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Introdução à Sociologia Jurídica

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24/10/2014 às 09:36
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5. Os Fundadores: Durkheim e Fauconnet

Conforme vimos, a sociologia jurídica não surge juntamente com a sociologia geral, uma vez que o próprio Comte, considerado pai da sociologia, acreditava na extinção do direito, não realizando esforços para estudar o fenômeno jurídico. Só com o movimento da escola Durkheimiana (Escola Objetiva Francesa), a sociologia jurídica surge como um campo específico dos estudos sociológicos (MACHADO NETO, 1987, p. 105).

Durkheim (1858 – 1917) é o discípulo mais influente da Escola Sociológica francesa, iniciada por Comte, representada por alguns sociólogos que buscavam o conhecimento sobre a evolução da sociedade. A sua primeira obra de grande magnitude sobre o tema foi “A divisão do trabalho social”, que considerou a coercitividade do direito o exemplo mais completo e acabado do “fato social”.

Na mencionada obra, Durkheim distingue dois tipos de solidariedade: 1) solidariedade mecânica ou por semelhança, fundada na simples semelhança entre os indivíduos; 2) solidariedade orgânica ou por dessemelhança, que pressupõe a divisão de trabalho, fenômeno cultural, com cada indivíduo realizando diferentes tarefas sociais que a todos aproveitam (MACHADO NETO, 1987, p. 106).

Segundo o sociólogo, à medida que a solidariedade mecânica vai sendo transformada em solidariedade orgânica, o direito vai abandonando seu caráter repressivo ou retributivo (predominantemente penal) por um caráter restitutivo (direito civil e comercial). Melhor explicando, a solidariedade mecânica é delicada, sendo necessário reprimir a conduta anti-social através do direito penal. Já a solidariedade orgânica, que se baseia na harmonia dos interesses dos indivíduos, graças a divisão do trabalho, é uma solidariedade muito mais forte, podendo abrir mão, em grande parte, da sanção meramente repressiva, para dar o primeiro posto à sanção restitutiva (que consiste em colocar as coisas nos mesmos termos anteriores à transgressão) (MACHADO NETO, 1987, p. 106-107).

Para chegar a essa conclusão, Durkheim utilizou uma:

(...) rigorosa apuração estatística do número de dispositivos penais das legislações antigas e modernas, verificando a decrescente incidência deles pari passu com o progresso da civilização e o paralelo desenvolvimento da divisão do trabalho (MACHADO NETO, 1987, p. 107).

Paulo Fauconnet, sucessor de Durkheim na Universidade de Sorbonne, em sua mais importante obra “A Responsabilidade”, chega à conclusão de que a noção de responsabilidade não é algo subjetivo, mas sim objetivo, sociológico, que consiste na escolha do objeto da sanção. Ora, nem sempre o autor do delito foi “considerado como responsável por ele, mas também outras pessoas, animais e coisas viram-se sujeitas às mais diversas sanções como sujeitos responsáveis” (MACHADO NETO, 1987, p. 111).  É sabido que existiram, na Idade Média, verdadeiros processos contra pedras, armas e animais, ou seja, nem sempre na história da humanidade o responsável penal foi um ser humano maior e capaz.

Baseando-se no conceito de crime proposto por Durkheim, como sendo um “ato atentatório dos sentimentos fortes do grupo”, o teórico chega à conclusão de que a sanção é uma reação social que pretende apagar a impureza do crime. Ou seja, a pena é originalmente imposta ao crime, que se quer apagar, e não ao criminoso, sendo assim a responsabilidade aparece como algo objetivo e não como decorrência dos elementos subjetivos do humano adulto normal. Mesmo assim a sanção se destina a um sujeito. Mas quem deve ser o sujeito sancionado? Diferentes respostas são dadas pelas mais diversas sociedades, contudo a mais compatível com a sociedade individualista é considerar como responsável o autor, maior e normal, do evento delituoso (MACHADO NETO, 1987, p. 112-113).

Neste contexto, Fauconnet distingue, de forma semelhante a Durkheim, dois tipos de sanções: as retributivas (que para ele podem ser de duas ordens, quais sejam, repressivas ou penais e remuneradoras ou premiais) e as restitutivas (MACHADO NETO, 1987, p. 113-114).

1.1.        A Metodologia de Émile Durkheim

Durkheim é também conhecido como o sociólogo do método. Em sua obra “As regras do método sociológico”, traz grande contribuição à metodologia na sociologia ao afirmar que “a primeira regra e mais fundamental é a de considerar os fatos sociais como coisas”, uma vez que as ciências sociais têm a peculiar característica de que o investigador está dentro do objeto investigado, é preciso tratar os fatos sociais como “coisas”, ou seja, é preciso que o investigador abandone seus prejulgamentos, suas prenoções sobre o objeto investigado. O sociólogo deve abandonar o conhecimento espúrio, vulgar, anterior à pesquisa e à experiência. (MACHADO NETO, 1987, p. 70-71).

Os fatos sociais são elementos exteriores ao indivíduo que de algum modo influenciam e modelam seu comportamento, ou seja, a exterioridade e a coação são os elementos que constituem o fato social, que se diferenciam dos fatos psíquicos. Estes são internos, introspectivos e espontâneos. Estes são objetos da psicologia; aqueles, da sociologia (SORIANO, 1997, P. 93).

