A Defesa do Estado e a CRFB/88

15/08/2014 às 13:53
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O presente artigo versa sobre os fundamentos do Estado de Defesa como Defesa do Estado.

A DEFESA DO ESTADO E A CRFB/88
Marcos Rohling

RESUMO: Pretende-se, no presente texto, estabelecer algumas observações a respeito da defesa do Estado. Para tanto, dada fundamentalidade da matéria constitucional, centra-se especialmente na CRFB88. Desse modo, o texto é disposto observando-se tal ordem: (i) caracterização do estado de defesa na lai magna; (ii) apontamento dos requisitos necessários para a decretação e configuração do estado de defesa; e (iii) os procedimentos adequados para a efetivação legal da defesa.
PALAVRAS-CHAVE: Constituição. Teoria Constitucional da Defesa. Estado de Defesa.

Introdução

Uma das características do Brasil, enquanto Estado Nacional, segundo a nova ordem constitucional inaugurada pela carta magna, de 1988, é ter suas relações jurídicas desenvolvidas mediante o Estado de Direito, que é conjuminado, ainda, ao Estado Democrático , resultando num híbrido Estado Democrático de Direito. O Estado de Direito objetiva assegurar a ordem, a paz, a segurança e a liberdade aos membros de um determinado território mediante um conjunto de regras que formam uma ordem jurídica. O Estado Democrático, por seu turno, abaliza a idéia de que todo o poder é emanado do povo, enquanto povo, segundo a idéia contratualista da vontade geral, de Rousseau, e de os meios e modos de deliberação e organização devem expressar essa característica.
Segundo os autores José Cretella Júnior e José Cretella Neto, os principais sistemas de defesa da ordem constitucional e das instituições, em períodos de crise política, ao longo da história, podem ser elencados do seguinte modo: a) suspensão da Constituição; b) lei marcial; c) estado de defesa; d) estado de sítio; e) suspensão do habeas corpus; e f) ditadura constitucional.
A Constituição Federal do Brasil prevê, quanto a esse aspecto, duas medidas excepcionais, denominadas de estado de defesa e de estado de sítio, as quais são destinadas a preservar ou a restabelecer a ordem pública ou a paz social, assim como enfrentar comoção grave de repercussão nacional ou guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Conforme argumenta Neto, essas medidas extremas possibilitam a suspensão de garantias constitucionais essenciais, em lugar específico e por certo tempo, possibilitando ampliação do poder repressivo do Estado com o claro objetivo de superar crises e devolver a paz social, que é, segundo Kelsen, o único modo de se entender realmente a idéia de justiça.  De fato, a visão positivista externada por Kelsen concebe que a justiça seja apenas vista por esse viés: paz e segurança social.
Esse modelo adotado pela Constituição Federal, segundo expressam alguns autores, entre os quais Alexandre de Moraes, baseando-se na teoria de Paolo Barile, é
[...] o chamado sistema constitucional das crises, consistente em um conjunto de normas constitucionais, que informadas pelos princípios da necessidade e da temporariedade, têm por objeto as situações de crises e por finalidade a mantença ou o restabelecimento da normalidade constitucional.

Alexandre de Moraes ainda doutrina que a acuidade de tais medidas exige o irrestrito cumprimento de todas as hipóteses e requisitos, sob pena de responsabilização política, criminal e civil dos agentes políticos usurpadores. Cabe ainda lembrar que ambas as medidas visam a superação e restituição do status quo ante, isto é, a ordem social anterior ao conflito ou desequilíbrio pelo qual o Estado Nacional passa.
Neto, citando Aricê Amaral Santos, estabelece que os princípios do sistema constitucional das crises, alguns dos quais já apontados por Moraes, são:
[...] o princípio fundante da necessidade e o princípio da temporariedade, que determinam: (i) a declaração é condicionada à ocorrência de pressuposto fático; (ii) os meios de resposta têm sua executoriedade restrita e vinculada a cada anormalidade em particular e, ainda, ao lugar e tempo; (iii) o poder de fiscalização política dos atos de exceção é de competência do Legislativo; (iv) o controle judicial a tempore e a posteriori é do Judiciário.

