O governo elaborou um Projeto de Lei Complementar que altera e introduz novos dispositivos na Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional. Esse projeto tomou o n° 469/2009 encontrando-se atualmente na Comissão de Finanças e Tributação cujo Relator é o Deputado Claudio Puty (PT-PA).
Como se sabe, esse diploma legal, resultou dos trabalhos da Comissão constituída em agosto de 1953 pelo então ministro da Fazenda Oswaldo Aranha, integrada pelo Prof. Rubens Gomes de Souza e técnicos daquele Ministério. A Comissão presidida pelo próprio Ministro da Fazenda determinou que os trabalhos tomassem por base o anteprojeto elaborado pelo Prof. Rubens Gomes de Souza que viria a ser o seu relator geral.
O trabalho final da Comissão, depois de apreciado pelo Ministro da Fazenda, em Maio de 1954, foi enviado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional no mesmo ano. Entretanto, aquele projeto não foi apreciado pelo Parlamento por razões políticas. Só veio a ser discutido pelo Parlamento Nacional a partir de 1965 após completa adequação ao novo Sistema Tributário Nacional implantado pela Emenda Constitucional n° 18/65. Na ocasião, o Instituto Brasileiro de Direito Financeiro promoveu um amplo seminário, tendo participado dos debates juristas de renome como Tito Resende, Gerson Augusto Silva, Carlos da Rocha Guimarães e Gilberto de Ulhôa Canto, dentre outros.
O projeto legislativo foi aprovado em forma de lei ordinária, convertendo-se na Lei n° 5.172 de 25 de outubro de 1966 em virtude da urgência reclamada tendo em vista a entrada em vigor do Sistema Tributário Nacional implantado pela Constituição de 1967 que alterou aquele previsto na Emenda 18/65. Posteriormente, o art. 7° do Ato Complementar n° 36, de 13-3-1967, determinou que aquela lei passasse a denominar-se “Código Tributário Nacional.”
Essa Lei n° 5.172/66 representa o melhor e o mais perfeito instrumento normativo de que se tem notícia, constituindo-se em um verdadeiro monumento jurídico. Em quase meio século de vigência não teve um só dispositivo considerado inconstitucional. O CTN, se bem aplicado, funciona como um verdadeiro escudo de proteção ao contribuinte ao mesmo tempo que resguarda os superiores interesses da arrecadação tributária, dentro do princípio da imparcialidade e neutralidade da lei que só deve observância a Constituição Federal.
Até hoje, o CTN só sofreu algumas inovações inoportunas, como a introdução dos arts. 185-A e 191-A pela Lei Complementar n° 118/2005, mas que não chegaram a agredir profundamente o corpo e o espírito do Código Tributário Nacional.
Agora, ao invés de complementar as disposições do CTN à luz de normas constitucionais supervenientes, o PLC n° 469/2009, gerado no ventre do governo autoritário pretende desestruturar a Lei n° 5.172/66 com a introdução de dispositivos modificativos e novos à luz da suposta jurisprudência inovadora que se formou em torno de alguns de seus dispositivos que nem sempre se harmoniza com a ordem jurídica global.
Não há mais respeito ao princípio da separação dos Poderes inserto no art. 2° da CF, um princípio federativo garantidor do estado democrático de direito e por conseguinte, dos direitos e garantias fundamentais.
Ao Poder Legislativo cabe preponderantemente a tarefa de elaborar as leis, e ao Poder Judiciário cabe preponderantemente a tarefa de interpretar em definitivo as leis vigentes. Entretanto, essa missão de interpretar em definitivo, que é de sua exclusiva alçada, não significa inovar a legislação sob pena de ofensa ao princípio federativo. Se o Legislativo vai encampando as inovações da ordem jurídica procedida por via jurisprudencial, como o vem fazendo, o princípio da separação dos poderes deixa de existir.
O projeto de lei complementar a seguir examinado incorpora em seus dispositivos posições firmadas pela jurisprudência do STJ que ainda não estão pacificadas na doutrina especializada, nem pela Corte Suprema. Aquelas decisões conflitantes com o direito vigente podem ser modificadas pela própria Corte Especial, quer pelo reexame das matérias decididas, quer pela nova composição do Tribunal ao longo do tempo, quer, finalmente, pelo pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, como já aconteceu em diversas oportunidades.
Feitas essas considerações examinaremos as propostas legislativas em rápidas pinceladas.
O art. 122-A
O art. 1º introduz o art. 122-A ao CTN versando sobre matéria impertinente que extrapola o âmbito das atribuições da lei complementar previstas no art. 146, III da CF.
