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Prorrogação da competência

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01/04/2002 às 00:00
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4. Influência da prorrogação na perpetuação da competência

Perpetuar a competência significa tornar efetiva, cristalizada em concreto a competência do órgão jurisdicional perante o qual foi proposta a ação.

Diante de diversos órgãos jurisdicionais que tenham, em abstrato, a mesma competência para o processamento de uma ação, fica definida em concreto, por força da perpetuação, a competência de apenas um deles.

Nos termos do artigo 87 do Código de Processo Civil, opera-se a perpetuatio jurisdictionis no momento em que a ação é proposta, isto é, no momento em que a petição inicial é despachada, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara (art. 263).

Claro está que tal artigo cuida apenas do ajuizamento de ação perante órgão que já era, em abstrato, competente para o seu processamento, eis que a incompetência não se perpetua.

Operada a perpetuação, as supervenientes alterações na situação de fato (v.g., mudança do domicílio do réu) ou de direito (v.g.,. ampliação da competência do órgão jurisdicional) mostram-se irrelevantes, ressalvadas as hipóteses previstas no artigo 87.

A primeira delas (supressão do órgão jurisdicional) é de fácil compreensão, dada a impossibilidade lógica da manutenção da competência nessa hipótese.

A segunda já merece um exame mais apurado.

A teor do artigo em exame, a alteração da competência em razão da matéria ou da hierarquia implica o desfazimento da perpetuação.

Apesar da aparente amplitude da ressalva, não abrange ela todas as hipóteses de alterações que irão influir na manutenção, ou não, da perpetuatio.

Tivemos a oportunidade de enfrentar uma questão em que ficou bastante clara a colocação o acima exposta.

Foi ajuizada na Comarca de São Paulo uma determinada ação, figurando como litisconsorte passivo a Municipalidade de São Paulo. Por força da participação dessa última no feito, a ação vinha sendo processada perante uma das então Varas da Fazenda Municipal (hoje Varas da Fazenda Pública).

Repelida no saneamento uma preliminar de ilegitimidade ad causam argüida pelo Município, os autores posteriormente resolveram excluí-lo da relação processual, por via de desistência, o que de fato ocorreu, permanecendo no pólo passivo apenas os demais litisconsortes.

Em função dessa desistência o magistrado, após homologá-la, declinou da competência para prosseguir na presidência do feito, visto que nenhuma das partes remanescentes desfrutava do "privilégio" de juízo atribuído ao litisconsorte excluído do processo.

Operada a redistribuição para um dos juízos comuns da comarca, seu magistrado igualmente deu-se por incompetente, argumentando com a perpetuação da competência do juízo original.

Interpretando-se literalmente o artigo 87, seria sustentável a posição assumida pela última autoridade judiciária, dado que no caso exposto não houve, de fato, a alteração da competência em razão da matéria ou da hierarquia; no entanto, levando em linha de consideração a omissão do artigo 91 no que pertine à competência determinada pela qualidade da parte, sustentamos que a ressalva do artigo 87 também é aplicável à competência objetiva fundada no critério acima aludido.

Por assim entender, concluímos pela extinção da perpetuação da competência da Vara da Fazenda Municipal, entendimento este que veio a ser endossado pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo.24

É interessante observar, de passagem, que a perpetuação, mesmo não sendo extinta por qualquer das ocorrências previstas fora das ressalvas do artigo 87, acaba sofrendo os efeitos da prorrogação legal.

Perpetuada a competência de um determinado juízo sobre uma ação por ele processada, mas conexa com outra já em curso perante juízo prevento, a exigência do julgamento simultâneo colimado pelo artigo 105 acarretará o deslocamento da causa para esse último órgão jurisdicional. Em conseqüência, o primeiro órgão jurisdicional mencionado, que já tinha perpetuada a sua competência para o processamento da ação, acaba por perdê-la em função do deslocamento do feito para o juízo prevento.

Era concretamente competente, mas a prorrogação legal retirou o seu poder sobre o destino da ação, cujo processamento e julgamento competirão, agora, à autoridade judiciária em exercício no órgão prevento. Vale dizer, na situação aventada a prorrogação retirou a competência perpetuada e a transferiu a órgão originalmente incompetente.

