Compromisso social e ético do advogado

19/05/2014 às 17:05
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O exercício da atividade de Advogado se demonstra em atividade de natureza pública diante dos reflexos de sua atuação na postulação de direitos nos tribunais, assim a atividade exercida deve sempre estar iluminada pelos preceitos da ética e da moral.

RESUMO

O exercício da atividade de Advogado exercida pelo bacharel em direito, devidamente habilitado e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, se demonstra em atividade de natureza pública diante dos reflexos de sua atuação na postulação de direitos nos tribunais frente a interesses de natureza individual ou coletiva. Porém, a atividade exercida deve sempre estar iluminada pelos preceitos da ética e da moral, sendo de caráter ora subjetivos, ora objetivos, como forma de balizar a atuação de tais profissionais. Assim, buscou-se com este trabalho discutir o tema proposto diante da vinculação da atividade privada do advogado com os interesses sociais e de ordem ética refletidos na demanda pretendida, com base em pesquisa bibliográfica.

Palavra chave - Atividade de Advocacia e ética

SUMARIO: 1. Introdução. 2. O Exercício da advocacia e seus reflexos de ordem social. 3. Os preceitos de ordem ética e a demanda pretendida. Referências

1 INTRODUÇÃO

O exercício da advocacia é tema relevante que vem atualmente recebendo atenção de todos, principalmente no tocante a necessidade de um prévio exame de ordem, técnica para que o bacharel (individuo com graduação em curso de Direito) possa exercer as atividades consoantes à profissão de Advogado, conforme descrito no Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB[1].

A necessidade de tal avaliação do conhecimento técnico agregado do profissional do Direito vem sendo defendida baseando-se na conceituação do exercício da atividade que se demonstra de natureza pública, sendo confirmado por Grinover (2010, p. 244) que:

Modernamente formou-se outra corrente doutrinaria para a qual, em vista da indispensabilidade da função do advogado no processo, a advocacia tem caráter público e as relações entre patrono e cliente são reguladas por contrato de direito público.

O direito constitucional pátrio traduz de forma objetiva o caráter essencial da função do Advogado para a administração da justiça, relacionando esta com as atividades do Ministério Público e da Advocacia Pública.

Sendo assim é perceptível que ao exercer suas atividades o profissional deve estar atento às ordens de caráter objetivo (Códigos e leis esparsas), mas também a outras não menos importantes entendidas de caráter subjetivo (ética e moral), que por sua natureza, traduzem a essência do profissional que se quer ter no seio da sociedade como prestador do serviço para representar os interesses e defender os direitos dos que dele necessitar.

A capacidade representativa do advogado nas diversas demandas de caráter judicial ou extrajudicial a que se habilita, por procuração, não se traduz apenas aos interesses da parte que o contratou, ou seja, ao que é requerido, mas em determinado momento poderá se refletir para toda a sociedade. Neste contexto surge o questionamento: haveria desvinculação da atividade privada do advogado dos interesses sociais e de ordem ética refletidos na demanda pretendida?

O que se busca discutir relaciona-se com o compromisso social e ético do advogado traduzido pela atividade desempenhada quando do exercício da advocacia conforme parâmetros previstos no Estatuto da Advocacia e da OAB[2] e no Código de Ética da OAB, bem como, seus reflexos.

2 O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E SEUS REFLEXOS DE ORDEM SOCIAL

As ações do advogado não envolvem apenas um juízo de valor sobre os comportamentos humanos, mas culminam na escolha de uma diretriz da qual deva ser estritamente fiel, diretriz esta que deve estar pautada nos preceitos de ética e de moral.

Aos dispor sobre este juízo de valor, Miguel Reale[3] (2002) demonstra que frente ao caso concreto que lhe é apresentado, o advogado ao longo do seu percurso de análise deve tomar dois caminhos: o primeiro em que o ato é apreciado em função da intencionalidade do agente, o qual visa, antes de mais nada, à plenitude de sua subjetividade, para que esta se realize como individualidade autônoma, isto é, como pessoa.

O segundo caminho, ao contrário, a ação ou conduta é analisada em função de suas relações intersubjetivas, implicando a existência de um bem social, que supera o valor do bem de cada um, numa trama de valorações objetivas, onde a Ética assume duas expressões distintas: a da Moral Social (costumes e convenções sociais) e do Direito (legalidade).

Da tomada de posição axiológica ou valorativa resulta a imperatividade da via escolhida, a qual não representa assim mero resultado de uma nua decisão, arbitrária, mas é a expressão de um complexo processo de opções subjetivas, no qual se acha mais ou menos condicionado, o poder que decide, sendo que, dependendo da demanda que se apresente restará em reflexos de ordem social ou em desvios de ordem ética, ou ainda, de ordem legal.

