4. RECURSOS
Parece-nos incontestável o fato de ser recorrível a decisão que homologa o pedido de desistência da concordata. Esta ilação tem supedâneo nos princípios informadores do processo civil, como o duplo grau de jurisdição (art. 5º, LV, in fine, da CRFB/88), entre outros, cuja aplicabilidade advém da supremacia da lei fundamental sobre o ordenamento jurídico infra-constitucional [33].
O principal argumento daqueles que afirmam ser a decisão homologatória da desistência da concordata preventiva irrecorrível funda-se na assertiva de que não haveria qualquer prejuízo aos credores nesta hipótese, não havendo sucumbência dos mesmos, inexistindo interesse recursal. [34] Porém, o interesse em recorrer "consubstancia-se na necessidade que tem o recorrente de obter a anulação ou reforma da decisão que lhe for desfavorável." [35]
Mas o prejuízo aos credores deverá ser analisado sob o crivo do contraditório, visto que, como a concordata visa evitar a falência do devedor, há o risco de lesão em todo pedido de desistência de concordata homologado sem a oitiva dos credores quirografários. Estes são os últimos a receber em caso de falência do devedor, após o pagamento de todos aqueles com privilégio legal. A concordata garante o pagamento em "moeda" própria, é cediço, mas pode evitar que os credores por ela atingidos fiquem sem receber nada, o que poderá acontecer caso seja decretado a quebra e o ativo da falida for insuficiente para suprir as pretensões de todos os credores.
"Não importa a amplitude maior ou menor do interesse do recorrente, ou seja, da utilidade que lhe possa advir do novo pronunciamento. Ainda que a modificação da sentença o beneficie minimamente, tem lugar o recurso.
Também não se exclui o recurso quando na sentença é satisfeito o interesse econômico, mas se deixa de atender a interesse moral concomitante" [36]
Somente se poderia falar em irrecorribilidade se o provimento judicial fosse desprovido de conteúdo decisório, nos termos do art. 162, § 3º, do CPC. "Se o ato judicial tem, aparentemente, características de despacho, mas, em virtude de sua finalidade, puder causar gravame, não é despacho, mas sim decisão interlocutória ( CPC 162 § 2º ), sendo impugnável pelo recurso de agravo" [37].
Neste sentido os pronunciamentos do egrégio TJSP:
"Comporta agravo de petição a sentença que homologa pedido de desistência de concordata preventiva" (in RT 427/139);
"Cabe agravo de petição da decisão que homologa pedido de concordata preventiva. É inadmissível o pedido de desistência de concordata mandada processar, sem a prova de solvência, sem depósito, caução ou pagamento, sem a aquiescência dos credores habilitados" (TJSP, in RT 450/90);
"Partindo-se da premissa de que ao Direito repugnam a instância única e a irrecorribilidade das sentenças, é de se admitir o cabimento do recurso em caso de desistência de concordata preventiva. Homologada a desistência, extinto o processo sem julgamento de mérito, o recurso cabível é o de apelação, conforme o art. 513, c/c o art. 267, do CPC" (TJSP in RT 626/58).
Assim, a decisão que homologa o pedido de desistência da concordata preventiva, cuja natureza é de sentença terminativa, extinguindo o feito sem análise do mérito, desafia o recurso de apelação; a decisão que indefere o pedido de desistência decretando a falência, ou que ordena o prosseguimento do feito, tem a natureza jurídica de decisão interlocutória, contra a qual é possível a interposição de agravo.
5. CONCLUSÃO
Ante ao exposto, podemos concluir que é possível a desistência do pedido de concordata preventiva sempre que não comprovado prejuízo aos credores. Prescindirá da aquiescência destes se for deferida antes do despacho que instaura o procedimento da concordata. Após este marco processual, deve-se, necessariamente, ouvir os credores.
O juiz deve ter todo o cuidado na análise do pedido de desistência para evitar fraudes, devendo decretar a em falência se possuir elementos que o convençam estar o concordatário com o escopo de escapar do ônus proveniente da relação jurídica processual. "O concordatário tem a faculdade de desistir da concordata, por se cuidar de favor que lhe é por lei concedido, desde que não esteja presente a intenção de burlar a lei ou fraudar os direitos dos credores". [38]
Em obediência ao princípio do duplo grau de jurisdição, o recurso cabível para impugnar sentença que homologa a desistência do pedido de concordata é apelação, enquanto a decisão que indefere o pedido de desistência desafia agravo de instrumento.
