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Da renunciabilidade do direito aos alimentos conjugais

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01/08/2002 às 00:00
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4. O novo Código Civil e os alimentos conjugais.

A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, instituindo o novo Código Civil Brasileiro (CCB), estende aos alimentos conjugais o princípio da irrenunciabilidade, contrariando a construção doutrinária/jurisprudencial defendida no item anterior. Senão vejamos:

Dispõe o artigo 1.707 do novo CCB:

"Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora".

A expressão "credor", utilizada neste dispositivo, possui sentido amplo, abrigando todas as formas de obrigação alimentar, exceto aquela decorrente de ação responsabilidade civil. De fato, a redação do dispositivo supra não prevê exceção à regra, não sendo possível expurgar da sua abrangência os alimentos devidos entre os cônjuges. A análise sistemática reforça este entendimento: no novo CCB, todas as espécies de obrigação alimentar, estudadas no item 2 [24], foram reunidas em uma única classe – "Dos Alimentos" – onde regras específicas para cada categoria foram mescladas com princípios genéricos, dentre estes a irrenunciabilidade de tal direito.

Com isto, pretendeu o legislador realçar a função social dos alimentos, incluindo no rol do interesse público a assistência alimentar devida entre cônjuges. Este, aliás, foi o argumento utilizado pelo Relator do Projeto, Deputado Ricardo Fiúza, para amparar seu parecer:

"O texto original dispunha que "pode-se deixar de exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos, nem pode o respectivo crédito ser objeto de cessão, transação, compensação ou penhora".

A Emenda que modificou o texto reduziu o seu alcance, quanto tratou apenas de "parentes", excluindo os cônjuges, que não o são e que, segundo a jurisprudência dominante, e sob o reforço da Súmula nº 379 do Supremo Tribunal Federal, podem pleitear alimentos, após separação judicial, verificados os pressupostos legais.

Por subemenda do Relator no Senado foi defendido que o mesmo critério se há de aplicar, hoje, na separação judicial, restando acentuado que "essa ressalva de garantia da reclamação é que prevalece no direito moderno, como bem salientou o professor Couto e Silva, em observação, precisamente, à emenda, realçando a "concepção social dos alimentos", sucedânea de sua índole individualista.

A modificação operada pela subemenda, que ora se aprecia, apresenta-se de melhor técnica jurídica, inclusive redacional (evitando a repetição, três vezes, no Projeto como na Emenda, da forma verbal pode), evitando, de conseguinte, a cláusula restritiva antes proposta.

Forçoso considerar, todavia, as lições da doutrina e da jurisprudência, segundo a qual extrai-se o entendimento da utilidade da Súmula nº 379 apenas enquanto não rompido o vínculo matrimonial pelo divórcio, a saber que aquela posição do STF consolidou-se anteriormente ao advento da Lei divorcista".

O art. 1.707 do novo CCB deixa ainda mais clara a intenção do legislador reformista:

"Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a presta-los, mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial.

Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de presta-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegura-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência".

Poder-se-ia alegar que estes dispositivos se referem, apenas, a separação judicial, e não ao divórcio, de modo que a viabilidade do pedido de alimentos entre cônjuges ficaria restrita ao período compreendido entre a sentença de separação judicial e a conversão desta em divórcio.

Não parece, todavia, ter sido esta a intenção. Pelo contrário, o reconhecimento da função social dos alimentos conjugais deixa claro que a obrigação alimentar entre cônjuges persistirá mesmo após o divórcio, através da ultra-atividade do dever de mútua assistência conjugal.

Em suma: com a vigência do novo Código Civil Brasileiro, será vedado aos cônjuges renunciar ao direito aos alimentos quando da separação consensual; o desrespeito a este princípio implicará na nulidade de eventual cláusula dispondo sobre tal abdicação; a sentença que negar o direito aos alimentos a uma das partes, em ação de separação litigiosa, não fará coisa julgada, podendo os ex-cônjuges postular a assistência alimentar se presentes os requisitos legais; a omissão de cláusula de alimentos conjugais no acordo de separação consensual não impedirá os cônjuges de postular a assistência entre si, restando afastada qualquer possibilidade de presunção de renúncia ao direito de pensão.

Data venia, a reforma do Código Civil, neste pondo, deu um passo atrás. Os acordos de separação judicial, quanto aos seus efeitos patrimoniais, envolvem, via de regra, o direito aos alimentos; sendo inviável a sua renúncia, será mais interessante às partes insistirem na separação litigiosa para tentar a exoneração da obrigação de alimentar, seja atribuindo a culpa ao outro cônjuge, seja buscando o reconhecimento da culpa recíproca.

