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Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações sobre o seus limites

01/11/2014 às 10:11
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O TAC - termo de ajustamento de conduta é meio excepcional de transação, somente cabível nos casos expressamente autorizados pela lei, com o intuito de permitir ao potencial agressor de atender e se adequar ao interesse tutelado.

Nos últimos anos passou a ser comum ouvir falar em TAC entre o Ministério Público e empresas de pesquisa, exploração e de produção de petróleo ou gás natural para prevenção de danos ambientais; com construtoras e empreiteiras para garantir a melhor recuperação de imóveis; com empresas de loteamento para a preservação de mananciais e áreas de proteção; com empresas e instituições para assegurar o cumprimento das regras de acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência; e com outros, para a proteção da infância e da juventude contra propagandas que possam influenciar o consumo indevido de algum produto; para a defesa dos direitos do idoso; para garantia de vagas em creche ou atendimento médico; para a proteção do consumidor diante de contratos de massa, portabilidade, cancelamento de serviços, etc.

Mas até que ponto esses TACs podem ser feitos e penetrar no campo da liberdade individual, de trabalho, do exercício livre da atividade econômica ou da liberdade de pensamento e direito autoral?

Em sua atuação constitucional positiva de defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF), a instituição do Ministério Público tem se utilizado do Termo de Ajuste de Conduta como instrumento efetivo dessa missão constitucional com muita frequência, normalmente no contexto de um inquérito civil (art. 129, III da CF), mas que não deve desbordar dessa função teleológica primária que a Constituição Federal lhe cobra, evitando o risco de ilegalidade ou abuso a serem identificados eventualmente no controle jurisdicional.

O instrumento jurídico do Compromisso de Ajustamento de Conduta, também conhecido como Termo de Ajuste de Conduta (TAC), foi primeiramente criado pelo art. 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/90) [1] e, depois, pelo art. 113 do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei n. 8.078/90), que acrescentou o § 6º ao art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85)[2]

Por meio dele, o órgão público legitimado à ação civil pública toma do causador do dano – ainda quem em potencial - a interesses difusos, interesses coletivos ou interesses individuais homogêneos o compromisso de adequar sua conduta às exigências da lei, mediante cominações, que têm o caráter de título executivo extrajudicial.

O Termo de Ajuste de Conduta - TAC pode ser tomado por qualquer órgão público legitimado à ação civil pública, como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados-membros, os Municípios, o Distrito Federal, as autarquias e as fundações públicas (Lei n. 7.347/85, art. 5º; CDC art. 82), não detendo o Ministério Público a exclusividade de lançar mão desse valioso e moderno meio preventivo e em ambiente de mediação de futuros e potenciais conflitos de posturas empresariais com os interesses sociais e individuais indisponíveis.

No âmbito dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, os termos de ajustamento de Conduta ou TACs são documentos assinados por partes que se comprometem, perante o procurador da República ou o Promotor de Justiça, a cumprirem determinadas condicionantes, de forma a resolver o problema que estão causando ou a compensar danos e prejuízos já causados.

Os TACs deveriam antecipar a resolução dos problemas de uma forma muito mais rápida e eficaz do que se o caso fosse a juízo, sendo conhecidas a complicação, a burocracia e a demora do mecanismo judiciário, considerando ainda o devido processo legal, que fazem a solução judicial definitiva chegar muitos anos mais tarde.  E a eficácia decorreria da mais rápida solução para a proteção dos direitos na área da Tutela Coletiva, que pela sua própria natureza poderiam sofrer definitivo ou irreparável prejuízo.

Os TACs são verdadeiros contratos entre a parte legitimada no art. 5º da Lei 7.347/1985 e a parte ré, fora do processo, extrajudicialmente, dispensando homologação judicial para ter força executiva em caso de descumprimento.

Mas o chamado TAC- Termo de Ajustamento de Conduta é meio excepcional de transação, somente cabível nos casos expressamente autorizados pela lei, com o intuito de permitir ao potencial agressor de direitos difusos, coletivos ou transindividuais de atender e se adequar ao interesse tutelado, tão somente em situações de nebuloso desenho normativo ou que demande contornos a serem melhor definidos.

