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Prorrogação da competência

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01/04/2002 às 00:00
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1. Generalidades

Sob o título Das modificações da competência, o Código regula, nos seus artigos 102 a 111, a influência da conexão, da continência e da eleição de foro sobre a fixação da competência em concreto. Igualmente trata dessa modificação em seu artigo 114, ao dispor que ocorrerá a prorrogação da competência se a parte (normalmente o réu - v. art. 304) não opuser a exceção declinatória de foro ou de juízo. Em outras palavras, cuida ele da denominada prorrogação da competência, indicando os casos em que ela se opera ou por força da lei, ou em virtude de ato da parte.

Ao fixar os critério determinativos da competência territorial, o Código o faz abstratamente, ou seja, prevê critérios para o ajuizamento, em tese, de uma determinada demanda. Assim - e exemplificativamente -, atuam como critérios determinativos, entre outros, o local do domicílio do réu (art. 94), o da situação do imóvel (art. 95), do último domicílio do autor da herança (art. 96), do domicílio da pessoa jurídica de direito público (art. 99) ou do evento (art. 100, V, a).

Esses critérios não serão necessariamente observados, no entanto, pois a conexão, a continência e a eleição de foro, entre outras circunstâncias a seguir examinadas, poderão determinar a fixação, em concreto, da competência de um foro diverso daquele previsto em lei.

Assim, um determinado órgão jurisdicional que seja relativamente incompetente à luz dos critérios do Código poderá, em razão da ocorrência de qualquer dos fenômenos acima aludidos, tornar-se concretamente competente. Pode suceder, ainda, de ações corretamente ajuizadas e processadas perante órgãos competentes pelos critérios legais (enquanto considerados isoladamente), terem o seu processamento deslocado para apenas um desses órgãos (o prevento), objetivando o seu julgamento simultâneo (CPC, art. 105).

Diz-se, então, que se consumou o fenômeno da prorrogação da competência, isto é, um órgão relativamente incompetente tornou-se competente em concreto, ao passo que outro, competente em abstrato, tem sua incompetência agora determinada. Além disso, ocorre também a prorrogação quando se condensa, se consolida em um só órgão jurisdicional a competência exclusiva para o processamento e julgamento de ações que antes competiam a outros órgãos jurisdicionais.

A prorrogação atinge ainda a competência de juízo (sendo ela relativa), conforme deflui, aliás, da própria dicção dos artigos 106 e 111 do diploma processual civil, mais adiante examinados.

Como esclarece CÂNDIDO DINAMARCO, a "prorrogação da competência é modificação desta: o órgão judiciário, ordinariamente incompetente para determinado processo, passa a sê-lo em virtude de algum fenômeno a que o direito dá essa eficácia. Ordinariamente, pertencem-lhe os processos que se situam dentro de determinada esfera (que é a sua competência), mas quando ocorre um desses fenômenos essa esfera se alarga (prorroga-se), para abranger um processo que estava fora. A prorrogação não é, assim, mais um critério para a determinação da esfera de competência dos juízes -, mas um motivo de alteração, em casos concretos, dessa esfera (esse é um ensinamento cediço, quase unânime, da doutrina)."1

Considere-se, todavia - e sem prejuízo da lição ora transcrita -, que a prorrogação representa um fenômeno visível sob dois enfoques distintos: a) como causa determinante da atribuição de competência a um órgão que até então não a possuía, em detrimento de outro (ou outros) que era, ao menos em abstrato, competente; b) como fator de aglutinação, perante um só órgão competente, da competência de outro (ou de outros) até então competente.

Convém desde logo salientar que o fenômeno ora examinado não terá maior interesse se as ações conexas estiverem sendo processadas perante Justiças diferentes (v.g., estadual e federal), pois nesse caso a competência de uma e outra, por ser absoluta, não estará sujeita a modificação.


2. Prorrogação legal

A prorrogação pode derivar, em primeiro lugar, de imposição da lei, quando é então denominada legal.

Opera-se, segundo o Código de Processo Civil - e de acordo com o entendimento predominante em doutrina -, em virtude da conexão ou da continência (CPC, arts. 102 a 105).

