Antes de adentrarmos nas características do Estado brasileiro, faz-se importante uma breve análise da definição de país, Estado e território.
Consoante José Afonso da Silva, país é palavra que se refere aos aspectos físicos, ao habitat, à paisagem territorial. O termo país manifesta a unidade geográfica, histórica , econômica e cultural das terras ocupadas pelos brasileiros. O nome do país pode ou não coincidir com o nome do respectivo Estado: Espanha (nome de país e de Estado); Portugal (país), República Portuguesa (nome do Estado); Estados Unidos da América do Norte (nome do Estado e do país). Por outro lado, mesmo quando não haja coincidência, não raro se utiliza o nome do país para indicar o Estado. Pois bem, ao país brasileiro chamou-se, inicialmente, Monte Pascoal, Terra de Santa Cruz e, por fim, Brasil (terra do pau cor de brasa) .
Estado, por sua vez, é uma ordenação que tem por fim específico e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma dada população sobre um dado território, na qual a palavra ordenação expressa a idéia de poder soberano, institucionalizado.
De tal sorte, pode-se dizer que o Estado é constituído por quatro elementos essenciais: um poder soberano de um povo situado num território com certas finalidades. E a constituição, é o conjunto de normas que organizam estes elementos constitutivos do Estado: povo, território, poder e fins .
Uma coletividade territorial, pois, só adquire a qualificação de Estado, quando conquista sua capacidade de autodeterminação, com a independência em relação a outros Estados. Foi o que se deu com o Estado brasileiro, proclamado independente em 1822, assumindo a condição de ente com poder soberano num território de mais de oito milhões e meio de quilômetros quadrados, com população superior a cento e setenta milhões de pessoas, com os fundamentos, objetivos (finalidades) e estrutura previstos nos arts. 1º, 2º e 3º da Constituição.
República Federativa do Brasil condensa o nome do Estado brasileiro – República Federativa do Brasil -, o nome do país – Brasil – a forma de Estado, mediante o qualificativo Federativa, que indica tratar-se de Estado Federal, e a forma de governo – República. Pátria é termo que exprime sentimentos cívicos.
Território é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens. Ou, como expressa Kelsen: é o âmbito de validez da ordenação jurídica chamada Estado.
O modo de exercício do poder político em função do território dá origem ao conceito de forma de Estado. Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se Estado unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado Federal ou Federação de Estados.
A repartição regional de poderes autônomos constitui o cerne do conceito de Estado federal. Nisso é que ele se distingue da forma de Estado unitário (França, Chile, Uruguai, Paraguai e outros), que não possui senão um centro de poder que se estende por todo o território e sobre toda a população e controla todas as coletividades regionais e locais. É certo que o Estado unitário pode ser descentralizado e, geralmente, o é, mas essa descentralização, por ampla que seja, não é de tipo federativo, como nas federações, mas de tipo autárquico, gerando uma forma de autarquia territorial no máximo, e não uma autonomia político-constitucional, e nele as coletividades internas ficam na dependência do poder unitário, nacional e central. É certo, também, que, entre o Estado federal e o unitário, vem-se desenvolvendo outra forma de Estado: o Estado regional ou Estado autonômico (Itália, Espanha).
O federalismo, como expressão do Direito Constitucional, nasceu com a Constituição norte-americana de 1787. Baseia-se na união de coletividades políticas autônomas. Quando se fala em federalismo, em Direito Constitucional, quer-se referir a uma forma de Estado, denominada federação ou Estado Federal, caracterizada pela união de coletividades públicas dotadas de autonomia político-constitucional, autonomia federativa.
O Brasil assumiu a forma de Estado federal, em 1889, com a proclamação da República, o que foi mantido nas constituições posteriores, embora o federalismo da Constituição de 1967 e de sua Emenda 1/69 tenha sido apenas nominal. A Constituição de 1988 recebeu–a da evolução histórica do ordenamento jurídico. Ela não institui a federação. Manteve-a mediante a declaração, constante no art. 1º, que configura o Brasil como uma República Federativa. Vale afirmar que a forma do Estado brasileiro é a federal.
Forma de governo se refere à maneira como se dá a instituição do poder na sociedade e como se dá a relação entre governantes e governados. Responde a questão de quem deve exercer o poder e como este se exerce.