Considerando a própria natureza e o objetivo da perpetuação, a explicação para o fenômeno em testilha é uma só: com o deslocamento da competência para o órgão prevento, derivado da prorrogação legal, desaparece, ipso facto, a perpetuação até então existente, eis que ela não sobrevive se o órgão jurisdicional originalmente competente perdeu essa qualidade.

Diante desse quadro, é lícito reafirmar-se que apenas a competência está sujeita à perpetuação; a incompetência, quer a absoluta, quer a relativa (seja esta última original, seja derivada da prorrogação), nunca estará sujeita a esse fenômeno processual.


NOTAS

1 - "Direito processual civil", São Paulo, José Bushatsky Ed., 1975, nº 77, pp. 129 e 130.

2 - Influenciado pela redação do dispositivo citado, LIEBMAN chegou a sustentar que a prevenção é uma causa de prorrogação da competência, "verificável quando um juiz incompetente se torna competente pelo fato de que se propôs perante ele a demanda e o réu não excepcionou a declinatória do fôro." - Nota 3 às "Instituições de direito processual civil", de CHIOVENDA ("Istituzioni di diritto processuale civile", tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1969), vol. 2, p. 283.

3 - Tratando-se de juízos integrantes dos denominados foros central e regionais criados pela lei paulista nº 3.947, de 1983, o critério determinativo da prevenção é aquele do artigo 106 do CPC, visto que não se cuida de foros, isto é, de comarcas diferentes, mas antes de juízos diferentes pertencentes à mesma comarca. Assim sustentamos em diversos pareceres, todos acolhidos pela Câmara Especial do TJSP, valendo como paradigmas, entre outros, os acórdãos prolatados nos Conflitos de Competência nº 6.970-0, de São Paulo, rel. Des. DÍNIO GARCIA, julg. 13.O8.87 e nº 7.947-0, também de São Paulo, rel. Des. Martiniano de Azevedo, julg. 10.12.87. Confira-se, mais, os pareceres e acórdãos insertos na obra "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ANICETO LOPES ALIENDE e ANTONIO CARLOS MARCATO , 1ª ed., 1ª tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais, 199O, ementas nºs 210, 237 e 238, pp. 136/137 e 173/174.

4 - Confira-se, nesse sentido, o parecer e acórdãos insertos na obra citada no item anterior, ementas nºs 236, 237 e 238, pp.197/199 e 173/174.

5 - Um exame mais aprofundado do assunto pode ser realizado com a leitura de trabalhos de ARRUDA ALVIM ("Direito processual civil" - "Teoria geral do processo de conhecimento",, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972, vol. II, pp. 240 a 254), de BARBOSA MOREIRA ("A conexão de causas como pressuposto da reconvenção", São Paulo, Saraiva, 1979), de CELSO NEVES ("Notas a propósito da conexão de causas", in Revista de Processo, 36/34), de CHIOVENDA ("Instituições de direito processual civil", vol. 2, nºs 204 a 209, p. 215 a 226), de BOTELHO DE MESQUITA ("Competência - Distribuição por dependência", in Revista de Processo 19/215), de LIEBMAN ("Manuale di diritto processuale civile", 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1973, vol. I, nº 32, pp. 59 e 60 e nº 88, pp. 154 a 157) e de MONIZ DE ARAGÃO ("Conexão e ´tríplice identidade´", in Revista de Processo 29/50), entre inúmeras outras obras de valor.

6 - CÂNDIDO DINAMARCO critica essa terminologia, argumentando, corretamente, que na prorrogação derivada da ausência de exceção declinatória nada autoriza concluir-se, com segurança, que o réu tenha realmente aderido à escolha do autor, podendo, ao reverso, até mesmo estar revel - "Declaração ex officio da incompetência relativa ?", in "Fundamentos do processo civil moderno", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986, nº 229, p. 372.

