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Advogado empregado

01/06/2000 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia, trouxe inovações na regulamentação da profissão de advogado, incluindo disposições sobre o exercício da advocacia, direitos e prerrogativas, inscrição na OAB, sociedades de advogados, honorários advocatícios, incompatibilidades e impedimentos, ética e infrações disciplinares.

  • O Estatuto aborda a relação de emprego do advogado, seguindo a CLT, mas preservando a independência técnica e a isenção profissional, além de estabelecer garantias trabalhistas específicas como salário mínimo profissional, jornada de trabalho reduzida, horas extras e honorários de sucumbência.

  • A representação sindical do advogado empregado é reconhecida, e a OAB possui papel na defesa e disciplina dos advogados, incluindo aqueles que atuam na advocacia pública, embora com algumas restrições em relação aos benefícios previstos para advogados regidos pela CLT.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. INTRODUÇÃO

Com a edição da Lei 8.906/94, dispondo sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, diversas inovações foram introduzidas na disciplina reservada ao exercício da atividade profissional de advocacia, modernizando-se a sistemática que ao tema era então reservado pela anterior normatização instituída pela Lei 4.215/63. Avaliado o seu conteúdo básico, observa-se que o vigente Estatuto subdivide-se em duas partes principais. A primeira delas, cuidando da advocacia, disciplina o exercício privativo da atividade, direitos e prerrogativas, a inscrição na OAB, sociedades de advogados, advogado empregado, honorários advocatícios, incompatibilidades e impedimentos, ética do advogado, infrações e sanções disciplinares. A segunda parte cuida da Ordem dos Advogados do Brasil, enfocando os seus fins e organização, assim como as eleições e mandatos.

Oportuno ver, nesse contexto, que dedicou-se, no Título I, especial atenção à situação do advogado empregado. Como bem aponta, Paulo Luiz Neto Lobo (in, "Comentários ao Estatuto da Advocacia" – Brasília-DF, Editora Brasília Jurídica, 1996 – pág. 100) "... É o reconhecimento legal a um fenômeno que se tornou predominante na advocacia brasileira", pois, conforme explicita, a regulamentação anteriormente vigente tomava como paradigma o advogado liberal, que não se subordinava, por laços de emprego, a seus clientes.

A nova regulamentação legal optou, pois, por incorporar a seu texto capítulo especificamente voltado à regulação da atividade de advocacia quando também exercitada com vínculo de emprego nos moldes estatuídos pela Consolidação das Leis do Trabalho, sem afastar, contudo, a possibilidade de preservação da relação mantida de forma independente e desvinculada desse regime, a denominada advocacia de partido, exercitada de forma tradicional pelo profissional liberal.


2. DA FORMAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO

A relação de emprego entre o advogado e o seu empregador opera-se nos moldes estabelecidos pela CLT, submetendo-se, com as adaptações necessárias, aos mesmos requisitos, ou seja, exige a prestação de serviços de natureza não eventual, sob dependência e mediante o pagamento regular de salário (CLT: art. 2º).

A formação da relação contratual entre o advogado e seu empregador imporá, assim, a observância de todas as normas e rotinas usualmente exigidas para os demais empregados da empresa, incluindo-se, dentre as providências necessárias, a apresentação de carteira de trabalho e o correspondente lançamento dos dados alusivos à contratação pactuada.


3. DA INDENPENDÊNCIA PROFISSIONAL E ISENÇÃO TÉCNICA

Necessário atentar, todavia, para o fato de que o advogado empregado não se acha submetido às ordens e à subordinação do empregador nos moldes usualmente admitidos, pois, consoante assevera o Estatuto, "a relação de emprego na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia" (art. 18), assim como não o submete à obrigação de prestar serviços de interesse pessoal de seus empregadores (art. cit., parágrafo único). Cumpre registrar-se, ademais, que o Código de Ética e Disciplina (CED) inscreve, como regra deontológica fundamental, a de zelar pela sua liberdade e independência, admitindo como legítima a sua recusa em patrocinar pretensão concernente a lei ou direito que também lhe seja aplicável, ou contrarie expressa orientação sua, manifestada anteriormente (CED: art. 5º).

Ampliando ainda mais a garantia de atuação e a isenção técnica que deve o advogado sempre preservar, veda-lhe o Código de Ética e Disciplina a atuação, comum no passado e ainda vista atualmente, na condição de patrono e preposto do empregador ou cliente (art. 22), até porque entremostra-se esta última limitadora da liberdade de atuação profissional. A atividade postulatória não admite e não se compatibiliza com a condição do representante legal do empregador, de quem se exige o conhecimento e até mesmo a vivência de fatos que o advogado apenas toma ciência, em regra, pela narrativa que lhe foi oportunamente feita. O depoimento pessoal do preposto, é sempre bom lembrar, vinculam o empregador.


4. DAS GARANTIAS TRABALHISTAS BÁSICAS

Firmado o contrato de trabalho entre o advogado e o seu empregador, impõe-se necessária observância às garantias básicas previstas no Estatuto, compreendendo:

a) salário mínimo profissional: a remuneração a ser paga ao advogado deverá respeito o piso salarial fixado para a categoria em sentença normativa, acordo ou convenção coletiva.

Significa dizer, quanto a esse aspecto, que a atuação de entidade sindical organizada para esse fim far-se-á necessária, incumbindo-lhe, dentre outras atribuições típicas, a discussão e a negociação do valor-padrão a ser deferido ao advogado.

b) jornada de trabalho:

A jornada normal e regular de trabalho foi pela Lei fixada em quatro (4) horas diárias e vinte (20) semanais, salvo estipulação feita no sentido de exigir-se do advogado regime de dedicação exclusiva (art. 20), quando então passará a jornada diária a ser de oito (8) horas e a semanal de quarenta (40) horas (Regulamento Geral: art. 12).

