Justiça social na concepção de Friedrich August Von Hayek

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21/07/2014 às 11:03

Resumo:


  • A expressão "justiça social" é considerada vazia e enganosa por Friedrich Hayek, que acredita que ela não possui significado concreto e pode levar à coerção dos indivíduos, destruindo a liberdade individual.

  • Hayek argumenta que a ideia de justiça distributiva é uma miragem incompatível com uma sociedade de homens livres, onde a distribuição de riqueza é orientada pelo mercado e não por um poder centralizador.

  • A busca por igualdade material através da intervenção estatal, segundo Hayek, leva a tratamentos desiguais entre os indivíduos e é incompatível com a liberdade, sendo que a verdadeira justiça social deveria ser baseada em normas gerais aplicáveis a todos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ponto crucial da relação entre justiça social e liberdade é a total incompatibilidade existente entre ambas.

Sumário: 1. Introdução – 2. A falácia da justiça social em uma ordem espontânea – 3. Expectativas e oportunidades: uma teoria de igualdade – 4. Justiça social e liberdade – 5. Referências bibliográficas.

Resumo: Observações de Frederich August von Hayek sobre o conteúdo da expressão “justiça social” são relevantes no contexto jusfilosófico milenar que tem na busca pelo preenchimento do conteúdo da ideia de justiça como marco fundamental de discussões. O autor, dentro do contexto do pensamento liberal, conclui que a expressão é vazia. Este vazio é responsável por inúmeras decepções dos indivíduos e explica a incapacidade do Estado moderno em alcançar todas as situações que sê-lhe apresentam.

 Palavras-chaves: Justiça Social – Liberalismo – Percepção social de “justiça”. 


1. INTRODUÇÃO

Em capítulo de nossa dissertação de mestrado,[1] vimos o que Hayek entende por “norma de conduta justa”, ou seja, os regramentos que são frutos da ordem espontânea (nomos) como sendo as normas que estabelecem os meios para que os particulares possam perseguir seus intentos individuais.

Em contrapartida, segundo ele, existem normas que são voltadas a fins específicos e têm como alvo sujeitos determinados e determináveis (thesis), como são as determinações específicas voltadas a um órgão público e seus funcionários. Neste trabalho, será analisado o que se entende por justiça social.

Ao iniciar o tema, ressalta o autor o abuso na concepção da palavra “ameaça destruir a concepção de lei que fez dela a salvaguarda da liberdade individual”[2]. Na tentativa de conceituar justiça social, Hayek afirma que se trata da reivindicação de que os membros da sociedade se organizem, de modo a possibilitar a distribuição de cotas do produto da sociedade aos diferentes indivíduos ou grupos[3].

Imperioso se faz destacar que antes da disseminação da expressão “justiça social”, já muito se discutia sobre este modelo de justiça. O filósofo John Rawls, em sua obra Uma teoria da justiça, foi um dos grandes seguidores do modelo de justiça distributiva:

Meu objetivo é apresentar uma concepção da justiça que generaliza e leva a um plano superior de abstração a conhecida teoria do contrato social como se lê, digamos, em Locke, Rousseau e Kant. Para fazer isso, não devemos pensar no contrato original como um contrato que introduz uma sociedade particular ou que estabelece uma forma particular de governo. Pelo contrário, a idéia norteadora é que os princípios da justiça para a estrutura básica da sociedade são o objeto do consenso original. São esses princípios que pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam numa posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua associação. Esses princípios devem regular todos os acordos subseqüentes; especificam os tipos de cooperação social que se podem assumir e as formas de governo que se podem estabelecer. A essa maneira de considerar os princípios da justiça eu chamarei de justiça como eqüidade[4].

Verifica-se, portanto, que a concepção de justiça social é o que, por muito tempo, denominou-se “justiça distributiva”, desde a tradição aristotélica[5].

Essa concepção de justiça social que – une os termos merecimento e justiça – conduz diretamente ao pleno socialismo:

uma conseqüência direta desse antropormofismo ou personificação com que o pensamento ingênuo procura explicar todo o processo auto-ordenador. É um sinal da imaturidade de nossas mentes que ainda não tenhamos superado esses conceitos primitivos e continuemos a exigir que um processo impessoal – que propicia uma maior satisfação dos desejos humanos do que qualquer organização humana intencional poderia fazer – se conforme aos preceitos morais desenvolvidos pelos homens para orientar suas ações individuais.

