O Direito Constitucional e suas perspectivas contemporâneas

28/05/2014 às 07:45
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Ensaio científico-qualitativo, acerca da nova metodologia político-jurídica, debruçado na gênese promissora de renovação no tratar dos malefícios contemporâneos da eficiência do neoconstitucionalismo no Estado Brasileiro.

RESUMO: O neoliberalismo fruto da globalização econômica e grande desenvolvimento do mercado capitalista é o tema de maior reflexão constitucional de nossos dias. Ao observa-se tal fenômeno conflitante à eficácia dos direito sociais, passa-se a conferir valor às normas, e para tanto, estabelece-se estratégias hermenêutico-jurisdicionais. O Estado Social e Democrático de Direito posto desde 1.988 sob nova ideologia axiológica é o instrumento da Nação para que, enfim, possa revitalizar seus mais importantes valores em detrimento das oligarquias político-econômicas que assolam as minorias desprovidas da efetividade outorgada à representatividade. Para tanto, avaliemos o fenômeno de recolocação da pessoa humana – também no sentido coletivo – no centro do sistema jurídico-constitucional, e quais as tendências do direito constitucional moderno nesse caminhar de conflitos.

ENSAIO HISTÓRICO

A promulgação da constituição republicana de 1.988 trouxe consigo não só uma travessia de uma nova ordem, de todo primogênita, mas, além disso, novos paradigmas de como ser visualizado o sistema político-constitucional, e aqui, agora mais do nunca, cumpre-nos estabelecer este binômio, mais que necessário para se entender os novos rumos da ciência política contemporânea.

Hoje o Brasil vive em uma crise, não somente aquela abordada pelas entranhas dos jornais midiáticos caracterizadas por manchetes ditadas pelos vetustos interesses intransponíveis e inerentes às ‘’convenientes’’ informações seletivo-capitalistas, mas uma crise de estruturas éticas, uma crise de profundezas maliciosas, da qual não conseguimos desde o início do período Republicano e, especialmente, desde 1.988 (Constituição Cidadã) içarmos, senão, perder-nos em suas ‘’soluções’’ inócuas de metodologia empírica.

A crise de que falo é a crise de identidade, é a crise política que após o advento do Estado Social de Direito erigido pelas intenções sociais perscrutadas por Vargas em 1.934, – menos atrasado em relação ao Estado Republicano em detrimento do direto comparado – não obteve solução prática, bem como teórica.

O horizonte histórico mostra a nascente do problema de assimetria dos interesses de governantes e governados. Limitemo-nos ao período constitucional.

Desde o liberalismo clássico implantado pela Revolução Francesa em 1.789 (estopim) o positivismo dogmático e abstrato sarcasticamente conotado como folhas de papel na ótica, mais que coerente, de Lassalle foi a promissora panaceia de todos os males momentâneos, de modo que, bastava garantir a igualdade abstrata perante a lei formal – haja vista a superioridade do parlamento em detrimento da primogênita separação dos poderes – que a satisfação imediata fosse cristalizada. O Povo não demorou a visualizar o funesto ludíbrio com que se deparava o País estereotipado sob a chancela do iluminismo. Assim, a liberdade política e civil arraigada na Constituição Francesa de 1.791 não passava de uma liberdade infensa à democracia, de modo que se protegia uma apodítica prerrogativa de classe – a classe burguesa. A Burguesia usufruiu das recentes ideologias vitoriosas pós-revolução para se estancar na supremacia do poder recém-institucionalizado.

Ao contrário do que preconizavam seus elaboradores estratégicos – Membros do terceiro Estado – os fatos não caminhavam como a classe burguesa desejava, porquanto a desigualdade social aumentara de maneira diametralmente oposta à axiologia perorada nos discursos calorosas da época, pregadores de liberdade cívica, igualdade substancial e fraternidade espiritual. Traidora de sua Nação a burguesia se via cômoda, ao mesmo passo que via sua plateia abandonar o teatro ‘’republicano’’ às vozes iminentes doutros revolucionários.

