O princípio do devido processo legal

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O Princípio do Devido Processo Legal é uma das garantias constitucionais mais exaltadas, pois é dela que emanam todos os demais princípios e garantias constitucionais

O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

                                                                                       Letícia Pinheiro da Silva[1]   

                                                             Ludymilla Christine de Oliveira Paineiras[2]

Tauã Lima Verdan Rangel[3]

Resumo: A evolução da sociedade levou o Legislador a inserir, expressamente no Brasil, na Constituição Federal de 1988, o instituto do Devido Processo Legal, apesar de estar implícito nas Constituições anteriores. O Princípio do Devido Processo Legal é uma das garantias constitucionais mais exaltadas, pois é dela que emanam todos os demais princípios e garantias constitucionais. Referido processo deve ser compreendido como uma garantia fundamental do cidadão, servindo de instrumento para a superação de eventuais injustiças processuais ou substanciais; não podendo este ser considerado um princípio vazio, mas dado o seu caráter principiológico, deve ser a expressão do direito justo, o “princípio da justiça”. Esse estudo visa auxiliar aos aplicadores do Direito na compreensão e interpretação do referido princípio, bem como analisar sua base legal para aplicação de todos os demais princípios, independentemente do ramo do direito processual.  

Palavras Chave: Devido Processo Legal. Princípio Constitucional. Direito Fundamental.

Abstract: The evolution of society has led the legislator to insert expressly in Brazil, the Federal Constitution of 1988, the Office of Due Process, although it is implicit in previous constitutions. The Principle of Due Process is one of the most exalted constitutional guarantees, as it is emanating from all the other principles and constitutional guarantees. This procedure should be understood as a fundamental guarantee of the citizen, serving as an instrument to overcome any procedural or substantial injustice; this can not be considered an empty principle, but given its principiológic character, must be the expression just right, the "principle of justice." This study aims to assist law enforcers in the understanding and interpretation of that principle, as well as to analyze its legal application of all other principles, regardless of branch of procedural law based.

  • 1 Introdução; 2 Evolução Histórica; 3 O Devido Processo Legal na Contemporaneidade; 4 O Devido Processo Legal em Sentido Material ou Substancial;  4.1 O devido processo legal em sentido formal ou procedimental;  5 Extensão da Eficácia do Devido Processo Legal nas Relações Particulares; 6 Conclusão;  7 Referências Bibliográficas.

1 INTRODUÇÃO

No Estado Democrático de Direito, qualquer segmento do direito deve ser compreendido e analisado sob o prisma dos princípios constitucionais. Estes são fontes para qualquer ramo do direito, norteando tanto a sua formação quanto a sua aplicação. Os Princípios como normas de ampla protuberância para o ordenamento jurídico, na medida em que constituem fundamentos normativos para interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento, dividindo-se em diversos, tais como o Princípio do Devido Processo Legal que será estudado nesse artigo.

Com previsão legal, a importância dos princípios para a aplicação do direito está expressa no próprio ordenamento jurídico, no artigo 4º do Decreto-Lei Nº. 4.657, de 4 de Setembro de 1942, que institui a lei de introdução às normas do Direito Brasileiro, que se compreende, que se caso a lei for omissa deverá o juiz julgar de forma análoga, observando os bons costumes e os princípios gerais do direito[4]. Para o estudo eficaz do Princípio do Devido Processo Legal é primordial ter em mente que esse é visto como o princípio maior, essencial e que orienta todo o ordenamento jurídico brasileiro. Mais que isso, o princípio supramencionado alcança, de certa forma, todos os demais princípios processuais, a exemplo dos Princípios do Acesso à Justiça, da Ampla Defesa e do Contraditório.

Consagrado pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Princípio do Devido Processo Legal se posiciona como uma garantia constitucional ampla e uma das mais relevantes do ordenamento jurídico brasileiro[5], devendo ser observado necessariamente e impreterivelmente a legalidade, pressuposto de qualquer Estado de Direito. Sendo assim, o objetivo é relacionar os pontos relevantes do Princípio, não nos esquecendo de suas inovações e interações com outros princípios, bem como a todos os ramos do Direito. 

  1.  

