O princípio da subsidiariedade

11/08/2014 às 14:22
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Este artigo faz uma abordagem a respeito da evolução histórica do princípio da subsidiariedade, que teve seu nascimento na doutrina social da Igreja Católica e que posteriormente foi adotado pelo direito, aplicando-o ao direito à saúde.

2. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

2.1. Conceito

       O princípio da subsidiariedade, assim como o conceito de saúde dado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), tal princípio carrega em sua essência um caráter positivo e outro negativo, porquanto na mesma proporção em que prevê uma ação negativa, diante do dever de inércia, faz previsão de um dever positivo, da ação diante da impossibilidade do indivíduo ou órgão inferior de agir satisfatoriamente com os recursos de que dispõe, senão vejamos:

Deve-se reconhecer ao indivíduo o direito e a prioridade de atuar com seus próprios meios para a satisfação de seus interesses, só deferindo às entidades da sociedade aquilo que ele não possa fazer. Essa regra se repete de grau em grau de complexidade de organização social: às sociedades privadas deve-se reconhecer o direito e a privacidade de atuar com seus próprios meios para a satisfação dos interesses que lhe são próprios, só se transferindo às entidades públicas aquelas que necessitem, de alguma forma, do exercício da coação. É ainda a mesma regra a que deve organizar os sucessivos graus de complexidade das entidades públicas, de tal forma que os entes públicos menores tenham prioridade sobre os maiores para atuar na satisfação dos interesses locais, da mesma forma, a seguir, os entes públicos intermédios, para atuarem na satisfação dos interesses regionais e, ainda, os entes públicos nacionais, para atuarem na satisfação de todos os demais interesses que não possam ser satisfatoriamente atendidos pelos entes regionais. Finalmente, como corolário na órbita internacional, a atuação dos Estados soberanos deverá preferir sempre às entidades inter e supranacionais, que só deverão agir quando as entidades políticas nacionais não tenham condições de satisfazer certos interesses gerais que transcendam sua capacidade de ação. (MOREINA NETO, apud TORRES, 2001, p.11).

Como bem podemos observar, o princípio da subsidiariedade, no seu conceito atual, define as responsabilidades de acordo com a hierarquia e, consequentemente com as possibilidades recursais de satisfazer aos interesses de quem os busca. Mister destacar o caráter negativo, que atribui não a faculdade, mas o dever de inércia com vistas a respeitar as competências e, no caso dos indivíduos, com a finalidade de observar a sua liberdade e intimidade. O caráter positivo se dá com a atribuição de outro dever, qual seja a ação. Desta forma, percebemos que o dever de inércia cessa diante da incapacidade do indivíduo, coletividades ou entes públicos de satisfazerem, por si próprios, os seus interesses, dando-se nesse momento o inicio do dever de ação.

2.2.Da doutrina Social da Igreja Católica ao Direito Público Contemporâneo

O conceito que possuímos no direito público contemporâneo do princípio da subsidiariedade teve suas raízes no catolicismo romano, a partir da Encíclica[1]RerumNovarum (Das coisas novas), escrita pelo Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891, no décimo quarto ano de seu pontificado. Não obstante essa Encíclica ter sido o berço do citado princípio, este se faz presente no texto somente de forma implícita.

Para uma melhor compreensão deste princípio posto em análise, faz-se necessário um estudo de sua evolução histórica. Esse entendimento se dará por meio do exame de diversas cartas de Papas que dispuseram sobre o tema, haja vista ter sido por meio destas que sua conceituação nasceu.

Referida carta Pontifícia é tida como a primeira grande intervenção da Igreja no que tange a questão social na época moderna. Dada a sua grande importância e benefícios gerados para a igreja e para a sociedade, exatos quarenta anos depois, no dia 15 de maio de 1931, o Papa Pio IX, no décimo ano de seu pontificado,oferece a Encíclica QuadragesimoAnno(Quadragésimo ano - QA 16), que dispunha sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social, formulando o princípio da subsidiariedade de maneira mais precisa, em conformidade com a lei evangélica no quadragésimo aniversário da Encíclica RerumNovarum do seu predecessor, o Papa Leão XIII.