A Lei 8.906/94 ao dispor sobre o Estatuto da Advocacia e OAB demonstra em seu artigo primeiro que o exercício da advocacia possui atividades privativas, ou seja, que não podem ser exercidas senão pelo Advogado, pessoa com capacidade técnica e inscrito na Ordem dos Advogados, inscrição esta que reclama requisitos como:

I - capacidade civil;

II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;

III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;

IV - aprovação em Exame de Ordem;

V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;

VI - idoneidade moral;

VII - prestar compromisso perante o conselho

 

É certo que corrobora com este caráter privativo da atividade do advogado princípios como o da eficiência e do interesse público, visto que, a má prestação do serviço realizada por profissional despreparado incorre sempre em prejuízo para a parte ou quando não para a própria sociedade.

É neste contexto que questões de ordem ética, devidamente codificadas e aceitas pela OAB, servem como luz a fim de irradiar e basilar as decisões do advogado quando chamado a defender interesses de ordem controversa, questões estas que estão objetivadas e traduzidas nos requisitos necessários à inscrição na ordem dos advogados, dentre estas a idoneidade moral.

É certa a existência da indispensabilidade da atividade advocatícia e ainda da irradiação dos reflexos sociais desta atividade associada às decisões judiciais. Para isto basta examinar decisões recentes como aquelas relativas à utilização de células tronco em atividades médicas e ainda, a união entre pessoas de mesmo sexo, temas estes que mudaram a concepção social depois de remetidas à apreciação do poder judiciário por meio de sua última instância.

A manifestação do poder judiciário sobre temas tão complexos se deu frente aos direitos fundamentais e serviram certamente do trabalho do advogado na postulação e defesa destes direitos então desrespeitados; uma luta que demonstrou a evolução da sociedade atual frente a seus dogmas passados. A defesa de tais direitos e o exercício da advocacia vieram a corroborar com a indispensabilidade da atividade do advogado, a exigência de um desenvolver ético desta atividade e ainda o reflexo desta atividade na ordem social.

Porém, atualmente, a habilitação de bacharéis para o exercício da advocacia vem enfrentando diversas críticas quanto à necessidade de um exame anterior, sendo a única atividade a qual o detentor de um curso de graduação necessita provar ter adquirido o conhecimento necessário ao exercício da atividade para a qual pretende habilitar.

O Supremo Tribunal Federal – STF ao ser demandado a dizer sobre o tema conforme Recurso Extraordinário de nº 603583, tendo por unanimidade e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso, todavia, chamou a atenção junto ao processo a observação proferida pelo Dr. Oscar Argolo[4], Advogado, conforme Indicação 147/2011 do Instituto dos Advogados do Brasil onde diz que:

As “qualificações profissionais” (sic) necessárias para ser advogado são deveras importantes para a sociedade em geral e, sobretudo, para o Poder Judiciário, sob pena de a inépcia profissional proporcionar enormes prejuízos a ambos. O uso privativo da “qualidade” de advogado só é admitido aos inscritos na OAB, sob pena de, ainda que bacharel em Direito, ao intitular-se ou atuar como advogado, responder pela contravenção penal da falsa identidade (art. 47, Dec-Lei no. 3.688/1941)[5]. Todas as sociedades livres e democráticas têm ordens, Colégios ou Barras de Advogados, especialmente para atuação judicial, como são os casos de Estados Unidos e da Inglaterra – de Direito Consuetudinário; e, como também, dos países de origem latina – de Direito Positivo, v.g.: Itália, França, Espanha e Portugal, desses Paises, nossa origem jurídica.

 

Assim, não seria o Brasil o único país a exigir tal habilitação para o exercício da profissão de advogado, mas, outros países também a exigem, e, quando não, com maior rigor quando da atuação judicial.

Certo é que conforme asseverado, diante da exigência de compromisso para com o resultado buscado, bem como, dos reflexos de sua atuação para com a sociedade torna-se legítima a atuação da OAB na avaliação dos profissionais que se habilitam à profissão advocatícia, onde, neste sentido o Ministro Luiz Fux[6] em seu voto no recurso extraordinário já citado afirmou que:

“Por essas razões, existe justificação plausível para a prévia verificação da qualificação profissional do bacharel em direito para que possa exercer a advocacia. Sobreleva no caso interesse coletivo relevante na aferição da capacidade técnica do indivíduo que tenciona ingressar no exercício profissional das atividades privativas do advogado”

3 OS PRECEITOS DE ORDEM ÉTICA E A DEMANDA PRETENDIDA

O exercício da atividade de defesa dos interesses de determinada pessoa, seja ela natural ou jurídica, impõe ao profissional do Direito caminhos espinhosos a percorrer, principalmente quando a demanda apresentada, ou seja, o que se pretende alcançar, vem a colidir com os preceitos de ordem ética que disciplina o exercício da advocacia.