2 EVOLUÇÃO HISTÓRIA

 As ascendências do Princípio do Devido Processo Legal, na condição de princípio orientador do sistema de jurisdição, remontam à Magna carta de João Sem Terra, do ano de 1215, oriunda do sistema jurídico inglês, bem como ao “Statute of Westminster of London”, sendo também conhecida como “Lei de Eduardo III ou Lei Inglesa de 1354”, ainda no sistema jurídico inglês[7]. Fundamentalmente, a referida Carta Magna de 1215[8] não fazia referência clara e objetiva ao princípio de que se trata este artigo, mas o apreciava sob a visão estrita e silenciosa.

Acolá das leis inglesas supramencionadas, a evolução histórica do Princípio do Devido Processo Legal alude a Constituições dos Estados americanos, anteriormente à Constituição Americana de 1787, tal sendo a Declaração dos Direitos da Virginia de 16 de agosto de 1776, Declaração de Delaware de 02 de setembro de 1776, Declaração dos Direitos de Maryland de 03 de novembro de 1776, Declaração dos Direitos da Carolina do Norte de 14 de dezembro de 1776, Constituições dos Estados de Vermont, Massachussetts de 25 de outubro de 1780 e New Hampshire de 02 de junho de 1784 e Constituição de Filadélfia[9]. Em contraposição ao Direito RomanoRoman Law”, o principio denominado por law of the land, utilizado posteriormente com a denominação de due processo of law, apareceu pela primeira vez, mesmo não sendo de forma expressa, na Carta Magna de João Sem terra, de 1215, que em seu artigo 39 no intuito de garantir aos cidadãos o direito a um justo processo legal:

Nenhum homem livre será detido ou aprisionado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição: nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legitimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra[10].

Diante do aludido acima, eram grifados tão somente os aspectos processuais do devido processo legal, com o interesse de garantir legalidade ao processo judicial, no entanto, recentemente, é pacífico o entendimento de que o conhecimento do referido princípio procura garantir efeitos efetivos aos processos e a proteção eficaz aos jurisdicionados.

3 O DEVIDO PROCESSO LEGAL NA CONTEMPORANEIDADE

Na lição de Miguel Reale, os princípios são definidos por “Verdade ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade”[11]. Deste entendimento, a motivação da afirmação, no início deste artigo, que o referido princípio é o princípio fundamental da ordem jurídica, no que se diga, principalmente e especificamente, ao processo. Importante observar que o princípio do devido processo legal não possui tão somente relação com os princípios já mencionados anteriormente neste artigo, mas também com o princípio da legalidade e da legitimidade. Nesse propósito, Cintra, afirma que o devido processo legal é o “Processo devidamente estruturado, mediante o qual se faz presente a legitimidade da jurisdição, entendida jurisdição como poder, função e atividade[12]. Nesse mesmo diapasão, cuida transcrever o magistério de Acquaviva, em especial quando que assevera que o princípio do devido processo legal:

Gera a garantia de que todo e qualquer processo se dá em relação a fatos cuja ocorrência é posterior às leis que os regulamentam; significa também que o poder Judiciário deve apreciar as lesões e ameaças à liberdade e aos bens dos indivíduos[13].

Baptista, ao citar Alvim, registra que “O processo tem de se submeter a um ordenamento preexistente e, se este alterar, estando em curso o processo, os atos já realizados serão respeitados”[14]. Alvim, destaca que um dos exemplos do devido processo legal se encontra suscitado no princípio de que nula poena sine iudicio, ou seja, não há pena sem processo[15]. No ordenamento jurídico, o princípio do devido processo legal está garantido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, LIV o qual reza que: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[16]. Para Fredie Didier “O aludido princípio consiste no postulado fundamental do processo, podendo ser aplicado genericamente a tudo que disser respeito à vida, ao patrimônio e á liberdade. Inclusive na formação de leis”[17]. Destarte, segundo ainda o eminente e considerável processualista:

O devido processo legal aplica-se, também, às relações jurídicas privadas, seja na fase pré-contratual, seja na fase executiva, por a Constituição brasileira admitir através de sua “moldura axiológica” a ampla vinculação dos particulares aos direitos fundamentais nela erigidos, de modo que não só o Estado como toda a sociedade podem ser sujeitos passivos desses direitos[18].

 

Importante destacar que, no entendimento majoritário, o devido processo legal representa um sobreprincípio, supraprincípio ou ainda princípio-base. Ademais, destaca-se que a dilatação das normas das garantias constitucionais processuais, bem como as penais e processuais penais não é um acontecimento somente brasileiro. Com a adoção da Convenção Européia de Direitos Humanos por diversos países do mundo, ocorreu paralelamente a este fato, o alargamento especial dos direitos e garantias nela apreciados no domínio europeu. Isto é, por meio de uma explanação dos direitos fundamentais previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[19] em concordância com o disposto na Convenção da Europa, verifica-se atualmente, o eficaz aumento da definição dos direitos essenciais e fundamentais previstos constitucionalmente.

