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A medida provisória sobre matéria tributária em face da Emenda Constitucional nº 32

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Resumo:


  • A Emenda Constitucional n. 32/2001 alterou o art. 62 da Constituição Federal, limitando a edição de Medidas Provisórias (MPs) e estabelecendo que MPs que instituam ou majorarem impostos, exceto em casos específicos, só terão efeito no exercício financeiro seguinte se convertidas em lei até o final do ano de edição.

  • As MPs têm natureza jurídica de atos normativos com força de lei, mas não são leis no sentido formal, estando sujeitas a prazos de validade e necessidade de conversão pelo Congresso Nacional para se tornarem permanentes.

  • A utilização de MPs em matéria tributária é controversa, especialmente em relação ao Princípio da Legalidade Tributária e ao Princípio da Anterioridade, que garantem a segurança jurídica e evitam surpresas tributárias para os contribuintes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. Conclusão

Em primeiro lugar, sob o prisma do Princípio da Legalidade Tributária – art. 150, I da CF/88, o entendimento constatado foi de que a medida provisória, não obstante ser espécie normativa primária, prevista no art. 59 da Carta Magna e, mais ainda, mesmo sendo dotada de "força de lei", não se apresenta como lei propriamente dita, a saber, como a forma normativa exigida pelo citado art. 150 para a instituição ou majoração de tributo.

Percebe-se, contudo, que este não foi o entendimento do legislador constituinte reformador, posto que, de acordo com o § 1º do art. 62 da CF/88, dentre as limitações materiais para a utilização de MP’s, não foi inserida a matéria tributária.

Apesar disso, a referida matéria foi especificamente tratada pelo § 2º do modificado artigo constitucional. Neste sentido, entretanto, verificou-se uma incompatibilidade entre a MP e o Princípio da Anterioridade. Se a Constituição estipulou, como corolário da segurança jurídica, o adiamento da eficácia das leis que criam ou majoram certos tributos para o exercício financeiro subsequente, foi porque entendeu que a referida instituição ou majoração não era matéria urgente ou relevante que justificasse a utilização de medida provisória. Daí, a discrepância do citado parágrafo que colocou esses pontos antagônicos dentro de um mesmo dispositivo legal.

Apesar de a regra ser pela não adoção de medidas provisórias sobre matéria tributária, sobretudo em virtude do Princípio da Anterioridade, tão explicitado, existem, como se viu anteriormente, tributos que não se sujeitam a tal princípio, alguns dos quais mencionados pelo próprio § 2º do art. 62 da Constituição. Isso não quer dizer, contudo, que possam os mesmos, indiscriminadamente, se submeterem às mencionadas medidas.

Dentre os tributos elencados pela Norma Fundamental como não sujeitos ao Princípio da Anterioridade, apenas o empréstimo compulsório (art. 148, I) e o imposto extraordinário de guerra (art. 154, II) ensejam, de fato, compatibilidade com a utilização de medidas provisórias, posto que tais tributos são precedidos por situações excepcionais, caracterizadas por relevância e urgência na atuação do Estado, principalmente no âmbito da Administração.

Contudo, como se analisou em tópico anterior, o empréstimo compulsório é tributo sujeito à lei complementar que, por isso, de acordo com o inciso III do § 1º do novo art. 62 da Carta Magna, não pode ser objeto de medida provisória. Sendo assim, apesar da compatibilidade material entre empréstimo compulsório e MP, constata-se uma incompatibilidade de ordem formal.

Seguindo a linha de raciocínio adotada até aqui, aceita-se apenas uma hipótese de utilização de MP para instituição ou majoração de tributo, especificamente no caso do imposto extraordinário de guerra. Trazendo tal possibilidade para uma realidade prática, face a ausência de situações concretas que ensejam a instituição do referido tributo, poder-se-ia asseverar que, no Brasil, verifica-se, ou pelo menos deveria se verificar, a incoerência de possibilidade de instituição ou majoração tributária por meio de medida provisória.

O ideal seria que a Emenda Constitucional n. 32 tivesse trazido tal entendimento explicitamente, como uma das limitações materiais para a utilização das MP’s. No entanto, com a mudança do art. 62, o legislador constituinte pareceu apenas convalidar a realidade política do país que fala em favor da intervenção do Poder Executivo na função legiferante, realidade esta ratificada pelo próprio Poder Legislativo, bem como pelo Poder Judiciário que, por seus turnos, acatam a amplitude discricionária do Chefe do Poder Executivo, sobretudo em matéria tributária, em detrimento da segurança jurídica pretendida com Constituição Federal de 1988.


