devidamente controladas.”

O Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, na Resolução n.º 1.120/2005, que dispõe sobre a criação, implantação e manutenção do sistema de controle interno no âmbito dos poderes municipais do Estado, considerando-o como “peça fundamental para a realização de gestões responsáveis e transparentes”, dispôs que o sistema de controle interno municipal representa:

“O conjunto de normas, regras, princípios, planos, métodos e procedimentos que, coordenados entre si, têm por objetivo efetivar a avaliação da gestão pública e o acompanhamento dos programas e políticas públicas, bem como evidenciando sua legalidade e razoabilidade, avaliar os seus resultados no que concerne à economia, eficiência e eficácia da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional dos órgãos e entidades municipais.”

3.2. EIXOS DE ATUAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO

Os eixos de atuação de um sistema de controle interno na administração pública consistem nos pontos focais que devem ser estruturados com o intuito de que sejam desenvolvidas atividades/estratégias para o alcance de objetivos atinentes ao poder público.

A estrutura de controle deve ser desenhada em função das variáveis-chave que derivam do contexto social e da estratégia do plano de governo, além de levar em consideração as responsabilidades de cada administrador ou encarregado por centros de competência. A estrutura contém, ainda, o sistema de indicadores de informações e de incentivos.

O processo de controle opera-se com a dinâmica da organização e engloba o planejamento e a orçamentação dos meios, a execução das atividades planejadas e a avaliação periódica da atuação.

Os controles internos, tomados como sistema, abordam como eixo de atuação toda a organização e podem caracterizar-se com os controles contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial.

Cada um dos eixos de atuação é encarregado de um conjunto de atividades com vistas a produzir resultados. Considerando-se a interrelação existente entre esses subsistemas, a ocorrência de falhas em qualquer um deles poderá comprometer o funcionamento do sistema como um todo e o alcance dos objetivos traçados.

O controle contábil diz respeito à salvaguarda do patrimônio e à fidedignidade das informações contábeis, incluindo, por exemplo, controles físicos sobre bens, estabelecimento de níveis de autoridade e responsabilidade, segregação de funções, rotação de funcionários e elaboração de relatórios periódicos. Pormenorizando suas atividades podemos encontrar ainda a execução do registro da execução orçamentária e extraorçamentária; verificação da existência, atualização e adequação dos registros dos Livros ou Fichas de controle orçamentário, do Diário, do Razão, do Caixa, dos Boletins de Tesouraria e dos livros da Dívida Ativa, em conformidade com as normas legais; verificação da obrigatoriedade da guarda dos livros nos arquivos do órgão e/ou entidade; verificação se os livros informatizados estão devidamente impressos, encadernados e assinados pela autoridade competente; geração e consolidação dos demonstrativos contábeis, bem como a finalização da prestação de contas anual a ser encaminhada ao TCE observando os prazos estabelecidos; geração e consolidação dos demonstrativos exigidos pela LRF - LC n. 101/2000, assim como o controle dos prazos regulamentares estabelecidos para a sua divulgação e remessa ao TCE.

O controle interno financeiro consiste no estabelecimento da programação financeira em conformidade com a previsão/execução orçamentária; controle da receita e das disponibilidades financeiras vinculadas e não vinculadas; definição de normas e regulamentos e os respectivos controles aplicáveis à concessão de adiantamentos, como também aos pagamentos de diárias; contratação e controle de operações de crédito, avais e garantias; controles de receitas e despesas relacionados com Fundos, por exemplo.

A atuação na esfera orçamentária ocorre, em suma, desde elaboração do PPA para o quadriênio seguinte e avaliação do PPA vigente, com proposição, se necessário, de revisões nas diretrizes estabelecidas no plano; elaboração da proposta de LDO para o exercício seguinte e controle da execução do orçamento anual corrente, inclusive as modificações realizadas através da abertura de créditos adicionais; elaboração da proposta da LOA e acompanhamento / controle de sua execução; elaboração e acompanhamento da programação financeira e do cronograma de execução mensal de desembolsos; organização e acompanhamento de audiências públicas durante a fase de elaboração / proposição do PPA, LDO e LOA; controle na limitação de empenhos e na movimentação financeira, quando necessário, nas situações condicionadas pelas limitações impostas pela LC 101/2000 (LRF); realização de estudos para estimativa do impacto orçamentário e financeiro quando da concessão de renúncia fiscal (art. 14 - LRF) até a geração de novas despesas (art. 16 - LRF), ou no caso de aumento das despesas de caráter continuado (art. 17 - LRF).

