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Introdução à Sociologia Jurídica

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24/10/2014 às 09:36
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Descrevem-se os principais aspectos históricos acerca do surgimento da sociologia geral e jurídica.

Resumo: Estes escritos foram elaborados para facilitar o primeiro contato do aluno de direito com a temática da sociologia jurídica, possuindo linguagem simples e didática. No que se refere ao seu conteúdo, o texto trata do reconhecimento da sociologia como ciência autônoma, ressaltando as dificuldades enfrentadas para delimitação de seu objeto de estudo, bem como para definição da metodologia adequada às peculiaridades de tal objeto. Posteriormente discorre sobre os precursores da nova disciplina, bem como sua afirmação por meio da metodologia de Durkheim.

Sumário: 1.1. O problema epistemológico em Sociologia. 1.2. A questão do objeto próprio das ciências humanas. 1.3. Naturalismo e Culturalismo. 1.4. Os precursores da Sociologia Jurídica. 1.5. Os fundadores: Durkheim e Fauconnet. Conclusão


Introdução

Na emergente sociedade capitalista industrial do século XIX, as crises econômicas, o conflito entre burguesia e proletariado, o êxodo rural, o surgimento de problemas urbanos e ambientais, dado o rápido crescimento da população européia, dentre tantos outros acontecimentos, foram fundamentais para o surgimento da sociologia (BURIGO e SILVA, 2003, p. 128).

A verdade é que no final do século XIX teve início um progresso científico nunca antes visto ou esperado, foram inúmeros inventos, descobertas, voltando-se todas as atenções para as pesquisas no campo da física, da química, da biologia, da matemática etc. As transformações daí decorrentes foram inúmeras, sobretudo na ordem social. O aparecimento da prensa de Gutenberg, no ano de 1450, foi o pontapé inicial para disseminação da cultura no ocidente, possibilitando a difusão do conhecimento (CAVALIERE FILHO, 2002, p. 39-41).

Neste contexto, enquanto as ciências chamadas exatas eram estudadas e pesquisadas com afinco, as ciências sociais foram esquecidas, resultando disso um descompasso entre o progresso científico e a evolução social. Dito de outra forma, as instituições sociais foram relegadas a segundo plano, não acompanhando o desenvolvimento científico e tecnológico. Com esse desequilíbrio, o progresso científico, longe de resolver os problemas sociais, agrava-os ainda mais (CAVALIERE FILHO, 2002, p. 41-42).

Para Durkheim, tais problemas não seriam de natureza econômica, mas sim da fragilidade moral na conduta adequada dos indivíduos, mostrando-se preocupado em desenvolver uma ciência que ajudasse a encontrar as respostas para as patologias sociais. Uma ciência social que pudesse encontrar, através de investigações empíricas, novos caminhos para a sociedade. Durkheim defendia, assim, que o papel do sociólogo seria semelhante ao do médico, diagnosticando as causas dos problemas e encontrando os remédios para as doenças sociais (BURIGO e SILVA, 2003, p. 128-129).

Assim, “houve o despertar da consciência para a importância das ciências sociais e a necessidade de estudá-las, pesquisá-las, desenvolvê-las, como foi feito com as ciências exatas” (CAVALIERE FILHO, 2002, p. 43). Contudo, as ciências ditas exatas ou naturais, como a física, a matemática, a química e a biologia, podem se dar ao luxo de negligenciar a epistemologia[1], fiados na segurança de que a comprovação de seus resultados por meio de experimentos pode imprimir. Isso não ocorre com as ciências chamadas de sociais, tais como a sociologia, a história, o direito e a economia, que, por serem ciências jovens, possuindo objetos e métodos contestados, muito se preocupam com a questão epistemológica. Se assim não fosse, sua sobrevivência estaria ameaçada, sendo imprescindível que discuta em seus âmbitos os temas de sua autonomia: objeto, método e leis (MACHADO NETO, 1987, p. 09).