7 - Contrariando o seu próprio artigo 304, que permite a oposição das três exceções rituais por qualquer das partes, em seu artigo 114 o Código prevê a prorrogação tácita sempre que o réu não oponha a exceção declinatória. É evidente, porém, que tal prorrogação igualmente ocorrerá se o autor - nos casos em que lhe interesse a argüição da incompetência relativa - não o fizer no prazo e na forma legais.

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8 - "Declaração ex officio da incompetência relativa ?", in "Fundamentos do processo civil moderno", nºs 230 a 232, pp. 372 a 374.

9 - Cfr. AGRÍCOLA BARBI, "Comentários ao Código de Processo Civil", 2ª ed., vol. I, Rio, Forense, 1981, vol. I, nº 633, pp. 482 e 483.

10 - Nesse sentido o pacífico entendimento da Câmara Especial do TJSP, conforme se constata pelo exame, entre outros, dos acórdãos prolatados nos Conf. Comp. nº 7.348-0, de São Paulo, rel. Des. ANICETO ALIENDE e nº 8.467-0, de São Paulo, rel. Des. ONEI RAPHAEL - in "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementas nºs 184 e 207, pp. 210/211 e 250/252.

11 - Confira-se, por todos, o acórdão da Câmara Especial do TJSP, prolatado no A.I. nº 5.860-0, do Guarujá, rel. Des. ANICETO ALIENDE, inserto na obra acima citada, ementa nº 9, pp. 42 e 43.

12 - V., nesse sentido, THEOTONIO NEGRÃO, 17ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987, nota nº 2 ao art. 576 do seu "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor".

13 - Sustentamos tal posição em parecer ofertado no Conflito de Competência nº 6.205-0, de Jundiaí, o qual foi endossado pela Câmara Especial do TJSP, rel. Des. DÍNIO GARCIA - in "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementa nº 186, pp. 166/167.

14 - Conforme acentua CÂNDIDO DINAMARCO (citando lições de CALAMANDREI e de FREDERICO MARQUES), essa maior abrangência é compreensível, já que a própria relatividade da competência comporta graus, isto é, as causas de modificação da competência não têm eficácia modificativa da mesma intensidade - "Declaração ex officio da incompetência relativa ?", in "Fundamentos do processo civil moderno", nº 231, p. 373.

15 - V., a respeito dessa questão, os acórdãos indicados por THEOTONIO NEGRÃO na nota nº 5 ao art. 306 de seu "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor".

16 - "Comentários ao Código de Processo Civil", 2ª ed., Rio, Forense, 1976, vol. II, nº 192, pp. 188 a 191 e nº 348, pp. 331 a 334.

17 - "Comentários ao Código de Processo Civil", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1974, vol. I, pp. 360.

18 - "A nova sistemática das exceções", Revista de Processo, vol. 2, 1977

19 - Cfr. artigo 19 do Assento Regimental nº 51, de 1979, com a redação do Assento Regimental nº 65 , de 1981, do TJSP.

20 - Nesse sentido, entre outros, os acórdãos prolatados pela Câmara Especial do TJSP nos Conflitos de Competência nº 5.233-0, de São Paulo, rel. Des. CÉSAR DE MORAES, julg. 17.10.85, nº 6.746-0, de Cubatão, rel. Des. DÍNIO GARCIA, julg. 14.O5.87 e nº 6.819-0, de Araçatuba, rel. Des. ANICETO ALIENDE, julg. 28.O5.87 - in "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementa nº 112, pp. 183/184 - O Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo encampou tal entendimento em sua Súmula 28, que tem o seguinte enunciado: Pode o Juiz declarar de ofício da incompetência relativa, desde que o faça em sua primeira intervenção no processo.

