Agressões físicas e morais dos moradores de rua de São Luís - MA

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Aborda-se o cotidiano dos moradores de rua e as consequências que estes passam, dando ênfase para a violência. Retrata-se o quadro da realidade da vida de um morador de rua da cidade de São Luís-MA, e soluções viáveis para melhoria da condição de vida.

SUMÁRIO: Introdução; 1. Moradores de rua e a violência; 2. Agressões policiais; 3. Agressões morais e os moradores de rua; 4. Entrevista; 5.Considerações Finais; Referências.


RESUMO

Aborda-se primeiramente o cotidiano dos moradores de rua e as conseqüências que estes passam, dando ênfase para a violência, pois estes convivem diariamente com ela, seja pelo olhar de preconceito, pela abordagem policial ou mesmo a violência física e psicológica imposta pela exclusão social. A seguir, fala-se das principais agressões físicas e morais que os envolvem. E por fim, retrata-se o quadro da realidade da vida de um morador de rua da cidade de São Luís, estado do Maranhão, e soluções viáveis para a melhoria da condição de vida dos mesmos.

PALAVRAS-CHAVE

            Moradores de rua. Agressões. Violência. Invisíveis. Preconceito. Criminalização. Exclusão social. Miserabilidade.

INTRODUÇÃO

Diariamente é possível observar pessoas nas esquinas das cidades, nos cantos das lojas, em bancos de praças, isolados ou com grupos de pessoas, que debaixo de becos, casas abandonadas, transformam esses lugares em seus lares, suas “casas”, e consigo levam as diversas consequencias: fome, desemprego e descaso da sociedade. Vivenciam assim uma situação de extrema pobreza, contrariando assim o Artigo 27º do Estatuto dos Direitos Humanos, o qual diz que toda a pessoa tem direito a propriedade.

Moradores de rua são crianças, adolescentes, idosos e adultos, pessoas que acabam na rua por diversos motivos, ou até mesmo opções, dentre os quais podem ser destacados os desempregados, doentes mentais, migrantes, portadores do vírus HIV, dependentes químicos, mulheres vítimas de violência, dentre outros, que unidos pelos mesmos males, ou seja, o de viver nas ruas sem nenhuma condição de subsistência como higiene e alimentação.

Morando na rua, a probabilidade de conviver com a violência é bastante acentuada, pois geralmente, convivem diariamente com ela, seja pelo olhar de preconceito, a abordagem policial ou mesmo a violência física e psicológica imposta pela exclusão social.

Desta forma o trabalho tem a finalidade de expor o assunto de forma sucinta e mais eficiente sobre a vulnerabilidade de uma sociedade que sem moradia, emprego, renda e acesso à saúde e educação, vivenciam diariamente agressões físicas e morais.

1 MORADORES DE RUA E A VIOLÊNCIA

           

Diariamente nos deparamos com cenas de violência em todo o mundo, a cidade de São Luís, principalmente o estado do Maranhão, por ser um dos lugares mais pobres do Brasil apresenta um baixo nível de violência, já que esta se manifesta de acordo com o desenvolvimento da região e o grau de urbanização, a qual pode se manifestar pelo abuso da força, da tirania, da opressão, ou seja, com o constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer ou deixar de fazer alguma coisa.

De acordo com pesquisas, e dados levantados pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, em oito meses de pesquisas 123 homicídios foram praticados, a autoria desses crimes é de maioria do sexo masculino, 29% dos homicidas estão envolvidos com atos ilícitos, 9,23% são companheiros ou ex-companheiros das vítimas, 8.57% são parentes ou pessoas próximas (colegas) e 4,16% são policiais. Destaca-se ainda que 6,99% dos autores estão envolvidos com jovens pobres dos bairros excluídos da grande São Luís[2].

Tal violência é um fenômeno histórico, pois pode ser observada desde tempos da escravidão com os índios e consequentemente com o uso da mão de obra africana, o coronelismo, as oligarquias, e um Estado que desde sempre é caracterizado por um autoritarismo burocrático, fatores estes que favoreceram para o aumento da violência no passado e no presente da história de todo o Brasil[3].