Com o crepúsculo do Estado Social corroborado com os ideais de Marx a oligarquia política se absteve dissimuladamente em nome do Estado-Nação. Nenhum instrumento, nesse caminhar belicoso, seria mais propício do que os partidos políticos. Os partidos políticos, agora denominadores comum, da democracia semidireta decorrente do aumento massificado da população mundial que, a cada século se duplica, são o instrumento contemporâneo de que se valem os povos – precipuamente subdesenvolvidos – para que em seu nome a governabilidade seja exercida não sob o espírito de poderio, mas sob o da legitimidade. A Democracia agora agregada ao Socialismo, ou seja, usufruída como instrumento de reinvindicação por parte de seus cidadãos para que o Estado se alie à vontade geral de desenvolvimento e intervenha nas forças exteriores ao Direito fazendo com que este seja sempre conduzido à eficácia máxima de bem estar comum, é o lema das doutrinas coetâneas.

Assim, faz-se ouvir com brados retumbantes a massa oprimida pelo liberalismo burguês do século XVIII e XIX. As Constituições de Weimar (1.919) e Mexicana (1.917) derivadas da mesma fonte do espírito Russo de 1.917 (que originou o primeiro País socialista do mundo – União Soviética), deram ao positivismo jurídico um ideal de valor, somando ao Estado absenteísta-liberal o dever intervencionista-social, fazendo reforçar os ideais de democracia ateniense empedernida na Ágora do Estado-Cidade. Doravante, cabia ao Estado social fazer-se ouvir, e nesse contexto de clemência messiânica nada mais perspicaz do que se utilizar do instrumento representativo de delegação política: os partidos políticos. Recém-nascidos na história político-democrática os partidos políticos do século XX, estão prontos a levar à efetividade constitucional todo o anseio do povo, deprecante pelos direitos fundamentais não só do homem individual, mas do homem social ou coletivo; do homem-sociedade.

O ramo do direito trabalhista, na contextualização histórica a que nos reportamos, é exemplo clássico, senão necessário, de intervencionismo Estatal na modulação dessa reengenharia social do século XX, buscando-se com ele, além da regulação das relações de contratantes e contratados, de modo a viabilizar a estes condições condignas de trabalho, mais que isso, porquanto se percorre uma relação de igualdade substancial – axiologia pregoada pelos ideais socialistas de eminência conveniente para a época –, conduzindo a massa do proletário aos seus direitos fundamentais – ditos sociais. O estabelecimento de proporções salariais pelo trabalho executado faz com que o proletário possa ter condições mínimas de sobrevivência. As oligarquias político-sociais denotadas pelo espírito liberal-absenteísta têm seus horizontes escurecidos, porém ainda sensitivos à hegemonia – sempre inexorável.

O antigo dilema, portanto, floresce nesse contexto histórico-político. A liberdade política sempre se pôs defronte à igualdade social, de modo que o historicismo ratifica a, quase sempre, existência de um desaguar na nulificação doutro. Não podemos, nos dias atuais, concordar com tal pensamento – um dia elaborado por cientistas políticos e sociólogos bem embasados e críticos cirúrgicos aos fatos que se lhes rodeavam –, de modo que, para estabelecermos um Estado Social e Democrático de Direito, devemos ter como fonte estratificada a igualdade social em harmonia com a liberdade política, e, hoje o intervencionismo do Estado prestador de contas ao cidadão, ou caracterizado pelo status positivo de Jellinek se mostra um tanto eficiente, seja pela via representativa, seja pela via judicial, e aqui apontamos ao cume do labor ora desenvolvido.