Dispõe sobre o dever dos representantes de pessoas físicas, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de atuar diligentemente para o cumprimento das obrigações tributárias (caput), bem como zelar pela manutenção do patrimônio do sujeito passivo fazendo todo o necessário para o cumprimento das obrigações tributarias, inclusive, privilegiar o pagamento de tributos em detrimento de outras despesas respeitadas as preferências do art. 186 do CTN (parágrafo único).
Esse esdrúxulo dispositivo tem por fim conferir eficácia aos incisos VIII e IX e parágrafos do art. 134 do CTN que foram acrescidos, misturando e embaralhando matérias diferentes. O astuto legislador palaciano ignora o fato de que o caput do art. 134 cuida de responsabilidade subsidiária dos gestores de sociedades e que só respondem por créditos tributários decorrentes de atos comissivos ou omissivos relacionados com situações configuradoras do fato gerador da obrigação tributária. Assim, eventual falta do dever de diligência de representante de pessoa física ou do gestor de sociedades não tem o condão, de por si só, responsabilizá-lo pelo tributo que não surgiu da prática de ato tipificado na lei tributária. Realmente, as condutas aí mencionadas não configuram fato gerador de tributo algum. Daí a irrelevância jurídica das condutas do inciso VIII consideradas isoladamente. Outrossim, pergunta-se, como poderia um mero representante de pessoa física, por exemplo, agir contra a vontade de seu representado preferindo o pagamento de um tributo em detrimento de outras despesas?
E mais, a hipótese da letra a, do inciso VIII inverte o ônus da prova, ao passo que a da letra c reproduz a disposição inserida no art. 135 do CTN que cuida de matéria diferente, isto é, da responsabilidade pessoal dos gestores por substituição do sujeito passivo natural.
O § 2º, para conferir eficácia ao disposto na letra c, do inciso VIII inserido no bojo do dispositivo que não lhe diz respeito, por ficção jurídica, caracteriza infração legal o fato de a pessoa jurídica não se localizar no domicílio fiscal indicado à administração tributária. O legislador, na esteira da equivocada jurisprudência, pretende sancionar os gestores nos casos de insolvência da sociedade que conduz ao encerramento de suas atividades, sem possibilidade jurídica de dar baixa à firma por ausência de certidão negativa de tributos exigida como condição para o regular encerramento da empresa. A exigência dessa certidão nessas condições representa um instrumento de sanção política, combatida nada menos que por três Súmulas do Supremo Tribunal Federal.
Ora, insolvência é uma situação de fato decorrente de determinada conjuntura econômica que independe da vontade dos sócios ou administradores da sociedade. Não pode ser considerado como uma hipótese de infração legal à luz do princípio da razoabilidade que se coloca como um limite à ação do legislador.
O § 3º representa mais um entulho autoritário de natureza administrativa, editado com inusitado sadismo burocrático acrescendo o elenco de instrumentos de coação indireta para a cobrança de tributos, ao lado da ação de depósito regulada pela Lei nº 8.866/94 e da medida cautelar fiscal disciplinada pela Lei nº 8.397/92 alterada pela Lei nº 9.532/97. Em ambos os procedimentos judiciais o juiz não dispõe de outra alternativa senão a de deferir o pedido da Fazenda.
O § 4º atribui a responsabilidade subsidiária aos gestores de empresas pelo pagamento de tributos, multas e juros moratórios “na medida em que derem causa ao inadimplemento, inclusive quando da paralisação das atividades ou dissolução irregulares.”
O autor desse dispositivo, que revela afronta ao princípio da razoabilidade, inspirou-se na jurisprudência ultrapassada do STJ que ante a decisão em contrário do STF já reformulou seu entendimento, editando a Súmula de nº 430: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade do sócio-gerente.”
No § 5º o confuso legislador palaciano transpõe para o âmbito do CTN o disposto no inciso I, do art. 1º da Lei nº 8.137/90 que define os crimes contra a ordem tributária atribuindo a responsabilidade subsidiária pelo crédito tributário ao autor do delito.
Art. 151
Acrescenta mais três hipóteses de suspensão da exigibilidade do credito tributário.
O § 1° acrescenta o óbvio, prescrevendo a continuidade do cumprimento das obrigações acessórias.
O § 2° introduz norma confusa conflitante com o caput e com o art. 586 do CPC segundo o qual a execução “fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.”
Suspensão da exigibilidade do crédito tributário e sua cobrança forçada são coisas inconciliáveis.
Art. 156
Limita-se a introduzir mais duas causas de extinção do crédito tributário: o cumprimento do termo transação e o laudo arbitral, na forma da lei.
Art. 163
A nova redação conferida ao caput aproxima-se do disposto no art. 352 do CC ao conferir ao sujeito passivo da obrigação tributária o exercício do direito à imputação de pagamento, obedecidas as regras dos incisos I a IV.
O inciso II sofreu alteração para incluir em primeiro lugar as contribuições sociais que a época do advento do CTN não era considerado um tributo.