Muito embora esses dois fenômenos processuais tenham a natureza de objeções - e sejam, por isso mesmo, cognoscíveis de ofício, a qualquer tempo, ou dedutíveis, pela parte interessada, através de contestação (arts. 301, VII e parágrafo 4º) -, é bastante comum a oposição equivocada de exceção de incompetência tendo por objeto justamente a relação de conexão ou de continência existente entre determinadas ações; e nesse caso, aliás, o processo sofre uma indevida suspensão, até o julgamento da "exceção" (art. 306) - o que não ocorreria, é claro, se o vínculo conectivo houvesse sido indicado pela via própria.

2.1 De qualquer modo, operada a prorrogação legal tornar-se-á competente, com exclusividade, o órgão jurisdicional prevento, ou seja, aquele que teve a sua competência concretamente determinada em primeiro lugar, valendo lembrar que a prevenção não representa, pelo Código vigente, critério de modificação da competência, ao contrário do que preconizava o anterior em seu artigo 148.2 Representa, isto sim, um mecanismo de fixação da competência exclusiva de um órgão jurisdicional perante outro (ou outros), acionado pela ocorrência, prevista em lei, de determinados atos processuais - conforme será visto a seguir.

Operada a prorrogação legal da competência, as causas que até então estavam sendo processadas perante órgãos distintos (e competentes, cada qual, para o processamento das respectivas ações perante eles ajuizadas) serão reunidas diante de um só deles, objetivando o julgamento simultâneo de todas, mediante a prolação de uma só sentença (CPC, art. 105) - salvo se o estado atual dos processos não mais justificar a reunião (v.g., um deles já se encontra em fase de julgamento, ao passo que o outro só agora teve início).

Impõe-se, em decorrência, a existência de um mecanismo legal para a determinação do único juízo competente para o processamento e julgamento conjunto das ações, mecanismo este que é justamente o da prevenção.

Prevenir a competência significa, pois, fixar, determinar concreta e exclusivamente a competência de um órgão jurisdicional em confronto com outro (ou outros), perante o qual estava sendo (ou deveria ser, se ainda não ajuizada) processada a ação vinculada por conexão (ou por continência) àquela presidida pelo órgão prevento. Por outras palavras, a reunião de processos pendentes (ou o ajuizamento de ação conexa a outra já sendo processada) far-se-á perante o órgão jurisdicional cuja competência foi estabelecida em primeiro lugar, ou seja, que já esteja prevenida.

Segundo o Código de Processo Civil, dois são os atos processuais desencadeantes da prevenção: a citação válida do réu e o despacho inicial exarado nos autos do processo.

Estando as ações conexas (ou ligadas por continência) sendo processadas perante órgãos jurisdicionais com competências territoriais diferentes, o ato de prevenção será a citação válida do réu, na exata dicção do artigo 219; vale dizer, um dos efeitos processuais da citação é o de prevenir a competência de um órgão jurisdicional para o processamento e julgamento das ações vinculadas por conexão ou continência, em face de outro (ou outros) igualmente competente, até então (abstrata ou concretamente), para processar a ação perante si proposta (ou que deveria ordinariamente presidir, tão logo proposta). Se, ao contrário, as ações conexas (ou relacionadas por continência) estão sendo processadas no mesmo foro (rectius: na mesma comarca, no que tange à justiça estadual, ou na mesma seção judiciária, no que se refere à federal), mas perante juízos diferentes (ainda que integrantes dos denominados foros regionais)3, o ato determinante da prevenção será o despacho inicial exarado nos autos do processo (art. 106), assim devendo ser entendido aquele que determina a citação do réu.4

2.2 O vínculo conectivo entre duas ou mais demandas representa o primeiro fator de prorrogação legal previsto pelo Código.

Correndo em separado ações conexas, cada qual sendo processada perante órgão que, considerado isoladamente, seria, pelos critérios legais, o competente para tanto, apenas um deles (aquele cuja competência esteja prevenida) aglutinará em si toda a competência para o processamento e julgamento simultâneos dos respectivos feitos. Explicitando: apenas um dos órgãos jurisdicionais envolvidos com as demandas conexas irá realizar o julgamento conjunto colimado pelo artigo 105 do Código, ao passo que o outro (ou outros) cuja competência foi derrogada, torna-se, agora incompetente.