Estimulante será acompanhar a resposta dos tribunais ao sistema jurídico proposto pelo legislador reformista acerca da obrigação alimentar, posto que o novo CCB, neste aspecto, conflitará com o entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência, as quais não costumam ceder amistosamente aos princípios por elas estabelecidos.

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Notas

1. "São considerados encargos de família as despesas relativas ao custeio de ensino superior em instituição particular, de filhos de até 24 anos de idade". (TJSC, Ap. Cív. 98.004021-3, rel. Des. Orli Rodrigues. JC 85/241).

2. CF, art. 205. "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

3. "A obrigação de prestar alimentos, regulamentada nos arts. 396 e ss. do Código Civil, nasce de um relacionamento parental decorrente da obrigação natural existente neste tipo de relação, exigindo-se que o parente que os pretenda não tenha bens e não possa prover, pelo seu trabalho, a própria manutenção, de um lado e, do outro, que aquele que tenha de efetuar a prestação possa fazê-lo sem desfalque do necessário para o seu sustento". (TJSC, Ap. Cív. 51.150, Rel. Des. Pedro Manoel Abreu. JC 78/283).

4. CC, art. 396. De acordo com o prescrito neste capítulo, podem os parentes exigir uns dos outros alimentos, de que necessitem para subsistir.

5. CC, art. 397. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

6. "Divórcio e Separação". Vol. II, RT, 7ª Ed., pág. 916/917.

7. CC, art. 1.694.

8. "Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada".

9. Sem grifos no original.

10. "Curso de Direito Civil". 2º Volume, Saraiva, 14ª Ed., pág. 269.

11. STJ. Recurso Especial 95267. Processo nº 1996.00.29697-9/DF; rel. Min. Waldemar Zveiter. DJU 25/02/1998, pág. 69; LEXSTJ 107/174.

12. STJ. RESP 70630. Processo nº 1995.00.36606-1/SP. DJU 20/11/2000, pág. 296; LEXSTJ 139/79; RSTJ 145/419. Rel. Min. Aldir Passarinho.

13. "Obrigações". Forense, 10ª Ed., pág. 125.

14. "Instituições de Direito Civil". Vol. I, Forense, 15ª Ed., pág. 301.

15. "Alimentos". RT, 2ª ed., pág. 254.

16. RJTJSP 71/28.

17. RT 566/93.

18. TJSP. Ap. nº 119.719-1, rel. Des. Manoel Carlos, RT 659/72.

19. O artigo 1.121, inciso IV, do CPC, determina que a petição inicial da ação de separação consensual deve fixar o valor da pensão devida à mulher. No mesmo sentido é o disposto nos artigos 19 (separação litigiosa) e 40, §2º, II (divórcio direto consensual), ambos da Lei do Divórcio.

20. "Assim entendida a omissão, portanto, nada obsta à homologação do acordo, eis que remanesce incólume o direito dos cônjuges de se reclamarem reciprocamente alimentos no futuro, ainda que formalmente não tivesse sido observado o preceito do art. 1.121, IV, do CPC". (YUSSEF SAID CAHALI, "Divórcio e Separação", Tomo I, 7ª ed., RT, pág. 241).

21. TJSC. AI nº 2001.018137-1 - Segunda Câmara Civil, rel. Des. César Abreu.

22. "..., donde, se não disse que renunciava, demitia, ou abdicava, nem que não queria exercer o direito, a omissão não pode ser interpretada senão como atitude provisória de inexercício de direito que não perdeu, a qual corresponde à só figura da dispensa; e, se não dispôs do direito, em princípio, indisponível, tem pretensão e ação para reclamar alimentos ao antigo consorte". (YUSSEF SAID CAHALI, "Dos Alimentos". RT. 2ª Ed., pág. 253).

23. "DIREITO CIVIL. DIVÓRCIO. ALIMENTOS. RENÚNCIA. 1. O casamento válido se dissolve com o divórcio, bem como as obrigações dele decorrentes, inclusive a de prestação de alimentos se houver renúncia expressa da parte interessada". (STJ. RESP 64449. Processo: 1995.00.20230-1/SP. Quarta Turma. Data da Decisão: 25/03/1999. Rel. Des. Bueno de Souza).

24. ".. a exceção dos alimentos devidos em virtude de sentença condenatória em ações de responsabilidade civil e dos alimentos testamentários".

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Sobre o autor
Pedro Augusto Lemos Carcereri

advogado em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARCERERI, Pedro Augusto Lemos. Da renunciabilidade do direito aos alimentos conjugais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3107. Acesso em: 28 mar. 2024.

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