Nepotismo: legalidade versus moralidade

17/05/2014 às 15:56
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A autonomia do Princípio da Moralidade como alicerce para configuração de nepotismo.

CRISLAINE FERREIRA SANTOS[1]

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Administração Pública 2.1. Conceito 2.2. Princípios administrativos constitucionais 3. Princípio da Legalidade e princípio da Moralidade    4. Nepotismo 5. Súmula Vinculante nº 13 do STF e seus pontos polêmicos 6. Conclusão

RESUMO: A administração pública em seu sentido lato visa ao bem comum da sociedade, segundo os preceitos das normas e da moral. Concepção que se traduz em princípios os quais devem ser observados e praticados pelos administradores públicos. Não obstante, casos de nepotismo são observados com frequência, e principalmente, relacionado às lacunas deixadas pelas normas. Lacunas estas que geram conflitos ante a aplicação dos princípios legais e morais.

Palavras – chave: Administração Pública, Nepotismo, legalidade, moralidade.

ABSTRACT: The public administration in its broadest sense is aimed at the common good of society, according to the precepts of standards and morals. Design which translates into principles which must be observed and practiced by public officials. Nevertheless, cases of nepotism are seen frequently, and mainly related to the gaps left by the rules. These gaps that generate conflicts before the implementation of legal and moral principles.

KEY-WORDS: Public Administration, Nepotism, legality, morality.

1.Introdução

Conforme dispõe o artigo 37 da Constituição Federal, a administração pública “(...) obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Considerados valores fundamentais para uma boa administração, os princípios são a essência de todo sistema administrativo. Violar um princípio, na concepção de Celso Antônio Bandeira de Mello, é muito mais grave do que violar uma norma, pois infringir um princípio é ofender todo o sistema de normas, e não somente uma em específico.

O problema se forma quando há divergências entre princípios legais e morais os quais embora interligados, são autônomos. De acordo com antigas distinções romanas entre Moral e Direito: “non omne quod licet honestum est” – nem tudo que é legal é honesto, observa Hely Lopes que “o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto”. Dessa forma, o agente administrativo, como ser humano equipado de aptidão para exercer suas funções, deve prezar pela ética em sua conduta, discernindo não apenas o legal do ilegal, mas também o honesto do desonesto.

Para alguns autores o conceito de moralidade administrativa está incluso dentro do conceito de legalidade. Porém, como já mencionado, esta assertiva não é verdadeira em face do direito positivo brasileiro. A Constituição de 1988 em seu artigo 37, caput e §4º, artigo 5º, inciso LXXIII, e artigo14, § 9º confirmam a autonomia do principio da moralidade administrativa.

A Lei nº 8.429/92 é o diploma regulador dos casos de improbidade que atentam contra os princípios, mais especificamente em seu artigo 11, no qual atribui o dever de honestidade a administração pública.

Para Carvalho Filho “A falta de moralidade administrativa pode afetar vários aspectos da atividade da Administração”, ou seja, partindo da premissa que a moralidade surge a partir da ideia de desvio de finalidade, o nepotismo é exemplo a ser citado diante dessa afirmativa. O nepotismo caracteriza-se pela influência do vínculo familiar como motivação do ato administrativo tornando-se ilícito lesivo à moralidade administrativa, e constituindo ato de improbidade, tal qual previsto na Lei nº 8429/92.

A Súmula Vinculante nº 13 do STF, foi editada com o intuito de coibir essa prática, e em virtude da omissão legislativa em relação a esse assunto. Contudo, seu impacto positivo foi fragilizado em relação a pontos não citados, deixando brechas aparentemente legais, porém atentam contra a moralidade.

2. Administração pública

2.1. Conceito

O conceito de administração pública, por vezes, é subdividido em administração pública em sentido objetivo e administração pública em sentido subjetivo. Adotando uma definição em seu sentido lato, a administração pública compreende o ato de administrar, com todos os seus órgãos, funções, instrumentos e fins, sempre objetivando o bem comum da sociedade. De acordo com Hely Lopes:

Administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da Moral, visando ao bem comum. (MEIRELLES, p. 85, 2010)

 

Ainda segundo o autor citado, a natureza da administração é a de um dever de conservação, zelo, aperfeiçoamento dos bens e interesses da coletividade. Todos visando ao fim único de atender ao bem comum da sociedade. Sempre será o fim e não a vontade do administrador que deverá prevalecer em todos os seus atos. O fato de realiza-lo sem o interesse público configura desvio de finalidade.

