Direito Penal do inimigo: constitucionalidade

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06/05/2014 às 08:55
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No bojo do presente trabalho será apreciado em diversos aspectos o tema Direito Penal do Inimigo, abrangendo o lado social, a visão do averiguador, do julgador, do acusador, do defensor e do próprio condenado.

DIREITO PENAL DO INIMIGO

CONSTITUCIONALIDADE

GUILHERME AUGUSTO SOUZA GODOY

CUIABÁ - MT

2014

RESUMO

No bojo do presente trabalho será apreciado em diversos aspectos o tema Direito Penal do Inimigo, abrangendo o lado social, a visão do averiguador, do julgador, do acusador, do defensor e do próprio condenado. Será discorrida a abrangência no Brasil desse conceito, que surge do Direito Germânico com uma visão radicalista, que enfrenta em nosso país a barreira dos Direitos Humanos. Estarão apresentadas situações concretas que estão ocorrendo em nossa nação, com os novos valores e conceitos de ressocialização, até de forma sustentável, se adequando à notável, mas otimistamente “metamorfósica”, desestruturação e ineficaz fiscalização do Estado no âmbito da Segurança.

Palavras chaves: direito alemão, ressocialização, punição, fiscalização.

 

ABSTRACT

In the midst of this work will be judget on various aspects of Criminal Law Enemy topic, covering the social side, the view of the investigator, of the judge, of the prosecutor, of the defender  and of the covict himself. Will be discussed in the scope of this concept on Brazil, that arises of the Germanic Law with one extremist view, that facing in our country the barrier of Human Rights. Are presented concrete situations that are occurring in our nation, with the new values and concepts of rehabilitacion, until sustainably, adapting the remarkable, but metamorphosis optimistically, unstructured and ineffective supervision of the State under Security.

Keywords: germanic law, resocialization, punishment, supervision.

INTRODUÇÃO

Serão analisadas as mais diversas situações referentes às mudanças na forma de punir e tentar ressocializar um condenado, usando técnicas criativas possíveis perante a atual situação que se alcançou, no que tange às superlotações nos presídios, conseqüência de vários aspectos político-social-econômicos que em conjunto causaram temível situação de extrema insegurança e falho controle social, de forma a haver grande domínio por parte dos malfeitores, numa sociedade que, por sua maioria, não valoriza a educação, de forma a buscarem um equilíbrio na desigualdade social através de meios não convenientes licitamente. Foram separados alguns “recortes de jornais”, que de fato, na atual circunstância são impressos de jornais eletrônicos, com diversas situações do âmbito judicial, policial, prisional e/ou social que estimulam uma análise da atual realidade nesses meios. O método de abordagem aqui tratado é o dedutivo, pois partindo da lei é mostrado o ponto de vista particular. Os métodos de procedimento utilizados são Monográfico, Funcionalista e Histórico. As técnicas são de documentação indireta, ou seja pesquisas bibliográficas, pesquisa documental e entrevistas. Serão analisadas as seguintes questões no trabalho: O Direito Penal do Inimigo pode ser praticado no Brasil? É constitucional a forma de tratamento diferencial para os considerados “Inimigos de Estado”? A sociedade sofre com a ação dos líderes de comunidade com “poder paralelo” (um dos indivíduos que podem ser considerados inimigos de Estado)? Questões estas que podem, a princípio serem abertas à discussão com as seguintes teses: Com a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, implantou-se parcialmente no Brasil a técnica desenvolvida com o conceito do Direito Penal do Inimigo. A discussão é grande quanto a constitucionalidade, principalmente quando trata-se, nos casos de prisão no Regime Disciplinar Diferenciado, do prazo de cumprimento de pena, considerada por muitos uma afronta ao princípio da Dignidade Humana, pelo cidadão estar submetido a condições desumanas impostas pelos métodos do regime. A sociedade que vive nas comunidades controladas por determinada facção, se submetem a obediência às regras do “Estado paralelo” ali criado pelos líderes. De certa forma há total falta de liberdade, tendo em vista que os indivíduos que ali se encontram nesta forma de submissão, devem cumprir as regras estipuladas para terem apoio e proteção, mantendo sua sobrevivência. O objetivo geral é transferir conhecimento quanto ao conceito advindo do direito alemão que está se implantando, de certa forma, no Brasil, denominado Direito Penal do Inimigo. Tendo como objetivo específico analisar a constitucionalidade e a aplicação   do  novo    conceito    na sociedade, quais os prós e contras, quais as conseqüências. Quando se analisa a democracia, nota-se que todos tem poder de opinião diante dos acontecimentos do dia-a-dia. Neste liame, observa-se que certas atitudes expressadas são no sentido de protesto, de rebeldia. É de se ressaltar, que existem rebeldias saudáveis e rebeldias extremas, algumas manifestadas com caráter aterrorizador, em alguns casos por líderes de facções que pretendem e de certa forma organizam em sua comunidade, um “Estado paralelo” com suas regras e determinações. Quem vive nestas comunidades, comandadas por traficantes, que são os “reis do pedaço”, devem se submeter as regras e obedecer as determinações, como medida de sobrevivência e proteção. O Estado vem articulando formas de combater esta triste realidade principalmente vivida nos grandes centros (São Paulo e Rio de Janeiro pelas respectivas facções criminosas Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho). Observa-se também que o comando destas ações rebeldes, já não está tão somente nos grandes centros, está se espalhando em outros Estados, como o exemplo de assaltos a agências bancárias e outros ataques denominados “NOVO CANGAÇO” realizados no norte do Estado de Mato Grosso. Desta feita, passa-se a estudar uma novidade advinda do Direito Alemão, teoria de Günther Jakobs, o Direito Penal do Inimigo, que rege o tratamento diferenciado na figura do INIMIGO DE ESTADO, caracterizado por grande desordenador das regras de convivência na sociedade. No primeiro capítulo observaremos a forma de vida nas periferias em que reina o “estado paralelo”, como é a convivência nas comunidades com tráfico, no capítulo seguinte veremos a visão das autoridades em relação ao tema em voga, em seguida será abordada a causa da superlotação nos presídios, em relação à eficácia da ressocialização. E por fim, um pouco da teoria germânica e seus obstáculos com os direitos humanos.

CAPÍTULO 1 - OBSERVANDO A FORMA DE VIDA NAS PERIFERIAS EM QUE REINA O “ESTADO PARALELO”

Parapapapapapapapapapa [...] (som de tiro) morro do Dendê é ruim de invadir, nós com os alemão vamos se divertir, porque no Dendê eu vou dizer como é que é, aqui não tem mole nem pra D.R.E. (delegacia da Polícia Civil de repressão a entorpecentes), pra subir aqui no morro até a BOPE (batalhão de operações especiais da Polícia Militar) treme, não tem mole pro exército civil nem pra PM, eu dou o maior conceito para os amigos meus, mas morro do Dendê também é terra de Deus [...] vem um de AR15, outro de 12 na mão, vem mais um de pistola e outro com dois oitão, um vai de URU na frente escoltando o camburão, vem mais dois na retaguarda, mas tão de crock na mão, amigos que eu não esqueço, nem deixo pra depois, lá vem dois irmãozinhos de 762, dando tiro pro alto só pra fazer teste, de ina-ingratek, pisto-uzi ou de winchester, é que eles são bandido ruim e ninguém trabalha, de AK47 na outra mão a metralha, esse rap é maneiro eu digo pra vocês, quem é aqueles cara de M16, a vizinhança dessa massa já diz que não agüenta, na entrada da favela já tem ponto cinqüenta, e se tu toma um pá, será que você grita, seja de ponto cinqüenta ou então de ponto trinta, mas se for alemão eu não deixo pra amanhã, acabo com o [...] dando tiro de pazan [...] e finalizo o rap detonando de granada [...] (referências ao calibre e denominação das armas)  (sic) (observações minhas).[1]

    Escolhi essa música propositalmente, além de ser tema do filme “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro” que, segundo o site G1[2], foi o filme mais visto da história do cinema brasileiro, além dos dois filmes terem ganhado inúmeras premiações no Brasil e no exterior, de acordo com a Wikipedia[3], tais como Urso de Ouro de melhor filme no Festival de Berlim de 2008, Melhor Filme no Festival Hola Lisboa em 2008, Grande Prêmio Vivo do Cinema Brasileiro em 2008, Festival de Havana, entre outros, a música detalha uma situação rotineira do cotidiano dos morros com tráfico da periferia carioca. Mas não é em tudo ruim a situação destas comunidades, existe um “Governo Paralelo” que, se quem mora lá se adequa aos valores e respeita, terá proteção. É o exemplo da notícia veiculada na internet em agosto de 2012, vejamos:

Colégio em favela com tráfico no Rio é o terceiro melhor do Brasil no Ideb

Com aulas em período integral, reforço escolar e participação dos pais, diretora nascida na comunidade eleva desempenho de escola no violento morro da Pedreira

[...] Contra todos os prognósticos, a escola teve o terceiro melhor desempenho do Brasil nos anos iniciais do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), com média 8,5. “Nós temos nos superado. No último Ideb, em 2009, tivemos 6,7 de média, e agora conseguimos superar a nossa meta, que era evoluir 12,5% em relação ao último. [...][4]

    Esse “Estado Paralelo” é conceituado como o poder de influência e de imposição de normas dos traficantes na comunidade onde vivem, com isso eles se camuflam em meio a verdadeiros impérios, vejamos o que foi publicado no jornal G1 do Rio em 15 de outubro de 2012:

 

 

Área de lazer de criminosos do Jacarezinho é achada ao lado de valão

Piscina azulejada e área com churrasqueira funcionavam em plena rua.

[...] Ao lado do valão que corta a favela, na rua, há uma piscina do comprimento de um ônibus, toda azulejada, junto a uma área coberta, com churrasqueira, pia e bancadas. De cada um dos lados da área coberta, um pequeno banheiro e de frente para a piscina, uma guarita para garantir a tranqüilidade de seus freqüentadores. [...][5]

 

 

    Essa citada área de lazer foi descoberta durante a ocupação realizada pelo BOPE na comunidade, como se vê:

Policiais do Bope ocupam a favela do Jacarezinho

[...] O Rio de Janeiro tem hoje 28 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), ponta de lança do processo de pacificação iniciado pelo governo do estado há quatro anos. Cerca de 370 mil moradores são beneficiados. A primeira UPP foi instalada em dezembro de 2008, no Morro Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul da cidade.

Em 2009, o Rio ganhou mais quatro Unidades de Polícia Pacificadora, nas comunidades da Cidade de Deus, Jardim Batan, Babilônia/Chapéu Mangueira e Pavão-Pavãozinho/Cantagalo.

No ano seguinte, as UPPs chegaram a mais oito localidades: Ladeira dos Tabajaras/Cabritos, Morro da Providência, Borel, Formiga, Andaraí, Salgueiro, Turano e Macacos.

Em 2011, as comunidades de São João Quieto/Matriz, Coroa Fallet/Fogueteiro, Morro dos Prazeres/Escondidinho, Complexo de São Carlos e Mangueira/Tuiuti ganharam UPPs.

O Morro do Vidigal, no Leblon, recebeu a primeira UPP de 2012. Em seguida, as unidades foram instaladas ao Morro do Alemão, Fazendinha, Nova Brasília, Adeus/Baiana, Chatuba, Fé/Sereno, Parque/Proletário, Vila Cruzeiro e, em setembro, à Rocinha, a maior favela do Rio de Janeiro.[6]

    O Bope, como tão bem ilustrado no filme “Tropa de Elite”, parece ser uma solução apresentada pelo Governo, para diminuir parte do poder nas comunidades com tráfico, através das UPPs, conforme o acima exposto.