Aristóteles concebeu três formas básicas de governo: a monarquia, governo de um só; a aristocracia, governo de mais de um, mas de poucos, e a república, governo em que o povo governa no interesse do povo.
O art. 1º da Constituição não instaura a República. Recebe-a da evolução constitucional, desde 1889. Mantêm-na como princípio fundamental da ordem constitucional. Desde a Constituição de 1891, a forma republicana de governo figura como princípio constitucional, hoje não mais protegido contra emenda constitucional, como nas constituições anteriores, já que a forma republicana não mais constitui núcleo imodificável por essa via; só a forma federativa continua a sê-lo.
Outro conceito é o do sistema de governo, que não se confunde com forma de governo. Sistema de governo diz respeito ao modo como se relacionam os poderes, especialmente o Legislativo e o Executivo, que dá origem aos sistemas parlamentarista, presidencialista e diretorial.
Assim, temos que o Brasil tem como forma de governo a república; sistema de governo, o presidencialista e forma de Estado, a federação.
Superada as observações acerca da estrutura do Estado brasileiro, passemos a analisar a questão do constitucionalismo no Brasil.
A idéia de Constituição precede ao próprio constitucionalismo, entendido esse como um movimento político-constitucional que pregava a necessidade da elaboração de Constituições escritas que regulassem o fenômeno político e o exercício do poder, em benefício de um regime de liberdades públicas. Isso porque, em qualquer época e em qualquer lugar do mundo, em havendo Estado, sempre houve e sempre haverá um complexo de normas fundamentais que dizem respeito com a sua estrutura, organização e atividade.
Aristóteles distinguia entre uma categoria de normas que organizavam e fixavam os fundamentos do Estado (as normas de organização), e as normas comuns (as regras) que eram elaboradas e interpretadas em consonância com as primeiras. Tal distinção, porém, somente veio a ser valorizada no século XVIII, a partir do movimento denominado constitucionalismo, que surgiu, inicialmente, com o propósito de limitar o poder, afirmando a existência de leis que seriam a ele anteriores e superiores. É daí em diante que a expressão Constituição passou a ser empregada para designar o corpo de normas que definem a organização fundamental do Estado.
O constitucionalismo, portanto, deve ser visto como uma aspiração de uma Constituição escrita, que assegurasse a separação de poderes e os direitos fundamentais, como modo de se opor ao poder absoluto, próprio da primeira forma de Estado. Não é por acaso que as primeiras Constituições do mundo (exceto a norte-americana) tratam de oferecer resposta ao esquema do poder absoluto do monarca, submetendo-o ao controle do parlamento.
A idéia e necessidade de Constituição ganhou força no liberalismo político e econômico, que triunfa com as revoluções dos séculos XVIII e XIX. No plano econômico, o liberalismo afirma a virtude da livre concorrência, da não-intervenção do Estado, enfim, o laissez-faire, que enseja a expansão do capitalismo. No plano político, o liberalismo encarece os direitos naturais do homem, que tolera o Estado como um mal necessário e exige, para prevenir eventuais abusos, a separação de poderes que Montesquieu teorizou no seu Espírito das Leis. A dizer, a concepção liberal do Estado nasceu de uma dupla influência: de um lado, o individualismo filosófico e político do século XVIII e da Revolução Francesa, que considera como um dos objetivos essenciais do regime estatal a proteção de certos direitos individuais contra os abusos da autoridade; de outro lado, o liberalismo econômico dos fisiocratas e de Adam Smith, segundo o qual o Estado é impróprio para exercer funções de ordem econômica .
A origem formal do constitucionalismo moderno está ligada às constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos das Américas, de 1787, e da França, de 1791, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de Direitos e Garantias Fundamentais. Já no constitucionalismo moderno, a noção de Constituição envolve uma força capaz de limitar e vincular todos os órgãos do poder político. Por isso mesmo, ela é concebida como um documento escrito e rígido, manifestando-se como uma norma suprema e fundamental, porque hierarquicamente superior a todas as outras, das quais constitui o fundamento de validade que só pode ser alterado por procedimentos especiais e de responsabilização jurídico-política do poder que a desrespeitar, inclusive por meio do controle de constitucionalidade dos atos do parlamento.