O desvio de finalidade ocorre quando o administrador pratica atos por razões ou fins diferente do pretendido em lei, ou do interesse público. Seria, em outras palavras, a violação moral da lei em sentido subjetivo, ou seja, diverso do objetivado pelo legislador, contudo aparentemente legal.

2.2. Princípios administrativos constitucionais

Para Carvalho Filho, “Revelam eles as diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só se poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com eles.” (CARVALHO FILHO, p. 19, 2012).

Os princípios são um parâmetro para a aplicação das demais normas jurídicas, adotado pela doutrina como valores fundamentais de um sistema. Não há hierarquia entre eles, e sim uma maior ou menor aplicação dentro de um caso concreto. Elencados no artigo 37 da CF/88 são eles os princípios da: Legalidade -a administração pública só poderá fazer o que estiver autorizado ou permitido em lei. Impessoalidade- estabelece um dever de imparcialidade, impedindo perseguições e privilégios. Moralidade- o administrador deverá ter em sua conduta princípios éticos, caracterizadores da honestidade. Publicidade- exige a divulgação dos atos praticados pela administração pública, ressalvados os casos de sigilo previstos em lei, objetivando a transparência na atuação administrativa. Eficiência- é a administração voltada para o controle nos resultados de suas ações. Interliga a qualidade com a racionalidade dos gastos.

3.Princípio da Legalidade e princípio da Moralidade

No que concerne ao Princípio da Legalidade, a administração pública pode somente praticar o que está autorizado em lei. Não estando vinculada aos mandamentos da lei será ilícita.

Segundo Hely Lopes

 As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes­deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. (MEIRELLES, p. 89, 2010)

 

Tais poderes-deveres são irrelegáveis por serem conferidos à administração pública para que o administrador utilize de forma a promover o bem comum. Portanto, se descumpridos, “(...) ao passo que a administração pública não tem vontade autônoma, estando adstrita à lei, a qual expressa a “vontade geral” (...)” (ALEXANDRINO, PAULO, p. 187, 2013), será considerado ato ilícito.

Para Hely Lopes a “Administração legítima só é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativas, no sentido de que tanto atende às exigências da lei como se conforma com os preceitos da instituição pública”, ou seja, é necessário atender a letra da lei como também o seu espírito, unindo o legal ao ético visando os interesses sociais. É por essa razão que alguns autores afirmam estar incluído o princípio da moralidade no princípio da legalidade.

No entanto é mister compreender, que o princípio da moralidade é um requisito de validade do ato administrativo, pelo fato da Constituição Federal ter estabelecido a moral administrativa como um princípio expresso, em seu artigo 37, caput, como também cuidar da lesão à moralidade no § 4º do referido artigo:

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

 

E no artigo 5º, LXXIII autorizando propositura de ação popular, nos seguintes termos:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má­-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

É importante ressaltar também que a moral administrativa difere da moral comum, principalmente, porque “O princípio da moralidade torna jurídica a exigência de atuação ética dos agentes da administração pública.” (ALEXANDRINO, PAULO, p.190, 2013)

Para Mazza,

Certas formas de ação e modos de tratar com a coisa pública, ainda que não impostos diretamente pela lei, passam a fazer parte dos comportamentos socialmente esperados de um bom administrador público, incorporando­-se gradativamente ao conjunto de condutas que o Direito torna exigíveis. ( MAZZA, p.99, 2014)

 

Ou seja, mesmo a moral administrativa não se assemelhando com a moral comum, ela requer o dever de observação aos padrões éticos, de boa­fé, decoro, lealdade, honestidade e probidade. É o que dispõe o artigo 2º, parágrafo único, IV, da Lei n. 9.784/99.

4. Nepotismo

Nepotismo é a prática na qual uma autoridade pública faz a nomeação de um parente para um cargo público. Em uma análise sobre o nepotismo, pode-se afirmar que existe uma natureza objetiva e outra subjetiva. Em seu aspecto objetivo seria o ato de nomear um parente para exercer o cargo. Já em seu aspecto subjetivo, seria o desígnio de atender os interesses pessoais por meio da nomeação de um parente. Ou seja, deixa-se de satisfazer o interesse público pra satisfazer o interesse particular. É quando acontece o desvio de finalidade da administração pública, quando um ato é praticado com fim diverso daquele previsto.

Foi a partir de entendimentos que é necessário preservar a moralidade dentro da administração pública que o Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão sobre esta noção: “o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.”

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Surge também a Resolução nº 7 do Conselho Nacional de Justiça, pela qual ficou expressamente vedada a condenável prática do nepotismo na administração pública. E a súmula vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal editada no sentido de coibir ainda mais essa prática.