Para todos os efeitos, guerra, fome, tortura, assassinato, preconceito, a violência se manifesta de várias maneiras. Na comunidade internacional de direitos humanos, a violência é compreendida como todas as violações dos direitos civis (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura). As formas de violência, tipificadas como violação da lei penal, como assassinato, seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou contra o patrimônio, formam um conjunto que se convencionou chamar de violência urbana, porque se manifesta principalmente no espaço das grandes cidades. Não é possível deixar de lado, no entanto, as diferentes formas de violência existentes no campo[4].

 

               

De forma ampla, morador de rua segundo Vieira (1992, p.98) define: “população de rua é aquela que passa ali 24 horas por dia, em dias consecutivos, nela suprindo as necessidades básicas de alimentação, sono e outras.” Locais como o Centro Histórico, Largo do Carmo, Renascença, nas proximidades do Marco Center e Cohab, são áreas com grande fluxo e convergência de pessoas nessas condições.

Diante de tais fatos, infere-se que quando se relaciona violência com os moradores de rua, o índice é altamente elevado, já que estes convivem diariamente com essa mazela, seja pelo olhar de preconceito, por abordagens policiais, ou mesmo a violência física e psicológica imposta pela exclusão social.

Os moradores de rua geralmente são agredidos, espancados, achincalhados, humilhados. Os maiores abusos de autoridade são cometidos pelos brigadianos, e a situação só piora com o passar do tempo, fazendo com que estas pessoas não denunciem tais atos por medo de retaliação, ou seja, uma desmoralização em público, tortura, que por medo, acabam não denunciando quem as pratica.

Os acontecimentos que envolvem assassinatos dos moradores de rua são constantemente registrados em todo o país, mas a maioria dos casos não são investigados, pois nota-se que só entram na pauta das autoridades quando o “escândalo é grande demais”[5], visto que esta parcela da sociedade não possui renda, vive em condições de extrema miserabilidade, não encontrando representatividade de suas palavras e seus desejos, pois a sociedade capitalista é quem representa a cidadania, a não ser em períodos eleitorais, cuja representatividade desses cidadão (moradores de rua) acontece.

Além de todas essas violências físicas que os moradores de ruas passam rotineiramente, as brigas entre eles é a formas mais comuns de violência nas ruas, tais brigas são geralmente causadas pelo uso de bebidas ou drogas, com muita discussão entre eles, muita gente querendo roubar quem mora nas ruas, sendo a ameaça uma característica que está presente o tempo todo no meio em que vivem.

 Visto que os moradores de rua são obrigados a passar por atos como agressões, maus-tratos e intimidação, pois de certa forma vira rotina dos mesmos, infere-se que constantemente passam por agressões físicas, tanto pela guarda civil, sociedade, policiais, e por eles mesmos.

2 AGRESSÕES POLICIAIS

As agressões policiais, assim como as outras que envolvem os moradores de rua, são bastante freqüentes. Tais atitudes policiais demonstram a clara opção pelo atendimento da população pobre por meio de um Estado Policial e suas ações coercivas, que não visam à concretização de direitos e a garantia da cidadania, pois esses atos de agressões, maus-tratos e intimidações são rotina na vida dos moradores de rua da cidade e, de acordo com as próprias vítimas, grande parte dos que agem dessa forma são os agentes de segurança, envolvendo policiais e guarda civil.

Diversas são as formas que eles tratam esses moradores, pesquisas mostram que quando um morador de rua está deitado em algum lugar que o fez de sua “moradia”, os policiais sob forma de pancadas, chutes, cassetetes, lançam spray de pimentas e apontam armas de fogos, expulsando-os dali.

Assim como também a prefeitura contrata carros-pipa para molhar os locais onde as pessoas costumam dormir, além da GCM intimidar constantemente as pessoas que se solidarizam e procuram oferecer alimentos ou algum cuidado para com os moradores de rua. 

