Há muito é confundida a posição do cônjuge sobrevivente na herança do falecido, acreditando-se que metade da herança sempre lhe será reservada. No entanto, ele somente assume a real qualidade de herdeiro na inexistência de herdeiros descendentes e ascendentes.
Em existindo representantes das classes antes referidas, o cônjuge nunca herda.
Assim, cabe introduzir o tema esclarecendo que a parte que cabe ao cônjuge sobrevivente, em muito confundida com herança, não caracteriza direito sucessório. O que lhe toca tem fundamento na extinção do vínculo matrimonial em decorrência da morte de um dos componentes da sociedade conjugal, isto é, no regime da comunhão universal, e no regime de comunhão parcial, ocorrerá a divisão do patrimônio adquirido durante o casamento. Possui o cônjuge sobrevivente, apenas a meação dos bens do casal, isto é, a metade daqueles bens conquistados na constância do casamento.
A condição de herdeiro, por outro lado, será somada a de meeiro sempre que inexistam os primeiros herdeiros que o antecedem na ordem da vocação hereditária (artigo 1.603 – Lei nº 3.071/16 - Código Civil em vigor). Ao contrário dos herdeiros descendentes e ascendentes, o cônjuge não é herdeiro necessário e sim facultativo. Assim, em não possuindo herdeiros necessários, mesmo que casado, não importando o regime de bens adotado, poderá o titular da herança dispor de sua totalidade por testamento, pois o cônjuge é mero herdeiro facultativo.
Ensina Arnaldo Rizzardo serem inúmeras as críticas quanto ao lugar ocupado pelo cônjuge na ordem da vocação: "Na verdade, parece que, em vista dos laços matrimoniais, que envolvem duas existências entrelaçadas pelo afeto, pela união, pelos esforços comuns e sacrifícios, mais consentâneo com a realidade seria colocar o cônjuge depois dos descendentes."1
Cabe, por outro lado, destacar que, esta, nem sempre foi a posição do cônjuge na ordem da vocação hereditária.
Pelo Direito Brasileiro anterior ao Código Civil, prevalecia na sociedade conjugal o regime da comunhão de bens, na falta de contrato antenupcial em contrário; por isso, cabia ao consorte supérstite, por direito próprio, não como herança, a metade do acervo resultante de se confundirem os patrimônios dos dois esposos; tocava-lhe em partilha a outra metade, se não havia descendentes, ascendentes, nem colaterais até o décimo grau 2.
No regime das Ordenações o cônjuge herdava, em quarto lugar, após os colaterais. Somente com o Decreto nº 1.839/1907, conhecida por Lei Feliciano Pena, passou a ocupar o terceiro lugar, no que foi seguido pelo Código Civil, no seu artigo 1.611.
A Lei nº 4.121 de 1962 e, posteriormente a Lei nº 6.015/77, deram nova redação a este artigo.
Com a edição da nova Lei nº 10.406 de 10-01-2002, o cônjuge passa a ocupar lugar de destaque sendo-lhe atribuída a qualidade de herdeiro necessário.
No entanto, a redação do artigo 1.829 nos leva, com certeza, a inúmeras indagações, já que impossível afirmar ser de fácil e claro entendimento.
A nova ordem da vocação hereditária defere a herança em primeiro lugar, "aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (artigo 1640, parágrafo único); ou se no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares".
Assim, se impõe que a interpretação seja realizada parte à parte.
A primeira conclusão que se extrai da disposição legal é que o cônjuge só poderá herdar, em concorrência, quando o falecido deixou patrimônio particular, isto é, bens adquiridos antes da união.
Logo, se o falecido não possuía bens particulares o cônjuge não herda, só recebe a meação. Isto demonstra claramente o caráter protetivo do instituto.
Havendo patrimônio particular, ele receberá, além de sua meação, se casado sob o regime de comunhão parcial ou da separação convencional, já que a lei não o exclui, mais uma parcela sobre todo o acervo.
Para melhor esclarecer, se o regime de casamento era o da comunhão universal ou da separação obrigatória, (artigo 1.641 e não o artigo 1.640 – parágrafo único como o legislador equivocadamente fez constar), o cônjuge não herdará.
Não herda, também, se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não tiver deixado bens particulares, porque aí tocar-lhe-á apenas a meação.
O que importa, pela real finalidade do instituto em estudo, é a proteção ao cônjuge.
Quando em concorrência com os descendentes, conforme o disposto no artigo 1.832, caberá ao cônjuge sobrevivo quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança se for ascendente dos herdeiros com quem concorre.
No entanto, se uma pessoa falece deixando três filhos de casamento anterior, a herança dividir-se-á em quatro partes iguais, partilhando-se, portanto, por cabeça, cabendo uma das partes ao cônjuge e aos demais aos descendentes.
Todavia, se os descendentes forem filhos comuns, o sobrevivo nunca poderá receber quota inferior a quarta parte. Assim, conforme ensina Maria Helena Diniz em seu Curso de Direito Civil, recentemente publicado e de acordo com a nova lei: "se tais filhos também forem do cônjuge sobrevivo a participação deles ficará reduzida diante do limite da quota mínima estabelecida legalmente, pois, se a parte do cônjuge não pode ser inferior a ¼, eles concorrerão a ¾ da herança". Logo, afirma a autora, se a herança for de cem mil reais, o cônjuge receberá 25 mil e entre os quatro filhos serão divididos os setenta e cinco mil reais restantes.