Conforme o professor Miguel Reale (2007) ao lecionar sobre os preceitos do mundo ético, existem formas da atividade ética a qual por sua vez podem ser entendidas possuindo uma função do bem individual ou social, onde demonstra que “todos os homens procuram alcançar o que lhes parece ser o “bem ou a felicidade”, porém esta busca do bem pelo individuo e sua inter-relação com o que seria o bem social passa por valorações objetivas que se traduzem em normas de valoração social e costumes (Ética e Moral) e do Direito em si (de ordem objetiva).

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A subjetividade da busca do bem pelo individuo e do reflexo deste bem em confronto com a sociedade, ou seja, do reflexo do bem pretendido individualmente para com o bem de ordem social, traduz a complexidade do exercício da atividade advocatícia frente à demanda pretendida e os preceitos de ordem ética dentro do contexto social.

Ainda conforme Miguel Reale (2007, p.35) “toda norma ética expressa um juízo de valor, ao qual se liga uma sanção, isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida”.

Para o exercício de sua atividade o Advogado deve sempre estar atento não apenas aos comandos objetivos do ordenamento que regula as relações dos indivíduos perante a sociedade, mas deve estar atento aos preceitos de ordem ética para o qual se habilitou e ainda, se comprometeu a fielmente cumprir. Poder-se-ia imaginar na esfera penal, como exemplo, considerando o comando constitucional de ampla defesa e contraditório, a defesa a qualquer custo, mas ao confrontá-la com a ética social é possível verificar que assim não se traduz, pois, o bem buscado pelo individuo, qual seja a liberdade a qualquer preço estaria confrontada com o bem social de vê-lo encarcerado e não cometendo delitos a toda sorte.

Surge assim o reforço do já demonstrado, qual seja a natureza pública das atividades do Advogado uma vez que o exercício de sua atividade traz reflexos imediatos à sociedade, mesmo quando se postula em defesa de particulares, porém é importante que seja eleito com pilares desta profissão o exercício da ética profissional e a garantia da satisfação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exercício da advocacia é tarefa salutar no que concerne ao convívio da sociedade em um estagio de paz social, porém, é certo que tal contribuição somente prosperará se tal profissional estiver sustentado pelos pilares da ética e da moral, sendo suas decisões, mesmo quando na defesa de interesses privados pautadas pela responsabilidade de ordem social a qual se refletirá.

A advocacia não é a única atividade em que o bacharel em direito poderá se habilitar, porém, se assim o decidir, deverá se submeter ao exame prévio de uma instituição que se preocupa com os valores dos profissionais que carregam sua bandeira e, assim, a exigência de tal exame se demonstra necessário diante da caracterização de atividade pública e do interesse de ordem pública da atividade desenvolvida pelo advogado, bem como a efetivação do compromisso social a que se destina devidamente relacionada com os preceitos da ética a qual ira se comprometer.

A considerar as exposições sopesadas deste estudo demonstra-se que o Advogado tem consigo a responsabilidade de refletir a justiça em todas as suas ações na defesa de um Estado Democrático de Direito, reafirmando o caminho da ética e moral, da obediência as leis e, sobretudo, na garantia dos direitos daqueles que se tornam menores diante das agressões daqueles que se julgam mais fortes, sempre na busca da paz social.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8906, de 04 de julho de 1994 Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB;

CINTRA, Antonio Carlos de Araujo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 26ed.. São Paulo: Malheiros, 2010.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002;


[1] Código de Ética da OAB – art. 2º - O advogado, indispensável a administração da justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, da cidadania, da moralidade publica, da justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu ministério privado à elevada função pública que exerce.

[2] Lei nº 8906, de 04 de julho de 1994 – Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

[3] Reale, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002

[4]SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Processo RE/603583 Relator Ministro Marco Aurelio. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=3773044

[5] LCP. ART. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições a que a lei esta subordinado o seu exercício:

Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.

[6] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Processo RE/603583 Relator Ministro Marco Aurelio. Disponível em: http://sn123w.snt123.mail.live.com/default.aspx#!/mail/InboxLight.aspx?n=666440304!fid=1&pdir=NextPage&paid=b26e9913-05aa-11e1-b323-002264c19752&pad=2011-11-02T23%3A30%3A50.683Z&pidx=2&fav=1&n=1883780844&mid=e8e607f9-021d-11e1-bfe3-00237de3fb1a&fv=1

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Sobre o autor
Paulo Henrique Brant Vieira

Mestre em Direito. Especialização em Direito Público. Bacharelado em Direito e em Ciências Militares com ênfase em Defesa Social.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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