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A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular

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01/04/2002 às 00:00
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III - A lei de falência atualmente deve ser interpretada de forma a preservar e não de falir empresas

A atual legislação falimentar não pode ser utilizada como um instrumento rápido de cobrança de dívidas ( A ), mas ela deve ser interpretada de forma global para que as empresas viáveis sejam preservadas ( B ).

A) A falência não pode ser considerada o mecanismo mais rápido existente no direito brasileiro para se cobrar dívidas de comerciantes

A lei de falências vem sendo utilizada muitas vezes como o mecanismo mais rápido de cobrança de dívidas de comerciantes existente no direito brasileiro porque ao requerer a falência do devedor o credor obriga o devedor a realização do depósito elisivo ou a efetuar o pagamento do valor pleiteado. Quando não há o pagamento e é feito o depósito elisivo o recebimento do crédito pleiteado fica facilitado e o problema de se verificar se o devedor é ou não insolvente é esquecido, o que passa a ser analisado é somente o crédito pleiteado, ou seja, o direito subjetivo de crédito.

Para receber seu crédito de forma rápida o credor converte um processo ( executivo – ação de execução ) em outro ( cognitivo – ação de falência ) para forçar o devedor a efetuar de forma rápida o pagamento e isto não pode ser feita segundo o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, que ao decidir no dia 16.12.97 através da 1ª Câm. Cív., tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Arivaldo da Silva Chaves o recurso de agravo de instrumento nº 13110-5/180 afirma:

" Ementa: Execução. Conversão em falência. Art. 2ª, inc. I da LF. IMPOSSIBILIDADE. I- Incomportável em nosso ordenamento jurídico a conversão de um processo ( executivo – ação de execução ) em outro ( cognitivo – ação de falência ), que só admite conversão de procedimento dentro do mesmo processo. II – O art. 2º, inciso I da Lei de Falências caracteriza o estado falencial do executado que " não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora dentro do prazo legal ", sem contudo, autorizar a conversão do processo executivo em ação falimentar. Agravo conhecido e improvido. "

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ, ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC ( Reg. 97871894 ) em 01/09/98 demonstra sua preocupação com o desvirtuamento do processo de falência, onde credores apressados se utilizam deste instituto como o meio mais rápido para se cobrar dívidas judicialmente e esta atitude vem sendo reprimida:

" Comungo da preocupação manifesta mais de uma oportunidade pelo r. Tribunal de origem, quanto ao desvirtuamento do processo de falência. Esta deve ser o resultado de uma situação de insolvência que não possa ser de nenhum modo superada a não ser com a quebra da empresa, como todos os danos daí decorrentes; no entanto, tem servido a mais das vezes como instrumento de coação para a cobrança das dívidas. É preciso, portanto, examinar com certo rigor os pedidos de falência, para que não seja desvirtuada por credores apressados. "

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da 19ª Câm. Cív., tendo como relatora a Exma. Sra. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli, ao julgar o recurso de agravo de instrumento nº 70000245068, decide no dia 21/12/1999 que " não pode o devedor sofrer os efeitos da quebra, nem esta servir como meio coercitivo para a obtenção de crédito que pode ser recebido através de ação executiva. Agravo provido. "

B) O formalismo da legislação falimentar felizmente vem sendo superado com observação a função social da atividade econômica

A legislação brasileira até pouco tempo atrás vinha sendo considerada extremamente formalista, mas hoje, após tantas falências injustamente declaradas por este apego ao formalismo, o judiciário começa a deixar de lado a questão formalista para salvar as empresas da falência ( a ), preservando os empregos e atendendo o interesse social de toda a coletividade (b ).

a) O formalismo da legislação falimentar vem sendo superado

A não indicação de bens à penhora dentro do prazo legal de 24 horas não prova, a priori, que o comerciante esteja em estado de insolvência. Mas, porque o credor pede a suspensão da ação executiva singular antes do cumprimento integral do mandado?

Certamente que se atendo a uma interpretação restrita e literal do artigo 2, inciso I da LF, no que se refere a ausência desta nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ele requerer a falência do devedor para buscar receber seu crédito com urgência porque ele não quer esperar pelo procedimento normalmente demorado do processo de execução singular.