    Vejamos a seguir alguns relatos de um jornalista que escreveu um livro contando histórias por ele presenciadas ou checadas para reproduzi-las. Ele revela segredos do Crime Organizado, mais especificamente, sobre o Comando Vermelho no Rio de Janeiro. A seguir é demonstrado como funciona o “Tribunal” do “Poder Paralelo”:

Aqui podemos lembrar um episódio que retrata fielmente esse compromisso tácito entre o crime e a comunidade pobre. No dia 29 de novembro de 1990, um dos mais importantes traficantes da Zona Sul do Rio, Antônio José Pereira, o Tonzé, foi assassinado por seu maior aliado. Tonzé estava refugiado no Morro do Querosene, um domínio de Adilson Balbino, que controla quatro favelas na Zona Norte. Tonzé precisava de homens e armas para enfrentar uma guerra pelo controle do tráfico em Ipanema e Copacabana. Só que ele se encheu de encantos por uma mocinha de dezesseis anos, moradora da favela. A menina resistiu à sua aproximação e terminou sendo barbaramente violentada. No dia seguinte, o gerente da boca-de-fumo do Morro do Querosene procurou Adilson Balbino e contou a história. O traficante reuniu o que se poderia chamar de tribunal da quadrilha e pôs o caso diante das leis que regem a vida nas favelas. Conclusão: Tonzé foi condenado à morte, e a sentença foi executada rapidamente, à luz do dia.

O traficante foi arrastado para um terreno vazio, sob as torres de energia da Light, e lá disseram a ele que ainda teria uma chance: sair correndo e tentar escapar dos tiros. Se conseguisse, estaria livre. Tonzé não conseguiu. Levou muitas balas de metralhadora e de pistolas automáticas, disparadas por seis "soldados" da favela. Sobre o corpo dele foi colocado um cartaz: "Este é Tonzé, o estuprador." Moradores do Morro do Querosene, reunidos para o espetáculo, bateram palmas diante da demonstração rápida e eficiente da única justiça que conhecem: a lei do cão. Mas os tribunais do crime organizado também se voltam contra o morador. Aquele que reclama, que incomoda, que não aceita as exigências do tráfico pode ser expulso da favela - ou pode acabar com um tiro na cabeça. Algumas vezes os traficantes simplesmente requisitam um barraco que está numa posição estratégica. A família que se mude.[7]

    Em um trecho do livro o jornalista faz uma observação em relação a um presídio, que segundo ele tem a fama de ser o pior do mundo:

A Ilha Grande ganha status de um curso de pós-doutorado no crime. Quem entra ladrão sai assaltante. Aquele que tentava a sorte sozinho sai chefe de quadrilha.[8]

    Ironizando nesse momento, a situação de superlotação, em conjunto com a ineficácia da ressocialização.

    E em mais um trecho, traduz o funcionamento do sistema, do jogo de xadrez daquele “comando”:

A morte do transgressor foi descrita no livro Quatrocentos Contra Um - Uma História do Comando Vermelho, as memórias de William da Silva Lima:

"(...) um preso do nosso coletivo assaltou um companheiro, rompendo o pacto de não-violência que havíamos estabelecido entre nós. Como agravante, assumiu uma posição desafiadora quando o assunto foi trazido à luz: estava inspirado e apoiado pela quadrilha que então dominava toda a Ilha Grande, cobrando pedágios, matando e estuprando. O produto do roubo, quando investigamos, já fora enviado para fora do "fundão". Era uma provocação."

O coletivo do Comando Vermelho sentenciou o companheiro à morte, porque "aceitar sua impunidade seria uma confissão de fraqueza, desunião e pusilanimidade". Ele foi atacado a golpes de estoque. O cadáver chegou ao Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro com perfurações no peito e nas costas. Apresentava hematomas no rosto e na cabeça, indicando que tentara se defender. O golpe de misericórdia foi uma violenta facada no crânio, que perfurou o cérebro do preso - pobre peão no xadrez da Ilha Grande.[9]

    E menciona as regras e o lema desta organização:

As novas e mais radicais palavras de ordem do Comando Vermelho são ouvidas em todas as cadeias:

1. Morte para quem assaltar ou estuprar companheiros;

2. Incompatibilidades trazidas da rua devem ser resolvidas na rua, porque a rivalidade entre quadrilhas não pode perturbar a vida na cadeia;

3. Violência apenas para tentar fugir;

4. Luta permanente contra a repressão e os abusos.

Pouco tempo depois, o Comando Vermelho cria o slogan da organização, resumido numa só frase

— Paz, justiça e liberdade!

Até hoje é este o lema da organização criminosa mais perigosa do país. Está escrito nas paredes das casas de favelas, nos trens da Central do Brasil, nos pontos de vendas de drogas. [10]

    Interessante o que ele publica, como sendo “As doze regras do bom bandido”, interessante e irônico:

Um manual de procedimentos, que a polícia batizou de "As Doze Regras do Bom Bandido", serve como bússola para o comportamento do bandido solto. Vejamos:

"1. Não delatar.

2. Não confiar em ninguém.

3. Trazer sempre consigo uma arma limpa, carregada, sem demonstrar volume, mas com facilidade de saque e munição sobressalente.

4. Lembrar-se sempre que a polícia é organização, e nunca subestimá-la.

5. Respeitar mulher, criança e indefesos, mas abrir mão desse respeito quando a sua vida ou liberdade estiverem em jogo.

6. Estar sempre que possível documentado (mesmo com documento falso) e com dinheiro.

7. Não trazer consigo retratos ou endereços suspeitos, bem como não usar objetos com seu nome gravado.

8. Andar sempre bem apresentável, com barba feita. Evitar falar gíria. Evitar andar a pé. Não freqüentar lugares suspeitos. Não andar em companhia de 'chave-de-cadeia'.

9. Saber dirigir autos, motos etc. Conhecer alguma coisa de arrombamento, falsificação e noções de enfermagem.

10. Lembrar-se sempre que roubar 100 cruzeiros ou 100 milhões de cruzeiros resulta na mesma coisa.

11. Estar sempre em contato com o criminalista.

12. Não usar tatuagem em hipótese alguma." [11]

    Aqui o autor confirma o modo “Robin Wood” das facções criminosas em suas comunidades, com a finalidade de terem apoio e respeito, o que forma um “muro de concreto”, uma barreira de defesa, onde moram:

Seqüestros não são a atividade principal do Comando Vermelho, que se concentrou no monopólio do tráfico de entorpecentes e de armas de guerra. Mas a extorsão contra comerciantes e empresários - além de fazer caixa para a organização - é usada como "propaganda armada" e cumpre "finalidades sociais". Parece um exagero, mas não é: no dia 24 de março de 1991, um comerciante pagou resgate aos pobres, distribuindo dezoito toneladas de alimentos no Morro do Juramento. Poucos minutos bastaram para a comida desaparecer entre quatro mil favelados. Houve muito empurra-empurra e onze pessoas terminaram feridas. A maioria mulheres e crianças. Pisoteadas. A distribuição, no melhor estilo dos guerrilheiros montoneros argentinos, foi registrada numa página inteira de reportagem do jornal O Globo:

"Bastaram quinze minutos para que nove toneladas de carne e igual quantidade de cereais fossem levados da Associação Atlética Vicente de Carvalho, na Rua Guaraúna, para o alto do Morro do Juramento nos ombros de milhares de favelados. Aos gritos, pisões e empurrões e sob chuva fina, eles dividiram, pela lei do mais forte, os alimentos entregues no local para pagamento do resgate de Francisco José Coelho Vieira, de 32 anos, dono da empresa Transportes e Comércio Bandeira. Seqüestrado por cinco homens na Praça da Bandeira, o empresário foi libertado ontem (...) e hoje, apesar de ele já estar a salvo, seus parentes e amigos cumpriram o acordo feito com os bandidos: encheram três caminhões com as mercadorias e as levaram para distribuir entre os moradores do morro."

A Favela do Juramento, como sabemos, é controlada por José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, hoje o número dois na hierarquia do Comando Vermelho. O traficante preso em Bangu Um é tratado carinhosamente pelos moradores do morro, que o chamam de Zequinha. O Jornal do Brasil, que também deu ampla cobertura ao pagamento do estranho resgate, publicou:

"Fogos de artifício espocavam no alto do morro e junto à associação. Dezenas de pessoas na rua cantarolavam: 'hei, hei, hei, Zequinha é nosso rei' e comentavam que a distribuição tinha que ser feita no Juramento para mostrar que mesmo preso ele ainda mandava."

Esse tipo de atitude do Comando Vermelho, forçando um pagamento de um resgate aos favelados, é típico da estratégia de consolidar ligações estáveis com as comunidades carentes. Em outras ocasiões, os grupos armados da organização roubaram caminhões de gás, leite e carne para distribuir aos moradores das áreas onde estão instaladas as bocas-de-fumo. Até eletrodomésticos chegam aos morros pela ação dos traficantes, que também preparam e executam saques em supermercados. Na estação de trens de Vieira Fazenda, numa das entradas da Favela do Jacarezinho, uma pichação no muro da Rede Ferroviária explica as intenções da organização:

"O CV protege o povo pobre."

O crime organizado ocupa as lacunas de assistência social que o Estado vai deixando para trás, ao sabor da crise econômica ou da insensibilidade política. A dominação sobre as comunidades pobres passa quase que necessariamente por esse tipo de estratégia, até porque o bandido mora na favela e é mais permeável às reivindicações do morador. A postura paternalista se mistura - até mesmo se confunde - com a aplicação da "lei do cão". E o favelado também compreende isso, numa aceitação de que a violência é natural num segmento da sociedade que já vive mesmo sem

leis. A marginalização produz esse fenômeno social, ético e político. Um fenômeno definido com extrema clareza nas palavras do escritor turco Yashar Kemal:

"Os bandidos vivem de amor e de medo. Inspirar apenas amor é fraqueza. Quando inspiram apenas medo, são odiados e não têm quem os ajude."

Kemal é citado pelo historiador e sociólogo E. J. Hobsbawm, em seu magistral Bandidos (Editora Forense Universitária, 1969). Respeitado entre os pensadores de formação marxista, Hobsbawm faz uma análise definitiva sobre a criminalidade com vocação social:

"Matar e agir com violência fazem parte da imagem do bandido social. Não há razão para esperarmos que, como grupo, ajam de conformidade com os padrões morais. (...) O terror faz parte de sua imagem pública. São heróis, não a despeito do medo e horror que inspiram suas ações, mas por causa deles. São (...) vingadores e aplicadores da força; não são vistos como agentes da justiça, e sim como homens que provam que até mesmo os fracos e pobres podem ser terríveis."

Este trecho de Bandidos é dedicado ao nosso Virgulino Lampião, o cangaceiro mais famoso do Brasil. E Hobsbawm também define a cumplicidade entre o crime e a população carente, num trecho de seu livro que cai como uma luva na situação das favelas cariocas:

"Em primeiro lugar, um bando representa algo com o qual o sistema local precisa estabelecer um modus vivendi. Onde não existe nenhum mecanismo regular e eficiente para a manutenção da ordem pública - e isso ocorre quase por definição nas áreas onde floresce o banditismo - não há muita utilidade em se invocar a proteção das autoridades, tanto mais que tais apelos provocarão o envio de uma força expedicionária armada, que arrasará a economia da aldeia ainda mais que os bandidos."