Torres (2001, p.25) nos mostra que:

Os ensinamentos da Igreja Católica na matéria se fizeram sentir, embora não explicitamente, já na Encíclica RerumNovarumdo Papa Leão XIII (1891), cujos “imensos benefícios que carreou para a Igreja e para a sociedade humana” foram consignados por Pio IX na Encíclica QuadragesimoAnno(QA 16). Com efeito, aquele texto pontifical foi o ponto de partida de todo um movimento transformador que colocou a Igreja na vanguarda da verdadeira justiça social, originando-se dele a reforma da estruturação da sociedade.

Conforme nos é exposto, muitos foram os benefícios a partir deste texto transformador, que foi capaz de originar uma reforma na estruturação da sociedade, transcendendo os limites da religiosidade e alcançando a sociedade como um todo, sem distinção de crença, afinal, tal texto disciplinava uma consciência social e não religiosa.

Necessário se faz destacar que essa grande repercussão causada se deve pelo tratamento dado à causa social sob o olhar dos princípios, costumes e dogmas da Igreja.Atualmente, o discurso social da Igreja Católica ganhou um novo impulso com a eleição do Papa Francisco, que,em seu primeiro ano de pontificado, com suas palavras e ações prega um cristianismo voltado à questão social, mas sempre dando ênfase ao anúncio do evangelho, sem apartá-lo da ação social.

            Interessante notar ainda que:

[...] cabe salientar que a Igreja não pretendia sustentar a adoção de um regime político ou econômico determinado, senão que procurava, em meio à confusão de ideias que caracterizou o final do século XIX, difundir princípios diretivos de ordem econômica e social fundados na justiça social. (TORRES, 2001, p.26).

            É importante percebermos que a Igreja Católica, com sua doutrina social, não defendia bandeiras de cunho ideológico, partidário ou financeiro. O que se buscava, conforme o exposto, era a justiça social, independentemente do regime político e econômico adotado. Quanto a isso não se pode esquecer a visão cristã de Estado, que, segundo Torres (2001, p.26):

[...] na concepção cristã, tem como função precípua o bem comum, que, definido como “o conjunto de condições sociais que permitam aos cidadãos o desenvolvimento expedido e pleno de sua própria perfeição”, implica, em uma palavra, em proteger a dignidade da pessoa humana e facilitar a cada homem o cumprimento de seus próprios deveres.

            Portanto, a Igreja reconhece como legítimo todas as forma de governo que possuam esse ideal.

       Na Encíclica QuadragesimoAnno, do Papa Pio IX, conforme já dito, o princípio da subsidiariedade aparece de forma mais explícita, consoante podemos constatar no nº 79 da mesma:

Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los. (PIO IX,apudTORRES, 2001, p.30).

       Nessa formulação,fica evidenciadoo caráter paradoxal do princípio, estabelecendo a atuação interventiva do Poder Públicosomente quando necessário, sempre respeitando limites para que essa ação não destrua ou absorva as pessoas, as famílias ou os grupos que tomam as iniciativas. Tudo em vista de que o próprio indivíduo seja o protagonista de suas realizações,atuando o poder público apenas como coadjuvante, assistindo-o onde for necessário, diante de sua incapacidade ou impossibilidade, deixando-o livre para agir e realizar.

       A título de complemento, entendemos ser importante a exposição dada quanto ao significado de subsidiariedade, o que nos levará a um maior entendimento de sua essência. Ante o exposto, na dicção de Torres (2001, p.30):“[...] a exata noção da ideia de subsidiariedade, que significa – de acordo, inclusive, com a sua raiz etimológica subsidium– ajuda, estímulo e encorajamento”.

       Com essa noção, podemos compreender de uma forma mais clara o seu conceito, que,ao atribuirmos à relação do Estado com o indivíduo, chegamos à verdadeira responsabilidade do Ente Público, que é de ajudar, estimular e encorajar o indivíduo, e não tomar para si as responsabilidades que são deles e que podem ser facilmente realizadas pelos mesmos. Se assim agisse, o Estado estaria, em nosso entendimento, prestando um grande desfavor à sociedade, porquantogeraria uma verdadeira atrofia dos indivíduos, que não se sentiriam encorajados a cumprir suas responsabilidades. Afinal, qual motivação teriam para cumpri-las se o Estado se encarregasse de assumi-las integralmente?

