Resumo: Antes de adentrar na temática do texto, necessário se faz esclarecer que o presente escrito foi elaborado para facilitar o primeiro contato do aluno de direito com a temática da sociologia jurídica, tendo sido elaborado durante as atividades de docência exercida junto à Faculdade Estácio Atual. Portanto, a linguagem utilizada, bem como a sua metodologia de apresentação, prioriza a objetividade e a didática. Em linhas gerais, o presente artigo resume os principais aspectos da Sociologia Jurídica em Max Weber, bem como sua técnica metodológica que propôs uma distinção de aplicação às ciências naturais e às ciências sociais. O texto ainda se propõe a demonstrar, de maneira clara e objetiva, qual o objeto da Sociologia, seu método de estudo e a diferenciação entre Sociologia do Direito e Dogmática Jurídica, apresentando o campo de atuação de ambas, sem, contudo, observá-las como excludentes entre si.
Palavras-chave: Sociologia. Metodologia. Max Weber.
Sumário: Introdução. 1. Max Weber: conceitos elementares. 1.1. Leis gerais. 1.2. Metodologias em Weber. 2. Objeto de estudo da sociologia. 3. Sociologia do direito x Dogmática jurídica. 4. Conclusão
INTRODUÇÃO:
A presente explanação presta-se a facilitar o entendimento acerca da contribuição de Max Weber para a sociologia, especificamente, Sociologia do Direito, de modo a traçar, num primeiro momento, os conceitos elementares da concepção defendida pelo sociólogo na busca por diferenciar os métodos utilizados nas ciências naturais e ciências sociais.
No desenvolver dos estudos Weber deparou-se com temas como a racionalidade e ao analisar seus aspectos propôs que esta fosse observa sob prisma distinto do que já vinha sendo estudada. Para este (segundo definição de Kalberg) a racionalidade mostrar-se-ia sob 4 perspectivas, quais sejam, aspecto prático, teórico, substantivo ou formal. Outrossim, como consequência dos seus aprofundamentos acerca da temática, o sociólogo passou a defender o entendimento segundo o qual a sociologia deveria rechaçar o conceito de leis gerais, pois como afirmava, ao reconhecer a existência de tais leis, estar-se-ia procedendo a um afastamento cada vez maior da realidade empírica e concreta.
(...) neste caso, a elaboração lógica da realidade levaria, necessariamente, a uma eliminação progressiva das casualidades individuais, e, ao mesmo tempo, a uma progressiva subordinação das "leis" supostamente já descobertas, e a outras leis de caráter mais geral, sendo que as primeiras seriam apenas casos particulares das segundas. (WEBER,1973, p. 10).
Assim, deste método de apreciação resultaria a premissa segundo o qual, quanto mais abstrata a análise, mais distante se põe a equivalência entre resultado e realidade. Aproximar-se-ia, portanto, à concepção de uma realidade social considerada tão somente em si mesma, desprezando sua constante mutação e com isso, sua complexidade.
Neste contexto, diante das novas perspectivas indicadas, Max Weber desenvolveu uma metodologia que reformulou alguns métodos já existentes. Para tanto, Weber assentou três conceitos metodológicos basilares, quais sejam, o da causalidade adequada (probabilidade objetiva em que o resultado se concretiza devido a um conjunto de fatores anteriores que o tornou objetivamente possível), o sentido das ações para o agente (além de entender a causa é preciso que se compreenda o significado do fenômeno) e o tipo ideal (construção teórica abstrata a partir de casos particularmente analisados). Sendo certo que toda ciência tem um objeto, Weber definiu como objeto investigativo da Sociologia o estudo da ação social, sendo esta considerada a conduta humana dotada de sentidos, passando a entender o indivíduo como o agente social que dá sentido à ação. Ressalte-se que o termo sentido, neste contexto, significa a expressão da motivação individual formulada pelo agente. Portanto, os indivíduos por meio de valores sociais e sua motivação, produzem o sentido da ação social.
Em um último momento, o presente texto abordará a separação feita por Weber entre Sociologia do Direito e Dogmática Jurídica, em que para ele, a Dogmática se utiliza do método lógico-normativo, ao passo que a sociologia se utiliza do método empírico-causal, sendo a distinção estritamente metodológica. Além disso, a dogmática trabalha com a lógica do dever ser, prescrevendo melhores formas de regular as condutas. A sociologia do direito, por seu turno, investiga o comportamento, o plano da realidade dos agentes frente ao conjunto de leis.
Considerando a relevância do tema, principalmente aos acadêmicos de direito ou mesmo de outras áreas correlatas, é que se desenvolveu simplificadamente e em breve explanação, a contribuição de Max Waber à Sociologia do Direito.