Basta trocar a palavra aldeia por favela. Fica um retrato sem retoques do que acontece nos morros do Rio.[12]

    Nesse trecho é demonstrada a mordomia entre a “elite do crime”:

Certa vez, um sargento do Destacamento da Polícia Militar em Bangu Um descreveu ao repórter Marcelo Resende o espetáculo do dia de visitas:

— Fiquei olhando para toda aquela gente sem acreditar no que meus olhos me mostravam. A família do Escadinha chegou num Santana quatro portas, zero quilômetro. A mulher vestia um conjunto de seda. As crianças eram umas bonecas. Posso jurar que o motorista estava armado. Você acha que eu devia fazer alguma coisa? Eu ando de ônibus, moço. Desarmado e sem a carteira da PM, para evitar problemas.

O policial contou detalhe ainda mais impressionante:

— Teve o dia em que chegou aqui um BMW novinho em folha. Não me contive e anotei a placa, que a central foi checar. Estava tudo certo. O carro importado estava limpo, tinha até a quarta via [de importação] do Banco Central. São mesmo os respeitáveis senhores do crime.

Se do lado de fora é assim, dentro da cadeia o jogo é duro. Bangu Um parece uma clausura franciscana. Paredes de concreto armado, pintadas de azul até um metro de altura. Grades de ferro por toda parte. Trancas eletrônicas. As galerias têm seis celas de cada lado e, no meio uma espécie de fosso de cimento com um sistema de escoamento de água. Ali os presos se encontram para conversar, lavam e penduram roupas. Acertam também os negócios milionários das drogas, seqüestros e assaltos. São quatro galerias ocupadas pela liderança da organização, alguns homens do Terceiro Comando e "neutros".

Você entra na cadeia e não acredita. Os presos escrevem CV nas paredes das celas e nos corredores. "Paz, Justiça e Liberdade" está escrito bem grande, sob uma foto do time campeão do Vasco da Gama. Os chefões do crime organizado desfrutam de razoável liberdade no presídio de segurança máxima. Mas ninguém até hoje conseguiu fugir de lá. Desde a inauguração, Bangu Um mantém a invencibilidade. É a prisão que tem a menor estatística de incidentes em todo o país. Nunca houve uma rebelião. Não há disputas internas. Nenhuma violência. A guarda e o preso convivem na irrevogável fortaleza. Mesmo assim, a paz de Bangu Um já foi quebrada algumas vezes.[13]

    E pra encerrar, um depoimento, infelizmente real:

Ao deixar para trás as ruelas da Providência, a frase de William da Silva Lima, o Professor, fica se repetindo na minha cabeça:

— Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseados. Logo elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês nas esquinas... [14]

    Foi apresentado então, como abertura, a real situação alastrada nas periferias onde tem mais força as facções criminosas no Brasil, sendo que ultimamente vem se descobrindo que essas mesmas facções estão se unindo e se espalhando em outros Estados estratégicos, recentemente foi descoberta a ligação de traficantes de Santa Catarina com o Marcola (Primeiro Comando da Capital - PCC- SP) e Beira-Mar (Comando Vermelho – RJ), vejamos:

 

 

Polícia confirma sociedade entre o traficante Papito, Marcola e Beira-Mar

(...) A polícia também confirmou a ligação entre Marquinhos e os traficantes Marcos Camacho, o Marcola, e Fernandinho Beira-Mar, que eram sócios nas operações de tráfico de drogas em todo o Brasil.(...)

De acordo com a polícia, Papito comandava a distribuição de drogas para todo o Brasil. Além deste, segundo a polícia, o homem que recebia as drogas em Santa Catarina também foi preso nesta madrugada, em Palhoça, na Grande Florianópolis. A prisão de Marcos Vieira Francisco, conhecido como Marquinhos, foi realizada por policiais da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (Deic).[15]

 

 

    Mais recentemente, foi descoberto também, o PCC no Mato Grosso, podemos ver o que segue:

Polícia Federal prende “homem célula” do PCC em Mato Grosso

Um dos homens mais procurados do Brasil foi recapturado em Cáceres região Oeste do Estado, pela Polícia Federal, na última terça-feira, 6. Ele é Marco André Magalhães de Oliveira, vulgo “Dragão”, 31, natural de Pacajus, cidade da área metropolitana de Fortaleza (CE). Pesam contra Marco vários mandados de prisões nos estados de Ceará, Rondônia e Acre. Sendo ainda foragido da Bolívia aonde é acusado de duplo homicídio.[16]

 

 

    E ainda:

Gaeco desarticula quadrilha e prende líder do PCC em MT

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por meio do Grupo de Atuação Especial Contra o Grupo Organizado (Gaeco), finalizou, na manhã desta quarta-feira (27), uma operação responsável pela prisão de 14 pessoas integrantes de uma quadrilha acusada de comprar e distribuir droga para vários Estados do Brasil – entre eles, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná.

Durante a operação, foi presa, em Ponta Porá (MS), a traficante Cíntia Raquel Rivas Dias, conhecida pela polícia brasileira por ser a grande responsável pelo abastecimento das quadrilhas que procuram a região para comprar e negociar entorpecente.

Entre as facções criminosas atendidas por Cíntia está o Primeiro Comando da Capital (PCC), que, em Mato Grosso, estaria sendo financiado por João Batista Vieira dos Santos, preso no dia 24 passado.[17]

 

 

CAPÍTULO 2 - VISÃO DAS AUTORIDADES

    Vejamos as medidas que vem sendo tomadas nos julgamentos e qual a opinião das autoridades policiais, políticas, acusadores e defensores.

    Em entrevista, Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo contradiz parte da situação apresentada no capítulo anterior:

Facção é bem menor do que dizem, afirma secretário

O Secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, afirma que a facção criminosa PCC é bem menor do que é divulgado e que a polícia a está asfixiando, com operações bem sucedidas contra o tráfico de drogas.

Em entrevista após a posse de 289 agentes de telecomunicações da polícia, Ferreira Pinto, procurador de Justiça licenciado, criticou o Ministério Público e disse que o número de bandidos ligados ao PCC é menor do que apontam as planilhas do bando apreendidas pela polícia e reveladas pela Folha.

Pelos arquivos, que estão no Ministério Público, a facção possui 1.343 bandidos espalhados por 123 das 645 cidades paulistas.(...)

Qual é a extensão da facção?

A facção é bem menor do que dizem. Não chega a 30 ou 40 indivíduos que estão presos há muito tempo e se dedicam ao tráfico. Nós temos asfixiado esse tráfico com grandes prisões. Mas essas prisões só merecem uma nota nos jornais. Não tem a mesma repercussão que atos covardes contra a polícia.(...)

No seu tempo na Secretaria de Administração Penitenciária, havia notícias de apreensões de pen drives do PCC?

No meu tempo não havia. Não tínhamos, até porque eles não tem computador.

Mas eles usam smartphone.

Eles não tem smartphones. No meu tempo não tínhamos e hoje acredito que não tenha. O sistema prisional está tranqüilo há muito tempo.[18]

 

 

    Em contradição parcial ao final da entrevista acima citada, temos a recente notícia:

Apreendidos videogame e celular que preso usava para acessar Facebook

Detento postou fotos pelo celular jogando videogame com colegas. Nas mensagens, ele exalta as regalias dentro do maior presídio de MT.

Um telefone celular com acesso à internet utilizado por um detento da Penitenciária Central do Estado, em Cuiabá, para acessar as redes sociais e postar fotos de dentro da unidade prisional nesta quinta-feira (11), de acordo com a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh).

Também foi localizado com o presidiário um videogame, com o qual o preso tirou fotos com colegas de cela e divulgou no Facebook.

Por decisão judicial, o presidiário de 26 anos foi conduzido para uma cela de isolamento, onde deve ficar sozinho pelo período de 10 dias. Por meio de nota, a Sejudh informou que já foi instaurado procedimento disciplinar contra o detento e ainda um procedimento administrativo para apurar a forma que o reeducando conseguiu o celular e o videogame, assim como se teve eventual facilitação dos servidores do sistema prisional.

Através do celular, o rapaz postou várias fotos junto com alguns colegas de cela e comentou sobre o consumo de droga, inclusive em uma delas aparece com um cigarro de maconha. Ele diz nos comentários de uma das fotos que a droga entra na prisão por meio de mulheres, que levam o entorpecente nas partes íntimas. Por conta disso, a Sejudh informou que começará a utilizar cães farejadores durante as revistas aos visitantes.

Ele também postou uma foto exaltando as regalias que tinha no presídio . Em resposta a um amigo virtual, o preso responde que o luxo é proporcionado pelo dinheiro. “Podendo não minhas flores. São os luxos que ‘$$$$’ proporciona! Não é verdade parceiro? [se referindo a um colega que aparece na foto jogando com ele”.

Autor da decisão que determinou o isolamento desse detento por 10 dias, o juiz Geraldo Fernando Fidélis Neto, da 2ª Vara Criminal de Cuiabá, se disse espantado com os comentários feitos pelos amigos virtuais do preso que encontram-se em liberdade. “Espanto maior nos causa ainda a popularidade que o crime causa no universo virtual, chegando ao ponto de receber várias ‘curtidas’ por parte de amigos virtuais e inúmeros comentários incentivadores das práticas criminosas noticiadas, o que revela o descrédito social às leis e ao Poder Judiciário”, lamentou.

O Secretário de Justiça e Direitos Humanos, Antônio Possas de Carvalho, atribuiu parte do problema à greve dos agentes prisionais, que começou há mais de uma semana. Por sua vez, o Sindicato Prisional de Mato Grosso (Sindispen) rebateu a afirmação, alegando que “o uso de celulares com internet por parte dos presos é algo corriqueiro e que é difícil para a fiscalização coibir a entrada desses aparelhos”, independentemente da paralisação.

Os outros detentos que aparecem nas fotos postadas no Facebook devem ser identificados.[19]

    Nota-se que mesmo não havendo RDD no presídio, o juiz determinou (em decisão inovadora) o isolamento do preso. E a medida foi cumprida, conforme informa a matéria.

    Em relação aos julgamentos, vejamos o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, em relação a um dos principais líderes de facção criminosa, que cumpre a pena no Regime Disciplinar Diferenciado, sendo este regime uma forma de Direito Penal do Inimigo em vigência no Brasil:

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Beira Mar continua preso em regime diferenciado

O traficante Luiz Fernando da Costa, conhecido como Fernandinho Beira Mar, permanece preso em regime disciplinar diferenciado. Ele teve pedido de habeas corpus negado pelo desembargador convocado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) Adilson Vieira Macabu.

Segundo a defesa do traficante, ele estaria sofrendo constrangimento ilegal ao cumprir suas penas em regime disciplinar diferenciado, ao qual foi submetido pelo prazo de 120 dias. A defesa requereu a concessão de liminar para que fossem suspensas restrições não previstas na Lei de Execução Penal, como a proibição de contato físico com qualquer visitante, inclusive crianças, e o banho de sol realizado na própria cela.

Pedido de liminar com o mesmo objetivo já havia sido negado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em habeas corpus que ainda está pendente de julgamento de mérito.