       Portanto, creditamos um grande valor a esse princípio, que tem como uma de suas finalidades primordiaisimpor limites auma possível intervenção invasiva e desnecessária do Estado,ao passo em que exige do mesmo uma ação legítima e eficiente em vista daqueles que não possuem condições de cumprir com suas obrigações, bem como de conquistar, por si mesmos,o essencial para a sua sobrevivência e bem estar, pelas suas humanas forças e condições de que dispõem.

       A partir do conceito mencionado, o princípio foi citado em diversos textos de outros Pontífices, sendo cada vez mais aprimorado.Podemos usar como exemplo a Encíclica MateretMagistra, de autoriado Papa João XXIII, no dia 15 de maio de 1961, exatos setenta anos após a primeira Circular Pontifícia a tratar do princípio. Foi também do Papa João XXIII outra Encíclica que também abordava o princípio da subsidiariedade, a Pacem in Terris, apresentada por ocasião da Solenidade da Ceia do Senhor em 1963, no quinto ano do seu pontificado. Essedocumentotrouxe um novo destaque ao princípio ora em comento.

            Na dicção de Torres (2001, p.32):

[...] a Encíclica Pacem in Terris (1963), do Papa João XXIII, que em seu parágrafo 140, faz alusão expressa ao “princípio da subsidiariedade”, conferindo-lhe uma formulação mais dilatada como enunciar que “as relações dos poderes públicos com os cidadãos, as famílias e os corpos intermédios devem ser regidos e equilibrados pelo princípio da subsidiariedade”.

       O citado faz menção à importância dada ao princípio da subsidiariedade, assim comoà necessidade de sua aplicação na relação entre o Poder Público e o cidadão, que é capaz de manter o equilíbrio destebinômio.

       Mais recentemente, quando o Beato João Paulo II estava no exercício do seu pontificado, por ocasião da comemoração do centenário da Encíclica RerumNovarum, novamente o princípio da subsidiariedade se faz presente em uma Circular Pontifícia.Nos seguintes termos doseu parágrafo 48:

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[...] “uma estrutura social de ordem superior não deve interferir na vida interna de um grupo social de ordem inferior, privando-a de suas competências, senão que deve apoiá-la em caso de necessidade e ajudá-la a coordenar sua ação com os demais componentes sociais, com vistas ao bem comum. (JOÃO PAULO II, apud TORRES, 2001, p.32).

       Da previsão dessaEncíclica, levando em consideração os caracteres positivo e negativo, podemos verificar uma maior aplicação dada ao viés positivo da assistência do Estado quanto às necessidades do indivíduo.

       No que diz respeito à definição desse princípio dado pela Igreja Católica, e sua previsão em seus diversos documentos, conforme citados, fica evidenciada a preocupação da Igreja com a ordem social e o desenvolvimento saudável e responsável do ser humano, que deve ser estimulado a realizar suas próprias tarefas para que conquiste,por meio delas, sua dignidade.

       Além disso, a precursora do referido princípio nos apresenta em seu bojo uma atuação do Estado quando dela for necessária, dentro de limites que permitam garantir a liberdade do Homem para desenvolver com criatividade e dedicação as atribuições que lhes são devidas.

       Após a compreensão do princípio da subsidiariedade dado pela Igreja Católica, bem como a sua evolução, é de grande valia a compreensão do seu conceitocontemporâneoaplicado ao Direito Público. Dessa forma, analisemos a adoção desse conceito pelo direito.

2.3.O Conceito contemporâneo do Princípio da Subsidiariedade

       O Direito Público contemporâneo adotou o princípio da subsidiariedade que nascera fora do âmbito jurídico, como vimos, a partir da doutrina social da Igreja Católica,conferindo-lhe, por sua vezum novo conceito.

[...] a subsidiariedade foi oportunamente acolhida pelo direito público como princípio diretor de um sistema ideal de distribuição de competências entre a comunidade maior e a comunidade menor, pelo qual os poderes devem ser exercidos de forma mais próxima possível do cidadão, só devendo as instâncias superiores intervir em nome da eficácia e da necessidade.(TORRES, p.34).