Até há pouco tempo atrás a legislação falimentar vinha sendo interpretada de forma restrita e literal. Esta forma de interpretação trouxe inúmeros problemas a muitas empresas, vindo a falí-las aos invés de recuperá-las. Atualmente, muitos de nossos julgadores, conscientes do papel que as empresas possuem para as coletividades, começam a interpretar a legislação falimentar visando a preservar a continuidade das atividades dos comerciantes que passam por dificuldades reversíveis. Vejamos alguns artigos que seguem esta nova orientação:

-O artigo 8º estabelece que:

" Art. 8º.- O comerciante que, em relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deve, dentro de 30 ( trinta ) dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios e juntando ao requerimento..."

Como podemos ver, o legislador impõe ao devedor a obrigação de requerer sua própria falência se ele não pagar sua obrigação após 30 ( trinta ) dias da data de seu vencimento. Certamente que se este artigo fosse aplicado por todos os comerciantes de forma literal e restrita teríamos muitas empresas falidas.

Este artigo não é interpretado de forma restritiva, com exceção do pedido de autofalência e os devedores em atraso procuram seus credores para resolver seus problemas e evitam de pedir sua própria falência, demonstrando assim, que suas dificuldades são passageiras dando prosseguimento as suas atividades.

-Esta interpretação também deixa de ser literal quando se trata de aplicarmos o artigo 140, inciso II, da Lei Falimentar, o qual estabelece que:

Art. 140.- Não pode impetrar concordata:

II – o devedor que deixou de requerer a falência no prazo do artigo 8º;

Imagine só se este artigo fosse interpretado de forma limitada quantas empresas não teriam falido? A Lei de Falência não pode ser utilizada como um instrumento necessariamente destinado a falir o devedor comerciante, mas ela deve também ser vista como uma forma de preservar suas atividades e a recuperá-lo dos momentos econômicos difíceis e transitórios.

-O artigo 158, inciso IV da Lei 7661/45 estabelece que o devedor para pedir concordata preventiva não poderá ter títulos protestados:

Art. 158.- Não ocorrendo os impedimentos enumerados no art. 140, cumpre ao devedor satisfazer as seguintes condições


IV- não ter título protestado por falta de pagamento. "

Não é o número de protestos que impede o devedor comerciante de requerer concordata e sim o grau de sua dificuldade, ou seja, o devedor pode ter um título protestado por falta de pagamento no valor de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais ) ou 10 ( dez ) de R$ 500,00 ( quinhentos reais ) e ser lhe concedida a concordata preventiva ou então ter somente um título protestado de R$ 50.000,00 ( cinqüenta mil ) e ter seu pedido negado. Tudo depende do estado econômico do devedor e de sua capacidade de recuperação.

-Assim como os artigos mencionados acima deixam de ser interpretados de forma restrita e literal, o mesmo deve ocorrer na falta de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução.

O artigo 2, inciso 1 no que se refere a parte de nosso estudo, não pode ser interpretado de forma simples, pois, a falência do devedor esta ligada ao seu conteúdo " estado de insolvência " e não a sua forma " o fato do devedor não ter nomeado bens à penhora ". É preciso que o mandado tenha sido integralmente cumprimento, pois, se não o foi, não se pode declarar a falência do devedor.

O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que não deve ser feita uma interpretação literal do artigo 2, inciso 1 da LF, evitando-se " a destruição da empresa ", como ficou expresso no julgamento do Resp nº 125398/RS proferido em 27/03/2000 pela Terceira Turma, tendo como rel. o Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro ficando claro que neste caso mesmo diante da nomeação intempestiva de bens " se recomenda que se prossiga a execução " e não se declare a falência. O Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro, no julgamento do Resp. 125399/RS realizado em 12/06/2000, através da Terceira Turma afirmou que " deve-se, entretanto, recusar interpretação literal ao constante desse dispositivo ( artigo, 2º, inciso 1 da LF ) ".

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O artigo 2º, inciso 1 se for interpretado literalmente não permite que o devedor faça o depósito elisivo porque a defesa quando o pedido de falência for formulado com base no artigo 2, deve ser apresentada conforme o artigo 12 e este artigo não prevê a possibilidade da realização do depósito elisivo, previsto somente no artigo 11, §2º, quando o pedido for feito com base no artigo 1. A interpretação literal deste artigo também foi superada, admitindo-se o depósito elisivo ou o pagamento no caso do artigo 2, inciso 1, conforme se verifica na decisão proferida no Resp. nº 51855, proveniente da 3ª Turma do STJ, tendo como relator o Exmo. Sr. Min. Nilson Naves e publicada em 13/02/95. Ainda neste sentido vemos as seguintes decisões: Rec. Extr. 90.764-RJ, in RTJ 94/362-366; STJ, Resp. 6782-0-RS, RT, vol. 699/177-183.

