4 CONCLUSÕES
Este trabalho se propôs a contextualizar a questão do Dumping Social como fruto do dano social decorrente do reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas, bem como os reflexos que este tipo de dano lança sobre toda a sociedade, e não apenas a pessoa do trabalhador. Para isto, foram tecidas algumas ideias sobre quais tipos de danos são indenizáveis sob a ótica dos direitos imateriais, para que se possa entender como ocorreu essa evolução até a moderna expressão Dumping Social. Passou-se pela sua origem dentro do direito civil, a formação de um norte jurisprudencial trabalhista através do Enunciado nº 4 da ANAMATRA e adentrou-se na discussão referente à melhor forma de tutela desses direitos envolvidos, se via ação individual ou ação coletiva, bem como sobre a legitimidade para requerer a indenização decorrente deste ato danoso. Por fim, foram apresentadas algumas decisões que negaram a condenação por Dumping Social, bem como seus motivos, e decisões que mantiveram a pena aplicada, destacando a coragem revelada nestes pareceres e todo o posicionamento ideológico que existe embutido nestas sentenças e acórdãos.
Foram colhidos muitos ensinamentos propostos por Zavaski, ao qual discorreu-se neste trabalho, principalmente no tocante aos direitos individuais homogêneos e as atribuições do MP para intervir em causas onde haja interesse público e frente à impessoalidade que deve estar presente nas causas patrocinadas por aquela instituição. Conclui-se que, sendo a ação judicial interposta pelo Ministério Público, este estará agindo como substituto processual, ou seja, defendendo em nome próprio direito alheio, que neste caso, pertence a toda uma coletividade de trabalhadores. Desta maneira, também se percebeu que nem todo interesse individual, mesmo que possua origem comum, pode ser classificado de homogêneo, e, ainda, que nem todo direito homogêneo possui interesse social.
Quando verificada que a soma desses interesses individuais atinge uma comunidade ou uma sociedade, é inegável que o Ministério Público pode atuar, e a identificação desse interesse social poderá ocorrer tanto por lei, quanto pelo próprio Parquet, valorizando a causa frente às suas atribuições, submetendo-se à avaliação ainda do juiz da causa, ao qual caberá se pronunciar de forma definitiva. Tratando-se de direitos classificados como individuais homogêneos, nos parece que a Ação Civil Pública não é o melhor caminho escolhido frente às dificuldades enfrentadas na sua liquidação, eis que esta constituiria um novo processo, com contraditório, cognição, devendo-se, inclusive, provar a condição de titular do direito material e o nexo de causalidade que este trabalhador, agora individualizado, possui com o causador do dano. Esta foi a lição que obteve-se com a leitura da obra de Bezerra Leite, o que demonstrou mais ainda a importância do processo individual, mesmo que o pedido da condenação por dano social não tenha sido requerido pela parte autora.
Aliás, tendo em vista a própria redação do art. 404, parágrafo único do Código Civil, a indenização será aplicada pelo juiz quando constatar sua necessidade, ou seja, cabe ao juiz analisar se é ou não caso de condenação por prática de Dumping Social, não havendo previsão de pedido específico da parte autora. Entende-se assim, por desnecessário o pedido da parte autora para que haja a condenação do demandado, mesmo porque, dificilmente este saberá quantos outros empregados tiveram seus direitos desrespeitados, se a empresa cumpre os acordos que assina, bem como verificar com a mesma maneira peculiar de um juiz do trabalho a quantidade de demandas trabalhistas que existem contra o mesmo empregador, demonstrando assim a sua contumácia e displicência. De outra maneira, também demonstra-se desnecessário o pedido do autor em decorrência da sua destinação: o valor da condenação não deve ser destinado a um particular, mas sim, para algum fundo ou finalidade que possa beneficiar uma coletividade, e não um indivíduo. Mas se o autor pedir tal condenação, não deve esta ser rechaçada por ilegitimidade, mas ao contrário, servirá para alertar ao juízo sobre algo mais profundo que uma simples lide trabalhista.