Outro problema vivenciado pelos moradores de rua são os rapas que a guarda civil faz diversas vezes, colocando tudo no caminhão, como relatam diversos moradores de rua da cidade de São Luís, fazendo com que as poucas coisas que eles têm como roupas, colchonetes, papelão, sejam recolhidas e consequentemente prejudicam tais moradores de rua.

Diante do fato que as agressões físicas dos agentes civis, policiais em geral conturbam e prejudicam as vidas dos moradores de rua, é necessário que a função da polícia seja extremamente em função do bem da população em geral, que inclui tanto os moradores de rua como as sociedades em geral. Desta forma, a função da Polícia num Estado Democrático de Direito é zelar pelo cumprimento das normas estabelecidas pelo Estado, é uma missão altamente árdua, pois é a linha de frente das políticas estatais, no enfrentamento das anomias sociais.

3 AGRESSÕES MORAIS E OS MORADORES DE RUA

A maior agressão moral que passam os moradores de ruas é a marginalização. Dormir na rua, não é sinônimo de bandido ou marginal, eles estão ali, não por que querem, mas por não possuírem onde ficar; não possuem amparo nem condições mínimas de sobrevivência, que deviam ser garantidas de acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Eles são invisíveis para a maioria das pessoas, que, no atropelo dos afazeres do dia, ou cegas pelos próprios problemas, passam todo dia por estes seres humanos cobertos por jornais ou cobertores encardidos, sozinhos na vida (alguns tem a sorte de ter alguma companhia, mesmo que seja a de um cachorro), que não conseguem se alimentar normalmente e são tratados por todos como se tivessem uma doença contagiosa ou como se estivesse ali, debaixo de uma marquise, porque foi seu desejo morar na rua.

Um grupo de pesquisadores retratando o problema dos moradores de ruas critica:

 

“Portanto, se alguém quiser saber como é ser um morador de rua, antes de olhar torto ou falar mal, ou mesmo vandalizar e agredir essas pessoas menos favorecidas pelo nosso mundo como ele é hoje, eu sugiro que, como exercício, pense por um instante como seria se sua casa fosse retirada de vocês, seu salário e seu alimento. Como você ia fazer? Ia ficar agressivo? Ia querer assaltar alguém? Como ia lidar com a fome? Iria se drogar ou beber para não sentir fome ou sede? Como ia alimentar e educar seus filhos? E se alguém dissesse que você não deveria ter tido filhos? Como ia se sentir no mundo? Teria um objetivo, ou esperança de um futuro melhor? Ou será que este nosso mundo como ele é acabaria com suas esperanças?” (Semente Sustentável, 2011)[6]

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Milhares de pessoas são abordadas por garotos de ruas nos sinais e, na maioria das vezes, fecham os vidros e se irritam com aquilo que para eles é errado, pois deveriam estar na escola, em casa e não pedindo dinheiro para usar drogas. Sabe-se que o preconceito com esses garotos são enorme, mas tem-se que levar em consideração que a situação pela qual eles passam (de ter que pedir esmola), com certeza não era o que eles gostariam, mas o fazem por que se encontram viciados e desmoralizados. Para esses garotos, pedir esmola e assaltar é a garantia da sua sobrevivência diária. Nem todos são assim, mas não existe um amparo governamental para tirá-los dessa vida.

Muitas vezes, drogas como o álcool e o crack estão presentes na vida dos moradores/garotos de rua, bem como o distúrbio mental. Entretanto, podem ter chegado às ruas por conta desses problemas, ou podem ter adquirido certos hábitos como o consumo abusivo de drogas e o desenvolvimento de muitas doenças, em sua maior parte, mentais, em decorrência de sua permanência neste outro modo de vida. [7]

 Sobre as práticas discriminatórias que cotidianamente os moradores de rua vivenciam, as principais queixas deles se referem a entrar em estabelecimentos comerciais e ter acesso a transporte coletivo: “Quando entramos nos ônibus, por exemplo, as pessoas nos olham como se não fôssemos gente. Como se não fôssemos humanos[8], contou Anderson Lopes Miranda representante do Movimento Nacional da População de Rua. Um homem, adulto, saiu de casa há três anos por conta de uma briga de família e foi morar nas ruas. Retrata que o mais difícil de morar nas ruas é não poder confiar nas pessoas: “Todos nós sentimos preconceito nas ruas. A gente dorme, não sabe se vai acordar. A gente dorme com um cobertor, não sabe se vai acordar com aquele cobertor. A história é essa[9], diz ele (Bettencourt, 2005: s/n apud VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva et al, 2008, pq 7).