Neste mesmo diapasão, é necessário acordar que o artigo 6º, I, da Convenção Européia dos Direitos do homem, estabelece dentre outros, o direito a um processo equitativo (o que para nós seria o devido processo legal, mormente, o direito a um processo pisado na celeridade, ou seja, em um prazo aceitável e, que seja analisado, publicamente, por um tribunal ou foro autônomo e imparcial).  Jansen, nesse patamar, afirma que:

É preciso que se diga que o princípio do devido processo legal inicialmente tutelava especial o direito processual penal, mas já se expandiu para processual civil e até para o administrativo. Em uma nova fase, invade a seara do direito material[20] .

 

José Afonso da Silva frisa, também, que:

O principio do devido processo legal combinado com o direito de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Assim, garante-se o processo com as formas instrumentais adequadas, de forma que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um, o que é seu[21].

Anelada a estes entendimentos, destaca-se que o referido princípio é constitucionalmente aninhado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que através da limitação da atuação do Poder Estatal, visa a tutelar os bens maiores dos cidadãos, tais sendo vida, liberdade e propriedade.

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As ações estatais (jurisdicionais, legislativas ou administrativas) serão legítimas se implementadas sem atingir ou malferir arbitrariamente estes bens jurídicos mais essenciais do homem. Desta forma, legislador, administrador e julgador são dotados de poderes confinados pela exigência de respeito a esses valores fundamentais, e qualquer transgressão abusiva a estes limites, configura-se como violação à garantia do devido processo legal.

Reveste-se o dwe process of law da qualidade de postulado fundamental do Estado Democrático de Direito, que funde, agrega, sedimenta em seu conceito, de forma harmônica, os mais variados princípios constitucionais – como o direito a um procedimento ordenado, ao contraditório, à ampla defesa, ao juiz natural, à razoabilidade/proporcionalidade, à igualdade, à publicidade etc., todos eles oponíveis aos diferentes Poderes do Estado. E é a concretização deste princípio-síntese (due process) que assegura ao homem o amplo acesso a uma ordem jurídica justa.

Nota-se que ele é um amálgama, e não mera justaposição, de princípios. Justamente por ser a síntese, enquanto em determinadas situações um dos princípios cede passo em favor de outro, pode dizer-se que o devido processo legal sempre é aplicável em sua inteireza. Pode-se, ainda, dizer que o referido princípio é uma instituição jurídica provinda do direito-anglo-saxão e, portanto, de um sistema diverso das tradições romanas ou romano-germanas, quais os ibéricos e francês, por exemplo), no qual algum ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei, sendo ele originado na primeira constituição, conforme mencionado anteriormente. Contudo, é importante destacar que o preceito do princípio do devido processo legal evoluiu e passou por diversas adaptações aos momentos históricos, como menciona o jurista brasileiro San Tiago Dantas, que afirma que:

Essa compreensão do “due process of Law”, como restrição ao arbítrio do Legislativo, atinge a maturação doutrinária na mesma época em que o princípio se incorpora às restrições feitas ao Poder dos Estados, [...] nesse mesmo ano Coolley publica o seu Tratado sobre as limitações constitucionais do Poder Legislativo, e daí por diante a doutrina e a jurisprudência se conciliam numa afirmação que, fixando o sentido do instituto, não lhe impedirá, entretanto, a constante transformação e adaptação às condições históricas[22].

 

Já no preceito de cunho constitucional, o corolário em comento adapta-se como garantia não somente pessoal, mas também coletiva, extravasando a esfera de abrangência original e adaptando-se aos diversos ramos do direito, podendo avançar também como o próprio poder legislativo do Estado, como uma restrição imposta ao próprio ato de se fazer uma lei, podendo então ser denominado como devido processo legislativo. Desta forma, verifica-se que o Princípio do Devido Processo Legal é miscigenado por diversas ramificações que possuem o condão de garantir aos cidadãos um procedimento judicial justo, eficaz e com direito de justificação, carecendo o Juiz estar submisso às características processuais e materiais deste princípio, conforme será exposto.    