Por essa razão, Macabu aplicou a Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, que impede o julgamento de habeas corpus nessa hipótese. O habeas corpus foi indeferido liminarmente, ou seja, o mérito não será analisado pelo STJ.[20]

    Mais uma decisão em relação a uma forte facção criminosa, dessa vez referindo-se a um membro do PCC, vejamos:

STJ mantém decreto de prisão de membro da facção PCC

Alexandre Rodrigues dos Santos, condenado por tentativa de homicídio e crimes da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do desarmamento) teve pedido de liminar em habeas corpus negado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler. A defesa pretendia que ele pudesse apelar em liberdade.

(...)

“A conduta do réu de disparar arma de fogo contra agentes públicos de segurança a mando do PCC demonstra grande periculosidade, merecendo, portanto, maior rigor em seu tratamento, uma vez que tal delito gera intranqüilidade social e sensação de insegurança na comunidade. Caso o réu continue em liberdade, diante do quantum da pena e regime de cumprimento (fechado), haverá fortes indícios de o mesmo empreender fuga frustrando assim a aplicação da lei penal”, afirmou a decisão do TJMG.(...)[21]

    Em notícia veiculada, pode-se afirmar o fundamento acima utilizado em decisão do TJMG:

Facção deu ordem a criminosos para assassinar policiais em SP

Documentos em poder da polícia e do Ministério Público de São Paulo revelam que chefes da facção criminosa PCC deram ordens expressas para a matança de policiais e que desde 2011 se estruturam para esses ataques.

Um desses documentos, que funciona como espécie de ordem permanente para todos os integrantes, diz que policiais deverão ser assassinados toda vez que um criminoso for morto pela polícia.

“Se alguma vida for tirada pelos nossos inimigos, os integrantes do comando que estiverem cadastrados na quebrada do ocorrido deverão se unir e dar o mesmo tratamento. Vida se paga com vida, e sangue se paga com sangue.”

Essa ordem, que integra um processo na Justiça, foi apreendida em dezembro de 2011 na casa do suspeito de ser um dos principais chefes do bando na Baixada Santista. Cópias foram apreendidas em outras regiões de SP.

Só neste ano ao menos 75 policiais militares foram mortos – de janeiro a setembro do ano passado, foram 38. A suspeita é a de que parte desses crimes foi cometida por ordem da facção.

Conforme a Folha revelou nesta semana, com base em cerca de 400 documentos apreendidos pela polícia e Promotoria, a facção tem 1.343 integrantes cadastrados em 123 cidades de SP.

O governo paulista diz que as informações são uma “lenda” e que o número de criminosos da facção não passa de 40, quase todos traficantes e presos há tempos.

GUERRA

Nesses mesmos papéis há comunicados produzidos entre setembro e outubro de 2011 em que os criminosos discutem o que fazer com policiais civis de São Paulo.

Um membro da cúpula do PCC diz: “Não é hora de entrar em guerra com a [polícia] Civil, pois já estamos numa guerra com a militar, onde nós estamos perdendo vários malandros na covardia.”

E segue: “Vamos nos fortalecer, organizar nossa família, no setor financeiro, progresso [droga], depois a sintonia das quebradas. Quando estivermos prontos para reação, aí iremos para ação, com inteligência, sem chance de defesa para eles.”

Nesses documentos aos quais a Folha teve acesso, os criminosos relatam uma série de baixas sofridas pela facção, várias atribuídas a Rota, a tropa de elite da PM.

“Estamos passando a pior fase. Tá a maior covardia dos vermes da ‘R’ [Rota]. Tão tirando a vida de vários malandros da hora. Tão chegando muito rápido e não estamos conseguindo descolar de onde estão vindo”, diz trecho de relatório assinado com Érick.

A promotoria acredita tratar-se de Érick Machado Santos, o Rick, considerado um dos principais chefes da facção criminosa em liberdade.[22]

 

 

    Na mesma linha, a seguinte notícia:

Delegado que investigou facção criminosa em SP é atacado no ABC

Ruy Ferraz Fontes foi cercado por dois homens ao sair da Rodovia Anchieta. Durante tiroteio, um homem morreu e outro foi ferido.

(...)

Ruy Ferraz Fontes comandou as investigações sobre os atentados praticados por uma facção criminosa do estado de São Paulo em 2006, o seqüestro do repórter Guilherme Portanova, da TV Globo, e indiciou os principais chefes da quadrilha que age dentro e fora dos presídios de São Paulo, entre eles Marcos Willians Herbas Camacho, o “Marcola”.[23]

    Quanto ao Supremo Tribunal Federal, podemos extrair o seguinte julgamento em relação ao tema aqui abordado:

Suspensa análise de lei alagoana que criou vara especializada para julgar crime organizado

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quinta-feira (24) a análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4414) proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra a Lei 6.806/2007, do Estado de Alagoas, que criou uma vara especializada em crime organizado. A lei criou a 17ª Vara criminosa dentro do território alagoano.(...)

Relator

O relator do caso, Ministro Luiz Fux, destacou, antes de votar, que todo segmento jurídico em Alagoas defende que a eventual extinção da 17ª Vara Criminal favoreceria o crime organizado, uma vez que a atuação dessa vara coibiu os crimes de seqüestro e focou sua atuação no combate ao tráfico de drogas. Por essa razão, ele defendeu a interpretação conforme, desde que preservadas as competências da vara, que já funciona desde 2007.

(...)

No pedido inicial da OAB, a entidade defende que todos os 19 artigos da lei “são uma anomalia no ordenamento jurídico” e, por essa razão, sustenta que a lei deve ser considerada inconstitucional em sua íntegra. De acordo com a OAB, ao criar a lei, a Assembléia Legislativa de Alagoas teria afastado a aplicação dos procedimentos de competência em relação ao Tribunal do Júri, que, de acordo com o princípio do juiz natural, seria responsável por julgar os crimes relativos ao crime organizado. (...)[24]

 

    Tive a honra de entrevistar o Dr. Antônio Carlos Garcia de Matos, há 27 anos Delegado da Polícia Civil do Estado de Mato Grosso, atualmente titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos em Cuiabá, já foi Delegado Regional de Alta Floresta e de Várzea Grande, titular das Delegacias: de Homicídios, do Coxipó, de Roubos e Furtos de Cuiabá e de Várzea Grande, vejamos:

Eu: O Sr. concorda que na maioria dos casos a ressocialização é ineficaz, que o pessoal sai da prisão e na maioria das vezes retorna pior, continua cometendo crimes?

Dr. Garcia: Na verdade a gente percebe que o objetivo da pena, que seria a ressocialização e a reintegração do indivíduo à sociedade, realmente falha porque algumas coisas são feitas, algumas coisas estão sendo feitas, mas isso não abrange todo o Sistema Prisional. Naturalmente existem aqueles de bom comportamento, praticamente aqueles que tem pena quase que no final, eles são, às vezes, agraciados com algum tipo de ação por parte do governo, nessa reintegração e ressocialização. Mas isso aí, na verdade, deveria ser atingido a todo o Sistema Prisional, para que a gente pudesse ter realmente efetivado o objetivo da pena, para que o indivíduo ao sair do Sistema Prisional, saia de lá realmente um cidadão formado e que possa realmente reintegrar à sociedade e, consequentemente, ao convívio de sua família.

Eu: Está na mídia que cada vez mais estão se espalhando as facções criminosas, inclusive no Mato Grosso, em vários Estados, eles controlam até dentro da prisão (o pessoal do PCC, do Comando Vermelho). O Sr. acha que os presos temem eles e acabam se agregando e, com isso, entrando cada vez mais no mundo do crime e cada vez piorando mais?

Dr. Garcia: Na verdade esses comandos passaram a existir num momento em que o Estado não ocupou sua obrigação dentro do Sistema Prisional. Hoje, na verdade, se você for olhar friamente, quem comanda e manda dentro do Sistema Prisional são os presos. E devido ao fato de realmente ter ali uma posição mais austera e consequentemente ilegal por parte do Estado, os agentes prisionais que ali trabalham, trabalham com medo em decorrência do pouco efetivo que tem, em decorrência da insegurança que possuem, eles acabam também se sujeitando ao convívio do que ocorre com os presos e aceitando aquelas situações. Os diretores das cadeias, normalmente correm o risco de também fechar os olhos pra esses grupos que se criam e acabam, de alguma forma, se associando para a realização de crimes fora dos muros dos presídios. Naturalmente isso aí é o que a gente vê, até a pouco tempo no Rio de Janeiro, onde as favelas do Rio não tinham a presença do Estado e ali se imperava o medo e consequentemente o crime organizado. A partir do momento que foi instalado, em algumas dessas comunidades, a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), naturalmente passou o Estado ali a se fazer presente e, consequentemente, isso aí passou com que a criminalidade que anteriormente era vista ali como sendo: ‘todo mundo que mora numa comunidade, favela ou no morro é bandido’, e não é, na verdade é a minoria, mas infelizmente a ausência do Estado acaba fazendo com que a minoria consiga imperar o medo e, consequentemente, através do medo você acaba se sujeitando às regras desses grupos, desses comandos, que são criados aí já há muito tempo. E hoje a gente percebe que o que aconteceu no passado, hoje voltou a acontecer, quando os presos no Rio de Janeiro foram colocados juntos com os presos políticos na ilha grande, eles então começaram a aprender a sequestrar, começaram a aprender a roubar banco, foi ali que criou-se o Comando Vermelho, naquela época, quando então, começou a primeira facção criminosa, em decorrência da mistura desses presos políticos com os presos comuns. E hoje a gente percebe que o que causou a maior disseminação desses comandos foi quando começou a enviar presos de um Estado para outro Estado, para que eles ficassem lá, ‘em termos’, ‘isolado’, mas na verdade ele não se isolou, na verdade começou a haver uma integração entre os Estados, entre os presídios e consequentemente, hoje, os comandos e esses grupos estão muito mais sólidos, muito mais fortificados do que anteriormente.[25]

    Pode-se perceber que o experiente Delegado concorda com a ineficácia da ressocialização por parte do Estado e, que essa situação vem se alarmando a cada dia com a disseminação das organizações criminosas, que recruta os condenados, dentro dos presídios, que às vezes são condenados por penas brandas, mas que vivem lá num ambiente degradante, numa situação extremamente de fragilidade, fazendo com que qualifiquem-se como criminosos mais intensos.

    Tive ainda, a oportunidade de entrevistar o Dr. Anderson Aparecido dos Anjos Garcia, pioneiro do Serviço de Inteligência da Polícia Judiciária Civil do Estado de Mato Grosso, ex-Secretário Adjunto de Inteligência e atual Delegado Geral do Estado de Mato Grosso, atualmente exercendo também, a função de Presidente Regional do Centro Oeste do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia (CONCPC), que colaborou a seguir:

Eu: O Sr. concorda com a alarmante situação atual de ineficiência do Sistema Prisional em ressocializar os condenados, além dos adolescentes internados? Concorda que a solução seriam projetos de educação/esportes e parcerias com empregadores para contratarem trabalho oriundo da mão de obra carcerária?

Dr. Anderson: Preliminarmente é salutar trazermos para análise o caráter da PENA.

Ela é ressocialização ou castigo?????

O pesquisador MICHEL FOUCAULT, dizia que a PENA teria que ser encarada como castigo.

Particularmente tenho a seguinte posição, corroborando o mesmo, quando seu filho erra, você coloca ele de castigo ou ressocializa o mesmo???????