O uso da expressão ‘justiça social’ com este significado remonta a uma data relativamente recente, ao que parece, não mais de cem anos[6].

Ao mencionar Karl Marx,[7] Frederich August von Hayek afirma que ele desconhecia o fato de que a normas espontâneas foram responsáveis pela formação das grandes sociedades, isto porque, criou uma causa física para conceber os preços como resultante dos custos de trabalho e não faz nenhuma relação quanto às condições de vender os produtos:

(...) até hoje, todo marxista é a absolutamente incapaz de compreender aquela ordem autogeradora ou de perceber como uma evolução seletiva que não obedece a lei alguma é capaz de gerar uma ordem que se autogoverna[8].

A crítica de Hayek sobre o custo de trabalho ser equivalente aos preços envolve a total impossibilidade de distribuir os produtos de forma justa, se levássemos em conta apenas a remuneração.

Na verdade, Karl Marx visava o igualitarismo e a ideia de uma distribuição igualitária acabaria por eliminar a possibilidade de os indivíduos decidirem o rumo de seus esforços, o que eliminaria, também, o único incentivo capaz de induzir homens livres a observar as normas morais.

Em um governo em que o homem é compelido a atender reivindicações, este acaba por se afastar de todas as suas concepções morais:

a realização do socialismo daria lugar à extinção da moral privada, a necessidade da política de satisfazer todas as reivindicações de grupos numerosos acarretará a degeneração e a destruição de todos os princípios morais[9].

A moral tem como fundamento a estima que as pessoas possuem pelos seus semelhantes e é isso que faz dela um valor social e pressupõe “uma busca de perfeição e o reconhecimento de que nessa busca alguns são mais bem-sucedidos que outros, sem que se procurem explicações, que talvez jamais cheguemos a encontrar”[10].

Os princípios morais, portanto, permitem a integração dos indivíduos na sociedade.

Além disso, só teríamos justiça se admitíssemos a existência de um poder que coordenasse esforços dos membros da sociedade, objetivando a distribuição dos recursos disponíveis para a sociedade, de modo a satisfazer as necessidades de todos os indivíduos. Hans Friedrich Zacher afirma que a “justiça social” é a síntese da justiça das necessidades, justiça do mérito, justiça das oportunidades e justiça patrimonial - ´justiças´, que tanto se complementam como se podem encontrar em tensão recíproca ou mesmo em contradição[11].

Após analisar os aspectos da concepção de justiça social, surge a seguinte questão: é moral que os homens sejam submetidos aos poderes de direção que teriam de ser exercidos para que os benefícios obtidos pelos indivíduos pudessem ser significativamente qualificados de justos ou injustos?

Sobre esta indagação, Hayek responde:

Exigir justiça de semelhante processo é obviamente absurdo, e selecionar algumas pessoas numa tal sociedade como fazendo jus a uma parcela específica é evidentemente injusto[12].

Arthur Kaufmann equipara a reivindicação da “justiça social” com a busca da “justiça do bem comum” e afirma:

Em última análise, os Programas dos Partidos Políticos são sempre tentativas de dar resposta à questão de saber como é que se pode realizar o bem comum[13].

O autor austro-húngaro reconhece que a justiça social é invocada na quase totalidade dos debates políticos e é, também, a maior reivindicação no que se refere às ações governamentais:

(...) é provável que não existam hoje movimentos políticos profissionais que não apelem, de imediato, para a ´justiça social´ em apoio às medidas específicas que advogam[14].

E, sob a busca constante pela justiça social, afirma que não tornou a sociedade mais justa ou mesmo reduziu a insatisfação dos indivíduos que a compõe. Pior que isso: discorre sobre o perigo da utilização da expressão “justiça social” com o fim de causar emoção moral[15] na sociedade. Exemplifica:

Baseamos-nos na autoridade de um homem como Andrei Sakharov, para dizer que milhões de pessoas na União Soviética são vítimas de um terror que se disfarça por traz do lema de justiça social[16].

Norberto Bobbio também se preocupou em explicitar a consequência desastrosa do estado socialista:

agora estamos lendo outras tantas páginas não menos doutas e documentadas sobre a crise deste estado socialista igualmente mascarado que, com o pretexto de realizar a justiça social (que Frederich August von Hayek declarou não saber exatamente o que seja), está destruindo a liberdade individual e reduzindo o indivíduo a um infante guiado do berço à tumba pela mão de um tutor tão solícito quanto sufocante[17].