Esse vínculo existirá sempre que as ações possuam em comum o pedido ou a causa petendi, isto é, sempre que idênticos os seus elementos objetivos e causais (CPC, art. 103).

Buscando evitar dois ou mais julgamentos autônomos, eventualmente contraditórios - e geradores, à evidência, de sérios prejuízos às partes e à autoridade dos provimentos judiciais -, a lei determina que o órgão com a competência já prevenida julgue os pedidos deduzidos através das ações conexas, atribuindo-lhe, para tanto, uma competência que ordinariamente não lhe seria conferida pelos critérios usuais do Código, abstratamente considerados.

Vale a pena ilustrar a situação sob exame.

A mulher promove ação de separação judicial em face do marido, na comarca onde o casal tem seu domicílio, atendido, assim, o critério de determinação de competência territorial estampado no artigo 100, inciso I, do Código; o varão, por sua vez, não reconvém e posteriormente ajuíza ação de separação judicial em face da mulher, que a esta altura dele já se separou de fato e fixou residência em outra comarca - devendo essa ação ser proposta no foro por último indicado, ante o que dispõe o citado inciso I do artigo 100.

Ora, essas duas ações, cada qual proposta em foro competente pelo critério específico previsto em lei (foro "privilegiado" da mulher casada) têm em comum, sem dúvida alguma, o elemento objetivo, isto é, ambas veiculam o mesmo pedido; e esse vínculo conectivo entre elas imporá a reunião dos respectivos processos perante um só órgão jurisdicional (aquele cuja competência esteja preventa), com o que um dos feitos é deslocado de uma comarca para outra, ficando assim patenteado que um órgão jurisdicional relativamente incompetente (em abstrato) torna-se concretamente competente para o processamento de ambas as ações, ao passo que o outro, original e ordinariamente competente para o processamento da ação cujo respectivo feito se deslocou, não mais tem sobre ele, a essa altura, qualquer influência.

Mas não apenas a competência de foro está sujeita à prorrogação.

Igualmente opera-se esse fenômeno entre juízos com a mesma competência territorial, pois ações conexas distribuídas a varas diferentes da mesma comarca deverão, da mesma forma, ser processadas e julgadas pelo órgão jurisdicional prevento.

2.3 Tudo o que foi dito até aqui vale, por óbvio, para ações relacionadas pela continência (CPC, arts. 104 e 105). Aliás, mesmo sendo um fenômeno mais próximo da litispendência (visto que exige, para a sua configuração, a identidade de dois dos três eadem, ou seja, das partes e da causa petendi), ela atua no processo com intensidade igual à da conexão, ao menos no que pertine à alteração da competência.

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Imagine-se, a título de ilustração, que a mulher promova ação de separação judicial fundada na separação de fato do casal há mais de dois anos, ao passo que o marido ajuíze, com base no mesmo fundamento, ação direta de divórcio.

Propostas que sejam tais ações em foros (ou perante juízos) diferentes, claro está que os respectivos processos deverão ser reunidos no juízo com competência prevenida, para o fim do artigo 105 do diploma processual civil.5

2.4 Fala-se em prorrogação legal, por derradeiro, no que pertine à competência dos denominados juízos universais.

Decretada a falência ou a insolvência civil do devedor (e instaurado, assim, o concurso universal de credores), o juízo da decretação passa a ter competência para o processamento de ações envolvendo a massa falida (arts. 7º, par. 2º e 23, da Lei 7.661/45) ou a massa do insolvente (CPC, arts. 751, III e 762); por outras palavras, determinadas demandas, que deveriam ser ajuizadas, em abstrato, perante outros órgãos jurisdicionais, serão atraídas para o juízo universal, que passa, por força de tal atração, a ter competência, em concreto, para o seu processamento.


3. Prorrogação convencional

Além da prorrogação legal, cuida ainda a doutrina da prorrogação convencional da competência.