Desta forma, preenche-se os requisitos impostos pelos princípios e normas que orientam a interpretação do ordenamento jurídico. O Direito, como modo de adequação do ser humano à vida em sociedade, prevê em suas normas positivas meios de colmatar vácuos legislativos. Isto mantém dinâmico o processo de evolução de seus preceitos, através da atuação de seus operadores, que interpretam e aplicam as leis visando alcançar a intenção nelas contida. Trata-se de um harmônico sistema jurídico apto a proporcionar soluções a situações por lei não previstas, que prevalecerá até a manifestação expressa do poder competente para alterar as normas relativas às falências e concordatas.
6 BIBLIOGRAFIA
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ARTIGOS
ARMANDO, J. Netto. Desistência da Concordata Preventiva. In Revista dos Tribunais n.º 300.
________. Irrecorribilidade da Decisão Homologatória da Desistência de Concordata Preventiva. In Revista dos Tribunais n.º 366.
BOTTESINI, Maury Ângelo. Desistência do Pedido de Concordata Preventiva. In Revista dos Tribunais n.º 667.
ARMANDO, J. Netto. Desistência da Concordata Preventiva. In Revista dos Tribunais n.º 300.
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POLICASTRO, Décio. A Concordata do Ex-concordatário e a Desistência do Favor Legal. In Revista de Direito Mercantil n.º 102.
Notas
1..PACHECO, José da Silva. Tratado das Execuções : Falência e Concordata, 2º Volume. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 366.
2..VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, Volume II, 3ª ed.. São Paulo: Forense, 1962, p. 318.
3..ARMANDO, J. Netto. Desistência da Concordata Preventiva in Revista dos Tribunais n.º 300, p.301.
4..VALVERDE, Trajano de Miranda, opus cit., p. 323.
5..Dec.-lei 7661/45 Lei de Falências, art. 139.
6..REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar, 2º volume. 14ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 04.
7..THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I, 12ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.61.
8..Art. 5º, incisos LIV e LV, da CRFB/88.
9.."A jurisprudência, em melhor exegese, orienta a instrução do pedido de concordata preventiva, no tocante à realização efetiva do comércio, arrimada a qualquer espécie de prova admitido em direito (Código Civil, art. 136)", in RT 409/212.
10..MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.97.
11..FADEL, Sérgio Sahione. Código de Processo Civil Comentado, Volume. I, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 300.
12..BOTTESINI, Maury Ângelo Desistência do Pedido de Concordata Preventiva, in RT 667/39.
13..POLICASTRO, Décio, A Concordata do Ex-concordatário e a Desistência do Favor Legal, in Revista de Direito Mercantil 102/57.
14..Dec. lei 4.657, de 04/09/1942.
15..In RT 492/75.
16..PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Volume I, 18ª ed.. Rio de Janeiro: Forense. 1997. P. 48.
17..BOTTESINI, Maury Ângelo. Opus cit.
18..In RT 450/92.
19..ARMANDO, J. Netto. Opus cit., p. 298.
20..In RT 458/98.
21..In RT 315/297.
22..POLICASTRO, Décio. Opus cit.
23..Acórdão do TJMS. In Revista de Direito Mercantil n.º 1, p. 104.
24..Acórdão unânime da 6ª Câmara Cível do TJSP. In RT n.º 414, p. 163.
25..Grifos nossos.
26..PACHECO, José da Silva. Opus cit. p.375/376.
27..In RT n.º 411, p. 301.
28..JUNIOR, Nelson Nery e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil em Vigor. 4ª ed.. São Paulo: RT. 1999. P.2.178.
29..Assim tem decidido o egrégio STJ, como no acórdão unânime. 1991/0011780-3 em R. Especial n.º 11819/SP (in http://www.stj.gov.br).
30..BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 15ª ed. atualizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro: Forense, 1998 P. 199.
31..PACHECO, José da Silva. Processo de Falência e Concordata. 7ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1997. P. 647.
32..REQUIÃO, Rubens. opus cit.. P. 119.
33..O fundamento de validade de uma norma jurídica está no fato de ter sido concebida através de um processo legislativo estabelecido na Constituição. A Constituição não convalida o ordenamento jurídico que for com ela incompatível. ( KELSEN, Hans, Teoria Pura do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 1988, p. 221.)
34..ARMANDO, J. Netto. Irrecorribilidade da Decisão Homologatória da Desistência de Concordata Preventiva. In RT n.º 366, p. 326.
35..NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Opus cit.. P. 963.
36..FAGUNDES, M. Seabra. Dos Recursos Ordinários em Matéria Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1946, p. 31.
37..NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Opus cit.. P. 984.
38..Acórdão unânime da 3ª Turma do STJ, ao julgar em 24/11/1997 o R. Especial 108350/SP, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito (http:www.stj.gov.br).