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A revisão judicial dos contratos com base nas cláusulas abusivas

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09/06/2014 às 16:27

Resumo:


  • O Código de Defesa do Consumidor (CDC) surgiu para equilibrar as relações entre consumidores e fornecedores, protegendo o consumidor, considerado parte mais vulnerável.

  • O CDC permite a revisão judicial de contratos com base na identificação de cláusulas abusivas, visando a integração e manutenção do negócio jurídico e respeitando o princípio da conservação.

  • O juiz tem o papel de interpretar e integrar o contrato, removendo as cláusulas abusivas, e pode modificar cláusulas contratuais para assegurar justiça contratual e equilíbrio na relação de consumo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo tem por escopo principal analisar a revisão judicial dos contratos com base no instituto das cláusulas abusivas. Serão analisados os fundamentos do repúdio as cláusulas abusivas, o sistema de nulidades do Código Civil e do CDC.

Sumário: O presente artigo tem por escopo principal analisar a revisão judicial dos contratos com base no instituto das cláusulas abusivas. Para tanto, serão analisados os fundamentos do repúdio as cláusulas abusivas, o sistema de nulidades do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor e a atividade de revisão do Juiz, com base na integração do negócio jurídico e no princípio da conservação.


INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor – CDC surgiu da necessidade de equilibrar uma relação que dava margem a uma série de abusos: a relação entre o empresário (comerciante, ofertante, etc) e o consumidor (demandante, cliente, etc).

Enquanto que o primeiro busca o lucro, o segundo busca o melhor preço, o melhor atendimento, em síntese, a satisfação de adquirir um bom produto ou serviço pelo melhor preço.

E o CDC visa proteger aquele consumidor que contratou mal, tendo em vista sua posição de inferioridade na relação de consumo. E esta proteção tem que ser efetiva, através de institutos jurídicos ágeis e flexíveis, que permitam acompanhar a evolução das relações contratuais, cada dia em maiores quantidades e em maior velocidade.

Para isso, o legislador deu ao magistrado um poder jamais visto: o de interferir no conteúdo do contrato, expurgando a abusividade, integrando e modificando o contrato, sempre com vistas a sua manutenção, sem que haja um desequilíbrio na relação contratual.

O instituto das cláusulas abusivas é justamente o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, que necessita de proteção frente as condutas praticadas pelos fornecedores de produtos e/ou serviços.

O presente artigo não pretende esgotar o tema, haja vista a sua complexidade, mas sim torná-lo mais compreensível, através do estudo do sistema de nulidades do CDC e de como deve o magistrado intervir no conteúdo negocial, sem descambar para o arbítrio.

A identificação das cláusulas abusivas e a integração ou modificação dos contratos de consumo são os grandes desafios impostos ao magistrado com o advento do microssistema do CDC.


1. O CONCEITO DE CLÁUSULAS ABUSIVAS

1.1 Desenvolvimento do conceito de cláusulas abusivas

A existência de cláusula abusiva é uma das causas concomitantes à formação do contrato que enseja uma atividade revisora do juiz. O magistrado, ao deparar-se com uma cláusula abusiva, deve reconhecê-la por ato ex ofício, haja vista que as cláusulas abusivas são nulas de pleno direito[1].

A cláusula abusiva surge em um contrato quando há uma relevância de uma das partes contratantes sobre a outra, quando existe uma cláusula que coloca uma das partes em desvantagem. Esta prevalência surge, em regra, devido ao poder econômico de uma das partes, quebrando o equilíbrio contratual.

O instituto das cláusulas abusivas vem disciplinado no nosso Código de Proteção e Defesa do Consumidor que garante, no inciso V do artigo 6°, a modificação de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais. Mas o fenômeno não é novo.

Há muito tempo que alguns ordenamentos jurídicos estabelecem algumas regras que não podem constar nos contratos privados, sendo consideradas nulas ou anuláveis caso constassem.

São regras que ofendem a ordem pública, os bons costumes e atendiam a conceitos tais como o de condições potestativas ou as chamadas cláusulas leoninas. Com exceção das condições meramente potestativas, em que "o predomínio da vontade de uma das partes descamba para um ato de arbítrio, ficando o negócio jurídico, no que tange a sua exequibilidade, inteiramente submisso ao arbítrio de um dos contratantes"[2], apenas as cláusulas referentes aos elementos essenciais do negócio jurídico encontravam tutela.