Apesar de o vocábulo convencional não se mostrar adequado à prorrogação dita tácita (i.é, aquela derivada da não oposição da exceção declinatória - CPC, art. 114)6, o fato é que ocorre essa modalidade de prorrogação ora por convenção das partes (prorrogação expressa - art. 111), ora em virtude da não oposição, por qualquer delas7, da exceção ritual específica. E tal resulta, na lição de CÂNDIDO DINAMARCO, da dispositividade das regras sobre a competência de foro (excetuada apenas aquela do artigo 95), já que o Código prevê expressamente a sua derrogação por ato comissivo (art. 111) ou omissivo (art. 114) das partes.8

Enquanto através da última aglutina-se em um só órgão, com exclusividade, toda a competência para o processamento e julgamento de ações ligadas por conexão ou continência, pela prorrogação convencional um órgão jurisdicional relativamente incompetente torna-se concretamente competente para o julgamento de uma ou mais ações, em prejuízo de outro (ou outros) que seria, segundo os critérios usuais de determinação da competência (enquanto isoladamente considerados), competente para tanto.

3.1 Tratando-se de competência determinada em razão do valor da causa ou do território (ou seja, relativa), poderão as partes modificá-la mediante convenção (art. 111).

Essa prorrogação voluntária, dita convencional expressa, é feita através de cláusula eletiva de foro, ou seja, as partes fixam o denominado foro de eleição, competente, agora, para o ajuizamento de ações oriundas de direitos e obrigações assumidos por via contratual.

Evidente que esse foro eleito nem sempre coincidirá com aquele ordinariamente competente (segundo os critérios do Código) para o processamento e julgamento das aludidas ações, daí a razão pela qual ocorre, através de sua escolha pelas partes, a prorrogação da competência.

Nem sempre será possível a eleição de foro.

De fato, a cláusula eletiva só será eficaz quando se referir àquelas ações taxativamente previstas pelo artigo 111 - quais sejam as oriundas de direitos e obrigações - e aluda expressamente a determinado negócio jurídico (parágrafo 1º). Vale dizer, nem sempre a ação proposta estará sujeita, para fins de determinação da competência territorial, à cláusula eletiva (v.g., ações tendo por objeto estado civil, parentesco ou capacidade), sendo esta última inoperante, ainda, quando se refira a contratos futuros, indeterminados.9

Ademais, não é admissível a eleição de juízo (ainda que a competência deste seja relativa) e nem mesmo a dos denominados foros (central e regionais) instituídos pela lei paulista nº 3.947, de 1983.10

Outras situações peculiares ao foro de eleição também vêm merecendo apreciação por parte de nossos tribunais.

Assim, entende-se que na ação de consignação em pagamento não pode prevalecer o foro de eleição, em confronto com o forum solutionis do artigo 891, visto que este afasta a incidência do primeiro, dada a sua evidente especialidade.11

Já no caso de a ação ter por objeto dúvida na execução do contrato, é hoje tranqüilo o entendimento de que prevalecerá o foro eleito (Súmula 335 do STF), deixando de incidir no caso concreto, portanto, a regra de determinação de competência estampada no artigo 100, inciso IV, alínea d, do Código.

Representa uma questão ainda polêmica aquela concernente ao foro competente para o ajuizamento de execução fundada em título extrajudicial, pois há julgados entendendo ora que prevalece o foro do local do pagamento, ora o do domicílio do executado, ora o eleito.12 Temos para nós que deverá prevalecer o foro de eleição, uma vez atendidas as exigências do artigo 114 do Código, visto que este, ao regular a competência para essa modalidade de execução, dispõe de modo claro, em seu artigo 576, que deverão ser atendidas as regras contempladas no Livro I, Título IV, Capítulos II e III, mais exatamente as regras de competência pertinentes ao processo de conhecimento.13

Também suscita interesse a questão pertinente ao ajuizamento da ação no foro do domicílio do réu, diverso do eleito.

Nesse caso só terá sentido o acolhimento da exceção declinatória se e quando o excipiente demonstrar, de modo inequívoco, que o ajuizamento da ação em foro diverso do eleito acarretou-lhe ou poderá acarretar-lhe prejuízo. É que a regra do artigo 94, instituindo o foro comum em benefício do réu, deverá prevalecer se o autor, ignorando a cláusula eletiva, optar por atendê-la; e isso decorre da singela circunstância de que, inexistindo prejuízo derivado dessa opção, não teria o réu, em tese, nem mesmo interesse processual em opor a exceção.