5. Súmula Vinculante nº 13 do STF e seus pontos polêmicos

A Súmula Vinculante n° 13 do STF, reforçou o caráter imoral da nomeação de parentes para cargos de comissão, nos seguintes termos:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

 

No entanto, acaba por deixar lacunas em alguns pontos como, ao fazer expressa referência a parentes colaterais até terceiro grau, legitimando a nomeação de primos, e ao deixar de fora a proibição de nomeações de parente para cargos políticos como os de Ministros de Estado e Secretários Estaduais, Distritais e Municipais. Neste último caso, que se funda a maioria das críticas a súmula do STF.

A exclusão dos denominados agentes políticos dos efeitos da súmula nº 13, possibilita que por meios legais ocorra a prática do nepotismo. Porém, o fato de não ofender a lei não significa que não ofende aos princípios administrativos, principalmente, ao da moralidade por ter sido a motivação do ato divergente da finalidade da administração pública. Em suma, ter atendido a interesses pessoais e não ao interesse público. Esse é também o entendimento do Ministro Herman Benjamin em Recurso em Mandado De Segurança Nº 32.992 – RJ (2010/0174953-8)

Em princípio e per se, não há nepotismo para as hipóteses de nomeação de agentes políticos. Pode-se, contudo, verificar in concreto a possibilidade de nepotismo cruzado ou outra violação que atente contra parâmetros ético-jurídicos que balizam a moralidade administrativa. Nesse sentido, STF, RE 579.951, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20.8.2008, Repercussão Geral; STF, Rcl 6.650 MC-AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 16.10.2008

Como também merece destaque o pensamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. (Di Pietro, p.71, 2012)

 

Dessa maneira, não pode excluir o fator da ofensa à moralidade dos casos de nepotismo, mesmo estando mascarados de certa legalidade. Pois, conforme já mencionado e debatido anteriormente, o princípio da moralidade tem autonomia própria e não está incluso no princípio da legalidade.

6. Conclusão

A partir de todo exposto acima, poderia sintetizar afirmando que todo ato praticado pela administração pública visando o interesse pessoal e não o interesse público contraria o princípio da moralidade. Portanto, motivação diversa daquela preterida ao bem comum e tendente a favorecimentos pessoais é considerada imoral nos parâmetros da administração pública.

O nepotismo é uma das formas de improbidade na administrativa, tida como mais revoltante por alguns doutrinadores, destarte ao nível de favorecimento entre laços familiares que ele proporciona. Mesmo com a vigência da Súmula Vinculante nº 13 do STF, e de leis como a Lei nº 8.429/92, diversos casos concretos que se configurariam como nepotismo, ainda ficam impuníveis devido à falta de clareza conceitual em texto de normas, dando extensão ao surgimento de ocorrências legais, mas imoral. Todavia não se enquadram como crime por muitas vezes não estar explícito o seu animus.

     De acordo com Alexandrino e Paulo, “.... não é suficiente a ausência de proibição em lei para que a administração pública possa agir, é necessária a existência de uma lei que imponha ou autorize determinada atuação administrativa.” (ALEXANDRINO, PAULO,       p. 187, 2013). Semelhante ao já discutido, e de acordo com entendimentos da Suprema Corte, o fato de não estar descrito na lei todas as formas de nepotismo, não quer dizer que é permitido a prática.

Enfatiza Hely Lopes:

O inegável é que a moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissociável na sua aplicação e na sua finalidade (...). (MEIRELLES, p.92, 2010)

 

 Logo, a violação de princípios éticos no nepotismo podem não opor-se ao princípio da legalidade, mas fere a moralidade, devendo ser enquadrados como tal crime em razão a autonomia do princípio da moralidade dentro da administração pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo & PAULO, Vicente. DIREITO ADMINISTRATIVO DESCOMPLICADO. 21ª edição. São Paulo: Método, 2013.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 25ª edição. São Paulo: Atlas, 2012.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 25ª edição. São Paulo: Atlas, 2012.

MAZZA, Alexandre. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014.

MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMNISTRATIVO BRASILEIRO. 36ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 26ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009.

RODRIGUES, João Gaspar. Nepotismo no serviço público brasileiro e a Súmula Vinculante nº 13. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3500, 30 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23582>. Acesso em: <7 maio 2014>


[1] Acadêmica do curso de Direito, 5º período, Universidade Tiradentes – UNIT

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Sobre a autora
Crislaine Ferreira Santos

Acadêmica do curso de Direito, 5º período, Universidade Tiradentes – UNIT

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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