O parágrafo único impõe, quando for o caso, a imputação do pagamento proporcionalmente ao principal e aos acréscimos legais.
Art. 171
Conferiu-se nova redação para permitir a extinção de crédito tributário mediante transação nos termos de lei geral ou específica, isto é, a permissão para celebrar transação pode se dar por lei genérica abrangendo todos os tributos, ou por lei específica regendo cada espécie tributaria. A lei geral aí referida não ofende o § 6° do art. 150 da CF porque na transação ambas as partes da relação jurídico-tributária abrem mão de direitos não se confundindo com as hipóteses de incentivos fiscais.
O parágrafo único passa a possibilitar delegação de competência da autoridade legalmente autorizada a celebrar transação.
O projeto de Lei n° 5.082/09, apensado ao PL n 2412/2007, em tramitação na Câmara dos Deputados limita-se a permitir transação acerca de multas, juros, encargos, da sucumbência vedando a negociação do montante do crédito tributário.
Art. 171-A
Dispositivo acrescido para possibilitar a instituição legal de arbitragem para solução de conflito ou litígio cujo laudo arbitral terá efeito vinculante.
Art.174
Altera a redação do inciso I com a introdução de novas hipóteses de interrupção da prescrição. Revela falta de conhecimento técnico do legislador ao inserir uma hipótese impossível de ocorrer juridicamente, como é o caso de apresentação de embargos antes da execução. Isso só será possível após a aprovação do projeto legislativo que cuida da nova execução fiscal.
Interessante notar que em matéria de interrupção da prescrição o sujeito ativo vem sendo favorecido pelo legislador ao longo do tempo; originariamente a interrupção da prescrição só se dava com a efetiva citação do executado; pela LC n°118/05 passou a ocorrer a sua interrupção pelo despacho judicial que ordena a citação; agora, pela notificação do devedor do ato de inscrição do débito na dívida ativa, dependente da vontade unilateral do fisco.
O inciso V inclui a hipótese de admissão em procedimento de transação ou arbitragem, ou pelo descumprimento das obrigações constantes do termo de transação ou laudo arbitral.
O confuso legislador embaralha casos de suspensão e de interrupção da prescrição.
Art. 198
Inclui o inciso III para excepcionar do dever dos agentes fiscais de guardar sigilo acerca da situação econômica ou financeira de sujeitos passivos na hipótese de compartilhamento de informações com os órgãos encarregados da cobrança da divida. Esse compartilhamento de dados e informações entre os fiscos federal, estadual, distrital e municipal depende de lei ou convênio (art. 37, XXII de CF) e não podem esses dados e informações ser divulgados, nem repassados a órgãos estranhos à administração tributária.
Na verdade, a hipótese já estava contemplada no art. 199 do CTN, dispensando a reprodução de normas ociosas.
Art. 201
O § 1° corresponde ao atual parágrafo único.
O § 2° estende a aplicação dos dispositivos do CTN ai mencionados em relação à dívida ativa da Fazenda Pública de natureza não tributária cuja cobrança já é regida pela Lei de Execução Fiscais.
Entretanto, deixou de fora a aplicação de preceitos do CTN pertinentes a prescrição, exatamente a hipótese da consumação do prazo prescricional em cinco anos que a jurisprudência do STJ manda aplicar aos casos de cobrança do crédito de natureza não tributária.
Art. 202
Os diferentes incisos acrescentam novos dados a serem incluídos no termo de inscrição de dívida.
O § 1° corresponde ao atual parágrafo único.
O § 2° incorpora jurisprudência em vigor que permite o aditamento a qualquer tempo para incluir os co-responsáveis.
Esse parágrafo 2? tem muito a ver com as disposições do art. 122-A e dos incisos VIII e IX, do art. 134 e seus parágrafos 2º, 4º e 5º acrescidos pelo projeto legislativo sob exame.
A parte final do § 3° conflita com o inciso I, do art. 174 que interrompe a prescrição com a notificação do devedor do ato de inscrição na divida ativa. Se a notificação da inscrição interrompe a prescrição não há razão para suspender previamente a prescrição com o ato de inscrição. A parcialidade do legislador palaciano é de tal ordem que chega a favorecer a Fazenda com os institutos da suspensão e da interrupção da prescrição ao mesmo tempo.
Para conferir eficácia ao caput do art. 202 de capital importância para a defesa do executado deveria o PLC sob exame acrescentar um parágrafo dispondo sobre a nulidade de pleno direito da CDA em que faltasse qualquer um dos requisitos aí enumerados, a fim de contornar a equivocada jurisprudência do STJ que vem se negando a apreciar a presença ou não daqueles requisitos, alegando contrariedade à Súmula nº 7 que, na verdade, limita-se a proibir reapreciação de prova.