Com certeza, não é raro que existam casos em que nem sempre a legislação tem a completa previsibilidade de todos os pormenores e da dinâmica própria das práticas comerciais ou contratuais relativas aos interesses difusos e ou coletivos, difíceis na maioria das vezes de manejo na sua tutela judicial e complexa ou quase impossível de efetivação.

Assim, não é meio adequado o TAC para dar solução já claramente definida e regulada de forma exauriente pela normatividade positiva, nem se presta a alforriar o infrator da lei às sanções por ela cominadas, não se prestando como meio de atuação política, perseguição ou de favorecimento, não se devendo abrir espaço para conjecturas que coloquem em dúvida os ilibados motivos e fins determinantes de sua proposta.

Dentro das permissões legais expressas em que cabe o TAC, a própria lei da improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 17, § 1º) estabelece limite e consagra a probição expressa de acordo, transação ou conciliação em ações cautelares ou ordinárias, pelo Ministério Público ou pessoa jurídica interessada, quando se trate de improbidade administrativa de agente público.

Assim como no campo penal, a transação é modo excepcional de composição do interesse público, em regra indisponivel, exigindo expressa autorização legal, assinalando-se, ainda, que o Ministério Público, em especial, rege-se pelo princípio da obrigatoriedade de atuação.

A transação por meio de Termo de Ajustamento de Conduta não é instituto que deva ser desviado para ameaçar o Estado de Direito Democrático, abrindo a possibilidade para que uma de suas instituições maneje-o ao sabor da política ou de outros interesses subalternos, com arranhões à sua necessária independencia e posição de guardião da lei e do interesse da sociedade.

Por isso, acredito que o instrumento deva sofrer alguma evolução no sentido de controle, talvez com a implementação de requisito de validade consistente, por exemplo, da aprovação dos TACs, mesmo aqueles propostos pelo Ministério Público ou outras entidades legitimadas, pelo Chefe do Ministério Público - Federal ou Estadual – ainda que por Procurador ou Grupo especialmente designado por portaria ou resolução para esse fim específico, conferindo maior segurança da conveniência e conformidade do acordo. Infelizmente, acordos sempre podem abrir margem para as especulações das mais variadas e o poder de firmá-los deve ser submetido a regime estrito de controle no momento da sua formação e conclusão, sem embargo do sempre possível controle jurisdicional em caso de provocação. Sem dúvida, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades.

Já tive a oportunidade de declarar alguns votos com essas preocupações acerca deste poder, que pode ser exercido impropriamente e ser suscetível de mal uso.

Lembro de uma ação popular promovida para a anulação de contratos de compra e venda feitos por um prefeito municipal, em que a licitação era inafastável, mas, no curso do processo, a Promotoria de Justiça fez um TAC para que o agente público se obrigasse a fazer as próximas licitações quando coubessem, com solução proposta daqueles já feitos...  Em seguida, houve manifestação nos autos pela carência de ação, que foi infelizmente acolhida pelo magistrado. O E. TJSP acolheu a apelação do autor para afastar a carência de ação e houvesse o seu prosseguimento pelo mérito, sendo o meu voto no sentido do descabimento do TAC e de sua ilegalidade porque não era possível transigir no caso, pelas seguintes razões:

1) há a vedação expressa de acordo, transação ou conciliação em ações que tratem de improbidade administrativa de agente público (§1º, art. 17 da Lei 8.429/1992);

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2) ser crime o agente público dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade, sob pena de crime de detenção e multa (art. 89 da Lei 8.666/1993);

3) afirmação de vigência da Constituição da República que garante a ação popular para anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (inciso LXXIII, art. 5º) e

4) não poder o TAC servir como meio de supressão da medida constitucional e nem constituir nova causa de exclusão de ilicitude ou de extinção da punibilidade não prevista em lei.

Outro ponto que deve ser observado e merece ser cuidado é o receio dos Termos de Ajustamento de Conduta desbordarem da sua finalidade primária e dar ensejo às idiossincrasias pessoais, em uma amplitude tal a tangenciar a percepção nítida de que está havendo a violação de outros direitos, que poderiam ser exercidos em sua plenitude, sem abuso, mas cerceados por Termos de Ajuste de Condutas impostos sob a ameaça de processo judicial para cobrança de obrigações de fazer, não fazer e multas.