1. Max Weber: conceitos elementares
Vimos que a sociologia começou na escola positiva francesa, que procurou utilizar nas ciências sociais os métodos das ciências naturais, encarando-a como mais uma espécie do gênero ciências natural. Analisando a inadequação dessa metodologia, Dilthey realizou uma distinção que fez inúmeros adeptos: entre explicação e compreensão. Afirmou o teórico que a explicação seria própria das ciências naturais, que procurariam o relacionamento causal entre os fenômenos naturais, enquanto a compreensão seria típica das ciências sociais, que procuram extrair sentido dos fatos sociais. Dilthey, contudo, não era propriamente um sociólogo, mas um historiador, cabendo a Max Weber o papel de empregar e ideia de compreensão à sociologia.
Max Weber é tido como o sociólogo mais influente do século XX, sendo a sociologia do direito um de seus temas principais e recorrentes. Antes de adentrar no tema específico da sociologia do direito, torna-se indispensável uma passagem geral sobre os principais aspectos da teoria sociológica weberiana.
Diferentemente da concepção transcendental da racionalidade, que vigorava durante o início do liberalismo moderno, Weber representa a racionalidade de uma forma prática, como a adequação de meios aos fins. Podendo ser divididas em quatro tipos, segundo Kalberg, uma vez que o termo racionalidade não possui sempre a mesma acepção na vasta obra de Weber (SORIANO, 1997, p. 100). São elas:
a. Racionalidade teórica – que tem por objeto o conhecimento da realidade social;
b. Racionalidade prática – que interpreta a realidade social em função dos interesses dos atores;
c. Racionalidade substantiva - que interpreta a realidade social em função dos valores;
d. Racionalidade formal - que interpreta a realidade social em função das regras prévias de aplicação generalizada;
1.1. Leis gerais
Importante contribuição de Weber para a sociologia moderna foi sua defesa da ideia de que deveria a sociologia se afastar da noção de leis gerais, próprias das ciências naturais, isto porque não se poderia conhecer a realidade social em si mesma, uma vez que é complexa, estando em permanente construção. Além disso, toda tese representa um ponto de vista de um investigador, sendo mais abstrata quanto mais geral e menos conectada com a realidade (SORIANO, 1997, p. 100). Dito de outra forma, as leis sociais, para Weber, estabelecem relações causais em termos de regras de probabilidade.
A verdade é que não poderíamos prever as consequências de determinado acontecimento na sociedade. Ou seja, Weber reconhece que os fatos históricos decorrem de uma concorrência de fatores, sendo impossível detectar o grau de influência ou causalidade de cada um deles, isto porque o valor causal destes fatores e a variação das relações entre eles dependem das circunstâncias, sendo possível uma diversidade de efeitos sociais diante dos mesmos fatores (SORIANO, 1997, p. 101).
1.2. Metodologia em Weber
A metodologia de Weber surge como uma revisão das metodologias tradicionais, sobretudo no que se refere ao dualismo entre uma metodologia para as ciências da natureza e outra para as ciências sociais. O sociólogo entende que é possível estudar a realidade social através dos dois métodos, dependendo dos temas e fenômenos que se investiguem (SORIANO, 1997, p. 101).
A metodologia em Weber se apoia em três conceitos chaves:
a. Causalidade adequada – que significa um juízo de probabilidade objetiva, que ocorre quando o fato por si mesmo tem capacidade de produzir o efeito histórico. Em contrapartida, as causas não são adequadas quando o fenômeno social poderia acontecer mesmo sem a sua ocorrência. Como exemplo que uma causa não adequada poderíamos citar o assassinato de um alto governante em uma situação de prolongada excitação social antes de uma rebelião; tal assassinato concreto não seria uma causa adequada, porque a rebelião aconteceria de qualquer forma, por qualquer outra causa;
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b. Compreensão do significado das ações para os agentes – neste ponto, Weber afirma que se se conhece a causa, mas não o seu significado para o (s) agente (s), o fenômeno segue sendo incompreensivo. Da mesma forma, se é conhecido o significado subjetivo da ação, mas não sua causa, o fenômeno segue sendo uma mera hipótese. Sendo assim, é necessário o concurso da explicação causal e da compreensão significativa para conhecer sociologicamente as ações sociais;
O método compreensivo, defendido por Weber, propõe que se entenda o sentido que as ações de um indivíduo contêm, e não apenas os aspectos exteriores a estas ações. Como exemplo, podemos citar o pagamento de uma dívida por meio de um cheque. Se visualizarmos apenas a entrega de um pedaço de papel por um sujeito a outro, nada significará essa ação para um sociólogo. Tal ação só tem valor na medida em que se leva em consideração o sentido dado por cada um dos sujeitos àquele pedaço de papel, como meio idôneo de saldar uma dívida, visto que tem valor de troca ou pagamento, sendo esse sentido reconhecido também por um grupo maior de pessoas.