3.2 A denominada prorrogação convencional tácita resulta, na dicção do artigo 114 do Código, da não oposição da exceção declinatória de foro, ou de juízo, no caso e prazo legais.

Ajuizada a ação perante foro (ou juízo) relativamente incompetente, a parte interessada (geralmente o réu) têm o ônus de opor a exceção ritual de incompetência, sob pena de, não o fazendo, operar-se a preclusão e prorrogar-se a competência do aludido órgão jurisdicional. Por outras palavras, a sua inércia atesta, ainda que implicitamente, a ausência de prejuízo decorrente do ajuizamento perante órgão relativamente incompetente, já que abriu mão da vantagem processual de ser demandado no foro (ou juízo) legal ou contratualmente previsto; e nada justifica, assim, a manutenção dessa vantagem, passando o órgão jurisdicional a ostentar, em função da prorrogação, plena competência para o processamento da demanda.

Essa causa de prorrogação convencional é muito mais abrangente, sem dúvida alguma, que aquela derivada do pacto de eleição de foro.

Esta última só é possível quando a ação proposta seja oriunda de direitos e obrigações, dependendo, ainda, da existência de contrato escrito que faça expressa alusão a determinado negócio jurídico (art. 111 e parágrafo 1º); já a prorrogação derivada do descumprimento do ônus de excepcionar abrange toda e qualquer situação de incompetência relativa, pouco importando, para sua ocorrência, a natureza da ação proposta ou o seu objeto. Ela terá lugar inclusive quando a ação ajuizada seja concernente ao estado ou capacidade das pessoas, o que já não seria possível com base no pacto de eleição de foro, quer por força do caráter restritivo do mencionado artigo 11114, quer pela impossibilidade de celebrar-se contrato envolvendo aqueles atributos da personalidade humana.

Várias observações são cabíveis a esta altura.

3.2.1 - Exatamente como ocorre com as outras modalidades de prorrogação, é também pressuposto necessário para concretização da tácita a relatividade da incompetência do órgão jurisdicional.

Ajuizada a ação perante órgão absolutamente incompetente, torna-se defeso falar-se em prorrogação por ausência de exceção declinatória, seja porque aquela modalidade de incompetência deve ser declarada de ofício (CPC, art. 113), seja pela desnecessidade e descabimento da oposição da exceção (CPC, idem, mais art. 301, II).

Pode suceder (e sucede mesmo com frequência) que a parte oponha exceção ritual fundada em incompetência absoluta.

Muito embora essa forma de dedução seja inadequada, tal circunstância não acarreta qualquer sanção ao excipiente, dada a natureza de objeção processual da incompetência sob exame, dedutível a qualquer tempo e de qualquer modo (CPC, art. 301, II e parágrafo 4º); poderá acarretar, isto sim, a indevida suspensão do processo, por força do disposto no artigo 306 do Código, sobrestamento que inexistiria caso fosse ela argüida regularmente. E justamente por isso deve o juiz, ao constatar tal irregularidade na forma de dedução da incompetência absoluta, negar-lhe eficácia suspensiva do processo.15

3.2.2 Adotando a tese esposada por LOPES DA COSTA, MONIZ DE ARAGÃO sustenta enfaticamente a possibilidade de o juiz declinar de ofício sua incompetência relativa.

São suas as palavras a seguir transcritas :

No Brasil, lei alguma proíbe aos juízes declarar de ofício a incompetência relativa; tampouco os compele a aceitar passivamente a prorrogação da competência, por ser relativa. O que não se lhes consente é deixar de fazê-lo no primeiro momento em que atuem no caso, ao apreciar a petição inicial, pois aí se firmará a prorrogação, que ficará a critério do réu obstar.