Assim, os vícios do consentimento ou os vícios sociais poderiam ensejar a anulação do contrato. Com relação aos sujeitos, o contrato poderia ser anulado ou nulificado, conforme o grau da incapacidade. Sendo o objeto ilícito ou impossível, o negócio seria nulo.

Se o negócio não revestisse a forma legal ou fosse preterida alguma solenidade considerada essencial, também aí teríamos a nulidade do negocio[3].

Mas mesmo que houvesse a nulidade ou anulabilidade desses elementos, o negócio deveria se conservar, se fosse possível separar-se a parte válida da inválida, sem prejudicar o todo[4]. Não sendo possível a conservação, restava ao magistrado a única opção de desfazer o contrato, sem nenhum esforço de integração.

Dessa forma, o princípio norteador era o da autonomia da vontade, vedando qualquer modificação interventiva do magistrado no conteúdo do contrato.

Com o advento do CDC[5] houve uma mudança no tratamento dado às cláusulas  excessivamente onerosas, avantajadas. A finalidade da revisão judicial não é o de apenas afastar tais cláusulas, mas sim de conservar, integrar o contrato. Assim, há um novo enfoque à atividade revisora, demonstrando a importância do Poder Judiciário na solução dos conflitos na sociedade de consumo.

Demonstra-se também uma relativização do princípio do pacta sunt servanda. O professor PAULO ROBERTO ROQUE A. KHOURI escreve com bastante propriedade sobre o tema:

"A Lei 8078/90 autoriza o Poder Judiciário a interferir no conteúdo do contrato quando se depare com cláusulas abusivas ou que coloquem a parte hipossuficiente em situação fiagrantemente desfavorável. Em se tratando de relação de consumo, os princípios da obrigatoriedade e intangibilidade dos pactos foram de forma evidente relativizados pelo legislador com aquele novo diploma legal.

Não se pode olvidar que o Estado - preocupado com as injustiças que da autonomia da vontade poderiam resultar em determinadas relações contratuais —, paulatinamente, desde o início do século, vem deixando a posição de mero espectador e cumpridor das vontades das partes, para intervir fortemente nos contratos. Intervir, não no sentido de negar eficácia ao livremente pactuado pelas partes, mas criando normas de ordem pública, que pudessem evitar a imposição permanente da vontade do mais forte ao mais fraco economicamente. Preocupado com a justiça das convenções, o Estado passa a ditar o conteúdo de diversas relações negociais, dentro do que se denomina o dirigismo contratual. Não se buscou decretar o fim do contrato ou da autonomia da vontade, como fonte por excelência das obrigações, mas de sua adequação aos anseios de justiça social."[6]

A ampliação da atividade revisora do juiz e a relativização do pacta sunt servanda tiveram como suporte básico e fundamental o impulso legislativo do CDC, que taxativamente proíbe a inserção de cláusulas abusivas nos contratos, inclusive enumerando, através dos incisos do artigo 51, diversas hipóteses de cláusulas abusivas. Essas hipóteses são apenas exemplificativas, tendo em vista a expressão "entre outras" no caput do art. 51. Isto quer dizer que "sempre que verificar a existência de desequilíbrio na posição das partes no contrato de consumo, o juiz poderá reconhecer e declarar abusiva determinada cláusula, atendidos os princípios da boa-fé e da compatibilidade com o sistema de proteção ao consumidor"[7].

1.2 Fundamento jurídico das cláusulas abusivas

1.2.1 Abuso de Direito

O abuso de direito configura-se como um exercício irregular de um direito, causando dano a outrem. Verifica-se um desvio de finalidade, um desvio da destinação econômica ou social do direito.

Nosso Código Civil contempla a figura em seu artigo 187 quando afirma que “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

São exemplos de comportamento abusivo, segundo a doutrina[8]:

  1. matar o gado alheio que pasta no campo;
  2. requerer o credor arresto de bens que sabia não pertencer ao devedor;
  3. requerer busca e apreensão sem necessidade;
  4. requerer falência de alguém quando as circunstâncias e as relações entre ele e o requerente não o autorizam;
  5. revogação, pelo mandante, de procuração sem nenhuma razão plausível;
  6. reiteradas purgações de mora nas ações de despejo por falta de pagamento e;
  7. oferecer queixa-crime ou "delatio criminis" contra pessoa sabidamente inocente, dentre outros.