Nesse interim histórico resplandece no horizonte um momento de tensão e deflagração mundial, e, junto com a 2º Grande Guerra, a prova de que o direito e sua aplicação prática ainda se faziam estagnados perante os anseios axiológicos de ética e moral. O valor do positivismo jurídico era distorcido do plano ficto para o plano fático, de modo que nada do que estava escrito era levado à análise ponderativa e transcendente, digna de aplicação por qualquer um que detenha um senso mínimo de sobriedade. Os riscos da teoria de Kelsen – que, interpretava a Constituição, debruçado sobre a ideia de juridicidade impermeável –, se faziam demasiadamente palpáveis no Terceiro Reich, onde fora levado às últimas consequências o corpo de normas do regime conservador-nacionalista, míope a qualquer interesse num Estado Social de Direitos ou de Direitos Sociais, ou a qualquer outra valoração digna de ótica dos que ali governavam, ou seja, a subsunção físico-geométrica era trasladada das exatas para as humanas, e, com isso, padeciam os povos que ali se viam tolhidos de todo o teor divino um dia esculpido nas páginas das doutrinas anacronicamente civilizadas.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a humanidade se via devastada não só arquitetonicamente, economicamente ou politicamente, mas, sobretudo, espiritualmente, porquanto tratados de paz, de lá para cá foram assinados, acompanhados de Constituições mais eficazes e acauteladoras, verdadeiras couraças da pessoa humana. Busca-se, agora, além de proteger eficazmente a pessoa humana – que passa a ser a cúspide do ordenamento jurídico –, lançar a Constituição como centro do ordenamento, de modo que intérpretes e doutrinadores de todo o mundo passam a conferi-la maior atenção, de modo a vincular todo o sistema jurídico (objetivo) e sua exegese (objetivo-subjetivo) aos princípios constitucionais, norteadores de toda irradiação jurídica que deverá atingir a tudo e a todos que sob ela se façam reconhecidos.

Sob essa ótica reflexiva vislumbramos diversos fenômenos recentes que se fazem presentes no mundo jurídico-constitucional: A Constituição passa a ser vista como centro do sistema jurídico, acrescentando-se-lhe, além de cariz centralizador, reflexões principiológicas a fito de efetivação do neoconstitucionalismo¹. Os direitos fundamentais do homem ganham preocupação eminente por parte do mundo jurídico, sociológico e político. Tribunais constitucionais passam a desenvolver métodos interpretativos de eficácia aos direitos de segunda dimensão e, assim, passam, muitas vezes, a interferir noutras esferas do poder, sempre guiados pelo espírito do escopo positivo de Jellinek.

¹ O novo direito constitucional, assim denotado a partir da segunda grande guerra. Tem como principais características a adição do aspecto valorativo à norma, até então, apenas ligada ao fato, ou seja, acrescenta-lhe – nesse momento – a axiologia, bem como busca garantir a eficácia prático-material dos direitos fundamentais do homem. Porquanto, o neoconstitucionalismo entra em conflito direto com o neoliberalismo econômico, de modo que aquele busca efetivar os direitos sociais de segunda dimensão para, a partir disso, efetivar os de terceira, quarta e quinta, enquanto este busca o status quo de globalização econômica e concentração de renda capitalista em detrimento da miserabilidade de inúmeros povos, ainda tolhidos, inclusive, de governos democráticos. Um é dotado de espírito mecânico e o outro orgânico.

ATIVISMO JUDICIAL E NEOCONSTITUCIONALISMO

No Brasil, esse fenômeno denominado de ativismo judicial, que através da hermenêutica busca integralizar e efetivar aquelas que seriam as funções originárias doutros poderes da Republica, ganha eminência avassaladora, haja vista a crise de identidade dos partidos políticos aqui instaurados, e já mencionados anteriormente como instrumentos suficientes à concreção da democracia contemporânea.

Quando um corpo político se predispõe a representar uma massa de cidadãos que se lhes outorga o poderio para que em nome destes atue no Governo do País – determinando suas estruturas e seus rumos de desenvolvimento –, não cumpre seus postulados de ética e discurso moral, nada mais faz do que fomentar a descrença na representatividade e derrocar com a democracia semidireta que, convenientemente, se faz mais racional à adequabilidade do mundo contemporâneo, fato este que o constituinte não olvidou pelo o que se extrai da versatilidade de que se dispõe a Constituição Cidadã em seu artigo décimo quarto. A credibilidade no Governo representativo se arrefece, fazendo do postulado de soberania democrática uma ideia eminentemente abstrata e impalpável.

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O povo, destarte, sai vencido e, não obstante, sempre lúcido quanto ao que lhe aflige pode se alimentar do espirito revolucionário doutros tempos destoantes da atualidade, mas sempre educativos à consciência.

