1. INTRODUÇÃO:
Ab initio é de grande relevância demonstrar que a Lei nº 8.078/1990, adveio como sendo um instrumento normativo para a proteção do consumidor nas relações de consumo, tendo em vista que este geralmente se apresenta como sendo a parte hipossuficiente nessas relações.
Nessa perspectiva, com o crescimento da sociedade consumerista e da massificação das relações de consumo, o consumidor necessita desse instrumento normativo para proteger nas relações de consumo. Isso se caracteriza pelo fato da massificação da produção, caracterizado pela produção de produtos e a oferta de serviços em série, de maneira padronizada e uniforme, tudo isso com a finalidade de diminuir os custos para a produção e consequentemente atingir uma maior parcela da população com as ofertas.
Nesse contexto do século XX, temos que a primeira alteração normativa em relação a essa produção em massa foi para o beneficiamento dos fornecedores, na medida em que passa a criar a forma dos contratos padrões e formulários de maneira unilateral e dessa forma impingir os consumidores a aceitarem. Essa espécie de contrato ainda nos dias atuais e a que se encontra em prática, denominado de contrato de adesão, onde todas as disposições normativas vêm estabelecidas de acordo com o interesse do fornecedor, ficando o consumidor com a possibilidade de aceitar ou não a adesão naquele contrato.
Assim, surge a Lei nº 8.078/1990, denominada de Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo normas de proteção ao consumidor nas relações de consumo. Nessa perspectiva, dispõe o artigo 1º do CDC, ao aduzir que:
O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
Com isso, temos o primeiro princípio do CDC, denominado de princípio do protecionismo, sendo um dos fundamentos da ordem econômica a proteção do consumidor. Assim, todas as disposições normativas estabelecidas no CDC, estão delineadas para a proteção e defesa do consumidor, como por exemplo, do art. 47 ao estabelecer que as cláusulas contratuais sejam interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Outro princípio de grande relevância do Código de Defesa do Consumidor é o da vulnerabilidade do consumidor, demonstrando que o consumidor sempre se encontra em uma situação desfavorável perante o fornecedor. Nesse sentido, temos nos ensinamentos de Carlos Alberto Bittar (2002, p.2), ao abordar sobre essas desigualdades sofridas pelo consumidor na relação de consumo, ao dispor que:
Essas desigualdades sofridas não encontram, nos sistemas jurídicos oriundos do liberalismo, resposta eficiente para a solução dos problemas que decorrem da crise de relacionamento e de lesionamentos vários que sofrem os consumidores, pois os Códigos se estruturam com base em uma noção de paridade entre as partes, de cunho abstrato.
Abordando sobre a perspectiva da vulnerabilidade do consumidor, temos nas precisas lições de Flávio Tartuce e Daniel Amorim (2014, p.25), ao aduzir que:
O que se percebe, portanto, é que o conceito de vulnerabilidade é diverso do de hipossuficiência. Todo consumidor é sempre vulnerável, característica intrínseca à própria condição do destinatário final do produto ou serviço, mas nem sempre será hipossuficiente [...].
Assim, segundo esse entendimento, podemos aduzir que o consumidor, sempre está vulnerável nas relações de consumo, e com base nisto, temos que a questão da vulnerabilidade estar mais ligada a um elemento posto da própria relação de consumo. Dessa forma, para o reconhecimento da vulnerabilidade, não é necessária a verificação da situação política, social, econômica ou financeira da pessoa, bastando apenas à comprovação de que ela é consumidora, de acordo com os artigos a seguir dispostos:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
2. CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CDC
O Código de Defesa do Consumidor trouxe um rol exemplificativo de algumas cláusulas abusivas que podem acontecer nos contratos feitos na relação de consumo. Nesses termos, o artigo 51 do CDC traz algumas cláusulas em seus dezesseis incisos, abordando serem nulas de pleno direito, tendo em vista que tais cláusulas abusivas são violam a boa-fé objetiva do contrato, como também a sua função social. Essas cláusulas remontam ao período do Direito Romano, quando então eram denominadas de cláusulas leoninas.
De acordo com o caput do artigo 51 do CDC, podemos perceber que as cláusulas abordadas no Código são meramente exemplificativas, inclusive esse é o entendimento pacífico em sede doutrinária e jurisprudencial em nosso País, tendo em vista que o legislador abordou da seguinte maneira:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
Dessa maneira, a expressão “entre outras” caracteriza toda a natureza meramente exemplicativa das disposições expressas, não vendando o reconhecimento de outras cláusulas abusivas não previstas expressamente pelo CDC.
Assim, com base nas precisas lições de Cristiano Heineck Schmitt (2008, p.142), temos uma análise geral de todas as disposições normativas previstas no CDC, ao afirmar que:
Todas essas situações experimentam contrariedade à boa-fé, mas o legislador preferiu ser meticuloso, explicitando cada uma delas, as quais servem para auxiliar o juiz, sem limitar a sua atividade, uma vez que esse rol é apenas exemplificativo. A não adequação do caso concreto ao rol do art. 51 do CDC não impedirá a atividade meticulosa do magistrado na análise das cláusulas do instrumento, a fim de comprovar a abusividade ou não de uma ou de todas elas.
É importante ressaltar que, o pacta sunt servanda tem sua forma mitigada dentro dos contratos celebrados entre o consumidor e o fornecedor, na medida em que, sendo reconhecidas cláusulas ilícitas dentro do contrato, considerado como um abuso de direito contratual, estas serão declaradas nulas de maneira absoluta e ainda será possível o reconhecimento do dever de reparar caso essas cláusulas abusivas tenham causado algum dano ao consumidor.