O nosso Código Civil traz alguns dispositivos referentes ao abuso de direito, como por exemplo, o pagamento em dobro das custas e o abatimento dos juros da divida cobrada antecipadamente (art. 939) e o pagamento em dobro de divida já paga (art. 940).

O Código de Processo Civil trata do abuso do direito de ação, punindo com a litigância de ma-fé aquele que se utilizar do processo para fim indevido.

Alguns doutrinadores sustentam que as cláusulas abusivas seriam uma espécie de abuso de direito, pois haveria uma "fumaça" de abuso de direito. Apesar de alguns pontos em comum, isso não quer dizer que um provenha do outro.

O pressuposto do abuso de direito é o direito subjetivo. É fácil imaginar o abuso de direito, por exemplo, ao se cobrar uma divida já paga. Já existia um vinculo obrigacional, um direito subjetivo, que servia de liame entre o credor e o devedor. Agora, com relação às cláusulas abusivas, não existe um direito prévio de, por exemplo, permitir ao fornecedor variar o preço unilateralmente[9].

Segundo LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA, "a redação de cláusulas abusivas expressa o chamado abuso de poder econômico, um dado pré-jurídico, verdadeiro abuso de fato, sem revestimento formal de direito"[10].

Além disso, se existisse um direito prévio de clausular unilateralmente, só se admitiriam cláusulas abusivas nos contratos de adesão[11], o que não é verdade, tendo em vista que "as cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer em qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual"[12].

Podemos concluir, então, pelo não acolhimento do abuso de direito como fundamento ao repúdio as cláusulas abusivas.

1.2.2 Lei

A lei também pode ser a "base justificativa do repúdio as cláusulas abusivas"[13]. O nosso sistema jurídico tem a lei como principal fonte do Direito, não podendo ser menosprezado o seu papel. Mas não podemos aceitar que a lei seja a única fonte normativa em sede de revisão judicial dos contratos. Sendo assim, o campo de aplicação das cláusulas abusivas ficaria limitado, dependendo da criatividade do legislador, que deveria elencar uma série de condutas contratuais como sendo condutas abusivas. Teríamos assim uma lista estanque que só poderia ser ampliada por outra lei.

Contudo, a realidade dos fatos caminha a passos largos, enquanto que o Direito deve ser o mais ágil possível, para que possa acompanhar as mudanças operadas nessa mesma realidade.

As diversas legislações consumeristas têm um caráter exemplificativo do que sejam as cláusulas abusivas. Isso nos mostra que existem outras fontes nas quais se buscam a fundamentação para o instituto. O nosso CDC traz uma lista do que sejam cláusulas abusivas, mas diz, já no caput do art. 51, a expressão "entre outras". Isso demonstra que não se esgotam as condutas abusivas na descrição legal, sendo a lista numerus apertus. Além disso, temos as cláusulas gerais, "que necessitam de concretização casuística e valorativa"[14]. Estas cláusulas clamam por uma integração que a lei não dá, cabendo ao intérprete e ao aplicador esta integração.

O Artigo 7° do CDC diz que:

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou conversões internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

O Ministério da Justiça, através da Secretaria de Direito Econômico, tem, eventualmente, baixado uma lista de novas cláusulas abusivas através de portaria. A legitimidade do Ministério da Justiça para edição de tais listas deve ser questionada, haja vista que a função do regulamento é regulamentar aquilo que está previsto em lei. O legislador deu ao magistrado o poder de definir o que seja cláusula abusiva na falta de sua enumeração legal, não cabendo ao Poder Executivo tal atribuição.

1.2.3 Boa-Fé Objetiva

O CDC consagrou o princípio da boa-fé objetiva quando dispôs em seu art. 4°, inciso III, parte final, que as relações entre consumidores e fornecedores deve basear-se na boa-fé, e, também, no seu art. 51, inciso IV, parte final, quando considera abusiva uma cláusula que seja incompatível com a boa-fé.

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O princípio da boa-fé objetiva foi acolhido em nosso Código Civil, em seu artigo 113.