Como acontece com toda ciência jovem, o centro do problema epistemológico em sociologia se refere à questão da sua autonomia, que pode ser fragmentada em três outras questões subalternas, quais sejam: objeto próprio, métodos e leis (MACHADO NETO, 1987, p. 12).

Neste contexto, o presente texto tratará da questão que envolve o objeto das ciências humanas, em particular da sociologia, cujos precursores históricos, os sofistas gregos, não a dissociavam totalmente do direito em razão do conflito de interesses existentes na sociedade que seriam satisfeitos pela sociologia e pelo direito, partindo-se das explanações da física, biologia e psicologia acerca do assunto, cujas perspectivas vão de encontro ao pensamento de Durkheim, que a transforma de ciência a partir de outras ciências em ciência própria, com a ideologia de síntese social em contraposição às consciências individuais. Nesse diapasão, no sistema Comteano a sociologia geral teve seu surgimento como uma ciência natural e multicultural por seus métodos distintivos e conglomeradores da sociedade. No entanto, apenas com Durkheim a sociologia jurídica surge e é estudada, principalmente, num aspecto orgânico e mecânico do fato social, em que é contextualizada em apartado às consciências individuais, exercendo coercibilidade sobre os indivíduos e, por fim, possuindo aplicabilidade a toda sociedade.


2. A questão do objeto próprio das ciências humanas 

No que se refere ao objeto próprio, a sociologia enfrentou o problema que importuna todas as ciências jovens, que é a pretensão dos representantes das ciências mais antigas de explicarem, com seus instrumentos e métodos, o objeto das novas ciências. Inicialmente, tanto a física (com o fisicismo), quanto a biologia (com o organicismo) e a psicologia (com o psicologismo), tentaram abarcar a sociedade como sendo seu objeto de estudo (MACHADO NETO, 1987, p. 12-13). Vejamos cada uma dessas vertentes.

a)    O fisicismo – os físicos entenderam possível reduzir a temática sociológica a uma questão de forças ou de energias. A física que tinha o prestígio extraordinário da mais positiva das ciências naturais, apresentou-se como mecanicismo social e energismo social, para os quais a vida social seria um campo de atuação de forças físicas (MACHADO NETO, 1987, p. 13-14).

b)    O biologismo – os biólogos entenderam possível reduzir a temática sociológica a uma projeção a mais da vida orgânica, possuindo três grandes vertentes: o organicismo (que comparava o “corpo” político-social com o organismo humano), o racismo (destacada a pseudociência de Hitler, ideologia justificadora do imperialismo nazista) e o dawinismo social (derivado sócio-cultural do evolucionismo darwiniano, sendo a expressão mais fecunda do biologismo, inspirado na lei biológica da luta pela vida e sobrevivência dos mais aptos, intentando interpretar a sociedade e a história em termos de lutas de raças) (MACHADO NETO, 1987, p. 13-14).

c)    O psicologismo – surge como crítica ao fisicismo e ao biologismo, tendo como grande expoente Gabriel Tarde, que afirmava que a sociologia era produto das representações, tendências, sentimentos vontades das consciências individuais. Ou seja, a sociedade seria a soma das consciências individuais, sendo da mesma natureza que suas parcelas. Assim, “implicitamente, reduz tarde o social ao psíquico e o aparente imperialismo sociológico encontradiço em suas páginas cede o posto a um verdadeiro imperialismo psicológico” (MACHADO NETO, 1987, p. 15-16). 

Contra o psicologismo de Tarde surge o sociologismo de Émile Durkheim, que substitui a idéia de soma das consciências individuais, pela idéia de síntese. Na síntese o resultado será diverso das parcelas, então torna-se possível falar de um objeto próprio para a sociologia. Se o fato social é coercitivo, se ele exerce uma pressão sobre a vontade individual, obviamente ele tem natureza diversa dessa vontade. Assim Durkheim conquista para a sociologia um objeto próprio. O social é apenas igual a si próprio, é algo peculiar, diferente do físico, do biológico e do psicológico (MACHADO NETO, 1987, p. 16-17).