Na seara administrativa o sistema de controle interno deve atentar para avaliação da estrutura administrativa e organizacional do órgão / entidade, verificando sua compatibilização com os diplomas legais: Constituição Federal, Constituição Estadual e Lei Orgânica do Município; definição da estrutura existente, detalhando atribuições das unidades executoras.

Finalmente, na abordagem patrimonial, o sistema de controle interno deve atentar para a verificação do registro, controle e inventário de bens móveis e imóveis; alienação e cessão de bens; desapropriação de imóveis; definição de normas e regulamentos para os casos de extravio e furto de bens; criação de regime de almoxarifado, com os controles de entrada e saída de materiais pelo custo médio ponderado.

Para tanto, necessário se faz a implementação de mecanismos de controle sobre essas atividades, tais como normas internas que estabeleçam responsabilidades pelas tarefas, rotinas de trabalho, procedimentos de autorização, revisão, aprovação e registro de operações, compreendendo aspectos contábeis e administrativos.

Os controles internos devem ser permanentes e estarem integrados às atividades da entidade, sendo composto por 5 (cinco) componentes interrelacionados que são: ambiente de controle, avaliação de risco, procedimentos de controle, informações e comunicações e monitoramento.

3.3. COMPONENTES DO SISTEMA DE CONTROLE INTERNO

Para que seja possível desenvolver um sistema de controle interno na administração pública que atinja os resultados propostos pela gestão é indispensável que haja a perfeita concatenação de componentes que determinarão a eficácia do controle.

Neste sentido, conforme determinado na Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.135/2008, que aprova as Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público – NBC T 16.8, para que haja a eficácia do sistema de controle interno a sua estrutura deverá ser composta por ambiente de controle; mapeamento e avaliação de riscos; procedimentos de controle; informação e comunicação; e monitoramento.

O ambiente de controle representa as condições necessárias de comprometimento, comportamento e estruturas que devem estar presentes em todos os níveis da administração para atingir com a qualidade o objetivo do sistema.

Segundo o Comitê das Organizações Patrocinadoras da Comissão Treadway – COSO48 sobre ambiente de trabalho:

“O ambiente de controle é um conjunto de normas, processos e estruturas que fornece a base para a condução do controle interno por toda a organização. A estrutura de governança e a alta administração estabelecem uma diretriz sobre a importância do controle interno, inclusive das normas de conduta esperadas. A administração reforça as expectativas nos vários níveis da organização.”

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Segundo Marcelo Chaves Aragão49 sobre este componente:

“os elementos do ambiente de controle são a integridade pessoal e profissional e os valores éticos da direção e do quadro de pessoal, o comprometimento com a competência, o perfil e estilo gerencial, a estrutura organizacional da entidade, a atribuição de autoridade e responsabilidade e as políticas e práticas de recursos humanos.”

Definidos o ambiente de controle e os objetivos, o próximo componente a ser atentado pelo sistema de controle interno será a realização do mapeamento/gerenciamento dos riscos que podem comprometer o atingimento das metas estabelecidas. Este componente aponta necessidade de a sistemática do controle interno possuir um perfil dinâmico, tendo em vista que, inobstante a gestão pública deva ser pautada e cumprida dentro de um planejamento preestabelecido, esta também é passível de fatores imprevisíveis, sendo necessário, portanto, que o sistema de controle interno seja estruturado de forma que o gestor público possa gerenciar e mensurar os riscos, seus efeitos bem como delinear as estratégias a serem assumidas.