Óbvio que você o coloca de castigo. Esse caráter da PENA é que creio que tem que ser revisto em nosso País, o sistema carcerário brasileiro nunca ressocializou ninguém, não possui estrutura adequada para tal mister, nunca teve. Possuo 26 anos de polícia, passei por três Estados, trabalhando (São Paulo, Minas Gerais e Mato grosso), viajo muito o Brasil, como Instrutor do Ministério da Justiça, e constato que no Brasil não tem como procedermos a ressocialização de nenhum reeducando, o que vemos são projetos PONTUAIS que alguns dão certos, outros até certo ponto, mudou-se o Diretor do Presídio, muda-se toda uma política empregada.

Os EUA deram um grande salto na economia utilizando mão de obra carcerária, como por exemplo: construção de ferrovias, etc.

Porque o Estado não utiliza essa mão de obra para a construção de estradas de ferro?????? Porque não utiliza mão de obra carcerária para a construção e reformas em Pontes, Portos, Terminais, metros, etc.......ou seja, voltado exclusivamente a INFRA ESTRUTURA de transportes.

Outro ponto que creio que poderia dar certo, seria a PRIVATIZAÇÃO das cadeias, o ente privado tem uma visão diferenciada de como lidar com o negócio, eles vislumbram LUCRO, daí poderia ser um mecanismo muito bom. Ademais, o próprio Estado de certa forma é um pouco HIPÓCRITA com esta situação carcerária, ele manda que ressocializa-se o reeducando, mas ao mesmo tempo não dá condições nenhuma a estes para tal. Aí vem o pessoal dos direitos humanos, os defensores da teoria de ressocialização e dizem: O ESTADO ESTÁ CAÓTICO, O SISTEMA PENITENCIÁRIO FALIDO, etc, etc, etc......

A Lei de execuções penais, é linda, de um País de primeiro mundo, mas muito longe de NOSSA ATUAL REALIDADE. Daí, pergunto: Prá quê uma lei tão boa, tão avançada, se ninguém a cumpre, ou se não há condições de colocá-la em prática.

Fora isso, o trabalho dignifica a pessoa humana, trabalhando o reeducando ocuparia seu tempo ocioso, reduziria sua pena, se reinserçaria à sociedade, sairia dali com uma profissão. Pelo menos, a meu ver, já seria um grande passo.

Não acredito muito em projetos de esportes para reeducando, quanto a projetos educacionais, sou a favor, mas acoplado a um projeto de TRABALHO, ele tem que TRABALHAR, todas as pessoas comuns trabalham para ganhar seu sustento, porque o reeducando recebe BOLSA AUXÍLIO sem trabalhar??????? A desculpa seria sua família, creio que eles não podem sofrer por um erro de uma pessoa de sua família, mas por outro lado também não é justo que a coletividade pague por tal erro. Se ele errou tem que sentir (castigo), ele para ter direito a receber o AUXÍLIO deveria fazer por merecer, ou seja, TRABALHAR, e não simplesmente ter filhos.

Eu: Está de acordo que a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos iria solucionar o uso de menores no cometimento de crimes, principalmente no auxílio do tráfico de entorpecentes, tendo em vista que aumentaria ainda mais a população carcerária, ou seja, que primeiro devem ter medidas para tornar a ressocialização mais eficaz?

Dr. Anderson: Quanto a questão de redução da maioridade penal, creio que não seja o suficiente para aparar ou inibir cometimentos de crimes.

Se reduzíssemos para 16 anos, o que ocorreria é que iriam utilizar menores de 15, 14 etc, se baixarmos para 14, iriam utilizar menores de 13, 12, e assim sucessivamente.

Tenho comigo que a questão da imputabilidade penal, deva recair na POTENCIAL CONSCIENCIA DA ILICITUDE, ou seja, se o criminoso, independente de sua idade, tiver a consciência de que o que fez é errado, deve pagar por isso.

É lógico que a falta de um PROGRAMA DE RESSOCIALIZAÇÃO de reeducandos afeta e muito esta discussão, pois os adolescentes atuais em regra, são pessoas em formação, sabemos disso, muitas vezes tem a consciência do ato errado, mas não conseguem pensar, imaginar, a extensão do dano causado, as consequências futuras de seu ato.

Defendo a idéia de que a maioridade penal, deveria recair em idade de 12 anos ou menos até, levando-se em consideração a capacidade de discernimento das pessoas (individualmente), caso a caso.

O crime é um fenômeno social, portanto dentro das relações humanas, o que creio que com isso, um critério estritamente objetivo, pode ser pernicioso.

Em suma, não defendo a redução da maioridade penal para 16 anos, creio que o impacto social seria muito pequeno em questão de inibição de delitos, e os criminosos iriam partir para adolescentes de menor idade, pois qual a diferença de um adolescente de 15 e 14 anos??????, agora, se reduzíssemos drasticamente, de 18 para 12 anos, creio que o impacto seria muito grande.

Privatização dos presídios, ou mudança no caráter da pena de RESSOCIALIZAR para CASTIGO. Trabalho é o essencial para qualquer processo de ressocialização (a meu ver), deveriam trabalhar para ter direito a receber pecúnia, e dali também poderiam sustentar suas famílias.[26]

    Vimos, que o sábio delegado, conhecedor das mais diversas situações cotidianas de várias épocas e regiões, tem consigo a ideia de que mais trabalho para os reeducandos teria resultados positivos colaboradores à ressocialização. Cita ainda a privatização das cadeias, como sendo uma boa alternativa para melhor condução dos detentos. Comenta ainda, acerca da redução da maioridade penal, tema tão discutido atualmente, que essa autoridade policial corrobora com meu entendimento, de que não iria contribuir de forma a minorar a atual situação de insegurança, se continuasse a ineficácia da ressocialização nos presídios.

    Conforme citado na entrevista, comparação da situação do nosso país, com os Estados Unidos, podemos aqui, contrastar ainda, com a Suécia, em recente notícia veiculada, vejamos:

Suécia fecha quatro prisões porque população carcerária despenca

A Suécia está passando por tamanha queda no número de prisioneiros recebidos por suas penitenciárias, nos últimos dois anos, que as autoridades da Justiça do país decidiram fechar quatro prisões e um centro de detenção.

‘Vimos um declínio extraordinário no número de detentos’, disse Nils Oberg, diretor dos serviços penitenciários e de liberdade vigiada suecos. ‘Agora temos a oportunidade de fechar parte de nossa infraestrutura, por não necessitarmos dela no momento’.

O número de presidiários na Suécia, que vinha caindo em cerca de 1% ao ano desde 2004, caiu em 6% de 2011 para 2012 e deve registrar declínio semelhante este ano e no ano que vem.

Como resultado, o serviço penitenciário este ano fechou prisões nas cidades de Aby, Haja, Bashagen e Kristianstad, duas das quais devem ser provavelmente vendidas e as duas outras transferidas a outras instituições governamentais para uso temporário.

Oberg declarou embora ninguém saiba ao certo por que caiu tanto o número de detentos, ele espera que a abordagem liberal adotada pela Suécia quanto às prisões, com forte foco na reabilitação de prisioneiros, tenha influenciado o resultado ao menos em alguma medida.

‘Certamente esperamos que os esforços investidos em reabilitação e em prevenir a reincidência no crime tenham tido impacto, mas não acreditamos que isso baste para explicar toda a queda de 6%’, ele disse.

Em artigo de opinião para o jornal sueco ‘DN’, no qual ele anunciou o fechamento das prisões, Oberg declarou que a Suécia precisava trabalhar com ainda mais afinco na reabilitação de prisioneiros, e fazer mais para ajudá-los quando retornam à sociedade.

Os tribunais suecos vêm aplicando sentenças mais lenientes a delitos relacionados às drogas, depois de uma decisão do supremo tribunal do país em 2011, o que explica ao menos em parte a queda súbita no número de novos presidiários. De acordo com Oberg, em março deste ano havia 200 pessoas a menos servindo sentenças por crimes relacionados a drogas na Suécia do que em março do ano passado.

Os serviços penitenciários suecos preservarão a opção de reabrir duas das prisões desativadas, caso o número de detentos volte a subir.

‘Não estamos em momento que permita concluir que essa tendência persistirá em longo prazo e que o paradigma mudou’, disse Oberg. ‘O que temos certeza é de que a pressão sobre o sistema de justiça criminal caiu acentuadamente nos últimos anos’.

Hanns Von Hofer, professor de criminologia na Universidade de Estocolmo, disse que boa parte da queda no número de detentos pode ser atribuída a uma recente mudança de política que favorece regimes de liberdade vigiada de preferência a sentenças de prisão em caso de pequenos roubos, delitos relacionados a drogas e crimes violentos.

Entre 2004 e 2012, o número de pessoas aprisionadas por roubo, delitos relacionados a drogas e crimes violentos caiu respectivamente em 36%, 25% e 12%, ele apontou.

De acordo com dados oficiais, a população carcerária sueca caiu em quase um sexto desde o pico de 5.722 detentos atingido em 2004. Em 2012, havia 4.852 pessoas aprisionadas, ante uma população de 9,5 milhões de habitantes na Suécia.

COMPARAÇÃO

De acordo com dados recolhidos pelo Centro Internacional de Estudos Carcerários, os cinco países com maior população de presidiários são os Estados Unidos, China, Rússia, Brasil e Índia.

Os Estados Unidos têm população carcerária de 2.239.751 detentos, o equivalente a 716 detentos por 100 mil habitantes. A China tem 1,64 milhão de detentos, ou 121 prisioneiros por 100 mil habitantes. Na Rússia, há 681,6 mil detentos, ou 475 por 100 mil habitantes.

As prisões brasileiras abrigam 584.003 detentos, ou 274 por 100 mil habitantes. Na Índia, a população carcerária é de 385.135 detentos, ou apenas 30 por 100 mil habitantes.

Entre os países com memores populações carcerárias estão Malta, Guiné Equatorial, Luxemburgo, Guiana Francesa e Djibuti.

A Suécia ocupa o 112º posto na pesquisa de população carcerária.[27]

    Até irônica essa comparação tão distante, o Brasil entre os 5 com maior população carcerária e a Suécia em 112º no ranking, fechando quatro penitenciárias por falta de preso. A solução seria mandar presos brasileiros pra Suécia? Mas aí todos iriam querer ser presos pra morar na Suécia, não é mesmo?

    Continuando no conteúdo discutido na última entrevista, vejamos recém noticiário a respeito da redução da maioridade penal:

Grupo lista 18 razões contra a redução da maioridade penal

1°. Porque já responsabilizamos adolescentes em ato infracional

A partir dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas previstas no ECA, têm o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.

Por isso, não devemos confundir impunidade com imputabilidade. A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentando em sua maturidade psíquica.

2°. Porque a lei já existe. Resta ser cumprida!

O ECA prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.

Muitos adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.

Não adianta só endurecer as leis se o próprio Estado não as cumpre!

3°. Porque o índice de reincidência nas prisões é de 70%

Não há dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez que as taxas nas penitenciárias são de 70% enquanto no sistema socioeducativo estão abaixo de 20%.

A violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.

4°. Porque o sistema prisional brasileiro não suporta mais pessoas

O Brasil tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado com 500 mil presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).

O sistema penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle, reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado ser uma “escola do crime”.

Portanto, nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.