Podemos dizer que o princípio da boa-fé seja o principal fundamento da ojeriza às cláusulas abusivas, tendo em vista que serve de parâmetro para completar-se o rol das diversas cláusulas abusivas. A cláusula geral da boa-fé serve como gênero das demais espécies de cláusulas abusivas, já que todas são agires contrários à boa-fé ou à equidade.

Devemos também diferenciar a boa-fé objetiva da subjetiva. A boa-fé subjetiva está ligado ao foro intimo do individuo, à intenção subjetiva do sujeito. Está presente em vários pontos do Código Civil, principalmente no direito das coisas, obrigações e família.

Já a boa-fé objetiva está ligada a padrões de conduta social de determinada comunidade:

"Com a objetividade do princípio, busca-se afirmar os valores éticos, sociais, econômicos que vão preencher o conteúdo da cláusula geral da boa-fé e que são apanhados pelo aplicador/intérprete no que pode ser constatado na sociedade. Seu conteúdo é retirado dos costumes do tráfico jurídico, ou no critério do homem médio (diligens pater famílias), ou nas expectativas razoáveis dentro de uma dada sociedade."[15]

Ou ainda:

"Nesta segunda acepção, não existe a introspecção subjetiva para se saber o que pensa e o que quer o agente. Ha, sim, por parte do legislador, a aceitação de um critério ou medida que se imponham, de fora para dentro ou de cima para baixo, como se fosse uma alegação do genérico para o especifico, do geral para o individual. Configura-se a crença num princípio geral de conduta, numa ética ou moral social destinados a estabelecer padrões genéricos de conduta pelos quais devem pautar-se os indivíduos ou grupos de indivíduos."[16]

Por todo o exposto, podemos concluir seguramente que o princípio da boa-fé objetiva é um dos principais fundamentos jurídicos do repúdio as cláusulas abusivas.

1.2.4 Leão Enorme

O instituto da lesão remonta a uma Constituição de Diocleciano, em que, ao responder uma consulta, o imperador considerou que o vendedor de um imóvel por preço inferior a metade do valor real tem o direito do desfazer o negócio ou obter a integralização do prego.

No Direito Canônico também estava presente a lesão, sendo incluído o elemento "dolo" na sua concepção. Subdividiu-se a lesão em lesão enorme (metade do justo valor) e lesão enormíssima (2/3 do justo valor).

Nas Ordenações Filipinas (Livro IV, Título XIII) admitiu-se a lesão em contrato que versasse sobre bens, podendo ser alegada por qualquer das partes.

No Brasil, a Consolidação Teixeira de Freitas não só trazia o instituto, em seu art. 359, quanto o conceituava:

"Art. 359 Todos os contratos em que se dá ou deixa uma cousa por outra podem ser rescindidos por ação da parte lesada, se a lesão for enorme, isto é, se exceder a metade (1/2) do justo valor da cousa."

Com o advento da Revolução Francesa, o liberalismo exaltou o princípio do pacta sunt servanda, tornando imutável a vontade das partes. No Brasil é sentida esta influência no Código Comercial de 1850, que proibia a invocação da lesão para rescindir contratos entre comerciantes.

O nosso atual Código Civil contém regra sobre a lesão (art. 157) podendo-se  enxergar o instituto também na Lei da Usura (Dec. n° 22.626/33) e na Lei da Economia Popular (Lei n° 1.521/50).

Antes do atual código civil, não tínhamos, então, em nosso direito legislado moderno, a presença do instituto da lesão, cabendo ao CDC o resgate do instituto.

Em seu art. 6°, inciso V, primeira parte, diz que são direitos básicos do consumidor a "modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais...".

O CDC considera como prática abusiva "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.[17]” No artigo 51, que trata das cláusulas abusivas, diz que são nulas as cláusulas que "coloquem o consumidor em desvantagem exagerada”[18].

Para caracterizar a lesão o artigo 51, § 1°, traz os critérios:

"Art. 51

§1° Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias.”

Podemos resumir que há vantagem exagerada quando a cláusula ameaça o equilíbrio contratual ou impõe onerosidade excessiva.

Observa-se que o CDC incluiu a cláusula geral da lesão enorme dentro das hipóteses exemplificativas do art. 51. Dentro de um rigor da técnica legislativa, tal cláusula deveria ser objeto de norma autônoma. Não obstante este fato, não resta dúvida tratar-se de uma cláusula geral.