Sobre o gerenciamento de riscos relevantes são os apontamentos feitos pela Flávia Monken Mascarenhas50 ao considerar que:

“O gerenciamento de riscos corporativos dentro de uma instituição contribui então para assegurar a comunicação eficaz e o cumprimento de leis e de regulamentos, bem como evitar danos à reputação da organização e suas conseqüências. Em suma, o gerenciamento de riscos corporativos ajuda a organização a atingir seus objetivos e a evitar os perigos e surpresas em seu percurso. Trata-se de um processo a ser conduzido pelos colaboradores de todos os níveis da organização (desde o conselho de administração, diretoria e até os demais empregados). Deve ser aplicado com a finalidade de formular estratégias para identificar em toda a organização eventos em potencial, capazes de afetá-la. Seu objetivo maior é administrar os riscos de modo a mantê-los compatíveis com o “apetite a risco” da organização e possibilitar garantia razoável do cumprimento dos seus objetivos. “

Ainda sobre gerenciamento de risco a INTOSAI51 cita que:

“a melhor maneira de minimizar o risco é através de procedimentos de controle. Os procedimentos de controle podem ser preventivos e/ou detectivos. As ações corretivas são necessárias para complementar os procedimentos de controle interno, com a intenção de alcançar os objetivos”

Já os procedimentos de controle e as ações corretivas são aquelas que devem propiciar a potencialização dos efeitos dos recursos aplicados, de forma que os recursos adotados para tal não excedam aos resultados dela decorrentes.

Sobre procedimentos de controle, relevantes são as definições apresentadas na NBCT 16.8:

“Procedimentos de controle são medidas e ações estabelecidas para prevenir ou detectar os riscos inerentes ou potenciais à tempestividade, à fidedignidade e à precisão da informação contábil, classificando-se em:(a)procedimentos de prevenção – medidas que antecedem o processamento de um ato ou um fato, para prevenir a ocorrência de omissões, inadequações e intempestividade da informação contábil; (b) procedimentos de detecção – medidas que visem à identificação, concomitante ou a posteriori, de erros, omissões, inadequações e intempestividade da informação contábil.”

Os componentes de informação e comunicação são importantes diante da necessidade do gerenciamento e acompanhamento dinâmico das informações relevantes, confiáveis, corretas e oportunas relacionada aos fatos internos e externos da Administração Pública, de forma que toda administração possa ter um histórico confiável para que o sistema de controle interno possa no decorrer dos períodos ter dados suficientes para traçar planos a fim de alcançar os objetivos. Ressaltando ainda que a comunicação das informações produzidas deve atingir todos os níveis, por meio de canais claros e abertos que permitam à informação fluir em todos os sentidos.

Há ainda o monitoramento como componente que corresponde ao acompanhamento contínuo das ações da administração através de ferramentas de auto-avaliação, revisão rotineira e auditorias internas a fim de garantir continuamente os objetivos, ambiente, recursos com a minimização dos riscos da gestão para apresentação de adequadas e oportunas soluções.

Vale citar ainda que, este modelo de sistema de controle interno estruturado com os componentes supradestacados foi delineado no denominado “Modelo COSO”, que tornou-se o referencial de sistema de controle interno para ser adaptado às peculiaridades de cada entidade, obtendo-se um referencial teórico próprio para implementação e avaliação.

Embora existam outros modelos, esta estrutura tornou-se referência mundial e foi incorporada em políticas, normas, regulamentos e até leis, por milhares de organizações em todo mundo.

Assim sendo, na Administração Pública, os controles internos devem ser estruturados para enfrentar os riscos e fornecer suporte de que na consecução da missão da entidade sejam alcançados determinados objetivos gerais. Esses objetivos estão relacionados a uma gestão ética, econômica, eficiente, eficaz e regular, ao cumprimento das obrigações de accountability e à salvaguarda dos recursos para evitar perdas, mau uso e dano.

Portanto, os controles internos representam razoável segurança para os gestores públicos de que os atos de gestão foram praticados de acordo com as leis e as normas, o patrimônio público está sob proteção e os resultados planejados foram atingidos.

Além dessas finalidades, os controles internos subsidiam os administradores públicos nas decisões tomadas, assegurando que as informações sejam adequadas e fidedignas e uma maior transparência na prestação de contas da gestão dos recursos públicos e ainda realizar sua função institucional de auxiliar os controles externos, em especial aos Tribunais de Contas, nos termos do artigo 74, IV da Constituição Federal.

Sobre o autor
Aislan de Souza Coelho

Advogado e Assessor Técnico na Prefeitura de Campos dos Goytacazes.<br>Pós Graduado em Direito Ambiental com ênfase em Petróleo pela Universidade Candido Mendes - Campos/RJ<br>Pós Graduado em Gestão Pública Municipal pela Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação lato sensu no Curso de Gestão Pública Municipal na Escola de Contas e Gestão do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro

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