O ilustre professor Paulo Bonavides em sua obra Curso de direito Constitucional, faz menção ao sistema constitucional², quer dizer, aquele que abrange todas as forças excluídas pelo constitucionalismo clássico ou por este ignoradas, em virtude de visualizar nas Constituições apenas o seu aspecto formal, o seu lado meramente normativo, a juridicidade pura (sic). Destarte, nessa linha de raciocínio, o escopo da inserção da Constituição num sistema constitucional leva-nos a crer, segundo o Professor, que, passará ela – através de seus intérpretes – a conferir eficácia às suas normas, até então, subtraídas de credibilidade por parte dos que dela necessitam que, não veem capacidade de iniciativa de seus órgãos instituídos no que tange à atividade interpretativa de concreção aos direitos fundamentais, via de regra, cerceada pela ‘’política de interesses’’ constituída pelo caráter obscuro e indevassável.

No contexto atual, esse sistema constitucional faz-se presente – eficazmente – não só no Brasil, mas nas Supremas Cortes do Mundo que, através de sua criatividade hermenêutica – ativismo judicial – buscam doar vivacidade às palavras Constitucionais olvidadas pelos Governantes representativos que preenchem o Legislativo e o Executivo de um Estado dito ‘’Democrático’’ e, por conseguinte, legítimo, mas que, a pretexto das insuficiências de meios, não tingem o fim. Assim, poderíamos afirmar que o exegeta constitucional estaria vinculado a um sistema constitucional não só pelo fato de guiar-se ao dever de interpretar, por exemplo, as normas infraconstitucionais extravagantes, os códigos ou os microssistemas jurídicos à luz da constituição – posta como centro do sistema jurídico –, mas, além disso, devendo interpretá-la sempre guiado pelo facho luminoso de concreção e eficácia aos direitos fundamentais do homem, de modo que, fará jus aos instrumentos denominados de remédios constitucionais quando postos à sua apreciação de maneira a efetivar os direitos em base deles pleiteados, ou em casos de ações de controle abstrato de normas onde deverá vincular o sistema – de evidente fragilidade político-democrática – às suas decisões sempre gizadas pelos princípios mais que constitucionais, mas éticos. O ativismo judicial, portanto, surge nesse contexto de fragilidade democrática como sendo o mais inovador instrumento promissor de garantia dos direitos fundamentais do homem, até então tolhidos pelos governantes representadores do poderio basilar que, não obstante tenham o dever de conferir eficácia à Constituição em todos os seus dizeres irradiantes às mais diversas vias de alcance empírico, não o fazem, mas, ao contrário da autenticidade sempre tanto rejuvenescida pelos postuladores do discurso político, se resguardam a justificações nebulosas e, por conseguinte contrárias à transparência posta como princípio genitor da Administração Pública.

² Bonavides, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 25º ed., p. 93.

Maior atenção volve-se à Corte Constitucional de nosso País, o Supremo Tribunal Federal, pois dotada de tal função, a esta Corte caberá apreciar a maior parte dos problemas sociais desaguados no Judiciário, haja vista a grande judicialização da política apresentada em nossa Constituição que, temendo o passado, quis prever tudo e mais do que deveria, fazendo desse documento fundamental um perplexo sistema jurídico de prolixidades e, por consequência, passível de deprecação jurisdicional por parte do povo: sua fonte. Assim, a partir do momento em que o constituinte prevê questões além das minimamente necessárias para uma norma de caráter Constitucional, alocando a tal documento questões políticas de toda a ordem, abre o caminho para que a sociedade, enfim, possa concretizar seus anseios, agora pela via jurisdicional, afinal ninguém excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, é o que afirma a própria constituinte.

Nessa seara o neoconstitucionalismo é o mais prejudicado, pois não tendo como eficaz suas normas, contribui para o status quo de subdesenvolvimento do Estado Social de direitos, e, por consequência mostra-se anacrônico à sua própria razão de existência. Urge, pois, o Judiciário como panaceia da democracia brasileira.

PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA: VIVEMOS UMA CRISE DA DEMOCRACIA?

Após as premissas da problemática ora investigada estarem basicamente compreendidas, passamos a analisar algumas alegações contemporâneas encontradas em diversos momentos nos discursos que tratam do tema: ‘’presenciamos um Governo dos Juízes!’’, ou até mesmo é possível falar-se de uma ‘’hegemonia judicial!’’? Essas afirmações não carecem de fundamentação, haja vista a célere observação supramencionada a que remetemos o leitor neste momento.

A verdadeira crise em que vivemos, antes de qualquer coisa, é a crise democrática. O Brasil, assim como a maioria dos Países do século XXI exerce seu Governo através de um regime representativo exteriorizado por partidos políticos que se unem para representar determinada ideia da sociedade multifária.