21 - V. CÂNDIDO DINAMARCO, que nomeia os adeptos da posição prevalente e indica arestos onde ela foi adotada - "Declaração ex officio da incompetência relativa ?", in "Fundamentos do processo civil moderno", nºs 234 e 235, pp. 375 e 376 e "Direito processual civil", nº 86, pp. 138 e 139. V., ainda, BARBOSA MOREIRA, "Sobre pressupostos processuais", nº 5, p. 88 e "A competência como questão preliminar e como questão de mérito", pp. 95 a 104, in "Temas de direito processual", 4ª série, São Paulo, Saraiva, 1989. Convém esclarecer que a própria Câmara Especial do TJSP vem alterando sua orientação, não mais admitindo a possibilidade de reconhecimento ex officio da incompetência relativa, conforme se constata pelo teor de recentes arestos (v., por todos, aqueles prolatados no Conflito de Competência nº 11.808-0, rel. Des. TORRES DE CARVALHO, julg. 17.01.91; nº 11.469-0, rel. Des. Odyr Porto, julg. 27.09.90; nº 12.073-0, rel. Des. GARRIGÓS VINHAES, julg. 10.01.91 e nº 12.141-0, rel. Des. SYLVIO DO AMARAL, julg. 24.01.91, todos da Comarca de São Paulo, entre outros).

22 - V. acórdãos indicados por THEOTONIO NEGRÃO na nota nº 5 do art. 19 da lei acima aludida ("Código de Processo Civil e legislação processual em vigor"), mais aquele prolatado pela Câmara Especial do TJSP no Conf. Comp. nº 7.834-0, de São Paulo, rel. Des. SYLVIO DO AMARAL - in "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementa nº 61, pp. 227/228.

23 - Cfr. CÂNDIDO DINAMARCO, "Declaração ex officio da incompetência relativa ?", in "Fundamentos do processo civil moderno", nº 233, p. 375.

24 - Conflito de Competência nº 7.863-0, de São Paulo, rel. Des. EVARISTO DOS SANTOS, julg. 19.11.87 - in "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", ementa nº 124, pp. 229/232.


B I B L I O G R A F I A

ALIENDE, Aniceto Lopes (e outro) - "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", 1ª ed., 1ª tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990

ARRUDA ALVIM, José Manuel - "Direito processual civil" - "Teoria geral do processo de conhecimento", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1972

BARBI, Agrícola - "Comentários ao Código de Processo Civil", 2ª ed., vol. I, Rio, Forense, 1981

BARBOSA MOREIRA, José Carlos - "A conexão de causas como pressuposto da reconvenção", São Paulo, Saraiva, 1979

- "Temas de direito processual", 4ª série, São Paulo, Saraiva, 1989

BOTELHO DE MESQUITA, José Ignácio - "Competência - Distribuição por dependência", in Revista de Processo 19/215

CHIOVENDA, Giuseppe - "Instituições de direito processual civil", de CHIOVENDA ("Istituzioni di diritto processuale civile", tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1969

DINAMARCO, Cândido Rangel - "Direito processual civil", São Paulo, José Bushatsky Ed., 1975

- "Fundamentos do processo civil moderno", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1986

LIEBMAN, Enrico Tullio - "Manuale di diritto processuale civile", 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1973

MARCATO, Antonio Carlos (e outro) - "Competência - Conflitos de competência - Exceções de impedimento e de suspeição do juiz", 1ª ed., 1ª tiragem, São Paulo, Revista dos Tribunais, 199O

- Notas às "Instituições de direito processual civil", de CHIOVENDA ("Istituzioni di diritto processuale civile", tradução de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1969), vol. 2

MENDONÇA LIMA, Alcides de - "A nova sistemática das exceções", Revista de Processo, vol. 2, 1977

MONIZ DE ARAGÃO, E. D. - "Comentários ao Código de Processo Civil", 2ª ed., Rio, Forense, 1976

- "Conexão e ´tríplice identidade´", in Revista de Processo 29/50

NEGRÃO, Theotonio - "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor", 17ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1987

NEVES, Celso - "Notas a propósito da conexão de causas", in Revista de Processo, 36/34

TORNAGHI, Hélio - "Comentários ao Código de Processo Civil", São Paulo, Revista dos Tribunais, 1974.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Marcato

professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, coordenador acadêmico do CPC – Curso Preparatório para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCATO, Antonio Carlos. Prorrogação da competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2924. Acesso em: 19 abr. 2024.

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