A pactuação de jornada em regime de dedicação exclusiva feita em sede de contrato de trabalho, ou a fixação em instrumento coletivo (acordo ou convenção) não impede que o advogado exerça outras atividades remuneradas fora dela (RG: art. 12, § 2º)

c) Horas extras, ressarcimento de despesas e adicional noturno:

Em relação aos serviços excedentes à jornada prevista, fixa-se a remuneração mediante a paga de um adicional não inferior a 100% sobre o valor da hora normal. Considera-se como período trabalhado, para esse efeito, todo o tempo que o advogado permanecer à disposição do empregador, aguardando ou executando atividades, no seu escritório ou em atividades externas.

Impõe a Lei, outrossim, que ao advogado sejam reembolsadas as despesas por ele feitas no interesse no empregador com transporte, hospedagem e alimentação. Trata-se não de remuneração, mas de ressarcimento

O trabalho prestado em período noturno – considerado para esse efeito o período entre 20 horas de um dia e 05 horas do dia seguinte – deve ser acrescido de adicional estipulado em no mínimo 25%.

d) honorários de sucumbência:

Importante notar que pela prestação do trabalho ajustado fará jus o advogado empregado ao salário contratualmente pactuado. Além dessa remuneração certa e previamente estabelecida, informa que a ele pertence a verba honorária que venha a ser fixada a título de sucumbência (art. 21).

O Regulamento Geral disciplina a matéria com a finalidade de estabelecer que os honorários de sucumbência, por decorrerem precipuamente do exercício da advocacia e só acidentalmente da relação de emprego, não integram o salário ou a remuneração, não podendo, assim, ser considerados para efeitos trabalhistas ou previdenciários (art. 14).

Preocupa-se essa norma, outrossim, em emprestar à verba honorária dessa espécie, o caráter de fundo comum, cuja destinação compete aos integrantes do corpo jurídico da empresa ou por seus representantes, formulando clara orientação no sentido de distribuição a todos os membros da área jurídica, sem benefício em favor de um ou de outro profissional especificamente.

Ainda sobre a verba de sucumbência cabe lembrar que em capítulo voltado ao disciplinamento dos honorários (arts. 22 a 26), cuidou o Estatuto de estabelecer, de forma geral, não mais se referindo apenas ao advogado empregado, que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, são devidos ao advogado que, em função disso, detêm direito autônomo e pessoal para requerer a execução da sentença (art. 23). Com essa disposição restou encerrada discussão que anteriormente se travava acerca de saber a quem pertenciam os honorários de sucumbência, ora firmando-se orientação no sentido de que cabiam ao cliente, ora se dizia pertencerem ao advogado.

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Releva acrescer, ademais, que evitando toda e qualquer discussão acerca disso, estatuiu a Lei 8.906/94, em seu art. 24, § 3º, ser "... nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência". Esse dispositivo legal, em função de medida liminar concedida pelo STF no bojo da ADIn nº 1.194-4, teve a sua eficácia suspensa, admitindo-se liberdade de pactuação a respeito.


5. DA ORGANIZAÇÃO SINDICAL E ATUAÇÃO DA OAB

Além de todos os aspectos anteriormente apontados, avançou a Lei de forma extremamente positiva quando admitiu a representação sindical em favor do advogado empregado. A esse respeito estabelece o Regulamento Geral, em seu art. 11, que "compete a sindicato de advogados e, na sua falta, a federação ou confederação de advogados, a representação destes nas convenções coletivas celebradas com as entidades sindicais representativas dos empregadores, nos acordos coletivos celebrados com a empresa empregadora e nos dissídios coletivos perante a Justiça do Trabalho, aplicáveis às relações de trabalho".

Fixa-se, assim, orientação no sentido de que devem coexistir e compatibilizar-se as atuações da entidade sindical representativa dos advogado e aquela que é conferida à OAB que, por expressa disposição legal, também possui a finalidade de "promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil" (Estatuto: art. 44, II). Em se tratando de interesses trabalhistas, a atuação compete à entidade sindical competente.


6. DA ADVOCACIA PÚBLICA

Assevera o § 1º, do art. 3º, da Lei 8.906/94, que "exercem atividade de advocacia, sujeitando ao regime desta Lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional". Com essa orientação normativa, torna-se tais cargos privativos de advogados, exigindo-se, para esse fim, a manutenção de inscrição na OAB. Ficam, outrossim, os integrantes de tais carreiras submetidos às normas da Lei 8.906/94, assim como às orientações que dimanam do Código de Ética e Disciplina.

Firmada essa orientação, nada mais razoável do que estender-se aos membros da advocacia pública as regras fixadas em relação ao advogado empregado, inclusive no que se refere à jornada de trabalho. Ocorre, porém, que por intermédio da Lei 9.527, de 10.12.97, restaram derrogados, em relação a tais advogados, todos os dispositivos relacionados ao advogado empregado. Não podem eles, portanto, invocar os direitos básicos que, de forma pioneira no sistema jurídico brasileiro, foram concedidos àqueles que, na condição de advogado, mantém relação de trabalho no regime da CLT.

Compreensível e até justificável a descabida diferenciação em relação àqueles que, submetidos a regime de cargo público, não teriam como acumular benefícios e vantagens de regimes diversos. Mas não se explica e não se torna compreensível a derrogação no que se refere aos membros do corpo jurídicos de sociedades de economia mista e empresas públicas, ou, ainda, àqueles que mantenham com a Administração Pública relação de emprego de natureza celetista.

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Sobre o autor
Airton Rocha Nobrega

Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Advogado empregado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/292. Acesso em: 24 dez. 2024.

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