Se o artigo 2, inciso I, da LF fosse interprestado em sentido estrito não precisaria nem haver defesa do devedor no processo falimentar porque o comerciante seria considerado falido pelo apego ao formalismo, pouco importando tomar conhecimento da sua situação econômica. Uma empresa com um patrimônio de R$ 10.000.000,00 ( dez milhões de reais ) e devendo somente R$ 100.000,00 ( cem mil reais ) seria considerada falida. Ao invés da empresa ser preservada a lei estaria sendo a maior produtora de falências de empresas viáveis!!!

Todos estes artigos não devem ser interpretados de forma literal e restrita porque o devedor que deixa de pagar sua obrigação pontualmente ou mesmo após 30 dias do seu vencimento, não pode, em princípio, ser considerado falido. Esta mesma situação se passa com o devedor comerciante que tem títulos protestados porque se sua dificuldade for passageira e não definitiva ele não pode ser considerado falido. Esta mesma interpretação deve ser feita dos artigos 1 ( ver Robson Zanetti. A flexibilização do deposito elisivo na legislacao falimentar. Cit. prec. ) e 2, inciso 1 da Lei Falimentar diante da ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ou seja, quando a dificuldade do devedor for passageira e reversível, sendo a empresa viável, ela não pode ter sua falência declarada.

b) A lei falimentar deve preservar a continuidade das empresas viáveis

A Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 5º estabelece que:

" Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum ".

CONCETTO MARIA RUGGERI, L’amministrazione controllata dopo la novella legislativa del 1978: bilanci ed esigenze di mutamento, in Il fallimento nº 4/1.190, p. 357,

renomado autor italiano ( Robson Zanetti, obra citada anteriormente, p. 31 ) escreve:

" O interesse em salvar a empresa e demonstrar sua viabilidade não pode se restringir somente aos interesses dos credores e do devedor mas, da coletividade ".

O interesse que vem movendo a atual legislação falimentar é de preservar a empresa e não destruí-la. Os interesses particulares não estão acima dos interesses da coletividade.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decide através da sua 4ª Câm. Cív., tendo como rel. o Exmo. Sr. Des. Trindade, no ac. nº 00.007541-8, publicado no DJ em 05.02.2001 que:

" De todo inadmissível é que os credores de determinada empresa comercial, apenas em razão de disporem de título executivo levado a protesto, se utilizem do processo falitário como meio coercitivo de cobrança quando esgotados os meios suasórios para haver o crédito que têm. Na atual conjuntura econômica atravessada pelo país, faz-se inadmissível que o interesse de um único credor sobrepuje o interesse coletivo, levando à bancarrota,... , uma empresa comercial, gerando o caos social para aqueles que, diretamente ou indiretamente, dela dependem e que, por certo, engrossarão mais ainda a já interminável fila dos desempregados ".

O Exmo. Sr. Min. Nilson Naves, da 3ª Turma do STJ, ao julgar o Resp. nº 51855/SP em 13/02/1995, afirmou que:

" Pondere-se que a falência não há de ser perseguida como um fim em si mesmo, pois o escopo primordial reside na preservação da atividade empresarial. "

O interesse em preservar a empresa esta acima dos interesses individuais do credor e do devedor, pois deve ser do interesse da coletividade esta preservação.


Conclusão

A falência do devedor comerciante não deverá ser declarada diante da ausência de seu estado constitutivo de insolvência.

Entendemos que não é possível ser declarada a falência do devedor comerciante somente porque ele não nomeou bens à penhora dentro do prazo legal se não for dado cumprimento integral ao mandado na busca de bens a serem penhorados.

Não devemos nos apegar estritamente aos aspectos formais da atual legislação falimentar somente avaliando seu rótulo esquecendo-se do seu conteúdo, pois, se sempre nos prendermos aos seus aspectos formais, muitas empresas viáveis falirão.


Notas

1.Todos os grifos realizados neste artigo são de nossa autoria.

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Sobre o autor
Robson Zanetti

Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Juiz arbitral. Palestrante. Autor de mais de 150 artigos. Autor dos livros "Manual da Sociedade Limitada", "A prevenção de dificuldades e Recuperação de Empresas" e "Assédio Moral no Trabalho" (E-book).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANETTI, Robson. A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2860. Acesso em: 20 abr. 2024.

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