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Conseqüências fáticas e jurídicas da revelia.

Contestação intempestiva. Impossibilidade de desentranhamento

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01/04/2002 às 00:00

Resumo:


  • O processo é uma relação jurídica entre sujeitos processuais, impulsionado tanto pela autodinâmica quanto pela heterodinâmica.

  • A preclusão temporal impede a prática de um ato processual que deveria ter sido realizado em determinado tempo, sendo a mais frequente no curso do processo.

  • O tempo é um inimigo do processo, pois pode tornar sem objeto a pretensão processual, sendo fundamental observar os prazos para a prática dos atos processuais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

9. Isonomia processual e relativização da revelia

Dentre os princípios processuais constitucionais, sobressai o princípio da isonomia, segundo o qual as partes devem merecer igualdade de tratamento no processo; em que pesem as vantagens legalmente reconhecidas ora ao autor ora ao réu em face da posição que ocupam no processo.

Em se tratando de procedimento sumário, a revelia resulta da falta injustificada de comparecimento do réu à audiência, reputando-se verdadeiros os fatos alegados na petição inicial (art. 319), salvo se o contrário não resultar da prova dos autos (art. 277, § 2º). Em se tratando de procedimento ordinário, não consagra o art. 319 do CPC essa ressalva, relativamente à prova constante dos autos, sendo de indagar-se se, embora silente, deve ou não ser considerada pelo juiz.

Sendo o processo uma unidade sistêmica, não teria sentido que a revelia no processo comum de procedimento sumário tivesse uma dimensão e no de procedimento ordinário outra, se, em qualquer das hipóteses, ela resulta da ausência do réu, associada à falta de comparecimento, no sumário (art. 277, § 2º, c/c art. 278, CPC), ou simplesmente da falta de contestação, no ordinário (art. 319, CPC).

Em se tratando de procedimento ordinário, tanto quanto no procedimento sumário, ocorrendo a revelia, reputam-se verdadeiros os fatos afirmados pelo autor, salvo se o contrário não resultar da prova dos autos.

Daí acentuar CÂNDIDO DINAMARCO19  a relativização da presunção instituída pelo art. 319 do CPC, significando, em primeiro lugar, que não se presumem fatos impossíveis ou mesmo inverossímeis, devendo o juiz ser realista e não ingênuo a ponto de aceitar absurdos, como, por exemplo, que o mágico cortou uma mulher, só porque o réu não negou formalmente o fato. Diante de alegações inverossímeis, conclui o jurista, o mínimo que o juiz deve fazer é exigir-lhes a prova, sob pena de dá-las por inverídicas e rejeitar a pretensão, que, para ser aceita, dependa desses fatos. 20 


10. Julgamento antecipado da lide na revelia

Do julgamento antecipado da lide, trata o art. 330, incisos I e II, do CPC, dispondo que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, (I) quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência; e (II) quando ocorrer a revelia.

Tal se verifica quer se trate de revelia por falta de contestação, como de revelia por contestação intempestiva, porquanto a conseqüência, em qualquer hipótese, é a mesma, dando ensejo ao julgamento antecipado da lide.

Questão assaz controvertida na doutrina e na jurisprudência é se o revel, podendo intervir no feito em qualquer tempo, recebendo-o no estado em que se encontra (art. 322), pode ou não produzir provas.

Se tiver ocorrido a revelia, mas não o seu efeito (art. 320, terá o réu revel chance de produzir provas, pois, nos termos do art. 324 do CPC, deverá o juiz mandar que o autor especifique as provas que pretenda produzir na audiência, e, podendo o revel intervir no processo em qualquer fase (art. 322), poderá, também, especificar também as suas provas, seja qual for a sua natureza. Isso é possível, porque não terá ocorrido o efeito relativo à presunção de veracidade, que é o mais importante efeito da revelia (o outro é dispensar a intimação dos atos processuais), abrindo-se ao autor a oportunidade de provar o fato constitutivo do seu direito, e ao réu os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor (art. 333, I e II, CPC). Mesmo porque, intervindo no processo em andamento, cessará para o réu a revelia, que, a partir daí, deverá ter o mesmo tratamento como se não tivesse sido revel. Na hipótese do art. 319 acontece a mesma coisa, salvo quanto ao efeito da revelia, consistente na presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, em relação ao qual não tem qualquer influência a posterior intervenção do revel, porque ela já terá ocorrido.

Acentua CÂNDIDO DINAMARCO que, nesse tema, a jurisprudência brasileira é iterativa em dois pontos:

"Primeiro, que ao revel é facultado ingressar no contraditório apesar da revelia, inclusive produzindo as provas que tiver. Até admito que essa sua chega não afaste o efeito da revelia, nem o da livre presunção estabelecida no art. 319 do Código de Processo Civil. Admito também que se abram, em seu favor, as oportunidades probatórias inerentes à fase instrutória do procedimento ordinário. O juiz julgará antecipadamente, sim, mas não desconsiderará a prova documental que ele tiver logrado trazer. Essa relativização do efeito da revelia não prejudica o intuito de aceleração que está à base do instituto. O contrário, sim, prejudicaria a solene promessa constitucional de dar tutela jurisdicional a quem tiver razão, negando-a a quem, sempre no dizer de Liebman, estiver ostentando um direito inexistente.