Nesse campo do questionamento dos limites dos Termos de Ajustamento de Conduta, exemplifico com aquele firmado em 28 de setembro de 2007, pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Federação Espírita Brasileira, a Federação Espírita do Estado de São Paulo e outros, inclusive editora, em que o acordo previu que os responsáveis pela publicação dos livros de autoria de Allan Kardec, insiram nas edições de suas obras, notas de esclarecimento alusiva aos trechos nos quais possa ser vislumbrado conteúdo discriminatório ou preconceituoso e destacar notas sobre o contexto histórico, social e cultural da época e local em que foram redigidos (metade do Século XIX, na Europa) e os princípios doutrinários, morais e sociais que norteiam a doutrina espírita.

Questiono até que ponto o referido acordo estaria carregado de subjetividade e uma axiologia particular e o quanto ainda invadiria a liberdade de criação do autor, o direito editorial, sem se falar ainda da liberdade de pensamento e de manifestação e qual seria, de forma concreta, o interesse difuso ou coletivo a merecer regulação, proteção ou prevenção.

Em outro exemplo de caso concreto, tive a oportunidade de apreciar outro recurso de apelação no Tribunal de Justiça de São Paulo, em que proferi voto em autos de processo de execução de um Termo de Ajustamente de Conduta, celebrado pelo atuante Parquet Paulista, em que foi, por votação unânime, reconhecida a sua inconstitucionalidade e abuso de direito.

Tratava-se de uma pequena empresa que foi executada para o pagamento de multa ajustada, porque não havia instalado certo número de câmeras filmadoras nem entregado as fitas de gravação da “rave”, e o termo de ajustamento teria por justificativa o desestímulo à prática de ilícitos ou tráfico de drogas no local e quando dos eventos.

Entendi que o poder investigatório do Ministério Público está limitado pela Constituição Federal aos casos de inquérito civil apenas e tão somente para os fins de proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos na forma estrita da norma constitucional (art. 129, III) e às requisições de diligências investigatórias e de requisitar inquérito policial criminal (este presidido pela autoridade policial), com o fim de propor a ação penal de sua titularidade (art. 129, I e VIII).

O referido TAC transformaria o Ministério Público em um “Big Brother”, que, sob o mesmo pretexto, poderia estar presente dentro dos quartos de hotéis, motéis, bufês, etc., gerando a indagação sobre qual seria a ação civil pública a ser promovida em caso de descumprimento e qual o direito coletivo ou difuso que estaria sendo efetivamente protegido. Ainda mais, haveria a dificuldade de conciliação com os direitos à privacidade e à intimidade dos frequentadores do local, tutelados pela garantia de que somente podem ser obrigados a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II e X da CF), e que poderiam sofrer abalo moral na divulgação eventual de suas imagens sem autorização.

Em conclusão, os TACs merecem maior atenção para sua afirmação como meio legítimo de forma de solução prévia de conflitos nos casos de risco e danos a valores e direitos descritos nos incisos do art. 1º da Lei 7.347/1985 e como ferramenta moderna e eficaz, mas aparando algumas arestas para que não se vulgarize como instrumento de arbitrariedade.


Notas

[1] Art. 210. Para as ações cíveis fundadas em interesses coletivos ou difusos, consideram-se legitimados concorrentemente:

I - o Ministério Público;

II - a União, os estados, os municípios, o Distrito Federal e os territórios;

III - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por esta Lei, dispensada a autorização da assembléia, se houver prévia autorização estatutária.

§ 1º Admitir-se-á litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União e dos estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta Lei.

§ 2º ...

Art. 211. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, o qual terá eficácia de título executivo extrajudicial.

[2] § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante combinações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

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Sobre o autor
Leonel Costa

Desembargador do TJSP de carreira, ingresso em 1987. Foi Promotor de Justiça do MPSP de carreira e professor universitário de Direito. Graduado pela USP em 1985. LLMM em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Leonel. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações sobre o seus limites. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4140, 1 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30469. Acesso em: 16 abr. 2024.

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