Existem mecanismos que causam aos moradores de rua cenas de humilhação, na qual eles não encontram alternativa a não ser submeter-se, sob pena de agressão ou pressão. É o caso das ações interventoras da limpeza pública ou policial. Em geral, esse ciclo é mantido pela reiteração da violência simbólica ou física.

Como resposta, o morador de rua adapta seu corpo a essa geografia compressora; vai se reconfigurando na medida em que o espaço o limita e molda de forma contingente o extravasamento de suas emoções – raiva, angústia, euforia, medo, solidão, dor, alegria – na própria mobilidade. Essa corporalidade pode ser traduzida ora na imobilidade e na retenção de movimentos, a evitar conflito com transeuntes e caber nos lugares mínimos para os quais são expulsos, ora ao externar explosivamente seus gestos, sua fala, sua agressividade, seus desejos.[10]

4 ENTREVISTA

No domingo dia 24 de abril, fomos ao estacionamento do teatro Artur Azevedo realizar o projeto de pesquisa da disciplina de criminologia com um dos vigias de carro que já conhecíamos de idas ao teatro. O contato não foi fácil, ele só aceitou responder nossas perguntas depois que contamos que já havíamos conhecido ele por vigiar nosso carro. Em entrevista realizada, ele nos contou como é sua vida nas ruas:

P: Qual seu nome, idade?

R: Rapaz, todo mundo me chama aqui de Zé Preto, então esse é meu nome! Idade? Sei quando eu nasci não, tia, acho que foi em 1988 por ai...

P: Você sabe que dia é hoje?

R: Huum, alguns dias depois da páscoa?! Sei que é domingo, tem “coisa” no teatro hoje! Que dia é hoje tia?

P: 24 de abril! Como você veio parar nas ruas?

R: Ah, tem muitos motivos. No começo meus pais não tinham dinheiro “pra mim” viver sabe? Aí me mandavam conseguir dinheiro. Eu só podia voltar pra casa com alguma coisa pra eles. E quando não conseguia nada, eu não voltava pra casa. Aí fui conhecendo algumas pessoas por aqui, até que acabei entrando nas drogas. E quando tentei voltar pra casa, meus pais não me deixaram voltar, não do jeito que eu tava, eles diziam que eu ia acabar vendendo tudo que eles tinham...

P: E porque você entrou nas drogas?

R: Ah, quando você ta nessa vida, não se tem nenhuma esperança de como vai ser o amanhã, e comida era coisa rara. Aí vi nas drogas alguma esperança, fora que me tirava a fome. No começo era mais porque todo mundo usava e eu pensava que não era viciado, na verdade, acredito ainda que quando eu quiser parar eu paro. Mas no momento as drogas ainda fazem parte da minha vida.

P: E como você consegue as drogas?

R: Tem vários tipos, depende do que você da em troca, as mais fáceis são as dos restos da maconha, e tem o crack, eu prefiro o crack, mas é mais difícil conseguir. A patroa quer? (risada).

P: Não, não, obrigada! E como você consegue as drogas, no que trabalha?

R: Ah eu vivo disso aqui, vigiar carros, dividir com os parceiros daqui. Quando tem “coisas” ai no teatro ganho mais, e ai da pra viver um pouco (risada).

P: E o governo? Ajuda você em alguma coisa?

R: Governo? Só se for mandando os “caras” aqui pra tirar “nois”! Mas depois que eles saem “nois volta” né? É sempre assim, eles vêem, brigam, xingam, quando a gente responde até batem “em nois” com aquele “negócio” la.

P: E banho? Trocar de roupa?

R: Banho? As vezes consigo quando tem uma ”cachoeira” da chuva ali entre umas casas, mas normalmente fico com essa roupa mesmo, nem me sujo!