Ou ainda, a utilização da Ação Civil Pública pelo Ministério Público do Trabalho para os situações onde não se possa realmente individualizar os afetados, como no caso de empresas que já foram alvo de várias vistorias do Ministério do Trabalho e não se adequaram, pois ai não se estaria discutindo o direito propriamente dito, mas sim a reiterada falta de cumprimento de normas trabalhistas. E com condenação sendo destinada não aos empregados diretamente, mas para qualquer fim coletivo: Fundo de Amparo ao Trabalhador, Fundo dos direitos difusos, ou até mesmo, como em algumas sentenças, para processos baixados e não pagos.
O mais importante é sempre lembrar que o Direito do Trabalho regula o trabalho humano remunerado, para evitar que o homem seja tratado como coisa. Frente ao caráter indisponível do qual se revestem as regras e princípios do direito do trabalho, não pode ser ignorado o fato de que a relação de trabalho, mesmo formada por sujeitos privados, sempre irá refletir no meio social, pois os interesses envolvidos extrapolam a esfera dos direitos estritamente pessoais, e os princípios que protegem o trabalhador resultam de normas imperativas, de ordem pública, o que caracteriza a intervenção do Estado nas relações de trabalho, mesmo que seja do Estado-Juiz. Se o Direito do Trabalho não for mantido como instrumento de luta, não precisa existir como ramo autônomo do direito.
Não precisaria nem ser desenvolvida toda uma tese sobre a aplicabilidade do dumping nas relações de trabalho, ou tampouco sobre Dumping Social, para se perceber que há a necessidade urgente de frear esse desrespeito que se desencadeou frente aos direitos do trabalhador, direitos estes frutos de longos anos de batalhas para que os mesmos fossem reconhecidos como direitos fundamentais.
Existem em nosso ordenamento várias leis que permitem a aplicação da multa decorrente da prática de Dumping Social, como relatado neste trabalho; falar da subsidiariedade do art. 404, parágrafo único é apenas estudar o principal argumento utilizado pelos juízes que a aplicam, o qual foi subsídio para o Enunciado nº 4 da ANAMATRA.
Para que realmente não ocorra a fraude constitucional citada pelos magistrados, é preciso por em prática o Estado do bem-estar social com foco na solidariedade e na responsabilidade que temos uns com os outros. Continuar fechando os olhos para a rotina das Varas do Trabalho, simplesmente julgando procedente ou improcedente a demanda, tratando-a como mais um número num amontoado de processos com os mesmos réus, não é realizar justiça social. Não se pode mais permitir que ter lides trabalhistas seja um bom negócio para o mau empregador, que se mais uma vez condenado na ação individual, apenas pagará o que já era devido, isso se antes não firmar um acordo com a parte autora onde pagará menos ainda. A condenação por prática de Dumping Social com certeza não será a salvação da credibilidade da Justiça do Trabalho, mas, no momento que impinge ao condenado pensar se voltará a desrespeitar os direitos de seus empregados, demonstra que se precisa de juízes com independência e coragem, que sendo úteis à sociedade, aplicam o direito de forma a privilegiar o bem comum, preservando a própria utilidade do Direto do Trabalho.
Notas
[2] Lei 10.406, de 10.01.2002. Art. 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
[3] O autor citado usa o termo injusto ao invés de ilícito, o que nos leva a lembrar que ambos não possuem juridicamente o mesmo significado.
[4] Lei 8.884, de 11.06.1994
[5] Proposta obriga empregador a reparar dano de trabalhador em atividade perigosa. Disponível em <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/460266.html>. Acessado em 08.01.2014.
[6]Lei 7.998, de 11 de janeiro de 1990.
[7] Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar (grifo nosso).
[8] Art. 769: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.
[9]Magazine Luiza pagará R$ 1,5 milhão por dumping social. Disponível em: a www.espacovital.com.br/publicacao-27846-magazine-luiza-pagara-r-15-milhao-por-dumping-social > Acessado em: 03.12.2013.