Contudo, mesmo sendo o social diferente do físico, do biológico e do psíquico, para o positivismo de Durkheim, a sociedade poderia ser compreendida da mesma forma que os fenômenos da natureza, ou seja, os fatos sociais poderiam ser estudados através dos mesmos métodos científicos empregados pelas ciências naturais, sendo possível estabelecer “leis” que explicassem os fenômenos sociais, tais quais as leis de Newtown para explicar os fenômenos da física (BURIGO e SILVA, 2003, p. 129).

Uma vez conquistado um objeto próprio para a nova ciência, surge o problema da extensão do objeto, existindo duas tendências, quais sejam: a sociologia enciclopédica e a sociologia especial.

a)    Sociologia enciclopédica – em suas origens do século XIX, a sociologia assumiu uma pretensão universalista, ou seja, a sociologia quis ser a ciência total da sociedade. Aos poucos essa pretensão universalista foi decaindo e a sociologia foi obrigada a reconhecer a autonomia das outras ciências sociais (MACHADO NETO, 1987, p. 20 – 21).

b)   Sociologia especial – o sociólogo foi admitindo que, por exemplo, o jurídico é um fenômeno de ordem social e o que nele haja desse suporte social é tema do sociólogo (sociologia jurídica). Enquanto o que nele é propriamente jurídico deve ser objeto de tratamento autônomo de outra ciência: a ciência do direito. O mesmo acontecendo com a economia, a história ou a pedagocia científica, para exemplificar (MACHADO NETO, 1987, p. 21).


3. Naturalismo e Culturalismo

Como as ciências naturais, além da matemática, eram as únicas conhecidas pelo homem, os iniciadores da sociologia conceberam esta ciência como uma física-social ou uma biologia da sociedade, ou seja, como uma ciência natural a mais, irmã da física, da química e da biologia (MACHADO NETO, 1987, p. 24).

Portanto, é como mais uma ciência natural que a sociologia se origina no sistema positivista de Augusto Comte, dividindo a sociologia em estática e dinâmica sociais, sendo a primeira o estudo da ordem (indivíduo, família e sociedade) e a segunda o estudo do progresso (progresso da inteligência, da ação e da afetividade) na sociologia (MACHADO NETO, 1987, p. 25).

Embora o naturalismo não se encontre totalmente superada, havendo muitos autores americanos que ainda consideram a sociologia como sendo uma ciência natural, a reação ao naturalismo é bem antiga. O culturalismo, que se utiliza das lições de epistemologia alemã das ciências da cultura, para fundamentar a sociologia em bases diversas da ciência natural, teve em Dilthey o principal precursor dessa reação (MACHADO NETO, 1987, p. 28).

Wilhelm Dilthey, em sua obra “Introdução às ciências do espírito”, defende que a filosofia da historia e a sociologia não são verdadeiras ciências, mas, apesar dessa posição negativa em face da sociologia, foi este teórico que possibilitou a reação culturalista em sociologia. Isto porque Dilthey propôs um dualismo epistemológico, ou seja, dividiu as ciências em duas espécies: as da natureza e as do espírito, minando a idéia positivista de Comte, que reduzia todo saber válido à pura ciência, qual seja: a ciência natural (MACHADO NETO, 1987, p. 29).

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Para Dilthey, sendo de diferentes espécies, as diferentes ciências mereciam métodos distintos. A explicação para o caso das ciências da natureza e a compreensão para o das ciências do espírito, uma vez que nesta última “o objeto e o sujeito se identificam, dada a possibilidade de reviver qualquer evento humano, mesmo inédito, para a nossa experiência pessoal, pois ele é sempre motivado por uma finalidade que faz sentido para qualquer ser humano” (MACHADO NETO, 1987, p. 29).