Portanto, essa reivindicação constante pela justiça social poderá levar à destruição da liberdade individual:

Acredito que a ‘justiça social’ será, finalmente, identificada como uma miragem que induziu os homens a abandonarem muitos valores que inspiraram, no passado, o desenvolvimento da civilização – uma tentativa de satisfazer um anseio herdado das tradições do pequeno grupo, que é, no entanto, desprovida de significado na Grande Sociedade de homens livres. Infelizmente, esse vago desejo, que se tornou uma das maiores forças aglutinadoras a impelir pessoas de boa vontade à ação, está fadado não só ao malogro. Isso já seria lamentável. Mas, como a maior parte das tentativas de perseguir uma meta inatingível, a luta por esse ideal produzirá também consequências extremamente indesejáveis e, em particular, levará à destruição do único clima em que os valores morais tradicionais podem florescer, ou seja, a liberdade individual[18].

Com isso, nota-se claramente que a expressão justiça social não pode ser adotada como base para ações governamentais intervencionistas. Assim, foge da função do Estado, sob o pretexto de promovê-la – justiça social – interferir no desenvolvimento natural da ordem espontânea numa sociedade liberal.


2. A FALÁCIA DA JUSTIÇA SOCIAL EM UMA ORDEM ESPONTÂNEA

No capítulo 5 de nossa dissertação de mestrado,[19] analisamos a ordem de mercado na concepção de Hayek que antes de discorrer sobre essa ordem específica, enumera dois problemas com relação à reivindicação da justiça social numa ordem de mercado.

Apenas para entender as indagações feitas pelo autor, é preciso esclarecer, em breve síntese, que a ordem de mercado propicia uma correspondência entre as expectativas de diferentes indivíduos e aumenta a perspectiva dos membros da sociedade em ter à disposição bens e serviços[20].

Em primeiro lugar, pergunta se, nesta ordem, o conceito de justiça social pode ter qualquer significado ou conteúdo e, em segundo lugar, se indaga sobre a necessidade – em nome da justiça social – de estabelecer a remuneração através do desempenho ou das necessidades. Expõe as indagações e logo as responde: “A resposta a ambas as questões é certamente não”[21].

Para fundamentar a sua resposta, afirma que numa sociedade de homens livres é inócuo o conceito de justiça social, ou seja, não produz efeito algum. Isto porque, numa sociedade liberal o sentimento de injustiça no resultado do mercado – distribuição de bens materiais – não significa que alguém tenha sido injusto:

Não há um indivíduo nem um grau organizado de pessoas contra os quais o sofredor teria uma queixa justa, e não há normas concebíveis de conduta individual justa capazes, ao mesmo tempo, de assegurar uma ordem viável e de evitar tais frustrações[22].

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Comparam-se estas frustrações inevitáveis às nossas frustrações pessoais, em que não há um causador da injustiça, muito embora esse sentimento seja comum quando, por exemplo, vemos que sofrem os que têm mérito e prosperam os indignos.

A verdade é que numa concepção de sociedade livre, se existe um culpado para uma suposta injustiça é a própria sociedade que tolera um sistema em que todos são livres na escolha de suas ocupações e que admite o fato de que ninguém detém o poder de obrigar outrem a fazer com que os resultados correspondam aos nossos desejos[23].

Para Frederich August von Hayek há apenas uma hipótese em que a expressão “justiça social” faz sentido: em uma ordem dirigida, como o exército.


3. EXPECTATIVAS E OPORTUNIDADES: UMA TEORIA DE IGUALDADE

Não se pode olvidar da concepção de que os indivíduos possuem a expectativa de que cada um obterá o que merece. O mérito é, portanto, o que ameniza as grandes desigualdades.

A obra analisada não ignora a importância dessa expectativa, uma vez que é preciso que os indivíduos acreditem que o seu bem-estar depende de sua eficiência na busca de seus objetivos.

Todavia, ressalta que a expectativa ou a confiança exagerada podem gerar graves frustrações aos que são hábeis, mas fracassam.

O autor vai de encontro, portanto, com todo o pensamento filosófico, defendendo que a livre iniciativa recompensa aqueles que merecem[24].

É temerária, portanto, essa “superconfiança” na ideia de que a capacidade produtiva de uma pessoa será proporcional a sua recompensa.