P: E possibilidade de emprego, de sair da rua, não pensas?

R: Eu gosto daqui, tenho as parcerias, consigo viver; “trampar” dar trabalho, e não gosto de ninguém me mandando (risadas). Fico por aqui mesmo!

P: Mas e se tirarem vocês daqui? Pra onde vão?

R: Ah tia, “nois” sai e volta o tempo todo, quando não “tamo” aqui, “vamo” mais ali pra baixo, depois “nois” volta né? O bom daqui é que os “caras” quase não vêem, e quando vêem, “nois” tenta conversar com eles sabe? Ai tem como eu sair daqui não tia. E se sair, mudo “minha casa” pra outro lugar.

P: E onde você dorme?

R: Gosto de ficar aqui nos bancos sabe, mas os “caras” brigam muito, ai fico ali embaixo (apontando para o lugar), é ruim só quando ta chovendo, fica frio sabe? Ninguém ajuda...

P: E como é o contato de vocês com as pessoas nos carros?

R: Muitas delas tem medo eu acho, e “nois” aproveita desse medo, eu não faço nada com elas, (não que eu saiba), como você mesma falou que me conheceu, é assim, trato bem, tento ganhar alguma coisa né. Mas alguns não ajudam e “nois” acaba ficando chateado né. Tenho um parceiro aqui que é bem irritado! (risadas).

P: E em relação à violência? Vocês sofrem muito?

R: De vez em quando tem umas brigas sabe? Os “caras” são (palavra de baixo calão), eles vêem aqui e acham que podem mandar “em nois” e no nossa lugar. “Nois” até tenta conversar, explicar, mas eles não tão nem ai, “descem o cacete mesmo”. Não é fácil sabe? E ainda tem as próprias pessoas, quando “nois” não tem nada, “nois” faz uns “bicos” (referindo-se a assaltos) com as pessoas sabe? E algumas quando pegam “nois”, também não tem pena, batem mesmo! E ainda tem aqueles que passam olhando feio, mandando “nois” procurar um emprego descente! Mas pra mim, isso aqui é descente, é do que eu vivo, sabe tia?! Até parece que eu to aqui porque escolhi, to aqui porque é o tenho, e o que garante minha sobrevivência! Papai e mamãe me tiraram de casa, e eu só tinha como vim pra cá.

P: Nunca ofereceram um lugar pra vocês? Tipo albergues?

R: Albergues?

P: É, são lares onde oferecem para as pessoas de ruas. Entende?

R: Rapaz, vivo aqui tem muito tempo, já rodei São Luís “quase toda” fui pra muitos lugares, mas nunca me ofereceram isso não, sempre morei nas ruas, cada hora em um lugar, aqui é onde mais me dou bem.

P: Tens alguma história que mais marcou?

R: Ah tia, cada dia é uma história, você nunca sabe o que vai acontecer sabe? Mas tenho uma que não esqueço, foi quando encontrei minha “mulher”, tava rodando por ai sabe, meio na “lombra”, ai tentei “bicar” com um casal, mas eu só queria uma ajuda, sei la, alguma coisa pra comer, só que o cara tinha uma arma, aí atirou em mim, pensei que eu ia morrer sabe, até caminhei um pouco e parei num beco, ninguém veio me ajudar, eu pedia, mas o povo olhava e sei la, parece que tavam era com medo. Até que aquela mulher linda apareceu (apontando para “esposa”). Ela tentou me ajudar, me levou pro hospital, nem sei como, sei que apareci la, uma loucura aquilo ali ne? Então, hoje continuo nas ruas, mas pelo menos tenho meu amor! Sou feliz, sabe? Mesmo nessa vida, sou feliz!

P: E filhos? Vocês tem?

R: Tenho 3. Um com 4, a outra com 3 e o menor com 2.

P: E a vida deles? Vai ser aqui na rua?

R: E onde mais seria tia? Se eu vivo aqui, minha mulher vive aqui, eles vão viver comigo!

P: E pra escola, não vão?