            O direito público, observando a conceituação dada pela pioneira no tratamento do referido princípio, influenciado pelo mesmo, passa a adotá-lo na regulamentaçãoda vida em sociedade. Com isso, a doutrina social da Igreja Católica atinge o seu objetivo, que visava sobretudo a partir do princípio da subsidiariedade, justamente sua aplicação na vida em sociedade. O direito reconhecendo o seu valor e a sua importância para a vida em comunidade,entãoo incorporou, senão vejamos:

[...] o princípio da subsidiariedade é “um princípio fundamental na Ordem Jurídica do moderno Estado Social de Direito, na medida em que conduz à aceitação da prossecução do interesse público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, situados entre ele e o Estado: a família, as autarquias locais, as comunidades religiosas, os sindicatos e as associações empresariais, os partidos políticos, as Universidades, etc. A subsidiariedade recusa, portanto, o monopólio da Administração na prossecução do interesse público e leva à concretização do princípio da participação, que consiste numa manifestação da ideia de Democracia”. (QUADROS, apud TORRES, 2001, p.35).

       O princípio da subsidiariedade é reconhecido por proporcionar uma partilha das responsabilidades,tendo como finalidade, a observânciado interesse público pelo Estado, corpos sociais e indivíduos, retirando do Ente Estatal a possibilidade de suportar sozinho o ônus de tais responsabilidades, o que caracterizaria, conforme fora apresentado, um monopólio da Administração no que tange à assunção e execução das responsabilidades. Assim, as responsabilidades são distribuídas de forma democrática e proporcional. O plano político federativo ilustra bem essa distribuição de competências, bem como seu objetivo de se fazer presente o mais próximo possível de seus cidadãos por meio de seus entes federados.

       Ainda quanto à importância do referido princípio, bem como a sua aplicação pelo direito, é importante notar que:

[...] foi no direito comunitário europeu que a subsidiariedade teve explícita formulação. Tornou-se princípio fundamental daquele ordenamento jurídico ao prestar-se como critério de limite à competência da Comunidade impedindo que a ação desta se estenda, por meio dos poderes implícitos, além das atribuições que lhe foram conferidas e dos poderes que lhe foram cedidos pelos Estados. Assim, pelo art. 3B do Tratado de Maastrich, nas áreas que não sejam de sua competência exclusiva, a Comunidade só deve atuar se e na medida em que os objetivos da ação encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros, e possam, pois, ser melhor alcançados ao nível comunitários. (TORRES, 2001, p.36).

            Diante do exposto,restaainda mais aclarada à completa influência do princípio da subsidiariedade na regulação da vida em sociedade. Como vimos, o direito comunitário europeu aproveita de sua aplicação para estabelecer limites na atuação da comunidade, a quem foi conferida poderes pelo Estado. Vale destacar, ainda, que no ordenamento jurídico brasileiro é no direito Administrativo que princípio da subsidiariedade aparece com maior intensidade atualmente.

       Por fim, podemos concluir nas palavras de Torres (2001, p. 37)que:

O princípio da subsidiariedade, em sua formulação contemporânea, vem fundamentar o papel subsidiário do Estado em relação à sociedade, e, de um ponto de vista jurídico, indicar parâmetros para uma distribuição de competências e de poderes entre autoridades de distintos níveis, públicos ou não, cabendo-lhe nortear, ainda, dentro de sua dupla perspectiva – negativa e positiva –, o âmbito de atuação estatal. Ele vem, em suma, na esteira do processo de redimensionamento do Estado, conferir primazia à sociedade civil, que recupera, a cada dia, maior capacidade de iniciativa, liberdade, responsabilidade e confiança recíproca entre seus membros.

Assim, identificamos que no conceito contemporâneo do princípio da subsidiariedade,busca-se definir os limites da atuação do Estado, ofertando uma parcela de responsabilidade ao indivíduo enquanto sociedade.No seu escopo, verifica-se ainda que não almejaeximir o Estado de suas obrigações, ao contrário, atribuindotambém ao Estado seu dever, porém de forma subsidiária. Essa responsabilidade estatal se dá diante da incapacidade individual ou coletiva da sociedade, ou seja, quando esta não dispõe de condições para agir o Estado tem a obrigação subsidiaria de, conforme o objeto de estudo, garantir o tratamento à saúde de quem dele necessita.

