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Rondônia e Acre: ação civil pública como estratégia de efetivação de direitos fundamentais trabalhistas

02/07/2014 às 17:33
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Houve uma alteração no comportamento do Ministério Público do Trabalho nos Estados de Rondônia e Acre. A responsabilização dos infratores através de ações judiciais foi incrementada ao longo dos últimos anos.

Foi realizado um levantamento estatístico envolvendo a Procuradoria do Trabalho da 14ª Região, Procuradoria esta responsável pelos Estados de Rondônia e Acre.

A finalidade foi identificar se houve alguma mudança no que tange à quantidade de ações civis públicas e demais espécies de ações ajuizadas nos últimos anos.

A pesquisa foi feita através de consulta ao sistema do Ministério Público do Trabalho, intitulado “MPT Digital”, com a utilização de chaves de busca tais como “ação civil pública” e “procedimentos de acompanhamento judiciais” autuados no período alcançado de 2010 a 2013. Tanto a Sede em Porto Velho, situada em Rondônia, quanto as Procuradorias do Trabalho nos Municípios de Ji-Paraná e na capital do Acre, Rio Branco, foram contempladas. Assim, a pesquisa envolveu ações civis públicas (ACPs), execuções de termos de ajuste de conduta (ExTACs) e outras ações ajuizadas nos últimos quatro anos.

Da mesma forma como ocorreu no Estado da Bahia[i] o que se observou é que houve uma forte mudança no quantitativo de ações ajuizadas, o que sugere uma maior adoção da via judicial como forma de combate às infrações trabalhistas de amplo espectro.

Assim é que a quantidade de ações judiciais – ACPs, ExTACs e outras – distribuídas aumentou drasticamente, passando de um total de 31 ações ajuizadas no ano de 2010, para um total de 134 ações ajuizadas no último ano (2013).

Veja-se a tabela a seguir.

Em relação aos anos de 2010-2013, o acréscimo percentual foi de 332%.[ii]

O incremento do número de ações não pode ser atribuído ao crescimento da demanda do órgão, uma vez que o número de representações (Notícias de Fato) aumentou discretamente neste lapso de tempo. Assim é que no ano de 2010 foram autuadas 1439 representações, sendo que em 2012 houve um pico de denúncias autuadas atingindo 2555 representações[iii], para estabilizar-se num total de 1679 representações apresentadas no ano de 2013[iv], redundando num aumento percentual de apenas 16%, incompatível portanto com o recrudescimento do número de ações propostas. 

Os dados relativos às ações judiciais abrangeu tanto ações civis públicas quanto Execuções de Termos de Ajuste de Conduta e outras lides. No entanto, ao se analisar apenas as ações civis públicas observou-se que no primeiro ano aferido (2010), os Procuradores do Trabalho lotados na 14ª Região ajuizaram 16 ações civis públicas, número este que permaneceu praticamente o mesmo em 2011, quando foram ajuizadas 19 ações civis[v].

Já a partir de 2012 uma alteração foi sentida, posto que neste ano foram ajuizadas 61 ações civis públicas para, em 2013, chegar-se a um possível recorde histórico na região, de 91 ações civis públicas intentadas conforme tabela abaixo.

Verifica-se, com facilidade, que houve um incremento de 468% no resultado de ações civis públicas ajuizadas, sextuplicando o número original.[vi]

Essa elevação tampouco pode ser explicada pelo quantitativo de Procuradores, uma vez que em março de 2010 havia 10 Procuradores lotados naquela Região, ao passo que, em março de 2013, havia 11 procuradores ali estabelecidos[vii], permanecendo relativamente constante em todo o período.

A média bruta de ACPs por procurador passou de 1,45 ação ajuizada por ano em 2010 para 8,27 ações civis públicas ajuizadas por membro em 2013. Ou seja, aumentou em quase seis vezes a quantidade de ACPs ajuizadas individualmente por Procurador do Trabalho.

O resultado efetivo destas ações judiciais já vem sendo sentido.

Em ação civil proposta pelo MPT em 2013 foi deferida tutela antecipada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região para reconhecer a autonomia dos auditores-fiscais do trabalho na efetivação de embargos e interdições. Este mesmo Tribunal confirmou a condenação da JBS no pagamento de R$ 3 milhões a título de indenização por danos morais coletivos. A Enesa Engenharia, empreiteira responsável pela construção da Usina de Girau, teve sua condenação de R$ 1 milhão de reais mantida por aquela Corte. As lojas City Lar foram condenadas ao pagamento de R$ 500.000,00 em ACP ajuizada em Rio Branco. Os grupos Camargo Correa e Marfrig também foram obrigados a cumprir normas de segurança por força de antecipações de tutela concedidas pela Justiça do Trabalho, entre outras importantes notícias para o mundo do trabalho[viii].