R: Escola? E quem aceita filho de morador de rua em escolas tia? É muito difícil. Quero que cresçam e ajudem aqui.

Terminamos a entrevista e demos a ele uma cesta básica; conhecemos sua família e como é precária a vida em que ele vive. Percebeu-se um nítido distúrbio mental, pois repetidas vezes ele piscava e olhava para trás, provavelmente devido ao excesso de drogas consumidas. Vimos que são apenas moradores de rua, nem marginais, nem bandidos, mas as vezes para sobreviver precisam procurar uma solução.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, infere-se que quando se relaciona violência com os moradores de rua, o índice é altamente elevado, já que estes convivem diariamente com essa mazela, seja pelo olhar de preconceito, por abordagens policiais, ou mesmo a violência física e psicológica imposta pela exclusão social. Porém, mesmo com toda a violência e repressão que tem que enfrentar, a condição de habitar as ruas oferece a possibilidade de um olhar único sobre a cidade. Algumas revistas vêm conferindo visibilidade a esse olhar singular dos moradores de rua, oferecendo também alternativas de geração de renda para essas pessoas.

Uma das iniciativas mundialmente mais bem-sucedidas são os chamados street papers, jornais e revistas elaborados e/ou vendidos por moradores de rua[11]. No Brasil, as publicações mais conhecidas são as do jornal Boca de Rua, de Porto Alegre.

Esse jornal atua na medida em que são apenas vendidas por moradores de rua, poucas delas têm o seu conteúdo integralmente feito por eles, já que o objetivo principal desses jornais e revistas é a geração de renda. A proposta do jornal é conferir cidadania aos moradores de rua por meio de um projeto de comunicação.[12]

Richardson Costa afirma: “A rua pra quem vive nela, é muito mais que um simples lugar; é uma triste condição de vida, imposta pelo destino, por escolhas erradas do passado e falta de oportunidades do presente”.[13]

Segundo Carvalho, a violência contra os moradores de rua poderia ainda ser explicada a partir da suposta ameaça que eles representariam em relação a certos valores sociais. “Como os moradores de rua estão excluídos dos mundos socialmente aceitos, suas práticas incomodam a sociedade preconceituosa, haja vista que os mendigos dos grandes centros urbanos continuam sendo encarados como parasitas, prevalecendo ainda, na contemporaneidade, a visão higienista das elites brasileiras do passado”.[14]

REFERÊNCIAS

CAMARGO, Orson. Violência no Brasil, outro olhar. Rio de Janeiro, ago. 2010. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/violencia-no-brasil.htm>. Acesso em: 27 abril, 2013.

CANONICO, Rhavana Pliz et al. Atendimento à população de rua em um Centro de Saúde Escola na cidade de São Paulo. Revista da Escola de Enfermagem da US, São Paulo, vol.41 no.spe, dec. 2007.

CANTARINO, Carolina. Morar na rua é trabalhar e resistir à repressão. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, São Paulo, ago. 2005. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=25&id=284&print=true>. Acesso em: 30 abril, 2013.

COSTA, Richardson. Eles precisam de nós! Moradores de rua.org.br. Disponível em: <http://moradoresderua.org.br/depoimentos>. Acesso em: 30 abril, 2013

EDUCATOR, Colégio. Violência no Maranhão. São Luís, nov. 2007. Disponível em: <http://grupoviolenciama.blogspot.com/>. Acesso em: 27 abril. 2013.

FRANGELLA, Simone Miziara. Moradores de rua na cidade de São Paulo: vulnerabilidade e resistência corporal ante as intervenções urbanas. Cadernos Metrópole, n. 13, pg, 199-228, 1º sem. 2005. Disponível em: <http://web.observatoriodasmetropoles.net/download/cm_artigos/cm13_69.pdf>. Acesso em: 30 abril, 2013.

MACIEL, Felipe. Violência contra moradores de rua em São Paulo: uma análise do discurso midiático. Portal Imprensa, São Paulo, 11 nov. 2004. Disponível em: <http://portalimprensa.uol.com.br/portal/foca_online/2004/11/11/imprensa2664.shtml>. Acesso em: 28 abril, 2013.