Como dito na aula passada, através de sua noção de fato social, Durkheim conquistou para sociologia um objeto próprio, distinguindo-o do objeto biológico, uma vez que o fato social não é fenômeno orgânico, consistindo em representações e ações, bem como o diferenciando do objeto da psicologia, já que não são fenômenos psíquicos, porque estes não têm existência fora da consciência individual (SORIANO, 1997, p. 92).

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Neste contexto, convém explicitar a definição de fato social de Durkheim:

Fato social, então, é toda maneira de atuar, fixa ou não, suscetível de exercer sobre os indivíduos uma coerção exterior; ou, que é geral na extensão de uma sociedade dada, conservando existência própria, independente de suas manifestações individuais (1963, p. 12).

Portanto, segundo esquema proposto por Celso A. Pinheiro Castro (1998, p. 61) o fato social:

·         É exterior às consciências individuais;

·         Exerce coerção sobre os indivíduos;

·         Apresenta generalidade no meio do grupo.

Os fatos sociais são elementos exteriores ao indivíduo, que de algum modo influenciam e modelam seu comportamento, sendo a exterioridade e a coação seus elementos constitutivos. Consistem na forma de agir, pensar e sentir exteriores ao indivíduo e estão dotados de um pode coação em virtude do qual se impõem. Não são idéias ou valores abstratos, mas manifestações que podem ser observadas e medidas, bastante concretas para serem quantificadas e verificadas. Devendo, pois, ser tratados como coisas (SORIANO, 1997, p. 92).

Já as regras do método sociológico podem ser resumidas em três regras básicas:

1.    O fato social deve ser tratado como coisa, que significa tudo o que se opõe à idéia;

2.    No tratamento dos fatos sociais devem-se afastar todas as prenoções, os preconceitos;

3.    Definir com precisão o objeto da investigação, procurando agrupar aqueles que manifestem características comuns.

Dentro da teoria de Durkheim, os fatos sociais são, regra geral, conseqüências da divisão do trabalho social. Conforme já vimos, conforme do tipo de sociedade teremos uma diferente forma de integração social, chamada “solidariedade”. É assim que o autor observa que a sociedade evolui de um tempo de solidariedade original ou mecânica para um tipo de solidariedade orgânica. Segundo bem coloca Celso A. Pinheiro Castro, “na solidariedade mecânica há prevalência do grupo sobre os indivíduos. Emergem fortes estados de consciência coletiva, predominando leis penais, voltadas para a punição” (CASTRO, 1998, p. 62). Já na solidariedade orgânica:

(...) há afirmação de personalidades. Trate-se, com efeito, de uma integração voluntária. Assim, a coerção social exprime-se mais decisivamente em leis civis e administrativas, voltadas para a restauração de direitos mais que para a punição (CASTRO, 1998, p. 62).


 Conclusão

 O texto descreveu os principais aspectos históricos acerca do surgimento da Sociologia geral e jurídica, ressaltando desde as características objetivistas desprovidas de elementos epistemológicos que o fisicismo, o organicismo e o psicologismo imprimiram ao seu estudo, passando por Augusto Comte principal expoente da Sociologia Geral até Durkheim seu sucessor e criador do Estudo Jurídico Sociológico.

Dessa forma, o objetivo de facilitar o primeiro contato do acadêmico de direito com a temática da Sociologia Jurídica de Durkheim, utilizando-se de linguagem simples e didática, buscando a ampliação do domínio desse ramo do ensino foi atingido.


REFERÊNCIAS

BÚRIGO, Fábio Luiz e SILVA, José Carlos da. A metodologia e a epistemologia na sociologia de Durkheim e de Max Weber, Revista eletrônica dos pós-graduados em sociologia política da UFSC, vol 1, nº 1 (1), agosto-dezembro, 2003, p. 128-148. Em: <www.emtese.ufsc.br>. Acesso em: 10 de janeiro de 2010.

CASTRO, Celso A. Pinheiro de Castro.  Sociologia do direito. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1998.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de sociologia jurídica. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3 ed. São Paulo: Nacional, 1963.

MACHADO NETO, A. L. Sociologia jurídica. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 1987.

ROSS, Alf. Sobre el derecho y la justicia. Buenos Aires: Eudeba, 1963.

SILVEIRA, Daniel Barile da. Max Weber e Hans Kelsen: a sociologia e a dogmática jurídicas. In: Revista Uratagua, Revista acadêmica multidiciplinar, nº 5, dez-mar, Maringá,2004.

SORIANO, Ramón.  Sociología del derecho. Barcelona: Ariel, 1997.

WEBER, Max. Economia y sociedad: esbozo de sociologia compreensiva. México: Fondo de Cultura Economica, 1944.


Nota

[1] Espitemologia – epistemo-logia, i. e., teoria (logos) da ciência (espistéme).

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Sobre a autora
Chiara Ramos

Doutoranda em ciências jurídico-políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Universidade de Roma - La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Procuradora Federal, em afastamento das atividades para estudo no exterior. Professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Chiara. Introdução à Sociologia Jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4132, 24 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29810. Acesso em: 5 nov. 2024.

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