4.  Os precursores da Sociologia Jurídica.

Os sofistas gregos foram os primeiros “antepassados diretos de um tratamento empírico do direito em termos a prenunciar uma sociologia jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p. 93).  Segundo Alf Ross, “os sofistas oferecem o primeiro intento de formular uma teoria sociológica de relação entre o direito, por um lado, e o poder e o interesse por outro, e do conflito entre os grupos sociais” (1963, p. 228).

O movimento sofístico foi resultante de uma dupla crise na Grécia. A primeira delas se constitui numa crise do saber, uma vez que os sofistas eram a expressão de uma justificada desconfiança na razão, resultado da contrariedade entre as várias respostas dadas pelos chamados “filósofos da natureza” (ou pré-socráticos) à questão ontológica (o que é o ser?). Advogaram, pois, que se abandonasse a razão e que fosse utilizada a história como instrumento para buscar a verdade, gerando um relativismo, segundo o qual “o homem é a medida de todas as coisas” (Protágoras) (MACHADO NETO, 1987, p. 93-94).

A segunda crise caracteriza-se como uma crise social, sobretudo após a guerra contra os Persas, que possibilitou a transição entre o sistema aristocrático e o sistema democrático na Grécia. As armas no período que antecedeu as Guerras Pérsicas, eram privilégios da Aristocracia, contudo, para frear o exército da Pérsia, foi necessário que se disseminasse pelas massas o uso das armas nobres. Vendida a guerra, o plebeu já não mais reconhecia a superioridade dos Ariston (os melhores), “já que agora, ombreados no uso das armas nobres, anteriormente privilégio destes, tinham fundamentos socialmente válidos e eficazes para se considerarem iguais” (MACHADO NETO, 1987, p. 94).

A insubordinação da plebe, aliada ao crescimento econômico decorrente da vitória sobre os persas, possibilitou o surgimento da democracia grega do século V a. c., período também do apogeu da racionalização da vida grega. Contudo, tal transição não se deu sem crise e a crise, em geral, traz consigo a dúvida, já que representa o choque entre crenças opostas. Nessa dualidade de sistemas sociais (aristocracia-democracia), o sofista, já tendo tendência relativista decorrente da crise da razão, realizou uma severa crítica às crenças básicas da vida na Grécia, sobretudo a sua crença mais fundamental, qual seja: a idéia de polis (considerado o oposto da barbárie), que partia do pressuposto que a nomos (lei) era o essencial da vida civilizada. Sendo assim, todas as críticas recaíram sobre a lei, fazendo dos sofistas “a um só tempo, os inauguradores explícitos de uma filosofia social ou antropológica”, como também “precursores da sociologia jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p. 94-95).

Os sofistas eram professores itinerantes o que possibilitava uma abordagem da sociedade sem maiores compromissos com os interesses locais, uma vez que estavam sempre na situação privilegiada do “estranho sociológico”. Os sofistas eram remunerados para ensinar retórica e dialética, ou seja, a arte da política aos jovens ambiciosos da época, que tanto careciam desses ensinamentos para os debates políticos da democracia direta (MACHADO NETO, 1987, p. 96).

Essa “venda” da filosofia pelos sofistas foi recebida com maus olhos pelos filósofos tradicionais gregos, que, sendo aristocratas, consideravam que o homem livre tinha no oikos (a casa) a tranqüila satisfação de suas necessidades, não precisando trabalhar. O cidadão verdadeiramente livre era aquele apenas preocupado com os afazeres da cidadania, da conversação inteligente e da vida desportiva e artística, ou seja, para ser livre o cidadão não poderia ter a necessidade de trabalhar para se sustentar. A maldição do trabalho se aplicava apenas às mulheres e aos escravos, uma vez que estes eram inferiores ao homem cidadão grego. “vender o produto da inteligência seria abastardar-se, o homem livre, a uma situação apenas digna do escravo” (MACHADO NETO, 1987, p. 96).