O fato, portanto, de vivermos em um País de larga extensão geográfica, bem como dotado de uma população que cresce potencialmente na casa dos milhões todos os anos, é suficiente para estabelecermos como sóbrio o exercício de uma democracia semidireta ou representativa. O Estado-Cidade da Grécia é inconcebível nos dias atuais da humanidade, mas isso não significa olvidar-nos dos ensinamentos ali perscrutados para todo o sempre. A lição de democracia grega é o legado que herdou o povo ocidental de como se exerce uma política democrática.

O contexto, então, dos partidos políticos é aquele do Estado Social, caracterizado por aquele momento de revolução onde as massas oprimidas pela desigualdade social – acentuada pela revolução industrial –, se fazem ouvir. Nada mais propício do que estabelecer esses direitos – ditos sociais – na Constituição dos Países, vivificando, assim, os direitos de segunda dimensão.

O problema se inicia quando os partidos políticos abrem mão de seu dever constitucionalmente previsto para, em nome dele, se evadirem de maneira maliciosa e dissimulada a interesses próprios preestabelecidos, fazendo com que a hegemonia sócio-política das classes doutros tempos (Estado Liberal) se faça presente. A camuflagem doutra época é a mesma: a lei.

Falta, portanto, espírito ético em nossos governantes, bem como o contato orgânico destes com o povo que representam, de modo a realmente sentirem as necessidades das massas que não se veem mais representadas, senão usurpadas de seu trono, como preconiza o constituinte: ‘’Todo Poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’’. Ao afirmar isso, a Constituição ratifica seu caráter democrático de legitimidade axiológica e transcendente e faz de seu povo criador a última razão de toda existência político-constitucional.

Mas, como afirmava Rousseau, citado por Paulo Bonavides: ‘’Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente’’³. Com tamanha ironia – não carente de perspicácia –, evidente em seu discurso, Rousseau no Contrato Social denota o quanto é difícil para um povo se ver representado politicamente, relegando suas vontades plurifacetadas a poucos governantes que, de seu labor, deverão fielmente cumprir os postulados preestabelecidos pela lei, in casu, Constitucional. De fato, segundo o filósofo, a democracia não é um governo de homens, pelos homens e para os homens, sendo que, a realização de um destes postulados necessariamente excluirá a dos outros.

O Judiciário entra nesse contexto a partir do momento em que o povo subtrai crédito daqueles que lhe representa e passa a sacudir o mundo forense com as mais diversas causas de inefetividade de seus direitos positivados na Constituição (norma máxima). O Judiciário, destarte, não tem como se esquivar de seu ofício e, hoje se tendo como um fato a judicialização da política (Constituição analítica) cabê-lo-á externar sua força cogente.

³ Paulo Bonavides, Ciência Política, p. 285.

O problema se potencializa quando essa crise de identidade ganha proporções alarmantes, como nos últimos tempos de democracia, de modo que os tribunais superiores – STJ e STF – se vêm insuflados de milhares e milhares de causas acionadas por uma sociedade fragilizada e desesperada por justiça social. O Judiciário passa a dispor de mecanismos como as súmulas vinculantes, ao mesmo passo em que passa a modular os efeitos de suas decisões, alcançando outros casos ainda não pleiteados sempre sob a legitimidade da analogia, bem como, através de técnicas hermenêuticas como aquela desenvolvida por Konrad Hesse, passa conferir eficácia aos princípios constitucionais chancelados pela rubrica de essencialidade, mas que, não surtem efeito por conta da excessiva omissão legislativa que não se esforça em ver o Estado do neoconstitucionalismo - consectário da ideologia de humanização globalizada -, inclinado à satisfação.

O fato decorrente dessa celeuma política sem sintomas de melhora se conclui num Judiciário inflacionado, que passa a ser estereotipo de uma verdadeira paternidade democrática, cabendo a ele ser a dádiva daquilo que fora tolhido dos cidadãos por culpa de uma crise de representatividade. Nesse contexto, acreditamos viver uma crise da democracia, e não pelo fato do judiciário dispor de mecanismos interpretativos de integralização de direitos tolhidos (ativismo judicial), mas no sentido de não se enxergar uma proximidade simétrica de ideais da sociedade e ideais do corpo político-representativo (partidos políticos), porquanto há um distanciamento cada vez mais eminente, senão já insuperável. Ora, não há como não haver um ativismo judicial sob essa ótica empírica, pois um judiciário atuante e verdadeiramente democrático não fecha as portas à desordem. Onde houver democracia o Judiciário não poderá fechar suas portas ao seu povo sempre que este se achar no direito de ali deprecar.