[10] O art. 23 da lei 8.884/94, que previa as punições possíveis, agora está com a redação no art. 37 da lei atual. Havia a expressão previsão de multa para a empresa praticante do ato proibido, na proporção de 1% a 30% sobre o valor do faturamento, porém, em 2011 essa percentual foi alterado para 0,1% a 20%, mas continua a previsão de multa em dobro em caso de reincidência. Lembramos que reincidência é um dos pontos centrais do dumping social. E de igual maneira, também foi preservado o artigo que estabelece que, mesmo sendo fixada a multa pela prática de infração da ordem econômica, se o interesse público exigir ou a gravidade dos fatos assim indicar, poderá ser imposta isolada ou cumulativamente, ainda, além de outras penalidades, qualquer outro ato ou providência para eliminar os efeitos nocivos à ordem econômica.
[11] Lei 12. 529, de 30 de novembro 2011. Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
VII - qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica.
[12] O Procurador do Trabalho do MPT, Bezerra Leite, em sua obra aqui já citada Liquidação na Ação Civil Pública (capítulo II da obra, pg. 56 e seguintes), bem explica os efeitos de uma condenação genérica em ACP tratando-se de direitos individuais homogêneos, sobre o sistema de habilitações indicados no art. 97 do CDC, e sobre o fato de, na verdade, a Lei da Ação Civil pública ser omissa no que se refere a liquidação, já que unicamente fala em seu art. 13 que a condenação em dinheiro deve ser revertida para um fundo público que vise a reconstrução dos bens lesados (p. 62). Assim, este entendimento que defende sim ser possível a titularidade da ACP pelo MP nas ações que versem sobre direitos individuais homogêneos nas relações de trabalho, utiliza para a sua liquidação as normas do CDC, título III, e posteriormente a CLT, que por sua vez também é lacônica quanto ao tema liquidação de sentença.
[13] STF, Pleno, RE 210.029, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 17.08.2007.
[14] RO 0001993-11.2011.5.15.0015. TRT 15ª Região. Disponível em; <http://consulta.trt15.jus.br/consulta/owa/pProcesso.wProcesso?pTipoConsulta=PROCESSOCNJ&pidproc=2051008&pdblink=>. Acesso em: 19/02/2014.
[15] Lembramos aqui que, a Convenção 158 da OIT, que trata sobre a proteção da relação de emprego no tocante à dispensa arbitrária foi ratificada pelo Brasil em 10/04/1996, e denunciada 7 meses depois, durante a vigência do mesmo governo que a ratificou anteriormente. De lá para cá, mesmo trocando a ideologia governista, a Convenção ainda não foi novamente ratificada, e tampouco o inciso I do art. 7º da CF, que também protegeria a relação de emprego contra a despedida arbitraria ou sem justa causa, não foi regulamentado.
[16] Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Disponível em: <http://portal.trt15.jus.br/decisoes>.
[17]Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2> Acesso em 10/02/2014.
[18]Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: < http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2>. Acessado em 10/02/2014.
[19] EMENTA: BÔNUS DE VENDA E PRÊMIO DESEMPENHO. Os demonstrativos de salários comprovam o pagamento habitual de “remuneração por desempenho” e “bônus de vendas”, de forma a caracterizar a natureza salarial das parcelas. Recurso Ordinário 0078200-58.2009.5.04.0005, 3ª Turma. Des. Ricardo Carvalho Fraga, 30/03/2011.
[20] RO 0000983-94.2012.5.04.0663. 3ª Turma. Maria Madalena Telesca. 27/11/2013. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Disponível em: <http://www.trt4.jus.br/portal/portal/trt4/consultas/jurisprudencia/gsaAcordaos/ConsultaHomePortletWindow_12;jsessionid=48AA70A55D34803B297946BD1C8A9F86.jbportal-203?action=2>. Acesso em 19/02/2014.