5°. Porque reduzir a maioridade penal não reduz a violência

Muitos estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que não há relação direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e repressivas e a diminuição dos índices de violência.

No sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de criminalidade.

Dados do Unicef revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.

6°. Porque fixar a maioridade penal em 18 anos é tendência mundial

Diferentemente do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.

De uma lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.

Essa fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.

7°. Porque a fase de transição justifica o tratamento diferenciado

A Doutrina da Proteção Integral é o que caracteriza o tratamento jurídico dispensado pelo Direito Brasileiro às crianças e adolescentes, cujos fundamentos encontram-se no próprio texto constitucional, em documentos e tratados internacionais e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Tal doutrina exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada, mediando e operacionalização de políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

A definição do adolescente como a pessoa entre 12 e 18 anos incompletos implica a incidência de um sistema de justiça especializado para responder a infrações penais quando o autor trata-se de um adolescente.

A imposição de medidas socioeducativas e não das penas criminais relaciona-se justamente com a finalidade pedagógica que o sistema deve alcançar, e decorre do reconhecimento da condição peculiar de desenvolvimento na qual se encontra o adolescente.

8°. Porque as leis não podem se pautar na exceção

Até junho de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Sabemos que os jovens infratores são a minoria, no entanto, é pensando neles que surgem as propostas de redução da idade penal. Cabe lembrar que a exceção nunca pode pautar a definição da política criminal e muito menos a adoção de leis, que devem ser universais e valer para todos.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com a adoção de leis penais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

9°. Porque reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa!

A constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os jovens.

O adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da população.

A marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um ‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a sociedade tem nessa construção.

Reduzir a maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que educar.

10°. Porque educar é melhor e mais eficiente do que punir

A educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo. Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.

As causas da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação, por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de centenas de adolescentes ao crime e à violência.

Precisamos valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma nação em risco.

11°. Porque reduzir a maioridade penal isenta o estado do compromisso com a juventude

O Brasil não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito a aumentar os índices de criminalidade da juventude.

O que estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em nosso sistema educacional.

12°. Porque os adolescentes são as maiores vitimas, e não os principais autores da violência

Até junho de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável, corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre 12 e 18 anos.

Os homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!

A Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são 13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150 vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda, Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade de crianças e adolescentes.

13°. Porque, na prática, a PEC 33/2012 é inviável!

A Proposta de Emenda Constitucional quer alterar os artigos 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo que prevê a possibilidade de desconsiderar da inimputabilidade penal de maiores de 16 anos e menores de 18 anos.

E o que isso quer dizer? Que continuarão sendo julgados nas varas Especializadas Criminais da Infância e Juventude, mas se o Ministério Publico quiser poderá pedir para ‘desconsiderar inimputabilidade’, o juiz decidirá se o adolescente tem capacidade para responder por seus delitos. Seriam necessários laudos psicológicos e perícia psiquiátrica diante das infrações: crimes hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na pratica de lesão corporal grave e roubo qualificado. Os laudos atrasariam os processos e congestionariam a rede pública de saúde.

A PEC apenas delega ao juiz a responsabilidade de dizer se o adolescente deve ou não ser punido como um adulto.

No Brasil, o gargalo da impunidade está na ineficiência da polícia investigativa e na lentidão dos julgamentos. Ao contrário do senso comum, muito divulgado pela mídia, aumentar as penas e para um número cada vez mais abrangente de pessoas não ajuda em nada a diminuir a criminalidade, pois, muitas vezes, elas não chegam a ser aplicadas.

14°. Porque reduzir a maioridade penal não afasta crianças e adolescentes do crime

Se reduzida a idade penal, estes serão recrutados cada vez mais cedo.

O problema da marginalidade é causado por uma série de fatores. Vivemos em um país onde há má gestão de programas sociais/educacionais, escassez das ações de planejamento familiar, pouca oferta de lazer nas periferias, lentidão de urbanização de favelas, pouco policiamento comunitário, e assim por diante.

A redução da maioridade penal não visa a resolver o problema da violência. Apenas fingir que há “justiça”. Um autoengano coletivo quando, na verdade, é apenas uma forma de massacrar quem já é massacrado.

Medidas como essa têm caráter de vingança, não de solução dos graves problemas do Brasil que são de fundo econômico, social, político. O debate sobre o aumento das punições a criminosos juvenis envolve um grave problema: a lei do menor esforço. Esta seduz políticos prontos para oferecer soluções fáceis e rápidas diante do clamor popular.

Nesse momento, diante de um crime odioso, é mais fácil mandar quebrar o termômetro do que falar em enfrentar com seriedade a infecção que gera a febre.

15°. Porque afronta leis brasileiras e acordos internacionais

Vai contra a Constituição Federal Brasileira que reconhece prioridade e proteção especial a crianças e adolescentes. A redução é inconstitucional.

Vai contra o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) de princípios administrativos, políticos e pedagógicos que orientam os programas de medidas socioeducativas.

Vai contra a Doutrina da Proteção Integral do Direito Brasileiro que exige que os direitos humanos de crianças e adolescentes sejam respeitados e garantidos de forma integral e integrada às políticas de natureza universal, protetiva e socioeducativa.

Vai contra parâmetros internacionais de leis especiais para os casos que envolvem pessoas abaixo dos dezoito anos autoras de infrações penais.

Vai contra a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Declaração Internacional dos Direitos da Criança compromissos assinados pelo Brasil.

16°. Porque poder votar não tem a ver com ser preso com adultos

O voto aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode votar aos 16, mas não pode ser votado.

Nesta idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por um ato infracional.

Em nosso país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo cometimento de um ato contra a lei.

O tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo. Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu, e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.

17°. Porque o brasil está dentro dos padrões internacionais

São minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57 legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como critério para a definição legal de adulto.

Alemanha e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.

Tomando 55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.

Se o Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens vítimas de crimes e não pela de infratores.

18°. Porque importantes órgãos têm apontado que não é uma boa solução

O UNICEF expressa sua posição contrária à redução da idade penal, assim como à qualquer alteração desta natureza. Acredita que ela representa um enorme retrocesso no atual estágio de defesa, promoção e garantia dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. A Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou que há mais jovens vítimas da criminalidade do que agentes dela.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) defende o debate ampliado para que o Brasil não conduza mudanças em sua legislação sob o impacto dos acontecimentos e das emoções. O CRP (Conselho Regional de Psicologia) lança a campanha Dez Razões da Psicologia contra a Redução da idade penal CNBB, OAB, Fundação Abrinq lamentam publicamente a redução da maioridade penal no país.

Mais de 50 entidades brasileiras aderem ao Movimento 18 Razões para a Não redução da maioridade penal.[28]

           

    Muito conveniente essa lista para demonstrar e ressaltar a importância na ineficácia em reduzir a maioridade penal no Brasil, sendo que não solucionaria a insegurança atual e seria negativo, por aumentar a população carcerária que não é ressocializada.

    Dando prosseguimento ao assunto tratado na segunda entrevista, irei tratar agora, sobre a privatização das prisões, vejamos recente veiculação acerca do tema:

Cadeia privada dá dinheiro, mas não melhora condição dos presos

Empresas já dividem com o poder público a execução de serviços em 22 presídios de sete estados

Com índice de encarceramento entre os mais altos do mundo e deficiências que justificam o conceito de depósito humano, o sistema carcerário brasileiro está, aos poucos, se transformando no novo nicho das privatizações.

Empresas já dividem com o poder público a execução de serviços em 22 presídios de sete estados (SC, ES, BA, MG, TO, AL e AM), cobram caro e não há qualquer indicador apontando que a vida melhorou nas prisões.

‘O preso já é uma commoditie. Em Joinville (SC), ouvi o administrador afirmar que o preso está rendendo bem mais do que custa ao estado’, diz o advogado José de Jesus Filho, da Comissão Pastoral Carcerária Nacional. Ele tem viajado pelo país levantando dados para uma análise sobre o resultado das gestões privatizadas ou que estão sendo desenvolvidas de forma compartilhada com os estados.

A experiência vem sendo feita há cerca de uma década e movimenta, discretamente, várias empresas que têm um pé na segurança privada e, seguindo tendência de países como Estados Unidos e França, estão de olho naquilo que consideram um promissor mercado: uma massa carcerária de 560 mil pessoas e a prestação de serviços que, no geral, torna o custo de cada preso mais que o dobro do que os governos gastam hoje para mantê-los encarcerados.

Custo médio

Jesus Filho diz que nos locais em que a gestão é privada, o custo médio de um detento (alimentação, vestuário, higiene, assistência médica e psicológica, segurança interna e assessoria jurídica) alcança R$ 3 mil e é bancado pelos mesmos governos que antes gastavam R$ 1.200. Se tivesse que pagar pela gestão privada de todas as prisões do país, o poder público desembolsaria por ano cerca de R$ 20 bilhões, o equivalente ao gasto do programa Bolsa Família no mesmo período.

As análises preliminares mostram que, em geral, nos locais em que a gestão foi totalmente privatizada ou compartilhada com o poder público, nada mudou no cenário caótico nem se mexeu na questão principal dos presídios, que é a ressocialização do detento para o retorno ao ambiente externo.

Os índices de reincidência continuam acima dos 70%, fugas e rebeliões pipocam com a mesma frequência de outros presídios e, em alguns casos extremos, como o de Pedrinha, no Maranhão, a vigilância exercida por uma empresa privada não impediu que conflitos descambassem para mortes em série, com requintes de barbárie, como as 13 decapitações já registradas este ano entre mais de 50 homicídios.

‘A gestão privada não mudou nada. As empresas não estão preocupadas com isso. A natureza delas é o lucro, ganhar dinheiro’, diz o advogado. Segundo ele em Santa Catarina e Alagoas, os detentos realizam trabalhos encomendados pelas empresas para atender o mercado - a maior parte na costura e confecção de vestuário, produção de bolas e produtos plásticos - e acabam lucrando em duas pontas: exploram a mão de obra carcerária e ganham do estado pelos serviços prestados ao detento.

Não há ainda um estudo sistematizado sobre o impacto da gestão privada. Cada estado adota sua política, faz experiências e mantém ou desiste, como foi o caso do Paraná em relação ao complexo penitenciário de Guarapuava. Lá, a gestão particular, depois do fracasso, foi dissolvida e os serviços, devolvidos ao governo.

Os pontos em comum entre todos os governos são o endurecimento da legislação penal, o recrudescimento da política de encarceramento e a abertura de mais vagas no sistema.

O governo federal vem dando uma mãozinha aos estados no processo de abertura de novas vagas. O plano de apoio lançado pela presidente Dilma Rousseff em 2011, com gastos estimados em R$ 1,1 bilhão, se destina a criação de 42 mil novas vagas até 2014. Ainda assim, o balanço do ministério da Justiça demonstra que essa meta dificilmente será cumprida, uma vez que até junho deste ano foram entregues apenas 7.321 vagas.

‘A abertura de vagas segue a política de encarceramento em massa’, diz o jurista Luiz Flávio Gomez, para quem o insucesso das experiências desenvolvidas até agora deve inibir ou manter estagnado o processo de privatização. ‘O custo é alto. A população não vai aceitar pagar mais do que o estado vem pagando e os políticos não vão querer perder votos’, afirma o jurista.