O Neoliberalismo é fato decorrente da globalização e expansão otimizada – precipuamente pelo desenvolvimento da internet que diminuiu consideravelmente o espaço-tempo – do capitalismo contemporâneo. Ele é totalmente infenso aos direitos sociais preconizados nos Países subdesenvolvidos que tratam da justiça social e, por conseguinte da dignidade da pessoa humana – frutos do neoconstitucionalismo.

Facilmente se observa uma celeuma, muito pouco ainda abordada pela doutrina, mas que já se faz evidente com razoável facilidade. O choque belicoso de que falamos é o Neoconstitucionalismo social versus o Neoliberalismo econômico. Invariavelmente ligados à noção da crise de representatividade e, portanto da eficácia dos direitos sociais contemporâneos que fazem de seus sujeitos a precípua causa da chamada hegemonia judicial.

CONCLUSÕES

A batalha político-científica dos dias atuais se resumiria, portanto, num contexto de Neoliberalismo versus Neoconstitucionalismo, de modo que a exasperação de um é a anulação do outro, sendo necessário estabelecer primeiramente um corpo representativo idôneo e legitimo para com o povo que lhe outorga o poder para que assim possa-se conferir eficácia às normas constitucionais programáticas – precipuamente as que tratam dos objetivos da República – esperançosas por regulamentação infraconstitucional. Secundariamente, e por consequência, desafoga-se o judiciário com tantas questões não laboradas pelo corpo representativo, fazendo deste órgão jus ao seu verdadeiro papel de jurisdição e inércia quanto ao que não lhe foi dado à apreciação, atenuando, mormente, o dito ativismo judicial e o risco de eventuais hegemonias, inconcebíveis num sistema de harmonia e democracia.

O Direito Constitucional tem um caminho brumoso nessa ceia de ideias, de modo que a Constituição, de fato, prevê uma imensa carga cognitiva de direitos passíveis de observação jurisdicional, uma vez que são todos eles exigíveis por parte da comunidade política. A consequência disso, enquanto não houver uma mudança minimamente drástica nos direitos políticos hoje estabelecidos, é a irremediável hegemonia do judiciário brasileiro em detrimento dos outros poderes que, usurpando o espírito judicante clássico, mostram-se inertes às grandes importâncias previstas na Constituição.

Com a ordem interna suficientemente solidificada, ou seja, com uma democracia harmoniosa e forte no que tange às funções Republicanas, o País cresce e se vê pronto a fazer parte de um desenvolvimento transnacional. Com isso, finalmente dá-se vida ao artigo 4º da C.F. em quase todos os seus incisos, um dia idealizados por uma constituinte, até então, lírica.

Visualiza-se a fragilidade da democracia por todos esses fatores que vão desde a assimetria das funções Republicanas institucionalizadas pela Constituição à sociedade que já não deposita mais crédito no Estado pseudo-legítimo que, outrora, lutou tanto para sobrepor-se ao Estado-Absoluto.

A mudança não é de regime, a mudança é de sistema. A mudança se inicia pela derrocada das hegemonias sócio-políticas camufladas pelas indevassáveis forças econômicas: inexoráveis a qualquer democracia. Enquanto não for conveniente sensibilizar-se às fragilidades iminentes, mais crítica se fará a crise institucional do regime democrático e mais necessária e inevitável se fará a mudança.

BIBLIOGRAFIA

BONAVIDES, PAULO. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL, MALHEIROS, 25º ED. 2010.

__________________. CIÊNCIA POLÍTICA, MALHEIROS, 17º ED. 2010.

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Sobre o autor
Maurício Peluso Caminata

Autor de diversos artigos publicados, Maurício Peluso Caminata é Escrevente no Primeiro Ofício de Registro Imobiliário de São Paulo.<br>Acadêmico de Direito na Universidade FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), em São Paulo, SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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