2.3.1 Subsidiariedade na Constituição Federal de 1988

            Um importante instrumento do processo de redemocratização do Estado brasileiro, a Constituição Federal de 1988, ou “Carta Cidadã” como é popularmente conhecida devido à sua abertura à participação popular, em alguns de seus dispositivos dá sinais da influência do princípio da subsidiariedade. Torres (2001, p.148) nos aponta que “[...] é certo que ela deixou-se inspirar pelos postulados do princípio da subsidiariedade, logrando avançar, ainda que timidamente, em direção de um Estado menos centralizador e mais coordenado com a sociedade”.

            Ante o marco democrático que representa a nossa Magna Carta, a aplicação do princípio em estudo reforça a divisão de competências entre o Ente Estatal e a sociedade em seus diversos setores, de forma coletiva ou individualizada. Nesse sentido, Torres (2001, p.148)cita alguns exemplos de previsões inseridas no texto constitucional, que dispõem a respeito dessa repartição de competências do Estado com a iniciativa privada, “como da assistência social (art.204, I)”, “da educação (arts. 205 e 206, IV)”, “da cultura (art. 216, §1º)”, “do meio  ambiente (art.225)”, “da criança e do adolescente (art.227, §1º)” e também, do que mais nos interessa nesse estudo, da área da saúde, nas seguintes previsões:

Art.197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art.198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes.

[...]

III- participação da comunidade.

[...]    (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

Os dispositivos contidos no texto constitucional no que diz respeito à assistência à saúde deixam inequívoca a divisão de responsabilidades do Poder Público com a iniciativa privada. Dessa forma, fica clara a aplicação da subsidiariedade nessa relação que trataremos no tópico seguinte.

2.3.2. Subsidiariedade, saúde da família e pela família

            Uma das ações do Estado por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS) é o Programa de Saúde da Família (PSF), que visa assegurar às famílias a prestação do direito constitucional de que estas dispõem, a saúde. Porém, essa ação se dá conforme as disposições do princípio da subsidiariedade, agindo assim o Ente Estatal em harmonia com a iniciativa privada, no caso as famílias, não tomando somente para si o ônus de tal incumbência, senão vejamos:          

[...] saúde da família é tudo aquilo que as pessoas declaram ser problemas de saúde para suas famílias e tudo aquilo que fazem para lidar com esses problemas, o que inclui a utilização dos serviços do PSF e do SUS. O papel assistencial do PSF, por mais importante que seja, tem de ser colocado como subsidiário a esse nível de autonomia familiar e comunitária. (NOGUEIRA, 2003, p.111).

            Como podemos constatar, o autor enfatiza a necessidade de o Estado se posicionar em suas ações de forma subsidiária às ações da família e da comunidade, assegurando a liberdade a estes ao mesmo instante em que lhes confere autonomia para agir. Em outras palavras, o Poder Público confia eles a assistência aos seus familiares, assegurando, porém, a sua prestação, ano menos no plano teórico, naquilo que as forças da família não puderem alcançar.

Então, deveria ficar claro que a ação do programa oficial, o PSF, pauta-se pelo princípio da subsidiariedade. Esse princípio, formulado por Pio IX na encíclica QuadragesimoAnno, tem recebido muita ênfase nas correntes católicas de pensamento social e foi assim resumido por Mary Ann Glendon, da Universidade de Direito de Harvard: “significa que o governo não deve substituir a família, mas sim ajudar as famílias a fazerem o que fazem melhor”.(NOGUEIRA, 2003, p.112).

            Ante o exposto, fica ainda mais evidente a influência do princípio da subsidiariedade nas relações do Estado com a sociedade, inclusive quando se trata do direito à saúde, uma vez quese democratizam as responsabilidades visando garantir tal direito, rompendo com a ideia centralizadora da ação exclusiva do Poder Público. Assim,estimula-se os indivíduos a assumirem suas responsabilidades com seus pares e a exercerem sua cidadania de maneira ativa.

No capítulo seguinte, analisaremos o caso Nazaré, que diz respeito à falta de assistência à saúde por parte da família a esta que padece de distúrbios mentais, sob a ótica do princípio da subsidiariedade. Esse caso real ocorreu no interior do Estado do Ceará, um caso de negligência clássica, quando a família não assumiu o seu papel de garantidora imediata do direito à saúde a paciente.

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[1]Encíclica: Circular Pontifícia

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Sobre o autor
Lucas Rafael Chaves Sampaio

Acadêmido do Curso de Direito da Faculdade Farias Brito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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