Modelo seletivo

A socióloga Camila Dias, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que há um movimento articulado entre empresas e poder público para privatizar a massa carcerária. Ela lembra que em São Paulo, por exemplo, alguns serviços - como o monitoramento das tornozeleiras e a alimentação nos cadeiões que abrigam detentos provisórios - foram integralmente terceirizados. O fornecimento de ‘quentinhas’ é feito por empresas privadas em vários estados.

‘O modelo brasileiro não oferece outra alternativa que não seja construir prisões e encarcerar cada vez mais, seguindo o modelo de seletividade (crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas) e aumento da repressão. A sociedade, que achava caro o custo de cada preso bancado pelo estado, apoia equivocadamente essa política porque, na ânsia de punir, não sabe que privatizar custa mais’, diz Camila. ‘A privatização é apresentada como solução, mas no fundo o objetivo é segregar e ganhar dinheiro com os presos, a imensa maioria formada por pobres’, observa Camila.

População carcerária mais que dobrou no Brasil, diz relatório

As estatísticas do Ministério da Justiça confirmam o surpreendente avanço, ano a ano, do encarceramento. Em 2000, por exemplo, a população carcerária era de 232.755 e não parou de crescer. Dez anos depois, em 2010, esse número saltou para 496.251 e continuou em curva ascendente, com 514.582 em 2011, 548.003 em 2012 e, este ano a, 560 mil - e ainda contando.

Massa carcerária

O espetacular aumento da massa carcerária, aliado à incompetência do estado para geri-la e a proliferação de mazelas que assustam a sociedade, segundo especialistas, são as justificativas da iniciativa privada, que escolhe os presídios onde pretende entrar. ‘As empresas selecionam os presos de bom comportamento’, observa o deputado federal Domingos Dutra (SDD-MA), que foi relator da CPI do Sistema Carcerário.

Autor da lei que prevê o desconto de dois dias a cada três da pena ao preso que estuda e trabalha, o deputado já enviou ao Palácio do Planalto duas sugestões de alternativa à privatização: a utilização dos presos como força de trabalho nas obras do PAC e na produção agrícola de subsistência em terras férteis nas cercanias das penitenciárias.

‘Só na Papuda (complexo penitenciário de Brasília, famosa por abrigar os condenados do mensalão) existem 600 hectares de terras férteis. Em volta de todas as outras penitenciárias também existem terras agricultáveis. O problema é que o estado é incompetente e não liga porque 99% dos presos são pobres’, afirma o deputado.

Mandados de prisão

‘Seríamos ingênuos se não percebêssemos que por trás da falência da política carcerária há uma lógica de mercado. As empresas querem lucrar com o preso’, afirma o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária. As empresas, segundo ele, apostam na continuidade da política de encarceramento com base nos mandados de prisão em aberto, atualmente estimados em cerca de 500 mil no país.

Em janeiro a entidade deve divulgar o primeiro levantamento nacional sobre o funcionamento dos presídios privatizados. Padre Valdir antecipa, no entanto, que nesses locais nada mudou a favor do preso ou da sociedade, mesmo nas prisões de Santa Catarina e Minas Gerais, onde os governos anunciaram a parceria como modelo a ser seguido.

As únicas mudanças positivas, segundo a pastoral, ocorreram em presídios administrados pela Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC) cuja atuação, sem fins lucrativos e focada na gestão e apoio social e religioso, derrubou a reincidência ao crime entre os egressos do sistema para 10%, uma queda e tanto se comparado com a média de 70% no sistema.

‘A política carcerária brasileira deveria contemplar a vítima também. O ideal é a justiça restaurativa. O delinqüente trabalharia para ressarcir os prejuízos sem que os casos precisassem chegar aos presídios’, sugere o padre Valdir.[29]

    Após a análise dos estudos realizados nessa reportagem, cai por terra minha hipótese da melhoria na ressocialização através de prisões privatizadas, defendida na entrevista com o Delegado Geral do Estado de Mato Grosso. Tal notícia mostra que as empresas que privatizam os presídios só visam o lucro com os reeducandos, já que tem uma ‘parceria’ com o Governo na mantença dos presos. Esse resultado porque os presos, mesmo nesses presídios, continuam sem trabalhar para se manterem, para ressarcir ao Estado seus gastos.

    O supracitado presídio de Pedrinhas, no Maranhão, que já tem vigilância exercida por empresa particular e já houve rebelião com muitas mortes, esteve na mídia recentemente, quando foi visitado por uma comissão de Senadores, vejamos:

Grupo de senadores visita presídio em Pedrinhas, no MA

Um grupo de sessenta presos teria simulado uma greve de fome na visita que uma comitiva de senadores da Comissão de Direitos Humanos fez, nesta segunda-feira, 13, à Penitenciária de Pedrinhas, na capital maranhense. Durante a passagem por uma das alas comandadas por uma das facções na penitenciária, cerca de 60 presos disseram aos parlamentares que se recusavam a comer a alimentação fornecida pela administração da cadeia.

A visita dos parlamentares tinha por objetivo verificar a situação do presídio e as condições dos presos. O grupo, que tem conversado durante todo o dia com autoridades locais, está preocupado com as 62 mortes que ocorreram na cadeia desde o início do ano passado, algumas por meio de decapitações de detentos.

Um dos integrantes da comitiva, o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP), contou ter visto ‘muita comida jogada no chão’ das celas. Os presos disseram ao senador que não havia condições de se alimentar com a comida fornecida. A administração do presídio rebateu os detentos e mostrou aos senadores a comida distribuída: arroz, feijão e carne. ‘A comida estava em boas condições’, disse Randolfe, para quem a ‘simulação’ tinha por objetivo chamar a atenção e sensibilizar os parlamentares.

Os senadores permaneceram três horas no presídio. No primeiro momento, os parlamentares foram ciceroneados pelo secretário de Administração Penitenciária, Sebastião Uchôa, e pelo comandante da Polícia Militar do Maranhão, Aldimar Zanoni Porto, que lhes mostrou uma ala destruída em rebeliões anteriores, mas, por estar em reformas, já estava em melhores condições. Participaram da visita Randolfe e os senadores Ana Rita (PT-ES), João Capiberibe (PSB-AP), Humberto Costa (PT-PE), Lobão Filho e João Alberto Souza, os dois últimos do PMDB maranhense.

Contudo, os integrantes da comitiva protestaram contra o fato de terem tido acesso restrito às dependências da penitenciária. Conseguiram, posteriormente, visitar uma das alas sem acesso restrito, na qual ocorreu a simulação da greve de fome. Nessa parte do giro, Lobão Filho e João Alberto Souza, aliados da governadora do estado, Roseana Sarney (PMDB), não participaram da visita.

Os parlamentares ouviram queixas de presos e de agentes penitenciários: mistura de presos provisórios com condenados cumprindo pena; a grande quantidade de agentes penitenciários terceirizados; agentes penitenciários admitindo abertamente que presos têm de escolher a uma das duas facções que dominam a cadeia. ‘Quem não toma partido, estava condenado’, afirmou Randolfe.

O grupo de parlamentares ainda tem encontro com representantes do Ministério Público e Justiça estaduais e possivelmente com a governadora Roseana Sarney. Para o senador do Psol, é preciso se fazer um mutirão para retirar presos em situação irregular. Ele defendeu uma ação conjunta de todos os poderes para resolver a crise nos sistemas de segurança pública e penitenciário estadual. ‘É uma situação crônica: a Polícia Federal e a Força Nacional não podem ficar lá permanentemente’, afirmou Randolfe.[30]

    Verificamos mais uma vez, que a privatização, mista, do jeito que está sendo empregada, na maioria dos casos, não está sendo eficaz no controle dos reeducandos, já que continua o comando das facções nos presídios, bem como a ineficácia da ressocialização.

CAPÍTULO 3 - SUPERLOTAÇÃO NOS PRESÍDIOS X (IN)EFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO

    Está proposto no Brasil um Novo Código Penal (NCP), que segundo o Ilustre Dr. Salo de Carvalho, caso seja aprovado conforme se propôs na PLS 236, causará um encarceramento em massa nos próximos anos:

(...)Os atuais índices de prisionalização no país, que já são insuportáveis, parecerão uma “realidade Disney” perto daquilo que é possível imaginar. Limitações rígidas à progressão de regime – inclusive com a inclusão de cláusulas abertas que permitem ao juiz discricionariamente ampliar o tempo exigido; fim do livramento condicional; fim da suspensão condicional do processo; restrições à prescrição (notadamente à retroativa); são alguns pontos que chamam atenção.(...)[31]

    Com a ineficácia da ressocialização, essa mudança proposta para o código (com um toque de Direito Penal do Inimigo) só agravaria a situação carcerária, contudo, alguns juízes vem implantando projetos criativos como alternativa para tornar talvez mais eficiente esse processo, em Minas Gerais houve um projeto que além de criativo é sustentável:

Presos em MG pedalam para produzir energia elétrica e reduzir suas penas

Um projeto pioneiro no sul de Minas Gerais permite que presos reduzam suas penas em troca de gerar energia elétrica por meio de bicicletas.

Desde o mês passado, as pedaladas de detentos do presídio de Santa Rita do Sapucaí (418 km de Belo Horizonte) ajudam a iluminar uma avenida usada pela população para caminhadas.

Atualmente oito presos se revezam em quatro bicicletas estáticas instaladas no pátio do presídio. Com 16 horas pedaladas, abatem um dia de pena. Cada detento pedala cerca de seis horas por dia.

A iniciativa do projeto é do juiz José Henrique Mallmann, para quem a medida evita o ócio, trabalha o corpo e agrada aos presos. “Já tem fila de espera”, disse Mallmann – são 130 detentos no local.

O esforço físico é transformado em energia por meio de uma polia e de um alternador. A energia é guardada em uma bateria de caminhão.

Dez horas de energia acumulada iluminam dez postes públicos por uma noite.

O projeto tem apoio de empresários da cidade – um comerciante doou os tênis que presos usam para pedalar.

O colegiado do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas irá se reunir para avaliar a iniciativa, disse a conselheira Cirlene Ferreira. O órgão quer avaliar se os detentos estão sendo submetidos a esforço físico extremo.

“Os presos pedalam conversando e rindo, como se estivessem numa academia”, disse Gilson Silva, diretor-geral do presídio.[32]

 

    No Estado de Mato Grosso, também houve um projeto para tornar a ressocialização mais eficiente, posto em prática, partindo do Judiciário:

Juiz investe na ressocialização de adolescentes

O juiz Wagner Plaza Machado Júnior, em substituição na Primeira Vara Cível da Comarca de Barra do Garças (509 km a leste de Cuiabá), com o apoio do Ministério Público, intermediou o convênio entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Centro Socioeducativo Ed Lopes, para a capacitação de dois adolescentes em conflito com a lei no curso de auxiliar administrativo. O curso terá início na segunda quinzena de agosto e prosseguirá até o final de outubro.

O magistrado também está organizando um convênio a ser firmado entre o Centro Socioeducativo e a Prefeitura Municipal para que os 12 internos da instituição possam participar de um curso de pintura, que está sendo promovido por educadores do Poder Público.

O objetivo é colaborar para a ressocialização desses jovens, para que eles tenham uma profissão quando terminarem de cumprir medida socioeducativa. Atualmente o que preocupa o magistrado é o alto índice de reincidência desses adolescentes.(...)[33]

    Um projeto bem interessante, concernente também a tentar tornar mais eficiente a ressocialização, está em trâmite na Câmara dos Deputados, é o PL 470/2011, concordo com o mesmo no sentido de que todos os presos em regime fechado devem trabalhar e, para tanto, as indústrias deveriam ter incentivo fiscal ao se estruturarem ao redor dos presídios, contratando os presos para a mão de obra primária.