1.3 As Cláusulas Abusivas e os Contratos de Adesão

O próprio CDC conceitua o contrato de adesão, em seu artigo 54:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

O fenômeno do contrato de adesão está ligado à massificação das relações de consumo. As relações contratuais passaram a ser de tal monta e de tal rapidez que tornou-se impossível a redação individual de contratos, com a plena discussão de suas cláusulas.

Restou, assim, limitado o princípio da autonomia da vontade, já que, nos contratos de adesão, a única opção do consumidor é aderir ou não ao conteúdo do contrato.

Casos existem em que a única opção é aderir, como naqueles serviços imprescindíveis (água, luz, gás, etc) ou quando existe um monopólio.

Esse fenômeno, da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores, das cláusulas dos contratos, possibilita uma série de abusos. O empresário sempre resguardará os seus interesses, quebrando o equilíbrio contratual, tornando o consumidor o polo mais vulnerável da relação jurídica.

Os contratos de adesão são um convite à elaboração de cláusulas abusivas. O consumidor, via de regra, tem acesso ao conteúdo dos contratos, e ainda assim adere, não obstante a abusividade das cláusulas.

Uma das causas é o fato da essencialidade do serviço, como já foi colocado. Outra causa é que nem sempre o consumidor tem a oportunidade de estudar com acuidade as cláusulas do contrato. Muitas vezes o consumidor só receberá o contrato quando da sua conclusão, ou então o instrumento do contrato é longo, impresso em letras pequenas e com linguagem rebuscada, dificultando a sua leitura.

Outra hipótese é quando todos os fornecedores oferecem as mesmas condições contratuais. Pode acontecer também que mesmo estudando atentamente o contrato e tendo plena consciência do abuso, o consumidor assine o contrato. Isso acontece quando há um enorme desejo de adquirir o bem ou o serviço, fazendo com que o consumidor não queira ficar privado do bem ou serviço, submetendo-se ao arbítrio do fornecedor.

Existe a desigualdade, mas pesando bem os interesses, o consumidor prefere aderir. Ocorrendo algum problema futuro, buscar-se-á o socorro ao Poder Judiciário.

A discussão que quer se travar aqui é se as cláusulas abusivas são exclusivas dos contratos de massa, ou aplicam-se a todo e qualquer contrato de consumo.

O CDC tratou o contrato de adesão em seção distinta das cláusulas abusivas, não estabelecendo uma relação de exclusividade entre elas.

Podemos, então, acompanhando o pensamento de NELSON NERY JÚNIOR, e como já dito quando tratou-se do abuso de direito, dizer que:

"As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, pois o desequilíbrio contratual, com a supremacia do fornecedor sobre o consumidor, pode ocorrer em qualquer contrato, concluído mediante qualquer técnica contratual. O CDC visa proteger o consumidor contra as cláusulas abusivas tout court e não somente o aderente do contrato de adesão. Dai a razão de as cláusulas abusivas estarem tratadas pelo CDC em seção diversa do regulamento do contrato de adesão, significando terem abrangência para além dessa forma de contratação em massa."[19]

Sendo assim, resta superada a discussão acerca da aplicabilidade das cláusulas abusivas a qualquer tipo contratual.

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Sobre o autor
Leonardo Silva Lima Fernandes

Procurador Federal desde 2003, com atuação na área do Direito Administrativo e Direito Previdenciário. Desde março de 2011 ocupa o cargo de Coordenador-Geral de Matéria Administrativa da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, responsável pela uniformização de teses jurídicas em Direito Administrativo. Anteriormente foi Chefe da Divisão de Patrimônio Imobiliário da Coordenação-Geral de Matéria Administrativa e Coordenador-Geral de Matéria Administrativa substituto da PFE/INSS. Também ocupou o cargo de Chefe da Divisão de Prerrogativas da Carreira da Procuradoria-Geral Federal. Desempenhou, ainda, funções na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social. Graduou-se em Direito em 2001 no UniCEUB – Centro Universitário de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Leonardo Silva Lima. A revisão judicial dos contratos com base nas cláusulas abusivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3995, 9 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29271. Acesso em: 22 dez. 2024.

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