Outra questão a ser analisada é a expectativa de um salário justo, busca que persiste desde a Idade Média. Fato é que nenhuma norma foi capaz de determinar índices de salariais justos. Constitui ilusão o pensamento de que o Poder Legislativo seria capaz de determinar o que é justo para cada membro da sociedade.

Existe, todavia, a teoria que defende a possibilidade de se adequar à noção da remuneração justa e injusta de acordo com concepção de “valor social” dos serviços. Entretanto, Frederich August von Hayek afirma que não é possível a efetivação dessa teoria e justifica:

Serviços só podem ter valor para pessoas específicas (ou para uma organização), e um determinado serviço terá valores muito diversos para diferentes membros da mesma sociedade. Vê-los de outro modo é conceber a sociedade não como uma ordem espontânea de homem livres, mas como uma organização cujos membros são todos postos a serviço de uma única hierarquia de fins. Isso seria necessariamente um sistema totalitário, no qual a liberdade pessoal não existiria[25].

É impossível mensurar os valores dos diferentes serviços e, além disso, os rendimentos obtidos em diversos serviços não corresponderão aos valores que estes serviços têm para uma determinada pessoa.

Na verdade, as remunerações podem ser determinadas por um valor que não é o “valor social”, mas sim, o valor do serviço para a pessoa que o recebe.

Sobre a questão da remuneração e da inexistência de valor social capaz de caracterizá-la, afirma-se, ainda, que, a “Grande Sociedade Moderna” funcionaria se as remunerações fossem determinadas pela opinião dos indivíduos sobre o seu valor ou, melhor dizendo, “se dependessem da compreensão ou do conhecimento de qualquer pessoa sobre a importância de todas as diferentes atividades necessárias ao funcionamento do sistema”[26].

Da análise da expectativa delineada extrai-se a teoria, não apoiada por Frederich August von Hayek, no sentido de que só teríamos uma sociedade justa quando houvesse igualdade de benefícios materiais para todos os membros da sociedade. Haveria, assim, a distribuição igualitária das recompensas.

Entretanto, ele lembra que os ganhos advindos de uma ordem de mercado não têm essa função de recompensa, mas possui, em contrapartida, a função de orientar as pessoas para o que deve ser feito com o fim de manter a ordem a qual todos pertencem.

Nesse contexto, cada trabalho deverá ter um preço e diversos fatores[27] de produção e não terá qualquer significado fazer considerações sobre justiça. Sendo assim, de onde surge, então, a reivindicação de igualdade material, muitas vezes presente na sociedade?

A resposta é uma só: a crença pela existência de um responsável pelas desigualdades. Nesse aspecto, o autor é categórico ao afirmar que essa crença não tem razão de existir e completa sua posição afirmando que

quando a escolha é entre uma genuína ordem de mercado, que não efetua e não pode efetuar uma distribuição correspondente a qualquer padrão de justiça material, e um sistema em que o governo usa seus poderes para pôr em prática semelhante padrão, a questão não é se o governo deve exercer, justa ou injustamente, poderes que exercerá de qualquer modo, mas se ele deveria ter e exercer poderes adicionais que pudessem ser usados para a estipulação de cotas dos diferentes membros da sociedade[28].

Assim, não deve haver apenas reivindicação para a criação de normas uniformes, que dariam respaldo à distribuição igualitária de bens, mas sim a reivindicação de um governo que assuma novas responsabilidades, ligadas à manutenção da lei e da ordem e que possam atender às demais necessidades coletivas não atendidas pelo mercado[29].

A concepção de igualdade, portanto, está intimamente ligada ao tratamento igualitário dos cidadãos, em conformidade com as mesmas normas.

É preciso lembrar que há um conflito quando se analisa o objetivo de diferentes maneiras de governar colimando a igualdade entre os particulares: o governo que busca tratamento igualitário segundo a lei, e o governo que, interferindo na ordem social por intermédio de instrumentos jurídicos, tem como fim colocar os diferentes cidadãos em condições materiais menos desiguais[30].

Segundo Frederich August von Hayek, muitas noções contemporâneas de justiça social estão focadas na especificidade individual dentro da ordem geral. Mas, no sistema de Frederich August von Hayek, a justiça só pode ser mantida no âmbito do enquadramento jurídico geral em consonância com as regras do jogo. Ações específicas que visam corrigir determinadas situações de “injustiça” falharão na tentativa de remediar a situação e comprometerá o sistema geral.[31] (tradução livre.)