Mais adiante o mestre afiança:

Ajuizada ação com infringência de norma de competência territorial, poderá o juiz, no primeiro ato a praticar, que é a apreciação da petição inicial, recusar de ofício a competência, como ficou visto no nº 192, pois, do contrário, precluir-lhe-á a faculdade e a regra da competência, que nesse preciso momento comportaria o tratamento dispensado à nulidade relativa, passará a subordinar-se unicamente aos princípios que regem a anulabilidade, ou seja, apenas o réu poderá impugnar a infração ocorrida, desde que o faça na forma e no prazo dos arts. 297 e 304, sob pena de perder a faculdade de fazê-lo, completando-se a prorrogação: a anulabilidade desaparece e o vício está sanado pela ausência da condição resolutiva.16

Essa posição, também aceita por juristas do porte de HÉLIO TORNAGHI17 e MENDONÇA LIMA18, vem paulatinamente ganhando prestígio nos tribunais paulistas, por influência direta dos julgados que emanam da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, à qual cabe julgar, enquanto derivadas de incidentes autônomos, todas as questões envolvendo competência.19

Conforme orientação dessa Câmara Especial, nada obsta ao juiz o reconhecimento ex officio de sua incompetência relativa, desde que não tenha ainda praticado ato que o vincule ao processo; cessa tal faculdade, no entanto, se já ocorreu a prorrogação da competência por força do artigo 114 - até porque, a essa altura, o juiz estará vinculado ao processo.20

Vale observar, no entanto, que tal orientação não é tranqüila em sedes doutrinária e jurisprudencial.21

Entende-se, com razão, que ao juiz não é conferido o poder discricionário de reconhecer sua incompetência relativa, mormente ante o expresso teor do artigo 114 do Código, aplicável à luz do artigo 112. Vale dizer, as regras de determinação da competência relativa atendem precipuamente ao interesse das partes, interesse esse que não pode ficar submisso à discricionariedade do juiz.

À luz dessa premissa, é curial que à parte caiba com exclusividade a faculdade de excepcionar a incompetência relativa, até mesmo porque o ajuizamento da ação no foro ou no juízo relativamente incompetentes poderá redundar em uma situação de vantagem para qualquer dos sujeitos parciais da relação processual.

Tome-se como exemplo a ação acidentária.

Apesar de a Lei nº 6.367, de 1976, ser omissa a respeito do foro onde deva ser proposta essa ação, consolidou-se na jurisprudência o entendimento de que o autor poderá promovê-la no foro do local do acidente; admite-se, todavia, a escolha de qualquer outro foro (v.g., de seu domicílio, do local onde recolhe a contribuição previdenciária), desde que não haja prejuízo para o órgão previdenciário.22

Essa gama de opções conferidas ao acidentado é motivada justamente pela sua inegável hipossuficiência, mostrando-se inclusive injusta a possibilidade de o juiz, a seu critério exclusivo, declinar de ofício da incompetência relativa nesse caso, em detrimento dos interesses do autor.

Ademais - e a prevalecer a tese por primeiro exposta -, restam praticamente derrogados os artigos 111 e 114 do Código.

Podendo o juiz declinar de ofício sua relativa incompetência, fica despido de valor o ato de eleição de foro; nem vale o argumento de que só caberia tal reconhecimento em se tratando da hipótese do artigo 114, visto que a lei não traça qualquer distinção, nesse particular, ao cuidar das duas causas de prorrogação voluntária da competência.

Acentue-se, por outro lado, a imprestabilidade, para a resolução da questão ora sob exame, de critérios puramente pragmáticos, pois em um regime de direito escrito, de legalidade processual estrita, não se pode deixar ao magistrado a faculdade de aceitar ou não o processo segundo a sua própria comodidade.23

Concluindo: o juiz pode (deve, mesmo) declinar de ofício sua incompetência absoluta, até porque esse vício contamina irremediavelmente o processo, acarretando sua nulidade absoluta, nulidade essa que só não mais poderá ser judicialmente reconhecida após o decurso do biênio fixado para a propositura da ação rescisória (CPC, art. 485, II). A incompetência relativa, ao reverso, opera apenas a nulidade relativa do processo, devendo, por isso mesmo, ser argüida pelo prejudicado no prazo e na forma previstos em lei; não o fazendo, ocorrerá a prorrogação da competência, tal como previsto no artigo 114 do Código de Processo Civil.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Marcato

professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, coordenador acadêmico do CPC – Curso Preparatório para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCATO, Antonio Carlos. Prorrogação da competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2924. Acesso em: 29 mar. 2024.

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