SCHERER, Dom Odilo P. Violência - eles moravam  no Brás. O Estado de São Paulo, São Paulo, 14 maio, 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/

20110514/not_imp719105,0.php>. Acesso em: 30 abril, 2013.

SUSTENTÁVEL, Semente. Moradores de rua, é questão ambiental sim. São Paulo, 28 jan. 2011. Disponível em: <http://sementesustentavel.blogspot.com/2011/01/moradores-de-rua-e-questao-ambiental.html>. Acesso em: 29 abril, 2013.

VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva et al. Pessoas em situação de rua no Brasil: Estigmatização, desfiliação e desterritorialização. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 21, pp. 556 a 605, dezembro de 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/rbse/NormaArt.pdf>. Acesso em: 06 de maio, 2013.

VIOLÊNCIA. Disponível em: <http://www.serasaexperian.com.br/guiacontraviolencia/violencia.htm>. Acesso em: 27 abril, 2013.


Notas

[2]EDUCATOR, Colégio. Violência no Maranhão. São Luís, nov. 2007. Disponível em: <http://grupoviolenciama.blogspot.com/>. Acesso em: 27 abril. 2013.

[3]CAMARGO, Orson. Violência no Brasil, outro olhar. Rio de Janeiro, ago. 2010. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/violencia-no-brasil.htm>. Acesso em: 27 abril, 2013.

[4] VIOLÊNCIA. Disponível em: <http://www.serasaexperian.com.br/guiacontraviolencia/violencia.htm>. Acesso em: 27 abril, 2013.

[5]MACIEL, Felipe. Violência contra moradores de rua em São Paulo: uma análise do discurso midiático. Portal Imprensa, São Paulo, 11 nov. 2004. Disponível em: <http://portalimprensa.uol.com.br/portal/foca_online/2004/11/11/imprensa2664.shtml>. Acesso em: 28 abril, 2013.

[6] SUSTENTÁVEL, Semente. Moradores de rua, é questão ambiental sim. São Paulo, 28 jan. 2011. Disponível em: <http://sementesustentavel.blogspot.com/2011/01/moradores-de-rua-e-questao-ambiental.html>. Acesso em: 29 abril, 2013.

[7] CANONICO, Rhavana Pliz et al. Atendimento à população de rua em um Centro de Saúde Escola na cidade de São Paulo. Revista da Escola de Enfermagem da US, São Paulo, vol.41 no.spe, dec. 2007. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0080-62342007000500010&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 abril, 2013.

[8] VALENCIO, Norma Felicidade Lopes da Silva et al. Pessoas em situação de rua no Brasil: Estigmatização, desfiliação e desterritorialização. RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 7, n. 21, pp. 556 a 605, dezembro de 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/rbse/NormaArt.pdf>. Acesso em: 06 de maio, 2013.

[9] Idem

[10] FRANGELLA, Simone Miziara. Moradores de rua na cidade de São Paulo: vulnerabilidade e resistência corporal ante as intervenções urbanas. Cadernos Metrópole, n. 13, pg, 6, 1º sem. 2005. Disponível em: <http://web.observatoriodasmetropoles.net/download/cm_artigos/cm13_69.pdf>. Acesso em: 30 abril, 2013.

[11] CANTARINO, Carolina. Morar na rua é trabalhar e resistir à repressão. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, São Paulo, ago. 2005. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=25&id=284&print=true>. Acesso em: 30 abril, 2013.

[12] Idem

[13] COSTA, Richardson. Eles precisam de nós! Moradores de rua.org.br. Disponível em: <http://moradoresderua.org.br/depoimentos>. Acesso em: 30 abril, 2013.

[14] CANTARINO, Carolina. Morar na rua é trabalhar e resistir à repressão. Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, São Paulo, ago. 2005. Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=25&id=284&print=true>. Acesso em: 30 abril, 2013.

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Sobre as autoras
Amanda Maria Álvares Figueiredo

Estudante de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB. São Luís - MA

Amanda Ricci da Costa

Aluna do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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