No entanto, não se pode desconsiderar que o sucesso das referidas ações depende – e por certo dependeu – da atitude diligente dos Procuradores quanto ao acompanhamento das mesmas, através da interposição de recursos em face de decisões desfavoráveis, instrução probatória robusta, monitoramento dos prazos judiciais, efetivação provisória de medidas liminares, cobrança de multas por litigância de má-fé, entre outras medidas. Enfim, não basta ajuizar a ação, sendo necessário também empreender esforços para que a mesma tenha um resultado célere e efetivo, mudando a realidade trabalhista.

Se é certo que o Direito do Trabalho não vem gozando da efetividade que a Constituição Federal tentou lhe imputar, apesar de tipificado como norma fundamental, não menos certo é afirmar que as estratégias de combate a esse descumprimento massivo de direitos trabalhistas devem ser repensadas[ix]. Desta forma, modificações no modus operandi da instituição trazem esperança de resgate da realização material desse Direito.

Neste ponto, cabe lembrarmos o diagnóstico de José Roberto Freire Pimenta:

“Pode-se dizer, em síntese, que, hoje, o verdadeiro problema do Direito do Trabalho em nosso país é a falta de efetividade da tutela jurisdicional trabalhista (que torna extremamente vantajoso para grande número de empregadores, do ponto de vista econômico, descumprir as mais elementares obrigações trabalhistas), criando uma verdadeira “cultura do inadimplemento”, em verdadeira concorrência desleal com a parcela ainda significativa dos empregadores que cumprem rigorosamente suas obrigações trabalhistas, legais e convencionais”.[x]

Insistimos aqui na tese de que a ação civil pública desencadeia um duplo efeito. O primeiro, decorrente de sua natureza coletiva, consiste em aliviar a sobrecarga de trabalho do Judiciário Trabalhista no julgamento de lides individuais, ainda que essa redução somente seja perceptível a médio ou longo prazo. O segundo consiste na plena efetivação de direitos fundamentais trabalhistas, pelo desestímulo financeiro que lhe é intrínseco, como ressaltado acima pelo Ministro do TST.[xi]

Os infratores da legislação trabalhista reduzem seus custos empresariais quando desrespeitam os direitos trabalhistas, razão pela qual a reprimenda estatal deve ser mais elevada – do ponto de vista financeiro – do que os benefícios certamente obtidos com a prática do ilícito. Os Termos de Ajuste de Conduta, enquanto não contemplarem indenizações substanciais pelos danos morais coletivos impingidos à sociedade, não irão gozar da efetividade por todos esperada porque lhes faltará, justamente, o desestímulo pecuniário transcendente ao ilícito. Implica dizer: os TACs, para alcançarem algum tipo de incentivo para a adequação da conduta do infrator no futuro, demandam, necessariamente, a previsão de indenização (sanção econômica) a fim de tornar a violação da lei trabalhista menos vantajosa do que o seu cumprimento espontâneo.

Com os resultados desta breve investigação, aventa-se a tese de que o Ministério Público do Trabalho em Rondônia e Acre vem promovendo uma mudança de postura[xii] no sentido de levar a efeito a responsabilização dos infratores laborais, ajuizando mais ações civis de cunho indenizatório. Queremos crer que ações civis públicas como estas que vem sendo propostas terão um dia o condão de tornar desvantajoso o descumprimento das mais elementares obrigações trabalhistas.


Notas

[i] Souza, Ilan. MPT da Bahia mudou e ações civis públicas aumentaram. 2014. (Disponível em < http://www.conjur.com.br/2014-fev-12/ilan-fonseca-mpt-bahia-mudou-acoes-civis-publicas-aumentaram> acesso em 14.03.2014)

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[ii] Ações ajuizadas por ano: 2010-31, 2011-42, 2012-116, 2013-134.

[iii] Conforme Relatório de Correição realizada em 2013 pela Corregedoria do Ministério Público do Trabalho, foram recebidas 1439 NFs em 2010, 1880 NFs em 2011 e 2555 NFs em 2012 (até dezembro de 2012) em relação à Sede e PTMs de Ji-Paraná e Rio Branco (disponível em <https://intranet.pgt.mpt.gov.br/corregedoria/correicoes/ata-prt14-2013.pdf> acesso em 17.04.2014>).  No entanto, mesmo esse aumento no número de denúncias foi motivado pelo fato de que, até 2010, só eram autuadas as denúncias que não fossem conexas com nenhum outro procedimento, enquanto que a partir de julho de 2011 todas as denúncias recebidas passaram a ser autuadas como peças de informação. Ipsis literis do Relatório de Correição: “...registra-se que em 2010 só eram autuadas as ?denúncias? que não fossem conexas com nenhum outro procedimento. A partir de julho de 2011 todas as “denúncias” recebidas passaram a ser autuadas como peças de informação e só depois conclusas ao membro para análise de pertinência temática e/ou conexão”.