    Uma iniciativa interessante foi da Universidade Federal de Roraima, ao criar um curso de Formação de Docentes para o Sistema Prisional. Segundo a Universidade, esse curso tem como Objetivo Geral: A promoção e compreensão da educação como direito fundamental e estratégia para a inclusão de saberes diversos e enfrentamento da discriminação e do preconceito.

(...)Objetivos Específicos:

 - Introduzir a abordagem da Educação na diversidade com o reconhecimento e valorização das diversas populações e temáticas  a serem tratadas;

- Apresentar conceitos sobre diversas populações e temáticas da diversidade;

- Abordar as alterações das Leis e da LDB que determina a inclusão de populações de exclusão para uma harmonia social;

- Desenvolver processos e metodologias de introdução desses conceitos na educação básica;

- Oferecer seminários, palestras virtuais, materiais didáticos e tecnologias sobre os temas da diversidade;

- Possibilitar a formação continuada por meio das redes de discussão dos diversos cursos de formação para a diversidade oferecidos no âmbito da Rede de Educação para a Diversidade.[34]

CAPÍTULO 4 - A CRÍTICA DA TEORIA GERMÂNICA QUE OBSTA COM OS DIREITOS HUMANOS

    Bruno de Morais Ribeiro, em sua obra “Defesa Social e ‘Direito Penal do Inimigo’”, descreve o surgimento e o conceito dessa especificidade do ramo do direito, da seguinte forma:

A partir do final do século XX, Günther Jakobs construiu um discurso legitimador das tendências de ‘endurecimento’ do Direito Penal e Processual Penal que se estavam verificando em diversos países, em áreas específicas, como as relacionadas com a criminalidade organizada, o tráfico de drogas e o terrorismo. Esse discurso, com o passar do tempo, se robusteceu e conquistou adeptos, reintroduzindo nas discussões jurídico-penais o conceito de periculosidade, a questão da defesa social e a dos seus limites. Assim, Jakobs reavivou o debate sobre a doutrina da defesa social, propondo as bases de um controvertido ‘Direito Penal do Inimigo’ (que procurou fundamentar em teóricos do contrato social: Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant), as quais seriam muito diferentes das do ‘Direito Penal do Cidadão’.

(...)

Este Direito Penal do Inimigo, que é destinado à contenção dos ‘perigosos’ e busca uma eficiente defesa da sociedade frente a riscos futuros, trata o autor de um crime, em determinadas circunstâncias, simplesmente como ‘fonte de perigo ou como meio para intimidar os demais’, enquanto o Direito Penal do Cidadão é destinado ao criminoso que deve ser tratado da forma usual, ou seja, ‘como pessoa’. Estes seriam, segundo Jakobs, ‘dois pólos de um só mundo’, ou ‘duas tendências opostas em um só contexto jurídico-penal’; afirma, contudo ser ‘perfeitamente possível que estas tendências se sobreponham’.

Ao afirmar que o Direito Penal do Inimigo, ao contrário do Direito Penal do Cidadão, não trata o delinquente como pessoa, Jakobs usa o termo pessoa no sentido de um ‘ser’ que se orienta ‘com base no lícito e no ilícito’. Na medida em que um indivíduo se afasta, ‘provavelmente, de maneira duradoura, ao menos de modo decidido, do Direito’, não merece mais, segundo Jakobs, ser tratado como pessoa, pois não há, nessa situação, nenhuma garantia de que ele se comportará, no futuro, de acordo com as normas vigentes na sociedade, ou seja, obedecendo às expectativas sociais.

Nesses casos, ele ‘deve ser combatido como um inimigo’, em uma ‘guerra’ que teria lugar para garantir o legítimo direito dos cidadãos à segurança.[35]

    Conclui o autor com a seguinte concepção:

 

 

É imprescindível que o Direito penal da atualidade seja sempre o Direito Penal do fato, repudiando-se os postulados, antigos e atuais, que conduzem ao Direito Penal do autor. Ainda que não se admita que o Direito Penal se fundamente em uma base retributiva, atribuindo-se-lhe caráter utilitário, é indispensável admitir que a função preventiva do Direito Penal, tanto geral quanto especial, encontra limites na dignidade da pessoa humana, o que implica na necessidade da utilização do conceito de culpabilidade pelo fato típico e ilícito para graduar as penas criminais e, consequentemente, limitar a intervenção penal estatal. Sem essa barreira, o Estado tende a instrumentalizar o indivíduo para servir interesses coletivos, tantas vezes questionáveis.[36]

    Percebe-se, claramente, que o autor não coaduna com as teorias, oriundas do Direito Alemão, que ramifica o Direito Penal em Direito Penal do Inimigo e Direito Penal do Cidadão. Justifica-se pelas normas e princípios vigentes no Brasil. Fica clara também, a radicalização da teoria de Günther Jakobs, quanto ao seu conceito de inimigo, sendo considerado “não pessoa”. No entanto, há necessidade de alterações na forma de punir, bem como de ressocializar, em nosso Estado, talvez com “pitadas” da teoria germânica aqui exposta.

    Eugênio Raúl Zafaroni, em sua obra “O inimigo no Direito Penal”, destrincha a posição de Günther Jakobs, vejamos:

Embora tenha recebido as mais fortes críticas por afirmar, partindo do normativismo, que o inimigo não deve ser considerado pessoa, em bom rigor esta proposta de contenção é coerente com todo o direito penal do século XX, que, como vimos, foi teorizado com base na admissão de que alguns seres humanos são perigosos e que só por isso devem ser segregados ou eliminados. Sem afirmá-lo explicitamente, eles foram coisificados, deixaram de ser considerados pessoas, e isso foi ocultado, quase sempre, mediante racionalizações. Neste sentido, a proposta de Jakobs não deve causar tanto escândalo, mas sim toda a tradição doutrinária penal que legitima a exclusão dos estranhos da pena e sua eliminação ou neutralização por serem perigosos.

(...)

Não é correto defender a posição de Jakobs, minimizando sua afirmação e afirmando que ele só postula que os inimigos tenham menos direitos individuais que os cidadãos, e sendo assim a negação do caráter de pessoa nos inimigos é perfeitamente coerente e inevitável. O correto seria destacar a contradição de quem, desde a modernidade até hoje, postulou ou legitimou a mesma coisa sem levar em conta a conseqüência incontestável dessa proposta.

(...)

Não obstante, cabe perguntar que preocupações esta conseqüência pode gerar, quando o Estado de direito é violado nos fatos e no direito. Assim, pode-se observar na América Latina que as medidas de contenção postuladas por Jakobs apenas para os inimigos são aplicadas – certamente sem mais discriminação do que a seletividade criminalizante – a todos os suspeitos de ser infratores, ou seja, trata-se a todos como inimigos. Essas medidas de contenção são aplicadas automaticamente a todos aqueles suspeitos de serem infratores e só lhes faz cumprir um resto de pena formal nos poucos casos em que uma sentença firme pronunciada depois de anos verifica que se trata efetivamente de um infrator e que, além disso, a pena excede o tempo que a medida durou. Dessa perspectiva, deve-se admitir que Jakobs propõe algo muito mais limitado do que o que se pratica e se legitima na região latino-americana.

Além de o direito penal legitimar as medidas de pura contenção para perigosos em todos os códigos que admitem o sistema binário, na América Latina o direito processual penal também faz o mesmo com a prisão cautelar. Em outras palavras, para quase três quartos dos presos da região vigoram condições análogas às de Guantánamo. O fato de estarem submetidos a processo não representa uma diferença substancial, porque quando os processos e a prisão cautelar se prolongam indefinidamente, a situação do preso processado torna-se idêntica à do não processado.

Por conseguinte, o escândalo desencadeado por esta proposta não seria justificado, visto que não apenas não é muito diferente daquilo que sempre se fez e se legitimou nem tampouco daquilo que os tribunais de nossos países aceitam cotidianamente. A proposta é, na verdade, muito mais limitada, para evitar que alcance todos os criminalizados. Ademais, a verificação anterior é prova suficiente de que o Estado de direito invocado como crítica à sua proposta seria rompido pela simples presença real e jurídica do inimigo, e mesmo em maior medida do que aquela que o próprio autor estaria disposto a tolerar.

Considerando que não se propõe introduzir e ampliar o uso do conceito de inimigo no direito penal, mais sim admiti-lo em um compartimento estanque perfeitamente delimitado, para que não se estenda e contamine todo o direito penal, caberia pensar que esse preço não é tão caro assim, tendo em conta que, na prática, opera numa medida mais extensa, o que importaria, em muitos casos, até numa redução de seu âmbito. O princípio do Estado de direito, permanentemente invocado para rechaçar o tratamento diferenciado, se encontraria, de fato e de direito, rompido em função do que se faz e se legitima até o presente. Se os criminalizados – e nem sequer os processados puros – não são tratados como pessoas, não haveria razão para objetar que isso seja proposto apenas para um grupo de apenados e não para os demais. Se o poder punitivo se desloca para outras pessoas que não os terroristas, seria possível afirmar que há muito mais oportunidades de deslocamento quando todos os infratores e suspeitos são tratados como inimigos do que quando se faz isso com relação a apenas um determinado grupo.[37]

           

    Percebe-se que Zaffaroni tem uma visão global, indicando que a teoria de Jakobs não é tão radical, que na verdade, só nunca foi exposta na forma que Jakobs dispõe, mas sempre esteve e está presente, de alguma forma, relativamente, no direito penal, podendo portanto, ter a possibilidade de ser dosada em maiores níveis em alterações legais e em decisões judiciais.

 

CONCLUSÃO

Ao final do trabalho podemos perceber que o tema não se esgota, já que está relacionado a situações cotidianas que se modificam a cada dia, através de noticiários, cada manhã tem uma novidade do âmbito da segurança na sociedade. Resolve-se o problema num morro controlado pelo tráfico, instalando-se ali a Unidade de Polícia Pacificadora, logo mais, logo menos, há um ataque àquela UPP. Após longa investigação prende-se os líderes de facção em determinada localidade, meses ou anos após, a Autoridade Policial que chefiou a investigação sofre um atentado. O tema ainda é recente no Brasil, mas o Direito Penal do Inimigo já vem sendo discutido há algum tempo, percebe-se nesse último trecho, retirado do livro do autor latino americano Zaffaroni, a ideia de que a tese radical do alemão Jakobs pode ser vista de um outro ângulo, sendo possível à adequação na lei brasileira, de certa forma, já vista em algumas jurisprudências. Apesar da maioria dos doutrinadores que destrincham o tema, o mostrarem de forma a expor como extrema a visão germânica para a realidade do Brasil, Zaffaroni amenizou a situação e mostrou que é uma teoria já indiretamente aplicada no Processo Penal em alguns aspectos. A insegurança é grande no país e cada vez mais alarmante, as facções cada vez se estruturando mais e controlando toda uma massa. Os presídios sempre superlotados, a privatização dos presídios não dando o resultado esperado, a ressocialização totalmente ineficaz, quando olha-se pela maioria. Um país onde não se valoriza a educação e os Direitos Humanos protegendo a dignidade das pessoas de forma a obstar o trabalho como forma de “castigo” e de renda para os reclusos, a fim de reembolsarem os gastos de mantença na prisão.

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