Mas os sofistas, por serem estrangeiros itinerantes, não possuíam o oikos, ou seja, não tinha a mesma tranqüilidade econômica do homem livre, sendo, assim, compelidos à profissionalização, que agora tinha um amplo mercado, dado o surgimento do regime democrático. Neste campo, os sofistas fizeram a importante distinção entre o que seria justo segundo a natureza (physis) e o que seria justo por mera convenção dos homens (nomoi), usada como arma ideológica de relativização e derrubada do direito positivo (MACHADO NETO, 1987, p. 97-98).

É assim que para Cálicles, personagem platônico, a lei é uma violência para natureza, uma vez que tornam iguais os que a natureza fez desiguais. Em sentido diametralmente oposto, Hípias afirma que a natureza faz todos os homens iguais, ao passo que a lei democrática da polis torna-os desiguais, sendo a “tirana dos homens”. No mesmo sentido Antiphon afirmou que a lei seria verdadeiramente a “cadeia da natureza”. Toda essa discussão leva a uma relativização do direito, que perde sua força obrigatória e se “reduz então a mera força exterior aos indivíduos, que os obriga e constrange sem sua adesão voluntária”. (MACHADO NETO, 1987, p. 99).

A expressão mais sociológica da sofística foi Trasímaco da Calcedônia, que sustentou que o direito era fruto dos interesses dos mais fortes, assim, ao direito positivo se opunha um direito natural, justo, imutável e eterno. A idéia de justiça atrelada ao direito positivo seria apenas uma máscara para ocultar a ambição do mais forte (MACHADO NETO, 1987, p. 99).

Contudo, o relativismo sofistico foi vencido pelo racionalismo dos chamados filósofos socráticos (Sócrates, Platão e Aristóteles), destes, Aristóteles é considerado por muitos teóricos como precursor da sociologia, uma vez que em suas obras há uma forte tendência empirista e realista no tratamento das leis e da organização do governo. Aristóteles reuniu 158 constituições de povos gregos e bárbaros como material empírico sobre o qual, utilizando-se do método indutivo (do particular para o geral), construiu as generalizações de sua obra mais importante a “Política”, comportando-se de maneira semelhante ao moderno sociólogo do direito. Ou seja, Aristóteles se debruçou sobre a realidade jurídica de diferentes povos para descobrir o que havia de genérico na vida política dos povos. Contudo, o grande pensador grego cometeu o erro de se deixar levar pela ideologia escravocrata e patriarcal da época, julgando ser natural a inferioridade dos escravos e das mulheres, sem tratar, não desenvolvendo idéias que pudessem desmascarar a ideologia presente por trás dessas idéias de desigualdade natural, como fizeram os sofistas (MACHADO NETO, 1987, p. 100-101).

Durante a Idade Média, dado o jusnaturalismo teológico dominante à época, não foi possível o desenvolvimento de uma sociologia jurídica. Ora, a lei era fundamenta em Deus, discutir a lei seria o mesmo que discutir os desígnios divinos, salvo algumas concepções, como a de Tomás de Aquino, que admitia uma relativização dos “mandados supremos do direito natural tendo em vista as circunstâncias históricas e as necessidades sociais” (MACHADO NETO, 1987, p. 101-102).

Já no mundo moderno, após os movimentos do Renascimento e da Reforma, inicia-se um movimento de secularização (substituição do jusnaturalismo teológico pelo jusnaturalismo racionalista), que foi fundamental para iniciar o processo de formação de um tratamento sociológico das realidades jurídicas (MACHADO NETO, 1987, p. 102).

Mas somente com Montesquieu vamos encontrar uma atitude precursora dos modernos estudos sociológicos no âmbito jurídico. Este teórico estudou a influencia dos fatores climáticos, da região, dos costumes e da extensão geográfica sobre a organização social de cada povo (MACHADO NETO, 1987, p. 102-103).

Em um dos seus primeiros escritos, “As cartas persas”, publicadas anonimamente, Montesquieu empreendeu dura crítica aos costumes e atitudes da sociedade francesa do século XVIII, dominada pela teologia católica e pela monarquia absoluta dos Luises. Nestes escritos o teórico assume uma posição relativista, segundo a qual a diversidade de costumes dos povos se traduz em sua concepção das leis, ou seja, em cada nação há uma ciência pela qual ela regula sua política (SORIANO, 1997, p. 63-64).