Deixando de lado a conjetura do formalismo sobreposto ao âmbito do direito processual civil, o entendimento majoritário atual é de que o processo carece conservar correlação com os postulados da proporcionalidade e razoabilidade e, para isto, subdividiram o princípio do devido processo legal em material e formal.

4 O DEVIDO PROCESSO LEGAL EM SENTIDO MATERIAL OU  SUBSTANCIAL

No entendimento de Cintra o devido processo legal em sentido material ou substancial:

Chama-se direito processual o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pela demandante e da defesa pelo demandado. Direito material é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens e utilidades da vida (direito civil, penal, administrativo, comercial, trabalhista, tributário, etc)[23].

 

Para Lucon:

O devido processo legal substancial diz respeito à limitação ao exercício do poder e autoriza ao julgador questionar a razoabilidade de determinada lei e a justiça das decisões estatais, estabelecendo o controle material da constitucionalidade e da proporcionalidade”. Nessa nova fase, invade à seara do direito material.[24]

Desta forma, verifica-se que a referida subdivisão refere-se a um processo legal justo, tendo por base os princípios da justiça, fazendo este, destaque aos deveres da proporcionalidade e de razoabilidade. Ao lado disso, citada analogia entre a proporcionalidade e devido processo legal material ou substancial é muito importante e conveniente, tendo em vista que colabora para o esclarecimento do teor do devido processo legal material ou substancial, que abstratamente é acatado por ser vago e impreciso; colabora para a retirada da imagem equivocada de que o conceito substancial do due process of Law não seria aplicável em outros países que possuem um sistema romano-germânico, com o mínimo alvedrio para o julgador do que os do tipo judge makes Law e robustece a opinião de que a moderação que permeia todo o processo civil, como por exemplo, a questão entre a segurança e a celeridade.

Nesse sentido, entende-se que o devido processo legal material ou substancial se direciona muito mais ao legislador, como um jeito de limitar a sua atuação. Com outros dizeres, entende-se que as legislações não devem se posicionar de forma bruta ou carente de razoabilidade, mas sim estarem arroladas em discernimentos de justiça, racionalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Frisa-se, também, que o devido processo legal não pode ser aplicado somente no que diz respeito ao processo judicial, mas também, em qualquer elaboração normativa. Nesse contexto, versa os dispositivos elencados na Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, tais sendo:

Artigo 798. Além dos procedimentos cautelares e específicos, que este Código regula no Capitulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado o receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

 

Artigo 461.  Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, [omissis] §5º - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial.

 

Artigo 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo menos gravoso para o devedor[25].

 

Orientando-se nesta explicação acima, ou seja, da aplicação do deprecado da proporcionalidade na Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, os artigos supramencionados fazem referência à doação de provimentos liminares e emprego do domínio total de precaução, o emprego do domínio total de efetivação e, à assimilação do meio menos gravoso para o requerido. Pode-se, ainda, mencionar outros dispositivos, tal sendo a identificação do bem impenhorável, previsto nos artigos 648 e 649 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973[26], que institui o Código de Processo Civil; a admissibilidade da denunciação da lide com base no inciso III do artigo 70[27]; utilização de provas obtidas ilicitamente; decretação de nulidades processuais, etc.

4.1 O Devido Processo Legal em Sentido Formal ou Procedimental

O devido processo legal em sentido formal ou procedimental, também denominado por procedural due processo f law é aquele que se contenta com a cobrança de abertura de regular processo como categoria para a advertência de direitos. Remonta à Carta Inglesa de 1215[28], onde a referida garantia já se inquietava em cobrar um processo como condição obrigatória para a imposição de penas. Referido procedimento se compreende na forma do processo, ou seja, cria as normas de direito a serem processadas e a processar, submetendo-se na subordinação às leis antecipadamente constituídas por meio de um processo legislativo, desde que, não sejam contaminadas de vícios de inconstitucionalidade, vez que, a Constituição tem a capacidade de valorar as normas do ordenamento jurídico, devendo todo o desempenho que se origina do judiciário estar submisso aos princípios e normas expressos ou implícitos na Carta Magna, que constitui o fundamento de validade de todo o Direito.

Verifica-se, desta forma, que, o devido processo legal formal é um direito basilar de teor complexo do qual emanam todas as seqüelas processuais que garantem ao litigante o direito a um processo e a uma sentença justa. Diante disso é que este princípio deve estar compatibilizado com outros, dele decorrentes, vez que se refere a uma norma aberta e de teor e entendimento abstruso, mormente pelo disposto no artigo 5º, §1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que diz:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [omissis] §1º. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata[29].

