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Julgar é calcular?

Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais

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14/09/2014 às 09:55
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10 CONCLUSÃO

Não se quis afirmar a existência de juízes que adotem critérios puramente tecnocientíficos ou puramente humanísticos; isso seria impossível diante da própria constituição da razão humana, em sua dupla estrutura intuitiva-discursiva. Entretanto, é possível verificar a existência de julgadores que dão peso maior a um ou outro critério, e é sob essa luz que foi examinado o meio ambiente judiciário.

Não se postulou, por outro lado, a imprestabilidade da razão tecnocientífica no processo de tomada da decisão judicial. Apenas se entende que, dada a teleologia da justiça (voltada para o homem), e a natureza do objeto (as relações humanas), a intuição intelectual, a razão global e hermenêutica e seu desdobramento natural num critério humanístico de julgamento são meios imprescindíveis para que se alcance uma decisão justa.

Em suma: na apreciação da causa o juiz deve utilizar não só sua capacidade lógica, mas também sua intuição intelectual global, orientado pela busca de uma justiça assentada em alteridade, humanização e visão do mundo. Afinal, o ato de julgar não pode ser reduzido a um mero calcular.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.

FRANK, Jerome. Law and the Modern Mind. New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2009.

HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradução de Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009.

LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Montaigne/UNESCO, 1977.

MORWOOD, James (editor). Oxford Latin Desk Dictionary. New York: Oxford University Press, 2005.

MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013.

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. O paradoxo do juiz e a necessidade de humanização da justiça. Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 7.

RICOEUR, Paul. A L’École de la Phénoménologie. Paris: Librairie Philosophique J.Vrin, 1987.

SARTRE, Jean Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1943.

TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991.

VAZ, Henrique C. de Lima Vaz. Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1999.


Notas

[2] Por alguns também denominada “vida solitária da alma”.

[3] Importante esclarecer que não se trata de uma proposta ética de Taylor, mas de uma realidade comportamental por ele identificada como vigente no ocidente.

[4] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p.14, tradução nossa.

[5] Id. p. 14.

[6] Id. p. 17.

[7] Evidentemente dentro dos limites constitucionais.

[8] Importante ressaltar que os parâmetros constitucionais e legais, cujo seguimento não se questiona, pertencem ao âmbito externo; aqui se trata da construção autônoma de um critério de julgamento no âmbito da interioridade – ou, em termos filosóficos, da “vida solitária da alma” – do indivíduo-juiz.

[9] V.g.,  o recurso, julgamentos colegiados, publicação, revisão em artigos científicos.

[10] LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Mon.,  o recurso, julgamentos colegiados, publicação, revisão em artigos científicos.

[10] Id. p.15.

[11]LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Montaigne/UNESCO, 1977, p.185, tradução nossa.

[12] Id. p. 15.

[13] Estabelecida a premissa de que existe um conflito discursivo, a adoção do termo “defesa” discursiva torna-se apropriada.

[14] VAZ, Henrique C. de Lima Vaz. Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1999, p. 42-43.

[15] Id. p. 13.

[16] Id. p. 39-40.

[17] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p.5, tradução nossa.

[18] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

[19] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge:Harvard University Press, 1991. p.5, tradução nossa.

[20] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.

[21] MORWOOD, James (editor). Oxford Latin Desk Dictionary. New York: Oxford University Press, 2005, tradução nossa.

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[22] Antes de iniciar a reflexão acerca da estrutura da razão humana - esse instrumento que nos dá a capacidade de proferir os julgamentos -, é preciso fazer um esclarecimento conceitual preliminar. Os versados no vocabulário jurídico já trazem dos bancos das faculdades o respeito pelos termos técnicos estabelecidos e pela importância de sua plena compreensão. Dificilmente se encontrará um jurista que não tenha estremecido ao presenciar filósofos questionarem o crime de "assassinato" ou jornalistas discutindo a última decisão de um tal "Supremo Tribunal de Justiça" brasileiro.Entretanto, não será difícil encontrar dentre os mesmos aqueles que, diante de termos técnicos de outras disciplinas, incorrem no mesmo e compreensível engano de tomar um termo técnico em sua acepção vulgar. É o caso de um termo filosófico relevantíssimo para nosso exame: intuição, ou "compreensão intuitiva". Apesar de vulgarmente entendido com uma acepção fantástica ou mística, o termo "intuição" ou "compreensão intuitiva" carrega uma carga semântica filosófica histórica, já tendo sido chamada de compreensão de sentido global, pré-compreensão, ou intuição intelectual. É dessa compreensão intuitiva e seu lugar na própria estrutura da razão humana que é preciso falar agora, com base na lição de MACDOWELL.

[23] MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013, p. 42, nota 111.

[24] Id. p. 44.

[25] MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013, p. 41.

[26] Id. p. 117.

[27] RICOEUR, Paul. A L’École de la Phénoménologie. Paris: Librairie Philosophique J.Vrin, 1987. p. 190, tradução nossa.

[28] Id. p.191.

[29] SARTRE, Jean Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1943. p. 220.

[30] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 39, tradução nossa.

[31] FRANK, Jerome. Law and the Modern Mind. New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2009. p.7, tradução nossa.

[32] Id. p. 21.

[33] Id. p. 19.

[34] Numa reflexão antropológica interessante, HUSSERL menciona “nossa necessidade de conhecimento concludente e unificador que todo conceitue e compreenda...”, in HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 66.

[35] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

[36] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. O paradoxo do juiz e a necessidade de humanização da justiça. Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 7.

[37] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 68.

[38] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009. p. 68.

[39] Id. p. 69.


Abstract: Answers are looked for to the universal question “how do judge well?” departing from thoughts over the so called judge’s “solitary life of the mind” rather than over extrinsic decision-making criteria. Departing from a diagnosis over the judiciary environment, in which it does not exist an ethics of authenticity as identified by Taylor in contemporary western societies – where each person would be free to adopt his own judgment criteria -, but a false neutrality masking a conflict between technoscientific and humanistic speeches, we state that a progressive atrophy of the humanistic vision of the legal process has been taking place, resulting in a loss of quality in the decision-making process. Based on justice’s teleology, on the need of method-object adequacy and on the intuitive-discursive double structure of human reason, we arrive to the need for the adoption by the judge of the following attitudes: use of his reason in its full capacities; assumption of his own humanity; search for wisdom in the husserlian sense.

Keywords: Judgment. Intrinsic criteria. Ethics of Authenticity. Technoscientific speech. Humanistic speech. Intellectual Intuition. Discursive Reason. Teleologic Reason. Instrumental Reason. Method. Humanity. Wisdom.

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Sobre o autor
Bruno Augusto Santos Oliveira

Juiz Federal. Juiz Auxiliar da Coordenação dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (entre fevereiro de 2003 a outubro de 2004). Responsável pela concepção, implantação e gestão (até setembro de 2004) do Juizado Virtual do TRF da 1ª Região. Mestre em Direito Constitucional Comparado pela Cumberland School of Law (EUA). Mestre em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. Julgar é calcular?: Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4092, 14 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29450. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Artigo publicado na Revista de Direito Federal da AJUFE.

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