[iv] Em Porto Velho, de janeiro a dezembro de 2013, foram recebidas na Procuradoria Regional do Trabalho 937 denúncias. Na Procuradoria do Trabalho em Ji-Paraná foram 430 denúncias recebidas e em Rio Branco/AC, 312 denúncias. (disponível em http://www.prt14.mpt.gov.br/noticias2.php?opt=detalhe_noticia&idnot=953 acesso em 17.04.2014)

[v] Neste período, verificou-se ações ajuizadas em face de uma mesmo grupo integrado por empresas como ENESA ENGENHARIA e ENERGIA SUSTENTÁVEL DO BRASIL S/. Por outro lado, no ano de 2013, não se verificou uma concentração de ações ajuizadas em face de uma mesma empresa ou um mesmo grupo empresarial.

[vi] Seguem números registrados por ano: 2010 – 16, 2011 – 19, 2012 – 61, 2013 – 91.

[vii] Segue histórico de procuradores por mês/ano: 03.2010 – 10, 09.2010 – 10, 03.2011 – 10, 09.2011 – 11, 03.2012 – 10, 09.2012 – 10, 03.2013 – 11. Fonte: Revista da ANPT. Disponível em <www.anpt.org.br/index.2.jsp>.

[viii] http://www.prt14.mpt.gov.br/noticias2.php?opt=detalhe_noticia&idnot=947 (Ação civil pede que Justiça garanta independência política de auditores do trabalho)

Condenação da JBS ao pagamento de R$ 3 milhões obtida pelo MPT em ação civil pública é mantida pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho(http://www.prt14.mpt.gov.br/noticias2.php?opt=detalhe_noticia&idnot=891)

Tribunal mantém condenação em 1 milhão de reais da Enesa Engenharia, ao julgar recurso em ação civil pública movida pelo MPT – RO (http://www.prt14.mpt.gov.br/noticias2.php?opt=detalhe_noticia&idnot=871)

Justiça atende pedido do MPT e antecipa tutela para que a Camargo Corrêa cumpra normas trabalhistas de proteção na construção da usina Jirau (http://www.prt14.mpt.gov.br/noticias2.php?opt=detalhe_noticia&idnot=849)

[ix]  Nesta discussão, é fundamental para a ACP a sua forma de condução, com formulação de pedidos compatíveis ao dano impingido, e a pró atividade do procurador em todo processo (recorrendo através de Mandados de Segurança, dialogando abertamente com o Judiciário etc).

[x] Pimenta, José Roberto Freire. DIREITO DO TRABALHO – Evolução, Crise, Perspectivas – São Paulo: LTr, 2004. Tutelas de Urgência no Processo do Trabalho: O Potencial Transformador das Relações Trabalhistas das Reformas do CPC Brasileiro. P. 341. Para o mesmo autor, em tom de desabafo: “(561) O que, embora insustentável do ponto de vista jurídico, é até compreensível na estrita ótima empresarial, movida essencialmente por considerações de natureza econômica e administrativa, com vistas à maximização da citada relação custo-benefício – o erro maior, evidentemente, é daqueles operadores do Direito que, tendo ou devendo ter noção disso, nada fazem para inverter essa equação de modo a tornar desvantajosa, na prática, essa relação, mediante a plena e efetiva aplicação das normas jurídicas materiais em vigor, com a rigorosa aplicação de todas as sanções materiais e processuais legalmente previstas para a hipótese de seu descumprimento”. (grifos nossos).

[xi]  Em contraposição aos termos de ajustamento de conduta que não costumam ter pré-fixação de indenização por danos morais coletivos. Vide a respeito: Filgueiras, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil:regulação do emprego entre. 1988 e 2008. 2012.

[xii] Ainda assim, deve ser dito que a quantidade de termos de ajuste de conduta firmados nos anos de 2010/2012 foi elevada. Seguem dados: em 2010, 188 TACs firmados, em 2011, 301 TACs firmados, em 2012, 254 TACs assinados (até dezembro de 2012). Observa-se, entretanto, uma tendência futura – que pode ser confirmada ou não - de equiparação do número de TACs assinados com a quantidade de ações ajuizadas. (Fonte: Relatório de Correição realizada em 2013 pela Corregedoria do Ministério Público do Trabalho).

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Sobre o autor
Ilan Fonseca de Souza

Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutor em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilan Fonseca. Rondônia e Acre: ação civil pública como estratégia de efetivação de direitos fundamentais trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4018, 2 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28363. Acesso em: 22 dez. 2024.

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