Em decorrência dessa irrecusável posição de norma jurídica suprema, exige a Constituição que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e regras que ela adota. Essa indeclinável e necessária compatibilidade vertical entre as leis e atos normativos com a Constituição satisfaz, por sua vez, o princípio da constitucionalidade: todos os atos normativos dos poderes públicos só são válidos e, conseqüentemente, constitucionais, na medida em que se compatibilizem, formal e materialmente, com o texto supremo. Essa compatibilização deve ser formal, no sentido de que devem estar de acordo com o modo de produção legislativo tracejado na carta maior; e material, de modo que o conteúdo desses atos guarde harmonia com o conteúdo da lei magna. Assim, a superioridade jurídica da Constituição implica, na prática brasileira, a revogação de todas as normas anteriores com ela materialmente contrastantes e a nulidade de todas as normas editadas posteriormente à sua vigência.
Passaram, pois, as constituições a configurar um novo modelo de Estado, então liberal e passivo, agora social e intervencionista, conferindo-lhe tarefas, diretivas, programas e fins a serem executados através de prestações positivas oferecidas à sociedade. A história, portanto, testemunha a passagem do Estado liberal ao Estado social e, conseqüentemente, a metamorfose da Constituição, de Constituição Garantia, Defensiva ou Liberal para Constituição Social, Dirigente, Programática ou Constitutiva.
O Estado Moderno, ou Estado do Bem-Estar Social, adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as Constituições passaram a discipliná-lo sistematicamente, o que teve início com a revolucionária Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a Constituição de 1934, sob a influência da Constituição alemã de Weimar de 1919, foi a primeira a delinear os contornos da atuação desse Estado intervencionista, do tipo social, dualista, na consecução do seu objetivo de promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. E desde a Carta de 1934 até a atual, o regime constitucional brasileiro tem se pautado por uma conjugação de democracia liberal e de democracia social. Na atual, de 1988, esta assertiva está descortinada nos arts. 170 e 193, respectivamente.
Ressalte-se que todas as normas constitucionais das Constituições rígidas, independentemente de seu conteúdo, têm estrutura e natureza de normas jurídicas, ou seja, são normas providas de juridicidade, que encerram um imperativo, vale dizer, uma obrigatoriedade de um comportamento.
Enfim, todas as normas jurídicas caracterizam-se por serem imperativas. Todavia, na hipótese particular das normas constitucionais, a imperatividade assume uma feição peculiar, qual seja, a da sua supremacia em face às demais normas do sistema jurídico. Assim, a Constituição, além de imperativa como toda norma jurídica, é particularmente suprema, ostentando posição de proeminência em relação às demais normas, que a ela deverão se conformar, seja quanto ao modo de sua elaboração (conformação formal), seja quanto à matéria de que tratam (conformação material). Essa supremacia da Constituição em face às demais entidades normativas advém, naturalmente, da soberania da fonte que a produziu: o poder constituinte originário, circunstância que a distingue, sobremaneira, das outras normas do sistema jurídico, que são postas pelos poderes constituídos. Para além disso, ainda vigora na doutrina a idéia de que a Constituição é suprema em razão da natureza das suas normas, na medida em que estas refletem a real estrutura da organização do poder político de determinado Estado, que elas retratam e disciplinam.
A noção de supremacia é inerente à noção de Constituição, desde que essa superioridade normativa implique a idéia de uma norma fundamental, cujo incontrastável valor jurídico atua como pressuposto de validade de toda a ordem positiva estabelecida no Estado. A Constituição é a base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como norma jurídica fundamental, ela goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas do ordenamento jurídico.
A supremacia da Constituição, sem dúvida, é tributária da idéia de superioridade do poder constituinte sobre todas as instituições jurídicas e políticas vigentes no Estado, de sorte que uma Constituição haure o fundamento de sua supremacia na própria supremacia do poder que a originou. Isso faz com que o produto do exercício deste poder, a Constituição, esteja situado no topo do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade a todas as demais normas, e de referência obrigatória à atuação do poder público, que a ela se encontra vinculado.
A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. Ao STF incumbe a tarefa, magna e eminente, de velar por que essa realidade não seja desfigurada.
De tal sorte, as normas constitucionais, independentemente de sua categoria, seja material ou formal, princípio ou regra, programática ou não, têm idêntica hierarquia formal-normativa e exercem a mesma força normativa ante a realidade à qual se dirigem. A única ressalva que se deve fazer diz respeito ao grau de eficácia imediata que a norma constitucional está capacitada a produzir.
Bibliografia:
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade. Salvador: Juspodium, 2006.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.