Segundo ponto, intimamente legado ao primeiro, é a manutenção, nos autos, de documentos eventualmente trazidos pelo réu em contestação intempestiva. Repito: com isso, o juiz não perderá tempo, nem reduzirá a celeridade do processo. Mas manifestará a disposição a julgar com realismo e justiça, cumprindo a missão institucional sem rancores ou preconceitos irracionais."21 

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11. Conclusão

A revelia resultante da contestação intempestiva —, tanto quanto a que resulta da falta de contestação —, importa na presunção relativa de veracidade dos fatos afirmados pelo autor, salvo se o contrário não resultar da prova dos autos, mas, em nenhuma hipótese, autoriza o desentranhamento da peça contestatória, porque, além das questões de fato, não negadas oportunamente pelo réu, há questões jurídicas a respeito das quais não ocorre aquela presunção, e que podem ser objeto de alegação, a qualquer tempo, antes da sentença final.


NOTAS

1 Processo vem de pro cedere, "caminhar para a frente".

2 Expressão atribuída a CHIOVENDA, que foi buscá-la no direito intermédio, na poena praeclusi. CARREIRA ALVIM, J.E. Elementos de Teoria Geral do Processo, 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 1999, pp. 220-221.

3 Quando o tempo constitui o fato impeditivo, a preclusão chama-se temporal; quando não se pode praticar um ato porque já praticado outro com ele incompatível, chama-se lógica; e quando o ato já foi praticado, e tendo-o sido, consumou-se, chama-se consumativa. CARREIRA ALVIM, J.E. Op. cit., p. 221.

4 Uno actu, ou com um único ato.

5 "O valor que o tempo tem no processo é imenso e em grande parte desconhecido. Não seria imprudente comparar o tempo a um inimigo, contra o qual o juiz luta sem trégua." (CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Napoli: Morano, 1953-1958, pp. 323 e 354. Apud DINARMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, v. II, p. 894.

6 LEONE, Giovanni. Manuale di Diritto Processuale Penale, 9a ed. Napoli: JOVENE, 1977, p. 294.

7 "São condutas esperadas dos sujeitos, sem a obrigatoriedade ou penalidades a serem impostas – e portanto sem se confundirem com os deveres – mas sob a sanção de conseqüências desfavoráveis. Ninguém tem a obrigação ou dever de provar, mas ou a parte cumpre o ônus de provar, ou o fato alegado é tido por inexistente; o vencido tem a faculdade de apelar ou deixar de fazê-lo, mas o vencido que não apela permite que passe em julgado a sentença desfavorável, etc. Nesses quadro situam-se os dispositivos legais que instituem o ônus da resposta no sistema brasileiro de processo civil." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 949).

8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 951.

9 "Pondero ainda, em continuação a esse raciocínio, que o processo civil não é feito para outorgar tutela jurídica ao autor, ou com a obsessão de atender aos reclamos deste. Venho insistentemente combatendo os pilares do processo civil do autor, que é resquício dos conceitos inerentes à actio romana e desconsidera que o verdadeiro acesso à Justiça é sempre representado pela tutela que se dê a quem tem razão e não a quem ostenta um direito inexistente (Liebman). A revelia não é mais tratada como rebeldia, como em tempos idos, nem o efeito da revelia pode ser encarado como pena, mas simplesmente como expediente aceleratório do processo." (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 951).

10 Registra CÂNDIDO DINAMARCO que a doutrina e a jurisprudência reafirmam que nenhum tema de direito fica atingido pelo efeito da revelia, porque, como sempre se soube, jura novit curia. Conceitos jurídicos, sanções legais, âmbito de aplicação destas, linhas da orientação pretoriana etc., fazem parte da cultura do juiz e ele tem o dever de levá-los em consideração ao julgar. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 950.

11 Essa a razão pela qual nunca consegui entender a posição do STJ quando, interpretando o art. 526 do CPC – aquele que determina que o agravante, no prazo de três (3) dias, junte aos autos do processo cópia da petição do agravo, comprovante de interposição e documentos que o instruíram – entendeu que o descumprimento do prazo nele previsto não trás como conseqüência o não conhecimento do agravo, por não estar essa conseqüência não está expressa na lei. E, realmente, não está, da mesma forma como não está previsto o desentranhamento de recursos interpostos além do prazo previsto no art. 508 do CPC. É que, em se tratando de prazo peremptório a cargo da parte, qualquer que seja ele, a sua inobservância importa em descumprimento de um ônus, e a conseqüência mais comum do descumprimento deste é a produção de efeitos em desfavor do onerado e em proveito da parte contrária. Sempre foi assim, exceto no caso do precitado art. 526, em que a construção pretoriana, data venia, posicionou-se na contramão da doutrina dominante.

12 Repetindo Calmon de Passos, diz CÂNDIDO DINAMARCO: tratemos o revel como um ausente, não como um delinqüente. DINARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 952.

13 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 954.

14 Idem, pp. 954-955.

15 Idem, p. 954.

16 Idem, pp. 954-955.

17 Idem, p. 955.

18 Idem, p. 951.

19 Idem, p. 952.

20 Também como conseqüência da relatividade da presunção ex art. 319, continua dizendo CÂNDIDO DINAMARCO, decorre que as provas eventualmente contidas nos autos devem ser sopesadas pelo julgador, apesar do efeito da revelia. Não obstante revel o réu, seria ultraje à garantia constitucional do acesso à justiça, assim como às do due process of law e contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV), a simples desconsideração das provas existentes nos autos. DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 953.

21 DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 953.

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Sobre o autor
José Eduardo Carreira Alvim

Advogado. Ex-Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Professor da UFRJ. Doutor em Direito pela UFMG. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVIM, José Eduardo Carreira. Conseqüências fáticas e jurídicas da revelia.: Contestação intempestiva. Impossibilidade de desentranhamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2916. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado na Revista "Direito Federal" nº 67.

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