A ilicitude como forma de defesa de interesses legítimos

02/07/2014 às 16:02
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Este artigo tem como objetivo apresentar de forma sucinta, em primeiro momento, o tema ilicitude. Em segundo plano, no decorrer do trabalho, será abordado sobre as causas de excludentes de ilicitude.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo apresentar de forma sucinta, em primeiro momento, o tema ilicitude. Em segundo plano, no decorrer do trabalho, será abordado sobre as causas de excludentes de ilicitude, tais como: Estado de Necessidade, Legítima Defesa, Estrito Cumprimento de Dever Legal e Exercício Regular de Direito. Expor de uma maneira original, de fácil compreensão, com citações de conceituados Doutrinadores, além de levar ao leitor, um conhecimento essencial ao cidadão brasileiro.

Ao tratar do tema ilicitude, é preciso compreender que, por ser um assunto de suma importância para o Direito Penal, apresentará exemplos fictícios para fácil entendimento.

ILICITUDE

Ilicitude é tudo aquilo que se opõe à lei, aquilo que é considerado ilegal ou ilegítimo. Quando se é falado em ilicitude, devemos sempre relacionar com a antijuridicidade, ou seja, ambos se identificam com a conduta do agente com o ordenamento jurídico. Vale ressaltar que, apesar de sinônimos, a antijuridicidade não se esbarra apenas no direito penal, podendo ser aplicada tanto em natureza civil, comercial entre outras.

O limite para a ilicitude no ordenamento penal jurídico não ficará apenas em um fato considerado típico, como exemplo, o furto. Mas, a ilicitude poderá ir além do que consideramos uma ilicitude típica, ou entendendo melhor, burlando a lei. Ela também poderá ser considerada uma ilicitude atípica. Um breve exemplo de ilicitude atípica ocorre na legítima defesa, onde ocorre quando agente não tem escolha, ele tem de se submeter a um ato ilícito para sua defesa pessoal, mesmo que após o resultado, ele fique ciente que, pela sua reação, deverá ser comprovada judicialmente pelo ato cometido.

“A ilicitude, na área penal, não se limitará à ilicitude típica, ou seja, à ilicitude do delito, este sempre e necessariamente típica.” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do Direito Penal, p.164.) [1]

ILICITUDE FORMAL E MATERIAL

O desmembramento da ilicitude se dá pelo fato de doutrinadores não estarem satisfeitos por um conceito meramente formal, de um assunto que vai além de um simples ato contra a lei penal brasileira. Partindo de uma premissa formalmente já descrita, Ilicitude Formal é todo comportamento humano, com conduta ilícita, que viola a lei penal, não causando dano expressamente efetivo à coletividade social.

Por outro lado, a ilicitude material é quando uma conduta humana causa lesão á uma coletividade social, prejudicando assim o interesse social protegido pela lei.

Vale ressaltar que, apesar de existir este conflito de opiniões entre doutrinadores, há também aqueles que defendam a tese de que a ilicitude formal, bem como a ilicitude material não tem distinção.

“A distinção não tem sentido. Nesta ordem de idéias, se as normas penais, proibitivas ou imperativas, são constituídas com a finalidade de proteger bens jurídicos, torna-se evidente que toda oposição á norma penal implica lesão ou perigo de lesão a um bem tutelado. Confundem-se, portanto, ilicitude formal e material, não havendo razão para a distinção. Ilicitude constitui, pois, relação de antagonismo entre a conduta e a norma penal incriminadora, do que decorre dano ou periclitação do bem jurídico tutelado.” (BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes omissivos impróprios, p. 107.)[2]

Este conceito deixa bem explicado que, não é necessário fazer-se essa distinção, pois se o bem está tutelado pela norma jurídica, qualquer que seja a conduta que contrarie a mesma norma, causará perigo ao mesmo bem, levando-se em consideração, pois, que a ilicitude é uma só, unitária.

ILICITUDE OBJETIVA E ILICITUDE SUBJETIVA

A principal finalidade destas duas teorias que dividem a antijuridicidade em objetiva e subjetiva é juntar o objetivo do delito com a culpa.

Neste contexto, pode-se avaliar que, na Ilicitude subjetiva, o agente tem total conhecimento do ato ilícito que está cometendo, sua conduta já está planejada.

Lembrando sempre que a Ilicitude Subjetiva, o inimputável não comete fato ilícito.

“Na antijuridicidade subjetiva (ilicitude subjetiva) o fato só é ilícito se o agente tiver capacidade de avaliar seu caráter criminoso, não bastando que objetivamente a conduta esteja descoberta por causa de justificação. Já a antijuridicidade objetiva (ilicitude objetiva) como sendo independente da capacidade de avaliação do agente, bastando que, no plano concreto, o fato típico não esteja amparado por causa de exclusão.” (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. Editora Saraiva: São Paulo: p. 273, 2007.)[3]

Por outro lado, na antijuridicidade objetiva, ou Ilicitude objetiva, o agente não tem conhecimento que seu caráter é considerado ilícito, mesmo que a conduta seja descrita como crime. Ou seja, o fato é típico, mas basta à presença de uma causa de excludente de ilicitude (legitima defesa) para o fato ser atípico.

CAUSAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE

Art. 23 CP. Não há crime quando o agente pratica o fato:

l- Estado de Necessidade;

ll- Legítima defesa;

lll- em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular do direito.

Esta é uma situação em que o ordenamento jurídico afirma que uma conduta típica, além de ser antijurídica, não é absoluta. A maior prova disso é que, apesar de serem típicas, fazem com que o agente, ao praticar o fato ilícito, no mesmo momento da ação, transforma-se em um fato lícito, graças as causas de exclusão de ilicitude: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou o exercício regular do direito.

Além das causas de exclusão de ilicitude já citadas, que são as chamadas causas legais, ainda poderão existir, mesmo não expressas em lei, as causas supralegais, que também afastam os efeitos das condutas do agente. Poderão ser chamadas as causas supralegais de ilicitude:

  • O aborto sentimental:

Art.128. Não se pune o aborto praticado

por médico:  II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante.

  •  O aborto necessário:

Art.128. Não se pune o aborto praticado por médico: I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante.

  •  Violação de domicílio:

Art.150...§3º Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências:

I- durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;

II- a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

“Cada uma das causas de justificação tem seus próprios fundamentos específicos, mas todas têm um mesmo princípio fundamentador, que é o predomínio do direito preeminente. As causas de justificação implicam sempre em um processo de ponderação para determinar conforme o ordenamento jurídico e em referência ao caso concreto qual é em uma situação determinada o direito prevalente.” (BUSTOS RAMÍREZ, Juan J. Hormazábal Malarée, Herman. Nuevo sistema de derecho penal, p.93). [4]

ESTADO DE NECESSIDADE

Art. 24 CP- Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

§ 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços.

É o sacrifício que ocorre quando alguém, para salvar um bem próprio ou jurídico, ou de terceiro, pratica o estado de necessidade. Em outras palavras, desde que o agente não ofenda o direito alheio.

Para que ocorra o estado de necessidade é louvável que o bem jurídico do praticante esteja sob perigo ou ameaça, onde pelo qual, ele pratique tal fato típico para evitar um mal que poderá ocorrer se ele não fizer. Por exemplo: Duas pessoas estão em alto mar, após o navio naufragar, eis que encontram um bote que cabe apenas uma pessoa. Aquele que subir no bote se salvará, mas o bote só agüenta uma pessoa. Então, nesta situação, uma pessoa terá de matar a outra para sobreviver.

Para que ocorra o estado de necessidade, o perigo deverá ser atual, uma ameaça concreta de um bem jurídico que ocorre no presente. Abrange a qualquer bem jurídico protegido. Há dois tipos de estado de necessidade:

- Estado de necessidade próprio: João furtou um pacote de feijão da feira (furto fomélico).

- Estado de necessidade de 3º: Para evitar uma grande tragédia com seu automóvel, Pedro arremessa seu carro contra o muro de uma empresa, agindo em estado de necessidade, não respondendo pelo crime de dano patrimonial.

É de suma importância ressaltar que, o estado de necessidade não poderá ser causado voluntariamente pelo agente. Neste caso, o agente que começou a situação de perigo, agiu de forma dolosa, não podendo alegar o estado de necessidade. Poderá ocorrer também na situação, por exemplo, de um bombeiro, onde ele não poderá se eximir de enfrentar um incêndio, ou seja, a inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

“Em princípio, não nos parece ‘razoável’, para usar-se ao pé da letra a terminologia do art. 24 do Código Penal – permitir-se o sacrifício de um bem de maior valor para salvar-se o de menor valor. Assim, inaplicável a essa hipótese é a exclusão do crime do art. 23, l, tal como define o art. 24. Todavia, caracterizando-se, nessa mesma hipótese, o injusto, a ação típica e antijurídica, há que se passar ao exame de culpabilidade do agente, sem a qual nenhuma pena lhe poderá ser infligida. E, nesta fase, a nível do juízo de culpabilidade, não há dúvida de que o estado necessário, dentro do qual o bem mais valioso foi sacrificado, poderá traduzir uma situação de inexigibilidade de outra conduta, que se reputa, conforme sustentamos no título anterior, uma causa de exclusão de culpabilidade.” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p.181.)[5]

 

            LEGÍTIMA DEFESA

                    Define-se como sendo legítima defesa, o fato típico onde o agente usa de forma moderada, de meios necessários para impedir de outrem, injusta agressão, ou seja, uma conduta humana (no presente ou prestes a acontecer), com o objetivo de defender-se a sim ou a um terceiro.