c. Os tipos ideais – o tipo ideal é uma consequência das generalizações, ou seja, é uma construção mental que se obtém mediante a acentuação de determinados aspectos de uma serie de fenômenos. Tais tipos, portanto, são conceituais e não empíricos, eficazes como meios para conhecer os fenômenos. Os tipos ideais apresentam algumas características, dentre as quais: é ideal (representa uma ideia a que se parecem alguns fenômenos sociais); é instrumental (consiste em um meio de trabalho, que serve para investigar situações e ações sociais comparando-as com ele); é intercambiável (um mesmo fenômeno admite sua redução a vários tipos ideais, pois o investigador constrói novos tipos a medida em que não lhe servem os anteriores ou quando muda a realidade social).
O Estado seria um exemplo de um tipo ideal, podendo ser compreendido em um tipo ideal mais geral que são os Grupos Políticos. O Estado se diferenciaria dos outros grupos políticos por deter o monopólio da força para exigir coativamente o cumprimento de suas normas. Outros tipos ideais clássicos da literatura de Weber são: burocracia, capitalismo e poder (SORIANO, 1997, p. 103).
No que se refere à relação entre os métodos científicos e os juízos de valor, também inova o autor alemão, afirmando que é impossível que o investigador esteja livre dos juízos de valor, mas é seu dever se empenhar para que tais juízos se situem em um momento prévio a sua investigação, ou seja, eles devem estar presentes quando da escolha do tema, mas não no desenvolvimento da pesquisa. Também reconhece que o cientista pode emitir juízos de valor sobre seu trabalho científico ou sobre sua explicação de outro trabalho, quando adota o papel de professor, mas, neste caso, deve deixar claro quando relata fatos e quando os julga, evitando produzir confusões em sua plateia. Além disso, o cientista ao emitir seus juízos de valor deve fazê-lo acompanhado de outras perspectivas em relação a questão levantada (SORIANO, 1997, p. 104).
2. OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA
Para Weber, o objeto da sociologia seria a ação social, que deve ser estudada enquanto tenha um significado para o sujeito agente. Nisto, distingue-se de Durkheim, que procurava entender os sistemas sociais como dados objetivos e externos. Weber ao propor que se busque o significado subjetivo das ações sociais, trouxe grande avanço para as ciências sociais. (SORIANO, 1997, p. 105). Nas palavras do próprio sociólogo:
Deve entender-se por sociologia (no sentido aqui aceito desta palavra, empregada com tão diversos significados): uma ciência que pretende entender, interpretando-a, a ação social, para, desta maneira, explicá-la causalmente em seu desenvolvimento e efeitos. Por “ação” deve entender-se uma conduta humana (ora consista num fazer externo ou interno, ora num omitir ou permitir), sempre que o sujeito ou sujeitos da ação atribuam-lhe um sentido subjetivo. A “ação social”, portanto, é uma ação na qual o sentido mentado pelo sujeito ou sujeitos está referido à conduta de outros, orientando-se por esta em seu desenvolvimento (WEBER, 1944, p. 4)
3. SOCIOLOGIA DO DIREITO X DOGMÁTICA JURÍDICA
No que se refere à Sociologia do Direito, Weber traz importante contribuição separando-a da dogmática jurídica. Para ele, a dogmática analisaria o sentido normativo logicamente correto de uma formação verbal que se apresenta como norma jurídica, ao passo que a sociologia do direito pergunta o que de fato ocorre em uma comunidade em razão dos homens considerarem subjetivamente como válida uma determinada norma e orientem por ela sua pratica, suas ações. Ou seja, a primeira estuda as normas internamente e a segunda se preocupa com a eficácia social das ditas normas e como os indivíduos orientam suas condutas por elas (SORIANO, 1997, p. 111).
Nas palavras do próprio Weber:
Quando se fala de “direito”, “ordem jurídica” e “norma jurídica”, deve-se observar muito rigorosamente a diferença entre os pontos de vista jurídico e sociológico. Quanto ao primeiro, cabe perguntar o que idealmente se entende por direito. Isto é, que significado, ou seja, que sentido normativo, deveria corresponder, de modo logicamente correto, a um complexo verbal que se apresenta como norma jurídica. Quanto ao último, ao contrário, cabe perguntar o que de fato ocorre, dado que existe a probabilidade de as pessoas participantes nas ações da comunidade – especialmente aquelas em cujas mãos está uma porção socialmente relevante de influência efetiva sobre essas ações –, considerarem subjetivamente determinadas ordens como válidas e assim as tratarem, orientando, portanto, por elas suas condutas (WEBER, 1944, p. 209).