 

Em uma amplitude geral, constata-se que os direitos fundamentais inerentes à atuação substancial e procedimental possuem como pilar o princípio da dignidade da pessoa humana, visto que as atividades do legislativo e da tutela jurisdicional devem ser amoldadas, por procedimentos justiceiros e adequados aos cidadãos.

5 EXTENSÃO DA EFICÁCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NAS RELAÇÕES PARTICULARES

É estável nas doutrinas e nas jurisprudências brasileiras o reconhecimento do devido processo legal como garantia de contenção do poder estatal (jurisdicional, legislativo e administrativo) nas relações jurídicas públicas. Mas a cláusula do devido processo legal não pode ficar circunscrita ao setor público. O due process of law é direito fundamental oponível, igualmente, aos particulares. Ora, a presente Constituição é de índole intervencionista e social, fundada em pilares axiológicos como a igualdade substancial, a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social (artigo 3º, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)[30] incorporando rol extenso de direito sociais e econômicos (artigo 6º e 7º, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988)[31], muitos deles necessariamente oponíveis contra particulares – como os direitos trabalhistas.

Não se afina, portanto, com a desvinculação ou com a vinculação indireta (mediada pelo legislador) dos particulares aos direitos fundamentais nela insculpidos. Admite, isso sim, uma vinculação direta e imediata; Estado e sociedade são sujeitos passivos desses direitos.

E ao Estado cabe, além do dever negativo de abstenção, um dever positivo de concretização e proteção. Incumbe-lhe a salvaguarda dos direitos fundamentais de lesões ou ameaças de lesões presentes não só no seio das relações públicas, como também das relações privadas. O devido processo legal, enquanto garantia de contenção de poder, terá incidência relevante exatamente nas relações em que há um desequilíbrio perceptível entre as partes, campo aberto para arbitrariedades e abusos daquela parte munida de maior força e poderio. Ainda desta forma, a extensão da eficácia direta desse direito fundamental ao processo, devido às relações privadas, deve ser amoldada  às idiossincrasias do direito privado, impondo-se, sobretudo, que seja ponderada, nos casos concretos, com o princípio da autonomia da vontade – também consagrado em nível constitucional, no artigo 5º, caput, XIII, XXII, XXX (liberdade, propriedade, herança, trabalho, dentre outros)[32], artigo 1º, IV, artigo 170 (livre iniciativa), todos da Constituição da República Federativa do Brasil 1988; sendo isto o que se propõe no contexto das relações societárias, associativas e condominiais[33].

6 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, o presente artigo teve como escopo avaliar o princípio do devido processo legal, tentando nele ajustar a grande amplitude deste princípio-norteador de todos os demais que, necessariamente, devem ser observados no processo. Conquanto, vê-se também que o referido princípio abrange uma cadeia de normas ou princípios constitucionais, que são elencados como corolários daquele princípio maior, os quais garantem o direito de ação e o direito de defesa judiciais aos cidadãos, a conhecer da ampla defesa, do contraditório, da publicidade dos atos processuais, da duração razoável do processo, do juiz natural, da motivação das decisões, do tratamento paritário conferido às partes envolvidas no processo, e demais.    

Em compêndio, verificamos também que, diante da considerável relevância do princípio do devido processo legal, o mesmo foi elevado à categoria de preceito internacional, estando respaldado na Convenção Européia de Direitos do Homem, bem como na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)[34]. Em contrapartida, averiguamos as duas visões sob as quais o princípio maior é avaliado, no qual em ambos há a consonância do resultado final, ou seja, asseverar os direitos fundamentais dos cidadãos, tal sendo no primeiro caso que garanta ao cidadão a certeza de que o juiz deve, no caso concreto, ficar atento aos princípios processuais interligados ao mesmo e interprete as normas jurídicas de modo que se evitem as arbitrariedades do Estado.

Sendo assim, diante de todos os aspectos e óticas ora avaliados e analisados, há uma formidável ansiedade do constitucionalismo contemporâneo em asseverar os direitos fundamentais e essenciais por meio do processo constitucional, consentindo e ainda corroborando, a nós, que o princípio do devido processo legal é a confissão de soberania popular e cidadania, por aglomerar em seu contento, diversas garantias de ordem constitucional e processual.

7 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Sobre os autores
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Letícia Pinheiro da Silva

Graduanda do 7º período do Curso de Direito do Centro Universitário São Camilo-ES. E-mail: letí[email protected]

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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