Conforme se vê, a ordem constitucional brasileira prevê e estabelece um sistema de práticas a serem adotas quando da ameaça à ordem nacional. Desse modo, essa pesquisa pretende apresentar, conforme reza a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 136 a144 – e nesta ordem –, os conceitos de Estado de Defesa, Estado de Sítio, Forças Armadas e Segurança Pública, responsáveis pela manutenção da ordem pública e proteção contra potências extraterritoriais e extranacionais. Dar-se-á cotejo, no presente texto, ao primeiro desses temas constitucionais, notadamente, o estado de defesa como defesa do Estado.

1. A Caracterização do Estado de Defesa

O Estado de Defesa, previsto no art. 136 , da Constituição Federal, segundo Moraes, “é uma modalidade mais branda de Estado de Sítio e corresponde às antigas medidas de emergência do direito constitucional anterior e não exige para a sua decretação, por parte do Presidente da República, autorização do Congresso Nacional.”  O autor ainda afirma que o decreto presidencial deverá determinar o prazo de sua duração assim como especificar as áreas abrangidas e indicar as medidas coercitivas, nos termos e limites constitucionais e legais.
O Presidente da República, como se vê, como chefe de Governo, é a única pessoa à qual compete, mediante decreto, declarar o estado de defesa, cuja finalidade é a preservação ou pronto restabelecimento da ordem ou da paz social ameaçada. Assim sendo, é competência exclusiva do executivo a decretação do Estado de Defesa, obviamente, regulamentada por um procedimento que envolve, como regime democrático, as esferas legislativa e judiciária do Estado de Direito.

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2. Os Requisitos Fundamentais

A decretação do Estado de Defesa, como medida excepcional, exige o cumprimento de todos os requisitos constitucionais, sob pena de responsabilidade política, criminal e civil, isto é, imputação de um crime. Nos termos do § 1º do art. 136 da CF88: “o decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem.”
Segundo estabelece o § 2º do referido artigo, o tempo de duração do Estado de Defesa não será superior a 30 (trinta) dias, podendo ser prorrogado uma vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação. Além dessa limitação temporal, a delimitação da área em que serão aplicadas as medidas restritivas de direitos também deverá ser estabelecida no decreto, conforme argumenta Neto.
Para esse autor, ainda, as medidas coercitivas estão adstritas às restrições ao direito de reunião,
[...] ainda que exercida no seio das associações (art. 5°, XVI, da CF); ao sigilo de correspondência; ao sigilo de comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5°, XII, da CF); e, tratando-se de calamidade pública, à ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.

O autor prossegue:
Ainda, poderá ser procedida a prisão por crime contra o Estado (art. 5°, LXI, da CF), determinada pelo executor da medida, que deverá comunicar imediatamente ao juiz competente (art. 5°, LXV, da CF), facultado ao preso requerer exame de corpo de delito à autoridade policial (art. 5º, XLIX, da CF).

No que se refere à prisão, segundo compreende Neto, a mesma não poderá ser superior a 10 (dez) dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário, sendo, igualmente, vedada a incomunicabilidade do preso, como reza o art. 5º, LXIII, da CF. Disso, subsome-se que todas as medidas coercitivas terão o devido controle jurisdicional, que poderá se dar concomitantemente ou após cessar o Estado de Defesa.  Além disso, isto é, dessas medidas coercitivas, há ainda, uma limitação circunstancial. Tal limitação se materializa na negativa, por parte da permissão da Constituição de o Congresso Nacional poder votar emenda constitucional, consoante dispõe o art. 60, § 1º, da CF, durante o Estado de Defesa, assim como o Estado de Sítio.