 Neste aspecto, Frederich August von Hayek defende a posição de que, na hipótese de se pretender proporcionar igualdade de posições materiais, o governo acabaria por tratar os indivíduos de maneira desigual:

Na verdade, a fim de assegurar a mesma posição material a pessoas que diferem muito em força, inteligência, habilidade, conhecimento e perseverança, bem como em seu ambiente físico e social, é óbvio que o governo seria obrigado a tratá-las de maneiras muito diferentes para compensar as desvantagens e deficiências que não teria como alterar diretamente[32].

Além disso, o governo que tem como fim proporcionar a igualdade de benefícios, acabaria por gerar desigualdade de posições materiais.

Podemos afirmar, portanto, que o mecanismo de distribuição de riquezas não leva ao tratamento igualitário dos indivíduos, em outras palavras, a distribuição idêntica de riquezas não é, necessariamente, uma distribuição igualitária.

Vale citar, pela propriedade da exposição, o jus-filósofo italiano Norberto Bobbio, ao revelar que os defensores contemporâneos do Estado assistencial democrático tendem a

propugnar os princípios menos extremos da igual satisfação das necessidades fundamentais e da Igualdade de oportunidades. Estas duas regras de nivelamento, andam geralmente unidas a outra regra, inigualitária, de redistribuição: a cada um segundo a sua capacidade. Uma vez atendidas as necessidades mínimas de cada um e tendo todos a mesma possibilidade, inicia-se a competição; a posição ocupada ao fim por cada um dependerá unicamente da sua capacidade ou "habilidade", pelo menos em teoria. Ao contrário do "mérito" de uma pessoa, sua habilidade, entendida como capacidade para uma tarefa específica, pode ser objetivamente determinada, pelo menos teoricamente. Mas, tal como "a cada um segundo o que merece" — e diferentemente de "a cada um segundo a própria necessidade" —, "a cada um segundo a própria capacidade" constitui uma regra inigualitária de redistribuição. (…) Naturalmente não existe contradição em considerar a meritocracia igualitária e justa ao mesmo tempo. Pode até ser considerada injusta, mas desejável por outras razões: injusta porque a capacidade de um indivíduo depende, em parte, de fatores que ele não controla, como uma inteligência inata, a educação ou o treinamento (pelo menos na ausência de uma completa Igualdade de oportunidades de instrução); todavia, desejável, sob o ponto de vista utilitarista, porque os incentivos a uma maior produção aumentarão o bem-estar de todos[33] .

Em artigo publicado sobre a concepção da igualdade no liberalismo, Octávio Luiz Motta Ferraz, traz a ideia da responsabilidade pelas escolhas do indivíduo:

a distribuição das riquezas sociais deve expressar de algum modo as escolhas das pessoas e que, portanto, uma distribuição idêntica de riquezas não é necessariamente uma distribuição justa ou igualitária[34].

Há que se destacar, ainda, que não é só nas expectativas de resultados que se visualizam diferenças entre os indivíduos, mas, também, nas oportunidades a eles concedidas:

Estas são afetadas por circunstâncias de seu ambiente físico e social que escapam ao seu controle, mas que, sob muitos aspectos particulares, poderiam ser alteradas por ação governamental[35].

A igualdade de oportunidade influenciada por decisões governamentais é ponto central do liberalismo clássico. Todavia, deve-se considerar que é inatingível para qualquer governo humano proporcionar as mesmas oportunidades a todos os indivíduos.

Numa visão como essa, utópica, o governante deveria ser conhecedor de todos os dados sociais, realidade essa, impossível. Outrossim, tal autoridade deveria ter controle total do ambiente físico da sociedade, outro ponto que não tem adequação em qualquer realidade social. Com esse pensamento Frederich August von Hayek entende que cumprir o lema da igualdade de oportunidades a todos é ilusório.

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Sobre o autor
Eduardo Tuma

Mestre em Direito do Estado pela PUC-SP e doutorando em Filosofia do Direito pela mesma instituição. Pós-graduado em Governo e Liderança pela Universidade de Harvard e especialista em Direito Tributário pela FMU, na qual leciona Teoria Geral do Estado no curso de bacharelado em Direito. Em 2012 foi eleito Vereador na cidade de São Paulo, é vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal e o parlamentar que mais apresentou e aprovou proposições na atual legislatura. Advogado em São Paulo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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