A sociologia do direito e a dogmática jurídica se diferenciam tanto pelo método quanto pelo fim. O método da sociologia do direito seria o empírico causal, enquanto o da dogmática seria o lógico-formal. O fim na sociologia do direito seria o comportamento dos sujeitos diante da ordem jurídica, o da dogmática jurídica, por sua vez, seria a coerência das proposições jurídicas (SORIANO, 1997, p. 111).
O método lógico-normativo possui a finalidade de verificar no interior de um “cosmos de regras abstratas” suas regras de validade, realizando uma verificação de compatibilidade lógica das normas em um ordenamento. Esta operação, portanto, situa-se no plano ideal, ou seja, no pensamento racional, no plano das ideias. Já o método empírico-causal investiga o comportamento dos indivíduos frente a um sistema de regras, avaliando a potencialidade de suas condutas se subsumirem àquelas disposições, ou ainda, orientarem-se segundo o conteúdo da norma, ainda que não cumprido o que disposto nela (SILVEIRA).
Weber esclarece que:
[...] a ordem jurídica ideal da teoria do direito [leia-se aqui dogmática jurídica] não tem diretamente nada a ver com o cosmos das ações [...] efetivas [objeto da sociologia jurídica], uma vez que ambos se encontram em planos diferentes: a primeira, no plano ideal de vigência pretendida; o segundo, no dos acontecimentos reais (WEBER, 1944, p. 209).
Importa ressaltar que Weber não estabelece qualquer predomínio de uma ciência sobre a outra, nem nega o caráter científico da dogmática jurídica, como fazem muitos outros sociólogos.
Weber distingue três tipos de normas de conduta, em seu estudo sociológico sobre o direito, quais sejam:
a. Norma jurídica – imposta coercitivamente, sendo garantida pela probabilidade de coação, física ou psíquica, exercida por um quadro de indivíduos instituídos;
b. Convenção – chamada por outros autores de “uso social”, corresponde à conduta socialmente obrigatória, que não é protegida por nenhuma restrição oficial, mas sim pela reprovação do próprio grupo. Sua infração gera uma reprovação geral;
c. Costume – é o simples hábito, que não contém obrigatoriedade nem a probabilidade de reprovação do grupo, caso seja desobedecido.
4. CONCLUSÃO
Em resumo, o texto apresentou uma breve introdução às principais contribuições de Max Weber à Sociologia do Direito, expondo aspectos gerais e elementares da compreensão acerca de temas debatidos por estudiosos das ciências sociais, destacando-se por defender metodologia própria a esta última, levando em conta as ações humanas como objeto particular das ciências sociais.
Desta forma, não de outro modo, Weber teve importante contribuição para o desenvolvimento da sociologia, afastando-se de influências políticas ou do racionalismo positivista, que o permitiu propor uma nova visão a respeito da temática ora incluída, não se podendo negar que seus estudos se tornaram referência imprescindível para a compreensão qualitativa dos processos sociais. É de curial importância seu apontamento para a função da subjetividade na ação e pesquisa social, com isso, Weber foi capaz de compreender as particularidades das ciências humanas, enquadrando o homem como um ser diferenciado e como tal, responsável por dar sentido à sua ação.
Por fim, elucidou-se acerca das concepções teóricas e metodológicas de Weber bem como a distinção operada pelo próprio sociólogo, ao distinguir a esfera de atuação da Sociologia do Direito e da Dogmática Jurídica, reconhecendo a caráter científico de ambos sem, contudo, negar que devem ser analisadas sob óticas distintas, ressalvando a cooperação entre um e outro, tendo em vista que, em quanto a Dogmática cuida de organizar um sistema exigível e organizado, a Sociologia Jurídica estuda se tais normas estão sendo seguidas ou não e quais seus reflexos no contexto social.
REFERÊNCIAS
BÚRIGO, Fábio Luiz e SILVA, José Carlos da. A metodologia e a epistemologia na sociologia de Durkheim e de Max Weber, Revista eletrônica dos pós-graduados em sociologia política da UFSC, vol 1, nº 1, agosto-dezembro, 2003, p. 128-148. Em: <www.emtese.ufsc.br>. Acesso em: 10 de janeiro de 2010.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de sociologia jurídica. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1987.
SILVEIRA, Daniel Barile da. Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas. In: Revista Uratagua, Revista acadêmica multidiciplinar, nº 5, dez-mar, Maringá,2004.
SORIANO, Ramón. Sociología del derecho. Barcelona: Ariel, 1997.
WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociologia compreensiva. México: Fondo de Cultura Economica, 1944.