NOTAS:

1. Celso Antônio Bandeira de Mello, no intuito de provar a diferença entre medidas provisórias e leis, enumera alguns pontos de divergência entre os institutos, a saber: a) medidas provisórias são forma excepcional de regramento jurídico, as leis são a forma normal; b) as MP’s são efêmeras e as leis têm, via de regra, duração indeterminada; c) as medidas são precárias, posto que podem ser rejeitadas a partir da submissão ao Congresso Nacional, enquanto que a persistência das leis depende apenas do órgão do qual emanam; d) a edição de medida provisória depende da presença dos requisitos da relevância e urgência, enquanto a edição de lei não se subordina a tais requisitos. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Perfil Constitucional das medidas provisórias, RDP, 95:28-9, citado por Alexandre Mariotti, Medidas Provisórias, p.67). Tal comparação denota que os regimes jurídicos adotados para a elaboração dos institutos têm características próprias. Contudo, não obstante as diferenças elencadas para a adoção de MP e lei de origem parlamentar, constata-se que ambas têm o condão de inovar a ordem jurídica vigente.

2. BALEEIRO, Aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi, p.82

3. Sobre a assertiva, imperiosa a colocação de Pimenta Bueno: "Deve pois ser ouvida a Nação por meio de seus representantes, para que, mediante essa garantia, seja juiz da necessidade ou conveniência das despesas públicas, da totalidade delas comparada com suas forças, para que examine, escolha e prefira depois de acurado estudo os meios de receita menos onerosos." (BUENO, Pimenta, Dir. Pub. Bras., cit. p. 85, citado por Aliomar Baleeiro, ob. cit. p.11, nota 31, p. 78)

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4. Sobre a criação ou majoração de tributo por meio de decretos-lei na Argentina, afirmou Rafael Bielsa: "No se puede crear impuestos por decretos-leyes, no solamente porque esse acto es, em nuestro sistema, exclusivo del Congreso, es decir, de los representantes de los contribuyentes (el impuesto deve ser concedido por éstos) sino porque afecta la propriedad ..."(BIELSA, Rafael, Derecho Constitucional, 3ª ed., Buenos Aires, Depelama, 1959, p. 637, citado por Aliomar Baleeiro, ob. cit. p.11, nota 29, p. 77)

5. STF, RE 138:284-CE, RJT, 143:321 e STF, ADIn 1.417-DF, Lex-JSTF, 215:35

6. Manifestação do Min. Aliomar Baleeiro (STF, RE 62.739-SP, RJT, 44:54): "Não me parece duvidoso que a apreciação da ‘urgência’ ou ‘interesse público’ assume caráter político: é urgente ou relevante o que o Presidente entender como tal, ressalvado que o Congresso pode chegar a julgamento de valor contrário para rejeitar o decreto-lei. Destarte, não pode haver revisão judicial desses dois aspectos entregues ao discricionarismo do Executivo, que sofrerá apenas correção pelo discricionarismo do Congresso." Em idêntico sentido, STF, RE 75.395-SP, RDA, 125:89

7. Manifestação do Min. Aliomar Baleeiro (STF, RE 75:395-SP): "A revisão judicial do processo poderá ocorrer excepcionalmente se o discricionarismo, praticado já no campo do absurdo de tocar o arbítrio. Isso porque ‘urgência’ e ‘interesse público relevante’ ‘são aspectos políticos entregues ao discricionarismo (não ao arbítrio) do Congresso e do Presidente da República". No mesmo sentido, STF, ADin 526-DF, RJT, 145:109. STF, ADin 1.417-DF, Lex–JSTF, 215:39

8. Ob. cit. p. 11, p.90


Referências bibliográficas

BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1998.

BASTOS, Celso. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1991.

CARAZZA, Roque Antônio. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

__________. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 1996.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 8ª edição, São Paulo: Atlas, 2001.

MACHADO, Hugo de Brito: Curso de Direito Tributário. 15ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999.

__________: Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.

MARIOTTI, Alexandre: Medidas Provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema Tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

MORAES, Alexandre de: Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2001.

SILVA, José Afonso da: Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª edição, São Paulo: Malheiros, 2000.

SZKLAROWSKY, Leon Fredja: Medidas Provisórias no Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: NDJ, 1990.

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Sobre a autora
Danielle Patrícia Guimarães Mendes

advogada tributarista, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENDES, Danielle Patrícia Guimarães. A medida provisória sobre matéria tributária em face da Emenda Constitucional nº 32. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3084. Acesso em: 22 dez. 2024.

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