Tal relativismo também aparece em sua obra “Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos”, no qual afirma que não é o azar ou a sorte que regem os destinos dos povos e a sucessão da história, mas sim leis internas, que são determinadas por um conjunto de fatores físicos ou espirituais (SORIANO, 1997, p. 64).

Finalmente na sua grande obra “O espírito das leis”, na qual apresenta sua teoria sobre a separação dos poderes, Montesquieu afirma que a lei, em seu significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas, que engloba tanto a natureza física (solo, clima, número de habitantes etc), quanto os fatores sociais (costumes, religião, comercio, moeda etc). As leis, segundo o autor, devem adaptar-se aos caracteres físicos do país, ao clima, à qualidade do terreno, ao gênero de vida dos povos, à religião dos habitantes, a suas inclinações, riquezas, a seu número, comércio, costumes e maneiras. O espírito dos povos é relativo, conclui Montesquieu, não é prévio ou racional, mas sim um elemento posterior e derivado da experiência, resultante de causas diversas (SORIANO, 1997, p. 64-65).

Depois de Montesquieu, a Escola Histórica, de Hugo Grotius, Savigny e Puchta, numa crítica ao racionalismo e à Escola da Exegese, afirmou que a experiência jurídica seria uma experiência histórico-cultural e o direito, neste contexto, seria como “uma realidade viva e concreta tanto como a língua e os costumes de um povo”, apontando para um tratamento causal e empírico, ou seja, social do direito (MACHADO NETO, 1987, p. 103).

A obra de Augusto Comte, por sua vez, nasceu numa época de hostilidade ao direito, considerado um dado metafísico, não realizando, portanto, uma associação entre sociologia e direito, supondo o direito como uma manifestação da etapa metafísica (Lei dos Três Estados: teológico, metafísico e positivo) e destinada a desaparecer no período positivo ou científico, “quando a humanidade estaria servida de uma aparelhagem de controle social que seria científica (política positiva) e não mais metafísica (direito) (MACHADO NETO, 1987, p. 103).

Comte considerou o direito como uma categoria estéril, como um conceito próprio de um Estado superado, isto porque o conceito de direito subjetivo, como garantia do indivíduo, não se amoldava ao princípio da solidariedade social, que entendia o sujeito dentro de um mundo de relações com o todo social, enfatizando a obrigação do sujeito de prestar as funções necessárias para o progresso social. É assim que Comte substitui a idéia de direito pela de dever, afirmando que o sujeito social nada teria de direito frente aos outros, mas sim deveres para com todos (SORIANO, 1997, p. 71-72).

Também o marxismo defende o desaparecimento do direito no futuro, visto que este seria um fenômeno da superestrutura, nascido da divisão da comunidade primitiva, na qual todos eram iguais, em oprimidos e opressores. Ou seja, o direito, assim como o próprio Estado, seria um instrumento da classe dominante para gerar obediência à classe dominada. Ora, se o direito era fruto da luta de classes, este seria inútil quando do desaparecimento das classes na sociedade comunista do futuro (MACHADO NETO, 1987, p. 103-104).

Apesar dessas idéias precursoras, apenas com a Escola Objetiva Francesa, a sociologia jurídica alcança o nível de cientificidade da sociologia geral. Veremos agora dois dos seus principais teóricos: Durkheim e Fauconnet.

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Sobre a autora
Chiara Ramos

Doutoranda em ciências jurídico-políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa/Universidade de Roma - La Sapienza. Graduada e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Procuradora Federal, em afastamento das atividades para estudo no exterior. Professora de Direito Constitucional e Direito Administrativo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Chiara. Introdução à Sociologia Jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4132, 24 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29810. Acesso em: 18 mar. 2024.

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