O inciso I do artigo 51 do CDC, aborda sobre a cláusula abusiva que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor pelos vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou ainda impliquem em renúncia ou disposição de direitos. Nesse aspecto, temos que a norma como forma de garantir que os direitos do consumidor não sejam diminuídos com base em um contrato, tendo em vista que, somente se poderia falar em atenuar a responsabilidade do fornecedor no caso de o consumidor ter concorrido de alguma maneira para o evento danoso.
O inciso II aborda sobre a cláusula abusiva que de alguma forma subtraia do consumidor a opção pelo reembolso da quantia paga. Esse dispositivo legal se encontra em perfeita consonância com a vedação do enriquecimento sem justa causa. O inciso III aponta para o caso de cláusulas nas quais transferem para terceiros a responsabilidade, isso afeta diretamente o sistema previsto pelo CDC, pois foi adotado o sistema da solidariedade e da responsabilidade objetiva, tendo previsão no mesmo sentido, como o caso do artigo 25 do CDC. Assim, o consumidor tem a livre opção de escolha contra quem demandar, se é perante o fornecedor ou a sua seguradora.
O inciso IV, estabelece sobre as cláusulas nas quais preveem obrigações consideradas iníquas, abusivas, onde coloca o consumidor em situação desfavorável, ou ainda quando incompatíveis com a boa-fé e a equidade. Nesse sentido, temos nos ensinamentos de Paulo R. Roque A. Khouri (2005, p. 105), ao citar Ruy Rosado, quando aborda sobre a questão inciso IV do artigo 51 do CDC, como sendo uma cláusula geral da lesão enorme, ao tratar que:
[...] o CDC recuperou o instituto da lesão, que havia sido abolido pelo Código Civil brasileiro. Na lesão, como dito anteriormente, o desequilíbrio se manifesta na cláusula-preço. O consumidor estará pagando, por um produto ou serviço, valor excessivamente oneroso. Evidente que, se o consumidor paga por um bem ou serviço valor desproporcional ao objeto contratado, não se pode negar este contrato nasceu desequilibrado. E aqui o objetivo é prestar ao consumidor a proteção em uma cláusula essencial de qualquer contrato oneroso, a cláusula-preço.
O inciso VI, estabelece a cláusula no qual prevê a inversão do ônus probatório em prejuízo do consumidor. Esse tipo de previsão contratual e contra o sistema do CDC, tendo em vista que estabelece uma arma a mais em favor do consumidor, caso ocorra essa inversão o consumidor seria claramente prejudicado nas demandas fundadas em produtos ou serviços. O inciso VII, prevê o caso de cláusulas nas quais determinam a utilização compulsória da arbitragem como meio para solução de conflitos. Entretanto, é importante salientar que a arbitragem só pode ser usada para dirimir direitos patrimoniais disponíveis, não podendo ser utilizado para a proteção dos direitos do consumidor, pois estes tem caráter de direitos existenciais relativos à proteção da própria pessoa.
O inciso VIII, estabelece sobre a cláusula que impõe um representante para concluir ou realizar outro negócio pelo consumidor. Esse tipo de cláusula também é conhecido como sendo uma cláusula-mandato, pois institui que o consumidor faça a nomeação de um mandatário. Isso é considerado como cláusula abusiva, pois afasta o efetivo exercício dos direitos do consumidor. O inciso IX, aborda sobre a cláusula na qual prevê que o fornecedor deixe ou não de concluir o contrato, enquanto o consumidor se torne obrigado. Isso se torna uma cláusula puramente potestativa, pois deixa o negócio ao arbítrio do fornecedor. O inciso X trata da cláusula que permite ao fornecedor fazer a variação, diretamente ou indiretamente, do preço de maneira unilateral. Isso acaba sendo reconhecido como abusivo por gerar um enriquecimento sem causa. Esclarece Rizzatto Nunes (2007, p. 596), sobre essa cláusula, ao afirmar que:
A regra, é verdade, dirige-se aos casos em que o negócio já foi firmado, uma vez que, no sistema de liberdade de preços atualmente vigente no País, o valor inicialmente é fixado de forma livre pelo fornecedor. O que ele não pode é fazer modifica-lo para aumenta-lo após ter efetuado a transação.
O inciso XI estabelece sobre a cláusula que autorize o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que o consumidor possua igual direito. Essa cláusula também é denominada de cláusula de rescisão unilateral, onde por se tratar de cláusula puramente potestativa é vedada pelo CDC. O inciso XII aborda sobre a cláusula que obrigue o consumidor a ressarcir os custos da cobrança de sua obrigação, sem que igual direito seja conferido ao consumidor perante o fornecedor. Assim, essa cláusula só será válida caso confira essa igualdade de direitos entre consumidor e fornecedor.
O inciso XIII prevê a cláusula no qual autoriza o fornecedor a alterar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, depois de celebrado. Esta cláusula é nula absolutamente não podendo ser alterado o contrato unilateralmente depois da celebração. O inciso XIV estabelece a cláusula que infrinja ou estabeleça a violação de normas ambientais. Nesse contexto a proteção ao meio ambiente estar expressamente prevista no artigo 225 da Constituição Federal, não podendo um acordo entre partes prejudicar um bem da coletividade.
O inciso XV trata da cláusula que se encontra em desacordo com o previsto pelo Código de Defesa do Consumidor. Isso acaba por consagrar o sistema aberto de proteção, pois é nula qualquer cláusula contrária ao sistema de proteção consumerista. O inciso XVI estabelece sobre a cláusula que prever a renúncia do direito de indenização sobre as benfeitorias necessárias. As benfeitorias necessárias são aquelas que visam á conservação do bem principal, assim, diante dessa relação de essencialidade o CDC denomina como sendo abusiva essa cláusula.
BIBLIOGRAFIA.
BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do Consumidor. 5 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2002.
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2005.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2007.
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.
SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2014.