3. Os Procedimentos Requisitados

Quanto aos procedimentos, conforme estatui o art. 136, da CF88, o Presidente da República, após a audiência do Conselho da República  e do Conselho de Defesa Nacional , pode decretar Estado de Defesa. É pertinente observar que, tanto o Conselho da República, como o Conselho de Defesa Nacional , conforme reza o § 1º, do art. 91, da CF88, poderão, tão-somente opinar a respeito do assunto. Essa posição confere a tais aparelhos o caráter de órgãos consultivos. Nesse sentido, o Presidente da República não está vinculado ao parecer dos Conselhos, podendo, desse modo, discordar desse parecer e declarar o Estado de Defesa, caso em que ficará sujeito à aprovação do Congresso Nacional, que exercerá o controle político da medida.
Uma vez que se tenha decretado o Estado de Defesa, ou sua prorrogação, o Presidente da República, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deverá submeter o ato, apresentado devidamente com a respectiva justificação, ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta a respeito de sua aprovação ou não. No caso de recesso do Congresso Nacional, convoca-se, extraordinariamente, uma sessão no prazo de 5 (cinco) dias. Além disso, a casa deverá, dentro de 10 (dez) dias, contados o seu recebimento, apreciar o decreto.
Em caso de aprovação da medida, a Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará comissão – nominada pela doutrina como Controle Político Concomitante do Congresso Nacional –, a qual será composta de cinco de seus membros, para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao Estado de Defesa. Contudo, caso haja a rejeição da medida pelo Congresso Nacional, imediatamente cessam os efeitos do decreto. É importante ter em conta que a rejeição não imputa prejuízo de responsabilidade pelos ilícitos cometidos por seus executores ou agentes, sejam eles na esfera administrativa, criminal ou civil.
Além disso, tão-logo cesse o Estado de Defesa, as medidas aplicadas em sua vigência serão relatadas pelo Presidente da República, em mensagem ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas, relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas. Ademais, conforme escreve Neto, ao citar José Afonso da Silva,
trata-se do controle sucessivo, que é exercido pelo Congresso Nacional num segundo momento, porque atuará após o término do estado de defesa. Caso o congresso não aceite as justificativas apresentadas ‘ficará caracterizado algum crime de responsabilidade do Presidente, especialmente o atentado a direitos individuais, pelo quê pode ser ele submetido ao respectivo processo, previsto no art. 86 e regulado na Lei 1.079/1950.


Considerações Finais

Ao Estado cumpre a responsabilidade pela defesa da ordem nacional. Ecoando a basilar passagem de Weber, em Economia e Sociedade, segundo a qual o Estado possui o monopólio do uso legítimo da violência, tem-se que essa atividade realiza-se em direções diversas. De acordo CF88, a ameaça da ordem estabelecida demanda situações excepcionais, a saber: estado de defesa e estado de sítio. Para dar conta da segurança nacional, o Estado conta, como força de proteção, com as forças armadas. Além disso, considera-se que é o dever do Estado, e a CRFB88 incorre em tal direção, a manutenção da segurança pública, muito embora ela seja de responsabilidade de cada qual que é um cidadão brasileiro.
 
Referências Bibliográficas

BOBBIO, N., MATTEUCCI, N., e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 11ª ed. Brasília: Editora UnB, 1998.
BRASIL. Constituição Federal da República do Brasil, 1988.
JÚNIOR, José Cretella & NETO, José Cretella. 1.000 Perguntas e Respostas de Direito Constitucional. 3.ª ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.
KELSEN, Hans. O Que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006.
NETO, José Francisco Siqueira. Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. In: TANAKA, Sônia Yuriko K.  (Org.). Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Vol II. Brasília, DF: UnB, 1999.

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Sobre o autor
Marcos Rohling

Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense – IFC. Doutorado em Educação (UFSC), Doutorando em Direito (UFSC), Mestrado em Filosofia (UFSC), Bacharelado e Licenciado em Filosofia (UFSC) e Bacharelado em Direito (UNOESC). É autor de "Rawls e o Direito: o Sistema Jurídico e a Justificação Moral da Obediência ao Direito em Uma Teoria da Justiça de John Rawls". Seus principais interesses são postos na confluência de três áreas: Filosofia, Direito e Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1426156565430729. E-mail: [email protected].

Informações sobre o texto

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