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            Considera-se legítima defesa a atuação do agente para com sua defesa própria, na falta de atuação ou ausência do estado. Deve ser considerada a legítima defesa, primeiramente, a existência de uma agressão injusta, de uma pessoa humana, onde não poderá ser compreendida como uma simples provocação. A agressão deverá ser ilícita, ao qual pelo propósito, deverá estar ocorrendo ou prestes a acontecer, daí chamado de agressão atual ou iminente.

            Vale ressaltar que, a legítima defesa poderá acontecer à proteção de direito de terceiros, ou seja, voltada contra uma terceira pessoa, ou até mesmo para prevenir que o terceiro cometa suicídio, o agredindo por exemplo.

“A defesa a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico. O requisito da moderação da defesa não exclui a possibilidade de defesa de qualquer bem jurídico, apenas exigindo uma certa proporcionalidade entre a ação defensiva e a agressiva, quando tal seja possível, isto é, que o defensor deve utilizar o meio menos lesivo que tiver ao seu alcance.” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 582.)[6]

            A forma que deve ser praticada a legítima defesa é de moderação, não podendo, por exemplo, o agente proteger-se a si, disparando cinco tiros de uma arma de fogo contra um possível desafeto. Eis que é considerado o excesso, descaracterizando a legítima defesa, e neste caso, o agente responderá dolosamente pelo resultado que produzir. Poderá acontecer ao mesmo fato, o excesso de legítima defesa culposamente, ou seja, o excesso inconsciente ou não intencional.

            A legítima defesa poderá ser confundida com o estado de necessidade, em uma hipótese em que o agente que quebra um objeto de um terceiro (estado de necessidade) para defender-se de uma agressão (legítima defesa).

Os efeitos civis da legítima defesa não serão considerados ilícitos, pelo fato de que, aquele que age em legítima defesa, ficará impune de todos os seus atos.

Art. 188 CC – Não constituem atos ilícitos:

l – Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido [...].

ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL

Nada mais é do que o cumprimento do dever imposto pela norma legal escrita, como obediência, que impõe um individuo a praticar uma conduta típica, não confrontando, nesta situação, com o ordenamento jurídico. Conforme relata de forma compreensível Juarez Cirino dos Santos, “o estrito cumprimento de dever legal compreende os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens de superiores da administração pública, que podem determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação, privação de liberdade, violação de domicílio, lesão corporal, etc.”.[7]

Não poderá alegar a excludente do estrito de dever legal, por exemplo, o fato de uma fuga em massa de presos de um presídio, e um policial atirar pelas costas para a captura dos mesmos, com a finalidade de matá-los. Sabe-se que, a finalidade do policial é evitar a fuga e não matá-los. Não se admite pena de morte no Brasil, e consequentemente, os presos não foram sentenciados a morte. Neste caso, o policial não cumpriu o dever imposto pela norma jurídica, mesmo tentando evitar a fuga.

Assim, conforme os demais excludentes de ilicitude é preciso que o agente haja de forma sã e consciente do que estas a fazer, praticando uma conduta típica sabendo o que estas a fazer.

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO

Define-se como sendo o exercício regular de direito a forma de como é tratada o exercício do direito, não podendo ultrapassar o limite que a ordem jurídica impõe. Em outras palavras, um pai poderá educar seu filho da maneira que bem entender, mas não tem o direito de mal-tratar seu filho, caracterizando desta forma, um crime.

Quando o agente está em um jogo, e neste jogo existem regras estipuladas, mesmo que o ordenamento jurídico proíba tal atitude na sociedade, prevalece às regras do jogo, sem abusos e com consentimento dos participantes. É o que acontece no futebol e lutas (UFC, MMA), por exemplo.

CONCLUSÃO

Conclui-se este artigo com o objetivo alcançado, a fim de demonstrar a todos os leitores que a ilicitude é usada de forma abrangente no Direito Penal, mostrando todas as exclusões de ilicitude e suas respectivas formas de uso.

De maneira simples e objetiva foi exposto todos os assuntos que compreendem a ilicitude, e como foco principal, a ilicitude como forma de defesa de interesses legítimos. Exercer a cidadania e compreender a lei brasileira é o caminho para a adequação social e principalmente a inclusão do ser humano que se sinta excluído da sociedade. Como dizia William Blake: “Os caminhos dos excessos, levam ao palácio da sabedoria,” e é justamente neste sentido, que este trabalho tem o propósito de levar, conhecimento onde tem esforço, e esperança onde tem fé.

REFERÊNCIAS


[1] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direito penal, p. 164.

[2] BIERRENBACH, Sheila de Albuquerque. Crimes omissivos impróprios, p. 107.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Parte geral. Editora Saraiva: São Paulo: p. 273, 2007.

[4] BUSTOS RAMÍREZ, Juan J.; Hormazábal Malarée, Herman. Nuevo sistema de derecho penal, p.93.

[5] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, p.181.

[6] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, p. 582.

[7] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, p. 187.

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Sobre o autor
Patrick Spolti

Acadêmico de Direito da Universidade Regional Integrada de Frederico Westphalen / RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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