Ao concorrer com os ascendentes do falecido (art. 1.836), agora em segundo lugar na ordem da vocação hereditária, a vantagem do cônjuge supérstite, de certo modo, se amplia, isto é, concorrerá independente do regime de casamento adotado pelos nubentes.
Concorrendo com os pais do cônjuge falecido, dividirá a herança por três, cada um será herdeiro por cabeça: pai, mãe e cônjuge.
Porém, se um dos ascendentes do falecido for pré-morto, a herança partir-se-á igual por igual entre o cônjuge e o ascendente sobrevivente.
Da análise dos dispositivos pertinentes verifica-se a extinção da figura do usufruto vidual. A razão é cristalina. Ora, o usufruto vidual tinha a finalidade precípua de proteger o cônjuge sobrevivente das agruras da vida amparando-lhe se permanecer o estado de viuvez. Com a nova previsão legislativa, na qualidade de herdeiro necessário, ele não está mais a descoberto. Assevera Maria Helena Diniz que o direito ao usufruto só tem cabimento nos ordenamentos em que o cônjuge sobrevivo não participa da herança.
Persiste no entanto, mais uma vez a demonstrar a proteção do legislador, o direito real de habitação naqueles casos em que o imóvel destinado à residência da família, seja o único daquela natureza a inventariar. A modificação do direito de habitação se reflete na extensão do direito a todos os regimes matrimoniais, sem distinção, como ocorria no direito anterior ao que Orlando Gomes já qualificava de ‘injustificável’. O direito real de habitação incide em prédio residencial, contanto que seja o único desta espécie a inventariar. Sendo o bem a residência do sobrevivente, isto já implica, sem solução de continuidade, na imposição do gravame. Existindo outros bens o direito não se institui. Mas uma mudança se faz presente, pois restou afastada a limitação do gravame a manutenção do estado de viuvez do sobrevivente.
Para finalizar, cabe destacar que embora as inovações contidas no novo diploma, continua em vigor em nosso Ordenamento o princípio da liberdade relativa de testar, ou seja, em existindo herdeiros necessários, não poderá o titular da herança dispor, através de testamento, da totalidade de seus bens. Necessariamente, deverá preservar a parte que a lei lhes resguarda, denominada de ‘legitima dos herdeiros necessários’. Com a inclusão do cônjuge na qualidade de herdeiro necessário (artigo 1.845), aquele testador que na inexistência de descendentes ou ascendentes poderia dispor de todo o seu patrimônio sem nada reservar ao cônjuge que era herdeiro facultativo, pela nova lei não mais poderá fazê-lo devendo, por conseguinte, reservar-lhe a parte protegida por lei.
Ademais, isto alcança os testamentos realizados anteriormente a vigência do novo regramento já que a lei que regula a transmissão de bens em virtude do falecimento de seu titular é aquela vigente à época da abertura da sucessão (artigo 1787 – nova lei). Logo, se um indivíduo sem herdeiros necessários (descendentes e ascendentes), no ano 2000 dispôs de seus bens em favor de um sobrinho, muito próximo afetivamente, sem contemplar o cônjuge levando em consideração a existência de meação a favor deste, vindo a falecer em 2003, terá afetadas as disposições testamentárias, que necessariamente sofrerão redução em virtude do disposto no artigo 1.967 e seus parágrafos.
Assim, as modificações trazidas pelo legislador em matéria de direito sucessório beneficiam o cônjuge sobrevivente, que inexplicavelmente, era afastado da herança daquele com quem, pela lógica da união que mantiveram, somara esforços, dividira afetividade e companheirismo para, ao final, ser considerado apenas um mero sócio. Com acerto, a legislação atual contempla-o como herdeiro necessário.
Assim, cabe concluir:
o cônjuge que era herdeiro facultativo passou a ser herdeiro necessário;
concorre com os descendentes, na mesma proporção, quando não tenha sido casado com o falecido pelo regime da comunhão universal ou pelo regime de separação obrigatória e quando pelo regime de comunhão parcial tivesse o autor da herança patrimônio particular;
concorre com os ascendentes sobrevivos em igualdade de condições independente do regime de casamento adotado;
não mais existe o direito ao usufruto vidual;
persiste o direito real de habitação em favor do cônjuge sobrevivo sem limitação pela manutenção do estado de viuvez.
Bibliografia
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RIZZARDO, Arnaldo, Direito das Sucessões, vol. 1. e 2, ed. Aide, 1996, 1a. ed.
Notas
1 Arnaldo Rizzardo – Direito das Sucessões – Vol 1, ed. Aide,1996, pág. 181.
2 Carlos Maximiliano – Direito das Sucessões – Vol 1 – ed. Liv. Ed. Freitas Bastos – 1937, pág. 186.
3 Maria Helena Diniz – Curso de Direito Civil Brasileiro – vol 6, ed. Saraiva, 2002, pág. 106.